segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Brasil celebra Dia Internacional de Solidariedade à Palestina



Nesta terça-feira (29) é celebrado o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Serão realizados eventos em vários estados e municípios brasileiros para marcar a data. As comemorações em São Paulo acontecem nesta segunda-feira (28) em ato na Assembleia Legislativa do Estado. No Rio de Janeiro e em Florianópolis, a homenagem ao povo palestino será realizada na terça-feira (29). A capital Federal realizará um ato com o mesmo fim no dia 1º de dezembro.


O dia foi criado pela ONU em 1977. Os estados de São Paulo, Mato Grosso, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia, além das cidades de Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS), Campinas (SP), São Borja (RS), Santa Maria (RS), Quarai (RS), Acegua (RS), Pelotas (RS) e Marília (SP), instituíram, por meio de lei, o Dia de Solidariedade.

Histórico

Em 1977, a Assembléia Geral do ONU pediu que fossem celebrados todos os anos no dia 29 de Novembro (resolução 32/40 B) O Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Com efeito, foi nesse dia que, no ano de 1947, que a Assembléia Geral aprovou a resolução sobre a divisão da Palestina [resolução 181 (II)].

No dia 3 de Dezembro de 2001, a Assembléia tomou nota das medidas adotadas pelos Estados Membros para celebrar o dia e pediu-lhes que continuassem a dar a essa manifestação a maior publicidade possível (resolução 56/34). Reafirmando que as Nações Unidas têm uma responsabilidade permanente no que se refere à questão da Palestina, até que se resolva satisfatoriamente, no respeito pela legitimidade internacional, a Assembléia autorizou, no dia 3 de Dezembro de 2001, o Comitê para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino a continuar a promover o exercício de tais direitos, a adaptar o seu programa de trabalho em função dos acontecimentos e a insistir na necessidade de mobilizar a ajuda e o apoio ao povo palestino (resolução 56/33).

Foi solicitado ao Comitê que continuasse a cooperar com as organizações da sociedade civil palestina e outras, a fim de mobilizar o apoio da comunidade internacional a favor da realização, por parte do povo palestino, dos seus direitos inalienáveis e de uma solução pacífica para a questão da Palestina, e que envolvesse mais organizações da sociedade civil no seu trabalho.

Em 1947 a ONU era integrada por 57 países e o ambiente político era completamente dominado pelos EUA, que fizeram pressão sobre as pequenas nações. Com 25 votos a favor, 13 contra e 17 abstenções e, sem o consentimento dos legítimos donos da terra — o povo palestino, foi decidida a divisão da Palestina. A resolução de nº 181 determinou a divisão da Palestina em dois Estados: o Palestino e o Israelense. Na partilha do território, 56% da área caberiam aos israelense que, na fundação de seu Estado, ocuparam 78% do espaço e se valeram da força para promover a expulsão dos palestinos de seus lares e terras — que se refugiaram em acampamentos na Cisjordânia, Gaza, Líbano, Jordânia e Síria. Em 1967, Israel ocupou o restante do território que a divisão da ONU destinara à construção do Estado Palestino.

A efetivação do Estado Palestino independente, com Capital Jerusalém e o retorno dos refugiados (Resolução 194 da ONU) são questões cruciais à construção de uma paz verdadeira no Oriente Médio, que precisa ser justa e respeitada para ser duradoura.


Agenda

São Paulo – SP
Ato Público e Sessão Solene
Dia: 28 de novembro de 2011 (segunda-feira)
Hora: 20 horas
Local: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo
Av. Pedro Álvares Cabral, 201, São Paulo – SP

Rio de Janeiro
Ato Público na Cinelândia: Fora Sionismo da Palestina e Tire as garras da Síria
Dia: 29 de novembro
Horário: 17 horas
Organização: Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino do RJ e Comunidade Síria

Florianópolis – SC
Sessão Solene
Dia: 29 de novembro de 2011 (terça-feira)
Hora: 19 horas
Local: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina
Palácio Barriga Verde - Rua Doutor Jorge Luz Fontes, 310, Centro - Florianópolis – SC

Santa Maria - RS:
Sessão Solene
Dia: 29 de novembro de 2011 – terça-feira
Hora: 19 horas
Local: Câmara de Vereadores
Rua Vale Machado, 1415 Santa Maria - RS

Brasília:
Sessão Solene em comemoração ao “Dia do Povo Palestino”
Dia: 1º de dezembro de 2011 (quinta-feira)
Hora: 19 horas
Local: Câmara Legislativa do Distrito Federal
SIG QD 02 LOTE 5
PRAÇA MUNICIPAL – DF

Da Redação do VERMELHO

Sete teses sobre Walter Benjamin e a teoria crítica

271111_wbBlog da Boitempo - [Michael Löwy]

I – Walter Benjamin pertence à teoria crítica em sentido amplo, isto é, à corrente de pensamento inspirada em Marx que, a partir ou em torno da Escola de Frankfurt, pôs em questão não só o poder da burguesia, mas também os fundamentos da racionalidade e da civilização ocidental. Amigo íntimo de Theodor Adorno e Max Horkheimer, ele sem dúvida influenciou seus escritos e, sobretudo, a obra capital que é a Dialética do esclarecimento, em que se encontram muitas de suas ideias e, às vezes, “citações” sem referência à fonte. Ele, por sua vez, foi sensível aos principais temas da Escola de Frankfurt, mas distingue-se dela por alguns traços que lhe são particulares e constituem sua contribuição específica à teoria crítica.

Benjamin nunca conseguiu um cargo em universidades: a reprovação de sua tese – sobre o drama barroco alemão – condenou-o a uma existência precária de ensaísta, “homem de letras” e jornalista free-lancer, que, é claro, decaiu consideravelmente nos anos de exílio em Paris (1933-40). Exemplo ideal típico da freischwebende Intelligenz de que falava Mannheim: ele era um Aussenseiter em sentido estrito, um outsider, um marginal. Essa situação talvez tenha contribuído para a acuidade subversiva de seu olhar.

II – Benjamin foi, nesse grupo de pensadores, o primeiro a questionar a ideologia do progresso, filosofia “incoerente, imprecisa, sem rigor”, que só percebe no processo histórico “o ritmo mais ou menos rápido com que homens e épocas avançam no caminho do progresso” (“A vida dos estudantes”, 1915). Ele também foi mais longe do que os outros na tentativa de livrar o marxismo de uma vez por todas da influência das doutrinas burguesas “progressistas”; assim, em Passagens, ele se propunha o seguinte objetivo: “Também se pode considerar como alvo metodologicamente visado neste trabalho a possibilidade de um materialismo histórico que tenha anulado em si mesmo a ideia de progresso. É justamente se opondo aos hábitos do pensamento burguês que o materialismo histórico encontra forças”. Benjamin estava convencido de que as ilusões “progressistas”, especialmente a convicção de “nadar na corrente da história”, e uma visão acrítica da técnica e do sistema produtivo existentes contribuíram para a derrota do movimento operário alemão diante do fascismo. Entre essas ilusões nefastas, ele incluía o espanto de que o fascismo pudesse existir em nossa época, numa Europa moderna, produto de dois séculos de “processo de civilização” (no sentido dado por Norbert Elias), como se o Terceiro Reich não fosse precisamente uma manifestação patológica dessa mesma modernidade civilizada.

III – Se a maioria dos pensadores da teoria crítica partilhava o objetivo de Adorno de pôr a crítica romântica conservadora da civilização burguesa a serviço dos objetivos emancipadores das Luzes, Benjamin talvez tenha sido aquele que mostrou mais interesse pela apropriação crítica dos temas e das ideias do romantismo anticapitalista. Em Passagens, ele se refere a Korsch para destacar a dívida de Marx, via Hegel, com os românticos alemães e franceses, mesmo os mais contrarrevolucionários. Ele não hesitou em usar argumentos de Johannes von Baader, Bachofen ou Nietzsche para derrubar os mitos da civilização capitalista. Encontramos nele, como em todos os românticos revolucionários, uma surpreendente dialética entre o passado mais longínquo e o futuro emancipado; daí seu interesse pela tese de Bachofen – que inspirou tanto Engels quanto o geógrafo anarquista Elisée Réclus – sobre a existência de uma sociedade sem classes, sem poderes autoritários e sem patriarcado na aurora da história.
Essa sensibilidade permitiu que Benjamin compreendesse melhor que seus amigos da Escola de Frankfurt o significado e o alcance de um movimento romântico libertário como o surrealismo, ao qual ele atribuiu, num artigo de 1929, a missão de captar a força do inebriamento (Rausch) para a causa da revolução. Marcuse também se deu conta da importância do surrealismo como tentativa de associar arte e revolução, mas isso aconteceu quarenta anos depois.

IV – Mais do que os outros pensadores da teoria crítica, Benjamin soube mobilizar de forma produtiva os temas do messianismo judeu para o combate revolucionário dos oprimidos. Os temas messiânicos estão presentes em certos textos de Adorno (especialmente em Minima Moralia) ou Horkheimer, mas foi em Benjamin e, em particular, em suas teses “Sobre o conceito de história” que o messianismo se tornou um vetor central de refundação do materialismo histórico – para poupá-lo do destino de autômato que teve nas mãos do marxismo vulgar (social-democrata ou stalinista). Em Benjamin existe uma espécie de correspondência (no sentido baudelairiano da palavra) entre a irrupção messiânica e a revolução como interrupção da continuidade histórica – a continuidade da dominação.
No messianismo como Benjamin o entende (ou melhor, inventa), a questão não é alcançar a salvação de um indivíduo excepcional, de um profeta enviado pelos deuses: o “Messias” é coletivo, já que a cada geração foi dada “uma fraca força messiânica”, que deve ser exercida da melhor maneira possível.

V – De todos os autores da teoria crítica, Benjamin foi o mais apegado à luta de classes como princípio de compreensão da história e transformação do mundo. Como escreveu nas teses de 1940, a luta de classes “está sempre presente para o historiador formado pelo pensamento de Marx”. De fato, ela está sempre presente em seus textos, como elo essencial entre o passado, o presente e o futuro, e como lugar da unidade dialética entre teoria e prática. Para Benjamin, a história não aparece como um processo de desenvolvimento das forças produtivas, mas como um combate até a morte entre opressores e oprimidos. Rejeitando a visão evolucionista do marxismo vulgar, que percebe o movimento da história como uma acumulação de “conquistas”, ele insiste nas vitórias catastróficas das classes reinantes.
Ao contrário da maioria dos outros membros da Escola da Frankfurt, Benjamin apostou – até seu último suspiro – nas classes oprimidas como força emancipadora da humanidade. Profundamente pessimista, mas nunca resignado, considera a “última classe subjugada” – o proletariado – aquela que, “em nome das gerações vencidas, leva a cabo a obra de libertação” (Tese XII). Apesar de não compartilhar o otimismo míope dos partidos do movimento operário sobre sua “base de massa”, ele vê nas classes dominadas a única força capaz de derrubar o sistema de dominação.

VI – De todos os pensadores da teoria crítica, Benjamin era talvez o mais obstinadamente fiel à ideia marxiana de revolução. Na verdade, contrariando Marx, ele a definiu não como “locomotiva da história”, mas como interrupção de seu curso catastrófico, como ação salvadora de uma humanidade que puxa o freio de emergência. Mas a revolução social permanece o horizonte de sua reflexão, o ponto de fuga messiânico de sua filosofia da história, a pedra angular de sua reinterpretação do materialismo histórico.
Apesar das derrotas do passado – desde a revolta dos escravos liderada por Espártaco na Roma antiga até o levante do Spartakusbund de Rosa Luxemburgo, em janeiro de 1919 – “a revolução como Marx a concebeu”, o “salto dialético”, ainda é possível (Tese XIV). Sua dialética consiste em realizar, graças a “um salto de tigre no passado”, uma irrupção no presente, no “tempo de hoje” (Jetztzeit).

VII – O pensamento de Benjamin está profundamente enraizado na tradição romântica alemã e na cultura judaica da Europa Central e responde a uma conjuntura histórica precisa, a da época das guerras e das revoluções que vai de 1914 a 1940. E, no entanto, os temas principais de sua reflexão e, em particular, suas teses “Sobre o conceito de história” são de uma universalidade admirável: eles nos fornecem ferramentas para compreender realidades culturais, fenômenos históricos, movimentos sociais em outros contextos, outros períodos e outros continentes. Mas, em última análise, isso vale também para toda a teoria crítica.
***
Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências Sociais, é autor de Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (Boitempo, 2009) e organizador de Revoluções (2009),  dentre outras publicações. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
***
Em Walter Benjamin: aviso de incêndio, Michael Löwy faz uma aprofundada análise das teses “Sobre o conceito de história”. O livro integra a Coleção Marxismo e Literatura, coordenada por Leandro Konder, e ganhará versão eletrônica (ebook) em breve.
Traduzido do francês por Mariana Echalar.

domingo, 27 de novembro de 2011

A rede do poder corporativo mundial


Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural, e outra caracteristica desse poder corporativo, é o quanto ele é desconhecido
por Ladislau Dowbor no LEMONDE-BRASIL

(Exemplo de apenas algumas conexões financeiras internacionais. Em vermelho, grupos europeus, em azul norte-americanos, outros países em verde. A dominância dos dois primeiros é evidente, e muito ligada à crise financeira atual. Somente uma pequena parte dos links é aqui mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e Fattiston, http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html)
“There is a big difference between suspecting the existence of a fact
and in empirically demonstrating it”¹

Todos temos acompanhado, décadas a fio, as notícias sobre grandes empresas comprando-se umas as outras, formando grupos cada vez maiores, em princípio para se tornarem mais competitivas no ambiente cada vez mais agressivo do mercado. Mas o processo, naturalmente, tem limites. Em geral, nas principais cadeias produtivas, a corrida termina quando sobram poucas empresas, que em vez de guerrear, descobrem que é mais conveniente se articularem e trabalharem juntas, para o bem delas e dos seus acionistas. Não necessariamente, como é óbvio, para o bem da sociedade.
Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural. Econômico através do imenso fluxo de recursos – maior do que o PIB de numerosos países – político através da apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado, e cultural pelo fato da mídia de massa mundial criar, através de pesadíssimas campanhas publicitárias – financiadas pelas empresas, que incluem os custos nos preços de venda – uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que lhes interessa, e que gera boa parte do desastre planetário que enfrentamos.
Uma característica básica do poder corporativo, é o quanto é pouco conhecido. As Nações Unidas tinham um departamento, UNCTC (United Nations Center for Transnational Corporations), que publicava nos anos 1990 um excelente relatório anual sobre as corporações transnacionais. Com a formação da Organização Mundial do Comércio, simplesmente fecharam o UNCTC e descontinuaram as publicações. Assim o que é provavelmente o principal núcleo organizado de poder do planeta deixou simplesmente de ser estudado, a não ser por pesquisas pontuais dispersas pelas instituições acadêmicas, e fragmentadas por países.
O documento mais significativo que hoje temos sobre as corporações é o excelente documentário A Corporação (The Corporation), estudo científico de primeira linha, que em duas horas e doze capítulos mostra como funcionam, como se organizam, e que impactos geram. Outro documentário excelente, Trabalho Interno (Inside Job), que levou o Oscar de 2011, mostra como funciona o segmento financeiro do poder corporativo, mas limitado essencialmente a mostrar como se gerou a presente crise financeira. Temos também o clássico do setor, Quando as Corporações Regem o Mundo (When Corporations Rule the World) de David Korten. Trabalhos deste tipo nos permitem entender a lógica, geram a base do conhecimento disponível.
Mas nos faz imensa falta a pesquisa sistemática sobre como as corporações funcionam, como se tomam as decisões, quem as toma, com que legitimidade. O fato é que ignoramos quase tudo do principal vetor de poder mundial que são as corporações.
 É natural e saudável que tenhamos todos uma grande preocupação em não inventarmos conspirações diabólicas, maquinações maldosas. Mas ao vermos como nos principais setores as atividades se reduziram no topo a poucas empresas extremamente poderosas, começamos a entender que se trata sim de poder político. Agindo no espaço planetário, e na ausência de governo mundial, manejam grande poder sem nenhum controle significativo.
A pesquisa do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica)  vem pela primeira vez nesta escala iluminar a área com dados concretos. A metodologia é muito interessante. Selecionaram 43 mil corporações no banco de dados Orbis 2007 de 30 milhões de empresas, e passaram a estudar como se relacionam: o peso econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que empresas têm participações que permitem controle indireto. Em termos estatísticos, resulta um sistema em forma de bow-tie ¸ou “gravata borboleta”, onde temos um grupo de corporações no “nó”, e ramificações para um lado que apontam para corporações que o “nó” controla, e ramificações para outro que apontam para as empresas que têm participações no “nó’.
A inovação, é que a pesquisa aqui apresentada realizou este trabalho para o conjunto das principais corporações do planeta, e expandiu a metodologia de forma a ir traçando o mapa de controles do conjunto, incluindo a escada de poder que às vezes corporações menores detêm, ao controlarem um pequeno grupo de empresas que por sua vez controla uma série de outras empresas e assim por diante. O que temos aqui, é exatamente o que o título da pesquisa apresenta, “a rede do controle corporativo global”.
Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurich faz parte da nata da pesquisa tecnológica no planeta, em geral colocado em segundo lugar depois do MIT dos Estados Unidos. Os pesquisadores do ETH detêm 31 prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da arquitetura de poder que resulta. Stefano Battiston, um dos autores, assina pesquisas com J. Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial. O presente artigo, com 10 páginas, é curto para uma pesquisa deste porte, mas é acompanhado de 26 páginas de metodologia, de maneira a deixar transparentes todos os procedimentos. E em nenhum momento tiram conclusões políticas apressadas: limitam-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder que resulta, e apontam as implicações. 
 A pesquisa é de difícil leitura para não leigos, pela matemática envolvida. Pela importância que representa para a compreensão de como se organiza o poder corporativo do planeta, resolvemos expor da maneira mais clara possível os principais aportes, ao mesmo tempo que disponibilizamos abaixo o link do artigo completo. 
O que resulta da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a computação do controle que possui cada ator global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie), e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Este núcleo pode ser visto como uma “super-entidade” (super-entity) o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas.”(1/36)
Para demostrar como este travamento acontece, os autores analisam a estrutura mundial do controle corporativo. O controle é aqui definido como participação dos atores econômicos nas ações, correspondendo “às oportunidades de ver os seus interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Ao desenhar o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede. Esta noção define o montante total de valor econômico sobre a qual um agente tem influência.
O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações, detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings) identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. “Este tipo de estruturas, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações tais como estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qual que seja a sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado... Como resultado, cerca de ¾ da propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras”. (5)
Este mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do controle. A primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou “quão concentrado é este controle, e quem são os que detêm maior controle no topo”. Isto é uma inovação relativamente aos numerosos estudos anteriores que mediram a concentração de riqueza e de renda. Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar qual a fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes: “Encontramos que apenas 737 dos principais atores (top-holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as ETNs... Isto significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar baseado na sua riqueza.”(6)
Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com as suas interconexões, “encontramos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe, quase 4/10 do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, através de uma teia complicada de relações de propriedade, está nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo podem assim ser considerados como uma “super-entidade” na rede global das corporações. Um fato adicional relevante neste ponto é que ¾ do núcleo são intermediários financeiros.”
Os números em si são muito impressionantes, e estão gerando impacto no mundo científico, e vão repercutir inevitavelmente no mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que brinca com os recursos dos outros 99% O New Scientist reproduz o comentário de um dos pesquisadores, Glattfelder, que resume a questão: “Com efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda a rede”. E a maioria são instituições financeiras, entre as quais Barclays Bank, JPMorgan Chase&Co, Goldman Sachs e semelhantes. 
Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação do New Scientist as empresas se comprem umas as outras por razões de negócios e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre esta concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente prova de miopia. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases da trágica desigualdade planetária atual, não há dúvidas quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei recentemente passada nos Estados Unidos que libera totalmente o financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento das leis que obrigavam as instituições financeiras a fornecer informações e que regulavam as suas atividades passa a ter origens claras. 
Outra conclusão importante refere-se à fragilidade sistêmica que geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real, ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar os preços, e muito menos ditar o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando uma certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumendo da demanda da China por matérias primas. A evolução recente dos preços de petróleo, em particular, está diretamente conectada a estas estruturas de poder. 
Os autores trazem também implicações para o controle dos trustes, já que estas políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro das suas fronteiras nacionais. O fato de series de dados internacionais bem como métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas recentemente, pode explicar como esta descoberta não tenha sido notada durante tanto tempo”(7) Em termos claros, estas corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a colaboração dos paraisos fiscais.
Outra implicação é a instabilidade financeira sistêmica gerada. Estamos acostumados a dizer que os grandes grupos financeiros são demasiado grandes para quebrar. Ao ver como estão interconectados, a imagem muda, é o sistema que é grande e poderoso demais para que não sejamos todos obrigados a manter os seus privilégios. “Trabalhos recentes têm mostrado que quando uma rede financeira é muito densamente conectada fica sujeita ao risco sistêmico. Com efeito, enquanto em bons tempos a rede parece robusta, em tempos ruins as empresas entram em desespero simultaneamente. Esta característica de ‘dois gumes’ foi constatada durante o recente caos financeiro” (7).
Ponto chave, os autores apontam para o efeito de poder do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos, em geral, as instituições financeiras não investem em participações acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Os nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo votando em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou através de negociações informais”. (8)
Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos:  “Do ponto de vista empírico, uma estrutura em “gravata borboleta” com um núcleo muito pequeno e influente constitui uma nova observação no estudo de redes complexas. Supomos que possa estar presente em outros tipos de redes onde mecanismos de “ricos-ficam-mais-ricos” (rich-get-richer) funcionam... O fato do núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do fenômeno de clube dos ricos (rich-club phenomenon).” (8) A presença esmagadora dos grupos europeus e americanos neste universo sem dúvida também ajuda nas articulações e acentua os desequilíbrios. 
Conclusões gerais a se tirar? Não faltam na internet comentários de que o fato de serem poucos não significa grande coisa. Na minha análise, é óbvio que se trata sim de um clube de ricos, e de muito ricos, que se apropriam de recursos produzidos pela sociedade em proporções inteiramente desproporcionais relativamente ao que produzem. Trata-se também de pessoas que controlam a aplicação de gigantescos recursos, muito mais do que a sua capacidade de gestão e de aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de uma dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos, pois são em boa parte vítimas indiretas do processo. Neste sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do sistema, e que terá em algum momento de ser enfrentada.
E quanto ao que tanto preocupa as pessoas, a conspiração? A grande realidade que sobressai da pesquisa, é que nenhuma conspiração é necessária. Ao estarem articulados em rede, e com um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Esta rede de contatos pessoais é de enorme relevância. Mas sobretudo os interesses são comuns, e não é necessária nenhuma conspiração para que os defendam solidariamente, como na batalha já mencionada para se reduzir os impostos que pagam os muito ricos, ou para se evitar taxação sobre transações financeiras, ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais.
O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma base muito articulada (tight-nit) de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra o ator principal, as instituições de intermediação financeira. No inicio do pânico da crise financeira, em 2008, a publicação do FMI Finance & Development estampou na capa em letras garrafais a pergunta “Who’s in charge?”, insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou pra o mal, a pergunta está respondida. 

Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).

1 - "Há uma grande diferença entre suspeitar a existância de um fato, e demonstrá-lo empiricamente” – Vitali, Glattfelder e Battiston - http://bit.ly/pWslEs
2 - S. Vitali, J.B Glattfelder e S. Battiston – The Network, of Global Corporate Control -  Chair of Systems Design, ETH Zurich – corresponding author sbattiston@ethz.ch . O texto completo foi disponibilizado em arXiv em pré-publicação, e publicado pelo PloS One em 26 de outubro de 2011: http://bit.ly/smmhvg .  A ampla discussão internacional gerada, com respostas dos autores da pesquisa, pode ser acompanhada em http://bit.ly/pWslEs
3 - Link para a resenha do New Scientist traduzida para o português no
site Inovação Tecnológica: http://bit.ly/sUsMjN e link para a resenha em inglês no site New Scientist: http://bit.ly/omulCA 4 - O aumento do risco sistêmico nos grandes sistemas integrados é estudado por Stiglitz em Risk and Global Economic Architecture, 2010,  http://www.nber.org/papers/w15718.pdf

VAMP E LÉSBICA: A LENDÁRIA ALLA NAZIMOVA




Alla Nazimova
ANTONIO NAHUD JÚNIOR no blog OFALCAOMALTES


Nascida na Rússia, ALLA NAZIMOVA (1879-1945), um dos monstros sagrados do cinema silencioso, cresceu numa família marcada pela violência de um pai brutal. Com o divórcio dos seus pais, terminou amparada por uma família suíça, sendo constamente estuprada por dois irmãos adotivos. De aspecto masculino e sem nenhum atrativo na adolescência, depois de estudar arte dramática em Moscou com Constantin Stanislavsky, renasceu de forma estilizada e atraente. Para pagar os seus estudos, prostituia-se nas ruas, até conhecer um senhor rico que a ajudou. Amiga dos dramaturgos Anton Tchecov e Máximo Gorki, tornou-se uma celebridade ao excursionar pela Europa com peças de Ibsen e Tchecov. De Londres, onde foi tratada como rainha, partiu para Nova York, iniciando uma relação amorosa com a líder feminista Emma Goldman e assinando contrato com Lee Schubert, um legendário produtor de teatro que lhe deu carta branca para escolher os personagens que desejava interpretar. Tornou-se uma grande estrela da Broadway, onde era chamada de Madame, introduzindo com sucesso nos Estados Unidos os textos de Henrik Ibsen, especialmente “Casa de Bonecas”, libelo da emancipação feminina.

Devido às numerosas relações da atriz com outras mulheres - entre elas, a mítica star da Broadway, Tallulah Bankhead,  Emma a abandonou. Como o homossexualismo era mal vista pelos puritanos, ela uniu-se num matrimônio de conveniência com um ator britânico abertamente gay, Charles Bryant, que viria a ser seu partner na maioria dos filmes. Estrela incontestável no teatro, Nazimova foi chamada por Hollywood, assinando em 1916 um contrato de 13.000 dólares semanais com a Metro-Goldwyn-Mayer com direito a escolher o diretor, o roteirista e o ator principal. O êxito foi imediato, estrelando onze filmes num período de três anos, todos com invejável sucesso. No auge da carreira, a atriz ao mesmo tempo animava e horrorizava Hollywood em sua suntuosa mansão de estilo espanhol na Sunset Boulevard, chamada de "Jardim de Alá", onde realizava festas regadas a orgias e drogas com o seu círculo sáfico. Nestes saraus, volta e meia Madame tocava piano e cantava com sua extraordinária voz de contralto, mantendo ao seu redor uma corte de discípulas/amantes, entre elas a cineasta Dorothy Arzner, a cenógrafa Natacha Rambova (futura esposa de Rudolph Valentino), a roteirista June Mathis e a milionária Mercedes de Acosta (que anos depois teria romances com Greta Garbo e Marlene Dietrich).

Quando a natureza de seus instintos sexuais se tornou pública, começou a ser rejeitada para filmes. Também foi acusada de comunismo. Arruinada, tentou o suicídio. O seu filme experimental “Afrodite” (1920), baseado em um romance de Pierre Louys, com cenas de amor lésbico e sexo entre mulheres, pressionado por entidades religiosas, foi proibido pela censura e os rolos queimados. Era a época em que os grupos religiosos estavam no auge de sua feroz campanha contra Hollywood, considerada a “cidade do pecado”. Realmente, o comportamento dos astros do cinema silencioso não era dos mais amenos: Chaplin sofrera processo por pedofilia, Wallace Berry por uso de drogas, o diretor Desmond Taylor fora misteriosamente assassinado, Clara Bow e Pola Negri eram conhecidas como ninfomaníacas, Barbara LaMarr morreu de overdose, a atriz lésbica Helen Menken terminou na cadeia, Valentino e Ramon Novarro homossexuais, e o comediante Fatty Arbuckle foi julgado pelo assassinato de uma jovem starlet, e teve uma brilhante carreira destruída. Perseguida, Madame Nazimova vendeu sua mansão, transformada em hotel com vários bangalôs, mas continuou vivendo em um deles pelo resto de sua vida. Com a repressão contra o lesbianismo acentuada na terra de Tio Sam, ela passou uma temporada em Paris, namorando a sobrinha de Oscar Wilde, Dolly.

De volta aos Estados Unidos, dedicou-se ao teatro ainda com imenso prestígio, só fazendo cinema outra vez na década de 1940. As suas películas mais controversas, "A Dama das Camélias" (1921, com Rudolph Valentino como Armand Duval) e "Salomé" (1923), são produções excelentes e vanguardistas. Os cenários art nouveau e o desempenho do elenco lento e teatral. Nada de naturalismo, o que há é um erotismo nervoso e fatalista. Em “Salomé”, produzido pela própria atriz, todo o elenco é homossexual. Nele, ALLA NAZIMOVA brilha como nunca, mas seus olhares de vamp são assustadores. Já em seus filmes falados, ela continuou surpreendendo com interpretações emocionantes. Caso de “Sangue e Areia” (1941), de Rouben Mamoulian, onde faz a pobre mãe do toureiro Juan Gallardo (Tyrone Power). Respondendo a uma jornalista se não achava um desmerecimento ela, Madame, fazer uma cena onde lavava o chão, Nazimova teria respondido: “Sou uma atriz. Vai ser o chão mais bem lavado da história do cinema”. No ano em que morreu, em 1945, vítima de uma trombose, aos 66 anos, publicou uma autobiografia reveladora. Dos seus 23 filmes, menos de meia dúzia sobreviveu. Mas que arte soberba nos revelam, que força inacreditável, que sensualismo, que dramaticidade. Trata-se de um mito plenamente justificado. Ela era grande.





Alla Nazimova e Rudolph Valentino em "A Dama das Camélias"

sábado, 26 de novembro de 2011

Jornada del Batallón 51 en Homenaje al Ché (Punta Pescador - Delta Amacuro)

Violência e morte contra a mulher na América Central




Havana,  (Prensa Latina)América Central é considerada a região de maior incidência de homicídios no mundo (82,1 pela cada 100 mil habitantes) e esta realidade reflete-se de modo particular na criminalidade contra as mulheres.
  Dados divulgados por organizações civis e até entidades estatais, no âmbito do Dia Internacional contra a Violência para as Mulheres, refletem uma ascensão da problemática na última década e desmetem as supostas condições de paz que prevalecem na região.
O Comissionado Nacional dos Direitos Humanos de Honduras, Ramón Custodio, informou que nos últimos seis anos se somaram mais de 1.750 as assassinadas nesse país e que 80 por cento desses casos não foram investigados de forma adequada.
Custodio reiterou a necessidade de qualificar o delito de feminicídio no Código Penal e estabelecer de 20 a 30 anos de cárcere para os responsáveis, ao divulgar que morreram outras 300 de janeiro a agosto de 2011.
A Tribuna das Mulheres contra os Feminicídios confirmou que a violência contra elas atingiu níveis alarmantes a partir do Golpe de Estado de 2009, porque só nesse ano foram assassinadas 377, para um aumento de 125 com relação ao anterior.
Em El Salvador, a Rede Feminista em frente à Violência contra as Mulheres informou que durante este ano 502 foram assassinadas, o que equivale a um aumento de 14 por cento com respeito a 2010.
As guatemaltecas conseguiram uma lei progressista contra o feminicídio desde 2008, mas continuam lutando por seus direitos devido a que 45 por cento delas, sobretudo indígenas, são afetadas por algum tipo de violência durante sua existência.
De 2000 a 2010, as assassinadas ultrapassaram as cinco mil 200 e a Comissão Presidencial contra o Feminicídio expressou sua preocupação porque o indicador, longe de reduzir com respeito ao ano anterior, chegou a 646 só de janeiro a novembro de 2011.
Costa Rica, ainda que também conta com uma Lei de Penalização da Violência Contra as Mulheres (2007), registra mais de 50 mil denúncias por agressão física ou emocional às mulheres anualmente e os tribunais ditam medidas de proteção insuficientes na maioria dos casos.
Segundo dados do Instituto Nacional da Mulher, a cifra de assassinadas rondou as 40 anuais na última década e sete em cada 10 destes casos são feminicídios -crimes por questões de gênero-, a metade cometidos por maridos ou ex-maridos das vítimas.
Desde 1995 até novembro de 2010, ocorreram mais de 400 e a ascensão progressiva da problemática levou à morte a 13 nos primeiros seis meses deste ano.
Na Nicarágua, está em análise a iniciativa de Lei Integral contra a Violência para a Mulher e apesar dos esforços do governo, prossegue a prática discriminatoria destas e este tipo de crime cresceu desde 2006.
A Rede de Mulheres Contra a Violência assegura que a cifra de vítimas mortais da violência de gênero ascendeu de 36 a 89, entre 2006 e 2010, para um total de 327 na etapa.
Tanto nesse país, como no resto, o aumento do número de mulheres morridas esteve acompanhado até agora de um incremento da crueldade e o enseñamiento por parte de quem provocaram essas vítimas, quase sempre homens unidos a elas por parentesco ou questões íntimas.
Especialistas da área concordam em que o flagelo se repete em todos os países centroamericanos e que mal muda o contexto de um a outro.
América Central possui uma boa legislação para frear a problemática mas segue sem aplicar-se e por isso estamos vendo como matam às mulheres com luxo de barbárie, mutiladas, com marcas em seus corpos e isto demonstra um ódio irracional, alertou a salvadorenha Silvia Juárez
Para a Organização de Nações Unidas, a violência de gênero é um dos crimes mais permitidos no mundo, por isso incentiva a luta contra ela desde 1981, em homenagem a Pátria, Minerva e María Teresa Mirabal, patriotas dominicanas assassinadas em 25 de novembro de 1960 por ordem do ditador Rafael Leónidas Trujillo.

Das pedras de Davi aos tanques de Golias


José Saramago* no blog do BOURDOUKAN
Afirmam algumas autoridades em questões bíblicas que o Primeiro Livro de Samuel foi escrito ou na época de Salomão ou no período imediato, em qualquer caso antes do cativeiro da Babilônia. Outros estudiosos não menos competentes argumentam que não apenas o Primeiro, mas também o Segundo Livro de Samuel, foram redigidos depois do exílio da Babilônia, obedecendo a sua composição ao que é denominado por estrutura histórico-político-religiosa do esquema deuteronomista, isto é, sucessivamente, a aliança de Deus com o seu povo, a infidelidade do povo, o castigo de Deus, a súplica do povo, o perdão de Deus. Se a venerável escritura vem do tempo de Salomão, poderemos dizer que sobre ela passaram, até hoje, em números redondos, uns três mil anos. Se o trabalho dos redatores foi realizado após terem regressado os judeus do exílio, então haverá que descontar daquele número uns 500. 


Esta preocupação de rigor temporal tem como único propósito propor à compreensão do leitor a idéia de que a famosa lenda bíblica do combate (que não chegou a dar-se) entre o pequeno pastor Davi e o gigante filisteu Golias anda a ser mal contada às crianças pelo menos desde há 25 ou 30 séculos. Ao longo do tempo, as diversas partes interessadas no assunto elaboraram, com o assentimento acrítico de mais de cem gerações de crentes, tanto hebreus como cristãos, toda uma enganosa mistificação sobre a desigualdade de forças que separava dos bestiais quatro metros de altura de Golias a frágil compleição física do louro e delicado Davi.
Tal desigualdade, segundo todas as aparências enorme, era compensada, e logo revertida a favor do israelita, pelo fato de Davi ser um mocinho astucioso e Golias uma estúpida massa de carne, tão astucioso aquele que antes de ir enfrentar-se ao filisteu apanhou na margem de um regato que havia por ali perto cinco pedras lisas que meteu no alforje, tão estúpido o outro que não se apercebeu de que Davi vinha armado com uma pistola. Que não era uma pistola, protestarão indignados os amantes das soberanas verdades míticas, que era simplesmente uma funda, uma humílima funda de pastor, como já as haviam usado em imemoriais tempos os servos de Abraão que lhe conduziam e guardavam o gado. Sim, de fato não parecia uma pistola, não tinha cano, não tinha coronha, não tinha gatilho, não tinha cartuchos, o que tinha era duas cordas finas e resistentes atadas pelas pontas a um pequeno pedaço de couro flexível, no côncavo do qual a mão esperta de Davi colocaria a pedra que, à distância, foi lançada, veloz e poderosa como uma bala, contra a cabeça de Golias, e o derrubou, deixando-o à mercê do fio da sua própria espada, já empunhada pelo destro fundibulário.
Não foi por ser mais astucioso que o israelita conseguiu matar o filisteu e dar a vitória ao exército do Deus vivo e de Samuel, foi simplesmente porque levava consigo uma arma de longo alcance e a soube manejar. A verdade histórica, modesta e nada imaginativa, contenta-se com ensinar- nos que Golias não teve nem sequer a possibilidade de pôr as mãos em cima de Davi. 

A verdade mítica, emérita fabricante de fantasias, anda a embalar-nos há 30 séculos com o conto maravilhoso do triunfo de um pequeno pastor sobre a bestialidade de um guerreiro gigantesco a quem, afinal, de nada pôde servir o pesado bronze do capacete, da couraça, das perneiras e do escudo. 

Tanto quanto estamos autorizados a concluir do desenvolvimento deste edificante episódio, Davi, nas muitas batalhas que fizeram dele rei de Judá e de Jerusalém e estenderam o seu poder até a margem direita do Eufrates, não voltou a usar a funda e as pedras. 

Também não as usa agora.
Nestes últimos 50 anos cresceram a tal ponto as forças e o tamanho de Davi que entre ele e o sobranceiro Golias já não é possível reconhecer qualquer diferença, podendo até dizer-se, sem insultar a ofuscante claridade dos fatos, que se tornou num novo Golias. Davi, hoje, é Golias, mas um Golias que deixou de carregar pesadas e afinal inúteis armas de bronze. Aquele louro Davi de antanho sobrevoa de helicóptero as terras palestinas ocupadas e dispara mísseis contra alvos inermes; aquele delicado Davi de outrora tripula os mais poderosos tanques do mundo e esmaga e rebenta tudo quanto encontra na sua frente; aquele lírico Davi que cantava loas a Betsabé, encarnado agora na figura gargantuesca de um criminoso de guerra chamado Ariel Sharon, lança a "poética" mensagem de que primeiro é necessário esmagar os palestinos para depois negociar com o que deles restar. 


Em poucas palavras, é nisto que consiste, desde 1948, com ligeiras variantes meramente tácticas, a estratégia política israelita. Intoxicados mentalmente pela idéia messiânica de um Grande Israel que realize finalmente os sonhos expansionistas do sionismo mais radical; contaminados pela monstruosa e enraizada "certeza" de que neste catastrófico e absurdo mundo existe um povo eleito por Deus e que, portanto, estão automaticamente justificadas e autorizadas, em nome também dos horrores passados e dos medos de hoje, todas as ações próprias resultantes de um racismo obsessivo, psicológica e patologicamente exclusivista; educados e treinados na idéia de que quaisquer sofrimentos que tenham infligido, inflijam ou venham a infligir aos outros, e em particular aos palestinos, sempre ficarão abaixo dos que padeceram no Holocausto, os judeus arranham interminavelmente a sua própria ferida para que não deixe de sangrar, para torná-la incurável, e mostram-na ao mundo como se tratasse de uma bandeira. 


Israel fez suas as terríveis palavras de Jeová no Deuteronômio: "Minha é a vingança, e eu lhes darei o pago". Israel quer que nos sintamos culpados, todos nós, direta ou indiretamente, pelos horrores do Holocausto, Israel quer que renunciemos ao mais elementar juízo crítico e nos transformemos em dócil eco da sua vontade, Israel quer que reconheçamos de jure o que para eles já é um exercício de fato: a impunidade absoluta.
Do ponto de vista dos judeus, Israel não poderá nunca ser submetido a julgamento, uma vez que foi torturado e queimado em Auschwitz. Pergunto-me se esses judeus que morreram nos campos de concentração nazistas, esses que foram perseguidos ao longo da História, esses que foram trucidados nos progrons, esses que apodreceram nos guetos, pergunto-me se essa imensa multidão de infelizes não sentiria vergonha pelos atos infames que os seus descendentes vêm cometendo. Pergunto-me se o fato de terem sofrido tanto não seria a melhor causa para não fazerem sofrer os outros. 

As pedras de Davi mudaram de mãos, agora são os palestinos que as atiram. Golias está do outro lado, armado e equipado como nunca se viu soldado algum na história das guerras, salvo, claro está, o amigo americano.
Ah, sim, as horrendas matanças de civis causadas pelos chamados terroristas suicidas... Horrendas, sim, sem dúvida, condenáveis, sim, sem dúvida. Mas Israel ainda terá muito que aprender se não é capaz de compreender as razões que podem levar um ser humano a transformar-se numa bomba. 
*Prêmio Nobel de Literatura

PT assume a luta pelo marco legal das comunicações

Renato Rovai em seu blog

Ontem fiquei o dia inteiro no Hotel Braston participando do seminário do PT que reuniu aproximadamente 20 entidades para discutir o marco legal das comunicações. Segundo meu amigo Altamiro Borges, presidente do Barão de Itararé, foi um dia histórico. Na avaliação a dele, entrada do PT com sua força social e parlamentar na construção de uma proposta para regulamentar o setor modifica a correlação de forças e dá novo gás ao movimento pela ampliação da democratização na área. Aliás, destaque necessário, Miro e Renata Mielle, que são do PCdoB acompanharam o seminário do seu primeiro ao último minuto. Como também o fez o presidente do PT, Rui Falcão. Ele não arredou pé do plenário, anotou trechos de falas, interveio quando achou conveniente e disse que considera importante que se construa uma campanha para debater o tema no ano que vem.
A ausência de representantes do ministério das Comunicações no evento, em especial do ministro Paulo Bernardo, foi o fato a lamentar. Bernardo tem assumido uma posição de distanciamento estranha e desnecessária com o campo que defende o debate do marco legal e um PNBL mais amplo e menos teles. Enquanto tem se reúnido constantemente com o mercado, desmarcou o último encontro agendado com o movimento social do setor e nunca mais tratou de remarcá-lo.
No evento de ontem, apresentei pela Altercom, em conjunto com João Brant, do Intervozes, um estudo sobre a legislação de comunicação de quatro países: EUA, França, Reino Unido e Portugal.
Levantamos os seguintes aspectos dessas legislações: 1) Arquitetura institucional; 2) Princípios e objetivos; 3) Concentração; 4) Sistema público e mídias comunitárias; 5) Pluralismo e 6) Diversidade; 7) Proteção de Direitos. Esse estudo teve por objetivo mostrar que a legislação brasileira é não só atrasada, como também pontuar que o que estamos debatendo no Brasil não tem nada de revolucionário ou muito menos tem qualquer intenção de controlar ou censurar a mídia. É algo que outros países de legislação de inspiração liberal já adotam. Segue o estudo que foi baseado num documento anteriormente preparado pelo Intervozes e nos depoimentos de representantes desses países no seminário de Convergência de Mídias que aconteceu, em dezembro de 2010, em Brasília.
Antes, porém, como fui um dos que contribuiu na organização deste seminário, queria agradecer a todos que foram ao evento, em especial aos palestrantes, e destacar o importante papel que teve o meu amigo Glauber Piva para que o evento acontecesse.
EUA, Reino Unido, França, Portugal e suas legislações de comunicação
1) Arquitetura institucional
Estados Unidos – FCC – agência única para radiodifusão e telecomunicações.
Reino Unido – Ofcom – agência única para radiodifusão e telecomunicações e vários mecanismos de participação social. Tem uma comissão só para tratar de conteúdo.
França – Tem duas agências. ARCEP (telecomunicações) que faz a regulação concorrencial e distribuição de frequências. E a CSA, que trata de missões sociais e culturais sobre os conteúdos audiovisuais (no caso de um conjunto organizado de imagens e sons acessíveis ao conjunto do público a um mesmo momento – excluindo sempre conteúdo gerado pelo usuário) e competência econômica de regulação.
Portugal – Também tem duas agências. Anacom (telecomunicações) e ERC (comunicação social – incluindo qualquer plataforma).

2) Princípios e objetivos
Estados Unidos
  • Regular comunicações interestaduais e internacionais do país, seja por rádio, televisão, cabo, satélite e redes telemáticas.
  • Assegurar o fornecimento universal de serviços básicos de comunicação tornando-os acessíveis a todas as pessoas.
  • Fazer cumprir as leis, emitindo normas infralegais e aplicando sanções nas empresas concessionárias.
Reino Unido
  • Disponibilizar em todo o Reino Unido de serviços de rádio e televisão que primem pela qualidade e variedade de gostos e interesses.
  • Manutenção de uma pluralidade suficiente de fornecedores de diferentes serviços de televisão e rádio.
  • Aplicação, no caso de todos os serviços de rádio e televisão, de normas que assegurem uma proteção adequada aos cidadãos quanto à veiculação de conteúdo ofensivo e prejudicial.
  • Aplicação, no caso de todos os serviços de rádio e televisão, de normas que assegurem uma proteção adequada ao público, seja no que se refere ao tratamento injusto em programas e também no que diz respeito à violação injustificada da privacidade.
França
  • Monitora o respeito ao pluralismo político e sindical sobre as antenas.
  • Deve assegurar a proteção dos espectadores e ouvintes jovens.

3) Concentração
Estados Unidos – Uma pessoa não pode possuir uma estação de radiodifusão (rádio ou TV) e um jornal diário quando o serviço da estação de TV cobre a cidade de publicação do jornal.
Reino Unido – Nenhuma pessoa pode manter, ao mesmo tempo:
  • Uma licença de rádio analógico local;
  • Uma licença de um dos principais canais privados de TV cuja audiência potencial inclua 50% da audiência do serviço de rádio analógico; e
  • O maior jornal local.
França – Uma série de regras cruzando audiência, alcance e propriedade.
Propriedade cruzada – Ninguém pode deter mais que duas das seguintes posições:
  • Ter licenças de TV que alcancem mais de 4 milhões de pessoas
  • Ter licenças de rádio com audiência potencial maior que 30 milhões
  • Ser editor ou proprietário de jornais diários com participação de mercado de mais de 20%
Portugal – Forte controle de aquisição de direitos exclusivos. Estabelece tipos de licença: internacional, nacional, regional ou local.

4) Sistema público e mídias comunitárias
Estados Unidos – Reserva 25% do espectro para mídia pública e permite que emissoras comunitárias ocupem espaços vazios no espectro.
Reino Unido – Dá espaço considerável para rádios comunitárias, com alcance de até 5 km, pode ter até 50% de verbas oriundas de publicidade.
França e Portugal – Regras específicas para o sistema público, forte financiamento, conselhos de programação, pluralidade.
5) Pluralismo
Estados Unidos – Manteve por décadas a ‘fairness doctrine’, que impunha equilíbrio na cobertura de temas de interesse público. Esta lei caiu durante o Governo Reagan.
Portugal – Rigor e existência de contraditório, direito de resposta, direito de antena e direito de réplica política.
Reino Unido – Exige a devida imparcialidade e a devida precisão no jornalismo praticado em meios sob concessão pública. Impede indevida proeminência de pontos de vista e opiniões.
França – Busca honestidade e equilíbrio de pontos de vista e opinião. Conta tempo dedicado às falas da oposição e define equilíbrio de cobertura de acordo com representatividade. Televisões e rádios devem respeitar a expressão pluralista de correntes de pensamento e opinião. A oposição não pode ter menos da metade das falas dedicadas à base do governo nas mídias. E prevê direito de antena para organizações sociais.

6) Diversidade
Estados Unidos – Praticamente não há. Isso também se explica porque os EUA não tem problema com a invasão de produções culturais estrangeiras.
França – Tem cotas de programas para filmes franceses e europeus. Leva em consideração para o que vai ao ar a diversidade de origens e de culturas da comunidade nacional.
Reino Unido – Cotas para produções europeias. Promove equidade de oportunidades nas áreas de deficiência, gênero e raça. Promove diversidade, inclusive linguística, entre Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte.
Portugal – Cotas de produção europeia e de produção independente. Estabelece uma série de obrigações e estímulos nos cadernos de encargos das licenças.

7) Proteção de direitos
Estados Unidos – Restringe-se ao controle de transmissão de material impróprio (indecente, obsceno, etc.).
Portugal – A proteção de crianças e adolescentes, de direitos de personalidade (reserva da vida privada e da intimidade, direito à honra, etc.) e de grupos minoritários. Não permite incitação ao ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual.
Reino Unido – Proteção de menores de 18 anos; danos e ofensa; crime; justiça e equidade; privacidade; patrocínio; temas comerciais. Proteção aos indivíduos e organizações afetados por um programa (entrevista, participação etc.). Proteção de raça, gênero e nacionalidade.
França – Protege a infância e a adolescência e também contra discriminação de raça, gênero, religião ou nacionalidade.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Dissidência no MST aponta mudanças na luta pela terra

Carta assinada por 51 dissidentes critica suposto alinhamento do MST com governos e distanciamento dos ideais de luta dos sem terra | Foto: Agência Brasil

Rachel Duarte no SUL21

Nesta semana, uma carta assinada por 51 dissidentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros grupos sugeriu que pode estar havendo uma mudança na simbologia do movimento vanguardista na luta por terra no Brasil. O documento acusa dirigentes do MST de estarem alinhados aos últimos governos. Além disso, afirmam que organização está cada vez mais distante dos ideais da luta dos sem terra. Por outro lado, há quem diga que a saída de algumas lideranças pode também apontar uma renovação até certo ponto saudável para o movimento.
Procurados para repercutir os argumentos da carta e falar sobre o significado da dissidência, os autores do documento informaram categoricamente e em uníssono que não irão falar neste momento sobre o que ocorre no MST. “Espero que vocês entendam, mas nós estamos sofrendo demais e podemos ser mal interpretados pela intenção que tivemos”, disse uma das dissidentes.
Entre outros pontos da carta, o grupo que está deixando o MST aponta que “a expansão e o fortalecimento do agronegócio” evidenciam “vínculos dos governos do PT com os setores estratégicos da classe dominante”. Como base para esta crítica, apontam a desigualdade de investimentos entre agronegócio e reforma agrária no último período, a aprovação das sementes transgênicas, a expansão da fronteira agrícola — que resultaria na legalização da grilagem nas terras de até 1500 hectares –a permanência dos atuais índices de produtividade e as recentes alterações no novo código florestal.
“São dirigentes enfraquecidos”, diz Dionilso Marcon
De acordo com o deputado federal Dionilso Marcon (PT), parlamentar que tem na plataforma a defesa dos trabalhadores rurais sem terra, a carta não representa o coletivo como um todo, portanto, não pode ser avaliada como um indicativo de decadência do MST, racha ou mesmo enfraquecimento do MST como um mecanismo de luta. “Não me apavora esta carta. Não podemos confundir o movimento que foi feito por este grupo da Frente de Massa (comissão interna do MST), com a conjuntura nacional do MST. Os que saíram são alguns dirigentes que estão envergonhados com as ações que fizeram dentro do movimento e já vinham enfraquecidos”, afirma.
Marcon disse que não avalia o ato como uma “crítica rebelde”, mas, “a turma que organizou a dissidência não pode acusar o MST de alinhamento com o governo. Governo sempre foi governo e o movimento sempre foi independente”, falou. Ele fala que no estado da Bahia, por exemplo, 20 mil famílias estão assentadas e vivendo de forma independente do governo.  O parlamentar federal diz que as demandas dos sem terra estão sendo atendidas pelos governos do PT na medida do possível. “Está tudo andando. Só às vezes não é na velocidade que queremos. Ganhamos eleição e não poder. A sociedade não é só para beneficiar os pequenos, e sim a todos”, falou.
Já o deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS), filho do falecido deputado federal e fundador do MST, Adão Pretto, diz que lamenta a dissidência “dos valorosos companheiros que optaram por algo legítimo a qualquer organização, que é fazer de outra forma a luta”. Ele salienta que pelo tamanho do MST, é natural que haja, em meio à maioria, alguns descontentes. Mas defende as ações por parte do governo estadual. “Aqui, o governo está fazendo um grande esforço para alinhar a pauta com o MST. Acertamos uma agenda com as mil famílias que estão nos assentamentos. Mas, além dar terra, é preciso garantir a permanência deles produzindo nas terras”, comenta.
Um dos integrantes do MST, que preferiu não se identificar, acusa que este é um dos problemas internos que estão gerando a dissidência: a concentração do poder econômico nas poucas cooperativas formadas dentro dos assentamentos. “Saíram os militantes e dirigentes que tem uma relação forte com a base, com a luta e a organização das famílias do MST. Saíram justamente porque agora todo o poder de tudo no movimento está nas mãos de cinco ou seis cooperativas. Menos de 100 famílias comandam uma organização de mais de 14 mil assentados, sendo que tem muita gente passando fome nos assentamentos”, conta.
O deputado Edegar Pretto argumenta que cooperativas são formas de organização interna nos assentamentos e podem ser escolhidas livremente pelos assentados. “O cidadão que ganha a terra opta pelo melhor modo de se organizar no lote. O MST incentiva a organização coletiva porque isto mantém a base unida, diminui custos e facilita a conquista dos pleitos. Mas esta decisão é livre”, fala.
Pode ser renovação?
Na avaliação do cientista social e especialista em sociologia rural, Ivaldo Ghelen, a dissidência dos integrantes do MST pode ser vista como uma renovação. “Nem sempre quando um grupo sai enfraquece o todo. Às vezes é melhor que alguns saiam. Estes que saíram, como eles mesmos dizem no texto, são os que já foram expulsos e outros que estavam com atritos internos. Esta saída pode diminuir prejuízos internos”, avalia.
Ele argumenta que, pela linguagem do texto, é possível perceber que é uma crítica mais interna do que de conjuntura. “São falas internas, que apontam para um afastamento da pureza da origem do MST. Os conflitos internos dentro dos movimentos aparecem pouco na opinião pública, mas sabemos que eles existem. Há divergências como em qualquer outro grupo”, afirma.
Ghelen acredita que o MST mudou nos últimos anos e busca mais diálogo com os governos, até por serem sucessivas gestões inclinadas à esquerda. “Por estar aberto a negociação, isto foi utilizado por um grupo para legitimar uma saída que já vinha sendo desejada. Só que eles saem e não apontam alternativa no documento, nem continuidade. Apenas um argumento de voltar a uma luta revolucionária, mas isto não causa impacto”, critica.
Segundo o sociólogo, a alternativa para os dissidentes agora é, em curto prazo, se articular para constituir uma rede que possa, em longo prazo, constituir uma nova organização. “Mas não temos como prever, nem mesmo saber se estes dissidentes saíram coesos”, aponta.

Egito: quarenta mortes depois, militares dão trégua e pedem desculpas


Por redação do CORREIO DO BRASIL, com Reuters- do Cairo
Egito
Mesmo após polícia parar de reprimir os protestos, manifestantes se protegem atrás de barricada de arame farpado montada na praça Tahrir
Uma trégua entre a polícia egípcia e manifestantes durante a madrugada desta quinta-feira conseguiu aplacar a violência que matou 39 pessoas em cinco dias, mas as pessoas que estão protestando na Praça Tahrir, no Cairo, prometeram ficar no local até que o Exército renuncie ao poder.
O conselho militar, que atualmente governa o Egito e que prometeu realizar as eleições parlamentares como previsto na segunda-feira, disse estar fazendo todo o possível para “impedir a repetição desses eventos”.
Em comunicado, o conselho pediu desculpas, ofereceu suas condolências às famílias dos mortos, e prometeu uma rápida investigação para descobrir quem estava por trás dos incidentes.
Manifestantes na Praça Tahrir disseram que uma trégua havia sido estabelecida à meia-noite. Ao amanhecer, a área estava tranquila pela primeira vez em dias.
-Desde aproximadamente meia-noite ou 1h da manhã não houve mais confrontos. Estamos aqui para garantir que ninguém ultrapasse a linha de isolamento-, disse Mohamed Mustafa, de 50 anos, que estava bloqueando uma rua de acesso ao Ministério do Interior, foco de grande parte da violência.
Eles estavam protegendo a barricada construída com uma cerca de metais quebrados, uma cabine telefônica deitada de lado e parte de um poste de luz.
Na outra extremidade da rua, vidro estilhaçado, blocos de concreto e montes de lixo, e ao menos dois policiais armados bloqueavam a passagem. O grupo de Mustafa disse que havia policiais na linha de frente, e atrás deles estava o Exército.
Manifestantes na Praça Tahrir construíram barricadas semelhantes para bloquear o acesso à rua Mohamed Mahmoud, local de repetidos confrontos.
-Nós construímos um espaço para nos separar da polícia. Estamos aqui para garantir que ninguém irá violar (a barreira)-, disse Mahmoud Adly, de 42.
Ceticismo
De acordo com o embaixador do Brasil no Cairo, Cesário Melantonio Neto, a população egípcia se mantém cética quanto às recentes concessões feitas pela junta militar governante e quanto à idoneidade das eleições parlamentares que começam na semana que vem.
-Os atuais distúrbios no país não surpreendem. Quando houve a revolução que derrubou Hosni Mubarak, a população esperava um desengajamento rápido dos militares. Mas eles começaram a mostrar desejo de seguir no poder indefinidamente”, opinou o diplomata brasileiro.
Apesar de as eleições parlamentares terem sido mantidas para a próxima semana e de os militares falarem em “governo de salvação”, na avaliação de Melantonio, permanece viva entre a população a sensação de que os militares continuarão tentando manter seu poder – eles controlam entre 20% e 40% da economia egípcia, segundo estimativas – e que políticos civis poderiam continuar sendo subservientes às Forças Armadas.
Melantonio comentou também relatos de que Mohamed El-Baradei, ex-chefe da agência nuclear da ONU, teria sido convidado para o posto de premiê, mas negado – para manter a viabilidade de sua possível candidatura à Presidência e por causa da percepção de que o gabinete interino não tem autonomia em relação à junta militar.
Jornalistas de todo o mundo que estão no Cairo para cobrir a “Segunda Revolução” apontam que o tema é o principal dilema do futuro político do país: quem terá a palavra final no novo modelo governamental do país – o povo, via políticos eleitos, ou os generais?
Desde a derrubada da monarquia, em 1952, as Forças Armadas têm estado por trás de todos os governos do país. O próprio Exército pressionou pela renúncia de Mubarak quando percebeu que este havia perdido apoio popular. Desde então, a maior autoridade do país é o Conselho Supremo das Forças Armadas, agora questionada pelos manifestantes.