segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Aleksandr Sokurov: A Voz Solitária do Homem


Créditos: CINÉFILO
Título original: Odinokiy golos cheloveka
Direção: Aleksandr Sokurov
Gênero: Drama
Tempo de duração: 87 minutos
Ano de lançamento: 1987
Sinopse: Filmado em 1978, mas banido até 1987, o primeiro longa-metragem de Sokurov foi baseado na obra do escritor soviético Andrej Platonov - este também um artista censurado em seu país. A narrativa, que se passa na década de 1920, durante os anos pós-revolução, está centrada em Nikita, um homem solitário que foi profundamente traumatizado pela guerra civil. O filme acompanha os tortuosos caminhos de sua relação com a esposa, uma mulher de classe média, e as dificuldades que eles enfrentam para se adaptar à nova sociedade que se instaura na Rússia.
Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0122591/
Filmow: http://filmow.com/a-voz-solitaria-do-homem-t18675/

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
Parte 6
Parte 7
Parte 8
Parte 9
Parte 10
Parte 11

Legenda
Baixe

O Trompetista e o Suicida


  •  Eugenio Lara no sitio PENSE


  • Difícil imaginar outra modalidade mais universal de comunicação do que a música. Certamente, a comunicação entre os espíritos mais elevados deve ser também por música, como se fosse um concerto, a mente em harmonia, com ritmo, pulsão, beleza: o improviso emocionalmente controlado. Em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, belo filme de Steven Spielberg, a linguagem musical, universal, foi o meio de contato com os extraterrestres, com poucas notas musicais, minimalistas. Bela sacada!

    A música funciona sempre como catalisador de nossas emoções. Basta ver os hinos entoados durante as antigas batalhas ou na guerra esportiva, nos hinos cantados de modo veemente, agressivo, pelas torcidas organizadas ou mesmo pelas não-organizadas, nos bares, nas quadras, na várzea, nos estádios monumentais: a música nas passeatas, nos festivais, como foi em Woodstock e hoje nos bailes funk, de emos, góticos, em raves, nos pagodes da vida.

    Quantos músicos não foram perseguidos, torturados e mortos por empregarem sua arte musical como ação eficiente de protesto, de denúncia? Lembro-me de meus prediletos Victor Jarra, Geraldo Vandré, Violeta Parra, Taiguara, de tantos músicos outros que ousaram ofertar sua expressão musical a serviço dos direitos humanos, contra a repressão, a violência, o autoritarismo, contra as corporações, o Estado repressor.

    Poderia ficar aqui, ad infinitum, citando variados casos onde a música funciona como fonte inspiradora, de acalanto, consolação, de protesto. Entretanto, escrevo essas palavras iniciais para expressar a profunda emoção lacrimosa que senti ao ver e ouvir na TV o depoimento de um músico radicado em Brasília-DF, um trompetista bastante reconhecido e requisitado, sobre a energia que a música movimenta, sem que nos demos conta disso.

    Refiro-me ao músico paraibano Moisés Alves, em um depoimento comovente sobre a sua costumeira compulsão em tocar seu trompete, tirando dele notas e harmonias sensíveis, alegres, ternas ou tristes, improvisadas. Em meio à apresentação de sua banda Moisés Alves Quinteto, no Clube do Choro de Brasília - Capital do Choro, retransmitida pela TV Senado, ele proferiu um testemunho que vale a pena compartilhar. De modo sincero, expôs a paixão que tem pela música e a necessidade inexplicável em tocar seu instrumento.

    Conta ele que, certa vez, estava no apartamento de um amigo, muito rico, em um imóvel luxuoso, lá mesmo em Brasília, onde mora. Ele pediu ao amigo se poderia tocar, pois estava sentindo uma vontade compulsiva, algo que sempre ocorre com ele. Naquele dia, o desejo foi mais forte...

    Tarde seca e pouco ensolarada, como são as tardes de Brasília no final de inverno. Tocou seu trompete à beira da janela na sala, improvisou um belo solo. Mais ou menos uma hora e meia após a inusitada execução musical, alguém bateu à porta do apartamento. Seu amigo, ao atender, se deparou com um vizinho extasiado, embevecido, querendo saber se era ele mesmo que havia tocado o solo de trompete. Disse-lhe que não, que o solo havia sido obra de um amigo seu, ali presente. Chamou-lhe. O rapaz se apresentou e deu um testemunho marcante e emocionado: “Eu estava prestes a me suicidar quando ouvi aquela música. Parei com meus pensamentos destrutivos e ao ouvir aquele som, desisti da ideia de me matar”.

    O pobre suicida, não mais que de repente, começou a ver as coisas sob outro ângulo, mudou seu tônus mental devido àquela música. Deve ter imaginado que, apesar de tudo, de toda a desgraça e desilusão de sua vida, valeria a pena prosseguir, ao curtir aquele som agradável e mavioso. E em seu depoimento, concluiu Moisés: “a música movimenta energias que desconhecemos”.

    Imaginar que os espíritos nos dirigem, como eles mesmo afirmaram a Allan Kardec, sempre me pareceu um exagero, compreensível, ainda mais em uma época anterior à psicanálise, à engenharia genética, à física quântica. Algo bem diferente daquela frase notória do fundador do positivismo, Auguste Comte: “os vivos são sempre e cada vez mais governados necessariamente pelos mortos”. No caso, não se trata de uma imortalidade subjetiva, meramente cultural, como imaginava o grande idealizador da Religião da Humanidade. Trata-se de uma imortalidade dinâmica e objetiva, no dizer do pensador espírita Jaci Regis, pois neste caso, apesar da compulsão costumeira de nosso amigo trompetista, aquele momento foi especial sob o ponto de vista extrafísico. A meu ver, a influência espiritual foi decisiva, muito mais do que um suposto acaso ou algum tipo de sincronicidade, vazia de sentido.

    Eu, no lugar de nosso amigo suicida, se ouvisse um daqueles funks repetitivos e insuportáveis, naquele momento dramático, aí sim reforçaria minha coragem em me matar. Seria a cereja no bolo de meu suicídio voluntário. Por sorte, não era surdo. O que ele ouviu naquele instante foi decisivo, determinante. O amparo espiritual de nosso simpático suicida foi eficiente. Essas coisas acontecem a todo momento. Nós é que em nossa santa ignorância, não percebemos. Porque a vida é muito mais simples e interessante do que imaginamos...


    Eugenio Lara, arquiteto, jornalista e designer gráfico, é fundador e editor do site PENSE - Pensamento Social Espírita [www.viasantos.com/pense], membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc) e autor dos livros em edição digital: Racismo e Espiritismo; Milenarismo e Espiritismo; Amélie Boudet, uma Mulher de Verdade - Ensaio Biográfico; Conceito Espírita de Evolução; Os Quatro Espíritos de Kardec e Os Celtas e o Espiritismo.
    E-mail: eugenlara@hotmail.com

    LDB completa 15 anos e divide especialistas em ensino superior



    A última versão da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), sancionada em 1996 e em vigor até hoje, completa 15 anos esta semana. Conhecido como Lei Darcy Ribeiro, em referência ao senador responsável pela relatoria do projeto, o dispositivo tem como tarefa principal orientar o ensino do país, fornecendo as bases jurídicas para efetivação do direito à educação. Vista por alguns especialistas como um avanço, há também quem questione seus termos e sua aplicação ao longo desses anos.
    No campo do ensino superior, as principais divergências se situam entre o ensino privado e o ensino público. Enquanto os defensores das instituições privadas enxergam na LDB uma porta de entrada para sua expansão e diversificação, os apoiadores do ensino público apontam algumas dificuldades para a garantia do acesso universal à formação gratuita e de qualidade.

    Celso Frauches, especialista em ensino superior privado.
    Para a a professora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em estrutura e política do ensino superior, Líghia Horodynski-Matsushigue, “a LDB promoveu uma série de aberturas em relação ao ensino superior que, mais tarde, se tornaram deletérias para a educação brasileira como um todo”.
    Já o consultor sênior do Instituto Latino-Americano de Planejamento Institucional (Ilape) e membro da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Celso Frauches, considera a LDB “uma lei do futuro”, que possibilitou a ampliação da atuação de instituições privadas de ensino superior no país.
    Segundo o doutor em Educação e autor do livro “As reformas do Ensino Superior no Brasil”, Lalo Minto, um dos grandes problemas da LDB foi a flexibilização de vários elementos previstos na Constituição de 1988 que deveriam ter sido objeto de regulamentação. Como exemplos, ele cita a gratuidade do ensino e a diversificação das instituições de ensino superior.
    Enade 2010
    Das 158 instituições de ensino que foram bem avaliadas, 77 são privadas e 81, públicas. Entre os estabelecimentos de ensino com resultado insatisfatório, 640 são privados e 43, públicos.
    “Ao invés de se investir maciçamente em universidades, que eram consideradas caras e ineficientes, a LDB abriu uma brecha para que o ensino crescesse em instituições não-universitárias.” De acordo com ele, isso ajuda a entender o fenômeno da criação e expansão dos diferentes tipos de instituições, como faculdades, centros universitários, faculdades integradas, centros de ensino tecnológico – ocorridos na década seguinte à aprovação da Lei.
    Uma das conseqüências dessa diversificação, aponta Minto, foi a separação entre ensino, pesquisa e extensão. “A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão já era um problema histórico entre as instituições privadas. A LDB não apenas não alterou essa realidade, como facilitou a ampliação do setor, sem levar em consideração esse princípio.”
    Por outro lado, acrescenta ele, os variados tipos de unidades de ensino produzem também níveis diferenciados de formação. “A formação em instituições não universitárias é algo que se reflete, geralmente, nos postos que essas pessoas vão ocupar no mercado de trabalho.”
    Frauches avalia que essa ampliação foi positiva, pois por não estarem comprometidas com pesquisa e inovação, as instituições que surgiram se focaram em cursos de graduação de qualidade. “E fazem uma prestação de serviço muito boa”, acrescenta.

     Educação a distância 

    Outro aspecto da LDB que alimenta ainda mais a polêmica entre públicas e privadas é a abrangência da educação a distância para o ensino superior.

    Líghia Horodynski-Matsushigue, professora do Instituto de Física da USP.
    Com a aprovação da LDB, a modalidade apresentou um crescimento vertiginoso. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de matrículas passou de 5.287, no ano 2000, para 838.125 em 2009.
    Para Líghia, a formação à distância dos profissionais da educação básica já está afetando a forma como eles se colocam diante de uma sala de aula. “Ao contrário do que é feito no resto do mundo, onde a educação a distância é usada somente para algumas matérias e para compor currículos, no Brasil, ela tem formado integralmente alguns profissionais, sobretudo nas áreas de pedagogia e assistência social.”

    Carreira Docente

    O artigo 52 da LDB – que determina a exigência de, no mínimo, um terço de professores com titulação de mestrado ou doutorado e um terço trabalhando em regime integral para que as instituições sejam reconhecidas como universidades – é visto como um avanço por Frauches. Segundo ele, “essa medida obrigou a iniciativa privada a capacitar os professores para mestrado e doutorado”.
    No entanto, afirma Líghia,“sabemos que isso não é cumprido em grande parte do ensino privado”. Segundo ela, muitas vezes a dedicação exclusiva é à instituição e não à pesquisa, como prevê a Lei. Outro fenômeno recorrente nas privadas, indica ela, é substituição de doutores por mestres, possibilitando o pagamento de salários mais baixos.
    Um problema decorrente dessa exigência, segundo Frauches, é que o doutorado não garante uma formação de qualidade para o magistério superior. “Nos programas de doutorado oferecidos hoje raramente há uma disciplina voltada para metodologia do ensino e de aprendizagem. Temos excelentes pesquisadores, mas professores que não dão conta da complexidade de uma sala de aula do ensino superior”, afirma.

    Acompanhe a cronologia da LDB, desde a sua primeira versão em 1961:


    Maria Inês Nassif: Vem aí o ano da Privataria

    2011, o ano em que a mídia demitiu ministros. 2012, o ano da Privataria.
    A imprensa estará muito menos disposta a comprar uma briga durante a CPI da Privataria – quer porque ela começa questionando a lisura de aliados sólidos da mídia hegemônica em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, quer porque esse tema é uma caixinha de surpresas.

    Maria Inês Nassif, na Carta Maior

    Em 2005, quando começaram a aparecer resultados da política de compensação de renda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva – a melhoria na distribuição de renda e o avanço do eleitorado “lulista” nas populações mais pobres, antes facilmente capturáveis pelo voto conservador –, eles eram mensuráveis. Renda é renda, voto é voto. Isso permitia a antevisão da mudança que se prenunciava. Tinha o rosto de uma política, de pessoas que ascendiam ao mercado de consumo e da decadência das elites políticas tradicionais em redutos de votos “do atraso”. Um balanço do que foi 2011, pela profusão de caminhos e possibilidades que se abriram, torna menos óbvia a sensação de que o mundo caminha, e o Brasil caminha também, e até melhor. O país está andando com relativa desenvoltura. Não que vá chegar ao que era (no passado) o Primeiro Mundo num passe de mágicas, mas com certeza a algo melhor do que as experiências que acumulou ao longo da sua pobre história.
    O perfil político do governo Dilma é mais difuso, mas não se pode negar que tenha estilo próprio, e sorte. As ofensivas da mídia tradicional contra o seu ministério permitirão a ela, no próximo ano, fazer um gabinete como credora de praticamente todos os partidos da coalizão governamental. No início do governo, os partidos tinham teoricamente poder sobre ela, uma presidenta que chegou ao Planalto sem fazer vestibular em outras eleições. Na reforma ministerial, ela passa a ter maior poder de impor nomes do que os partidos aliados, inclusive o PT. Do ponto de vista da eficiência da máquina pública – e este é o perfil da presidenta – ela ganha muito num ano em que os partidos estarão mais ocupados com as questões municipais e em que o governo federal precisa agilidade para recuperar o ritmo de crescimento e fazer as obras para a Copa do Mundo.
    Sorte ou arte, o distanciamento de Dilma das denúncias contra os seus ministros, o fato de não segurar ninguém e, especialmente, seu estilo de manter o pé no acelerador das políticas públicas independentemente se o ministro da pasta é o candidato a ser derrubado pela imprensa, não a contaminaram com os malfeitos atribuídos a subalternos. Prova é a popularidade registrada no último mês do ano.
    Mais sorte que arte, a reforma ministerial começa no momento em que a grande mídia, que derrubou um a um sete ministros de Dilma, se meteu na enrascada de lidar com muito pouca arte no episódio do livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. Passou recibo numa denúncia fundamentada e grave. Envolve venda (ou doação) do patrimônio público, lavagem de dinheiro – e, na prática, a arrogância de um projeto político que, fundamentado na ideia de redução do Estado, incorporou como estratégia a “construção” de uma “burguesia moderna”, escolhida a dedo por uma elite iluminada, e tecida especialmente para redimir o país da velha oligarquia, mas em aliança com ela própria. Os beneficiários foram os salvadores liberais, príncipes da nova era. O livro “Cabeças de Planilha”, de Luís Nassif, e o de Amaury, são complementares. O ciclo brasileiro do neoliberalismo tucano é desvendado em dois volumes “malditos” pela grande imprensa e provado por muitas novas fortunas. Na teoria. Na prática, isso é apenas a ponta do iceberg, como disse Ribeiro Jr. no debate de ontem (20), realizado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, no Sindicato dos Bancários: se o “Privataria” virar CPI, José Serra, família e amigos serão apenas o começo.
    A “Privataria” tem muito a ver com a conjuntura e com o esporte preferido da imprensa este ano, o “ministro no alvo”. Até a edição do livro, a imprensa mantinha o seu poder de agendamento e derrubava ministros por quilo; Dilma fingia indiferença e dava a cabeça do escolhido. A grande mídia exultou de poder: depois de derrubar um presidente, nos anos 90, passou a definir gabinetes, em 2011, sem ter sido eleito e sem participar do governo de coalizão da mandatária do país. A ideologia conservadora segundo a qual a política é intrinsicamente suja, e a democracia uma obra de ignorantes, resolveu o fato de que a popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizimou a oposição institucional, em 2010, e a criação do PSD jogou as cinzas fora, terceirizando a política: a mídia assumiu, sem constrangimentos, o papel de partido político. No ano de 2011, a única oposição do país foi a mídia tradicional. As pequenas legendas de esquerda sequer fizeram barulho, por falta de condições, inclusive internas (parece que o P-SOL levou do PT apenas uma vocação atávica para dissidências internas; e o PT, ao institucionalizar-se, livrou-se um pouco dela – aliás, nem tanto, vide o último capítulo do livro do Amaury Ribeiro Jr.).
    Quando a presidenta Dilma Rousseff começar a escolher seus novos ministros, e se fizer isso logo, a grande mídia ainda estará sob o impacto do contrangimento. Dilma ganhou, sem imaginar, um presente de Papai Noel. A imprensa estará muito menos disposta a comprar uma briga durante a CPI da Privataria – quer porque ela começa questionando a lisura de aliados sólidos da mídia hegemônica em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, quer porque esse tema é uma caixinha de surpresas.
    Isso não chega a ser uma crise que a democracia não tenha condições de lidar. Na CPI dos Anões do Orçamento, que atingiu o Congresso, os partidos viveram intensamente a crise e, até por instinto de sobrevivência, cortaram na própria carne (em alguns casos, com a ajuda da imprensa, jogaram fora a água da bacia com alguns inocentes junto). A CPI pode ser uma boa chance de o Brasil fazer um acerto com a história de suas elites.
    E, mais do que isso, um debate sério, de fato, sobre um sistema político que mantém no poder elites decadentes e é facilmente capturado por interesses privados. Pode dar uma boa mão para o debate sobre a transparência do Estado e sobre uma verdadeira separação da política e do poder econômico. 2012 pode ser bom para a reforma política, apesar de ter eleições municipais. Pode ser o ano em que o Brasil começará a discutir a corrupção do seu sistema político como gente grande. Cansou essa brincadeira de o tema da corrupção ser usado apenas como slogan eleitoral. O Brasil já está maduro para discutir e resolver esse sério problema estrutural da vida política brasileira.

    (*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

    sábado, 24 de dezembro de 2011

    O Evangelho Segundo São Mateus (Pier Paolo Pasolini, 1964)


    Sinopse: O filme segue de maneira fiel aos textos de Mateus todas as etapas da vida de Cristo, de seu nascimento à ressurreição. O Cristo pasoliniano, no entanto, é um Cristo revolucionário, mais humano que divino, com muitos traços de doçura e que reage com raiva à hipocrisia e à falsidade dos homens.










    Créditos: Sétimo Projetor

    Direção: Pier Paolo Pasolini
    Roteiro: Pier Paolo Pasolini
    Título Original: Il Vangelo Secondo Matteo
    Origem: Itália/França
    Duração: 131 min
    Idioma: Italiano
    Legendas: Português
    Formato: rmvb
    Tamanho: 498 MB
    Servidor: Rapidshare
    Crítica: O Evangelho Segundo São Mateus, por Luiz Carlos Oliveira Jr.

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    Natal de Jesus na pessoa dos pobres


    Sacerdote


    Jesus nasceu pobre, na periferia, distante dos palácios, das riquezas. Como pobre, sentiu as dores do povo oprimido, injustiçado, ferido na sua dignidade de pessoa humana. Aliás, toda sua vida foi voltada para os pobres. Basta ver o sermão da montanha.
    É natal! Muita luz, muita festa, muita música e muito enfeite. Na noite de natal, haverá muitos banquetes, muita comilança. Nas mansões, o clima é de grande festa. Cada um com sua roupa caríssima, elegância fora do comum. Tudo é encantador, maravilhoso, emocionante: Comidas, bebidas, músicas, desfiles de modas. Porém, o Jesus pobre, esfarrapado e humilhado, na pessoa dos famintos, doentes, presos, injustiçados, não será o centro da festa. Para essa gente, esse Jesus não existe.
    É natal! Na noite de natal, milhares de crianças vão morrer de frio, de sede, de fome...; Muitos irmãos nossos vão clamar, no seu mais profundo silêncio, por justiça, por dignidade, por vida.
    É natal! No dia do nascimento de Jesus pobre, esfarrapado, milhões de seres humanos estarão gritando: socorro! Falta pão na nossa mesa.
    É natal! Neste dia, muitos animais de estimação estarão com suas roupas novas, de marcas, banhados e cheirosos, comendo comida especial, mas as criancinhas preferidas de Jesus vão dormir chorando pedindo um pouco de pão.
    É natal! Aqui no sertão paraibano, neste dia de natal, os clamores dos pobres por justiça social, por dignidade, por liberdade, por pão e água chegam aos ouvidos de Deus.
    É natal! Em Pedra Branca, onde moro, vejo tantos pais e mães clamando pelos seus filhos: roupa ,alimento, remédio, cadeira de roda, água ,dignidade.
    É natal! Os pobres comem um pouco de feijão, arroz e um pedaço de carne, enquanto os ricos se deleitam com suas comidas caríssimas. Então, é natal dos pobres e dos ricos?
    É natal! Políticos, sem escrúpulos, aumentam seu próprio salário. Enquanto o povão sobrevive graças a um famigerado salário mínimo.
    É natal! Relativismo religioso, secularismo, absolutização do poder, do ter; abandono dos valores evangélicos.
    É natal! Alienação política, terrorismo político-cultural, reacionarismo religioso, relativismo ético-moral, consumismo, idolatria do mercado. É natal dos endinheirados, dos consumistas.
    É natal! Desprezo à pessoa humana, fome, miséria, sede, guerra, desemprego, injustiça social. Quanta hipocrisia na noite de natal!
    É natal! Tantas vezes cristãos compromissados com o reino de Deus, com a justiça social são vítimas de calúnias, difamações, de violência.
    É natal! O padre quando luta para que o povo de sua comunidade viva com dignidade passa a ser vítima dos poderosos e de seus comandados.
    É natal! Quando o padre fala de anjos, de coisas do outro mundo, leva o povo ao delírio psíquico, é santo, é padre dez; quando fala das injustiças que agridem a dignidade da pessoa humana, e chama, em nome da fé, a lutar contra esse mal, logo é tachado de demônio, de desobediente à Igreja.
    É natal! Quando o padre vive só de louvar a Deus é rotulado de padre verdadeiro; quando faz o povo tomar consciência dos seus direitos inalienáveis , alguns dizem: vamos fazer abaixo assinado para tirá-lo, ele é perigoso.
    É natal! Milhares de pessoas, no meu sertão, bem no vale do piancó, gritam: bebemos água imprópria para o consumo humano.
    É natal! Milhares de estudantes, no vale do piancó, clamam: por que na nossa região não há um campus da UFCG E UEPB? Temos o direito de fazer um curso superior, mas nos é negado este sagrado direito.
    É natal! No meu sertão paraibano, quantas pessoas clamando por assistência-médico-hospital com dignidade.
    É natal! No vale do piancó, as pessoas que desejam uma consulta médica ou odontológica têm que pegar a fila ainda de madrugada. Só assim, conseguem uma ficha. Imagine acordar-se de madrugada para conseguir uma ficha.
    É natal! Corrupção nas esferas públicas reina neste Brasil. E os pobres sofrem as terríveis consequências.
    É natal! Quando uma autoridade, seja quem for, tenta combater a corrupção existente neste País, passa a ser destratada, caluniada, sofre reprimenda por parte dos seus superiores.
    É natal! Muitas orações, muitas celebrações, muitos louvores, muitos aplausos para Jesus, muitas mensagens de felicitações, muitas confraternizações, porém, pouca sensibilidade humano-cristã diante dos sofrimentos de tantos irmãos nossos, vítimas da fome, da miséria, da sede...
    E o natal? Na criança faminta, no doente mal atendido nos hospitais, na pessoa desempregada, nos agredidos em sua dignidade de pessoa humana, nos pobres, nos favelados, nos sem vez e voz. Então é natal de Jesus na pessoa dos pobres!
    É natal em cada Belém deste recanto paraibano.

    sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

    O movimento social e seu protagonismo

      Waldemar Rossi   no CORREIO DA CIDADANIA

    Como indicava a movimentação popular nos últimos meses de 2010, o ano que finda começou quente. Em várias partes do planeta, povos se manifestaram, e se manifestam, seja contra sistemas políticos autoritários, seja contra os ataques do poder econômico sobre os direitos trabalhistas ou contra a economia popular. Mais especificamente, na Europa unificada pelo euro, tanto na Grécia quanto na Itália as ruas foram ocupadas pelo povo, enfrentando governantes por conta de suas políticas econômicas, polícias violentas e a opinião da mídia conservadora.

    Isto não quer dizer que o capital financeiro esteja sendo derrotado. Por enquanto sua vitória sobre os povos é significativa. Governos fazem acordos com o poder político e econômico europeu e continuam impondo pesadas perdas sociais e econômicas às suas populações. Porém, nada está sedimentado e o melhor exemplo nos vem da Grécia com a população não dando tréguas aos seus governantes. Tudo indica que ao menos Itália, Espanha, Irlanda e Portugal terão um novo ano muito “aquecido”, apesar do inverno. É possível até que outros povos europeus venham a se indispor contra os governos da Alemanha e França devido às exigências impostas à Grécia e à Itália, cujos governos se submetem às exigências dos banqueiros credores.

    As últimas notícias mostram que o clima poderá esquentar também por conta da nova estrutura que vem sendo montada para tentar salvar a Europa unificada em torno do euro, novamente por imposição da Alemanha e França. Tudo leva a crer, por isso, que outros países sofrerão as mesmas pressões da política econômica franco-alemã, com as respectivas reações dos setores prejudicados.

    Países do Oriente Médio e do norte da África continuaram com suas convulsões intermináveis. Sabe-se que por trás disso tudo estão os interesses capitalistas sobre a enorme reserva de petróleo daquela área. Ditadores foram e são protegidos enquanto servem aos interesses das nações consumidoras do “ouro negro”, mas entram em crise quando não mais servem aos interesses dos seus protetores. E o povo vem pagando o preço com suas vidas. O despertar da consciência popular vem resultando em revoltas coletivas, com quedas de governos, mas também com derramamento de sangue e perdas de milhares de vidas de gente do povo. Acontecimentos já esperados pelo histórico recente da região.

    O que quase ninguém esperava eram as reações populares nos Estados Unidos, que atingem o vizinho Canadá. Desde as várias manifestações dos mais pobres, passando pelo movimento estudantil (omitidos pela grande imprensa brasileira), chegando aos protestos do movimento Ocupy Wall Street contra os grandes banqueiros larápios. Os fatos mostram que o norte está como o clima do planeta: em aquecimento.

    No caso do Brasil, a mobilização começou por onde menos se esperava: a construção civil. Já nos primeiros meses do ano, as obras da barragem do Jirau e Santo António foram alvo de uma greve que mobilizou mais de três mil operários contra o grau da exploração das condições de trabalho e de alojamento praticada pelas grandes empreiteiras responsáveis pelas obras superfaturadas. Tal fato inesperado forçou o governo Dilma a enviar pessoas de sua inteira confiança para jogar água na fervura, uma vez que os representantes das centrais sindicais disputavam apenas o controle do movimento, mas não conseguiam demover os trabalhadores e convencê-los a retornar ao trabalho. Daí para frente foram greves nos estádios de futebol, que estão sendo construídos ou em reformas, e que se espalharam também para outras obras faraônicas financiadas pelo PAC (dinheiro do povo em favor das empreiteiras).

    Ou seja, os operários da construção civil foram a alavanca de tantas outras manifestações que se desenrolaram no país: Correios, bancários, metalúrgicos, ferroviários, químicos, petroleiros, servidores públicos municipais, federais e estaduais. Entretanto, são os professores que vêm dando as cartas na contestação crescente à política educacional brasileira. Em vários estados os trabalhadores do ensino resolveram sair do marasmo reinante, começando a questionar não apenas salários medíocres e aviltantes, mas também a qualidade do ensino praticado no Brasil a partir da ditadura militar e aprofundada por todos os governos eleitos pelo povo. A educação vem sendo tão duramente rebaixada no país que todas as avaliações internas e externas a colocam como das piores entre as ruins. E isso está mexendo com a consciência dos educadores.

    Outro aspecto positivo nessas manifestações tem sido o apoio de alunos aos movimentos dos seus professores, apesar da total apatia e ausência da UNE, comandada pelo PC do B há muitos anos. Portanto, nota negativa para a direção da UNE pactuada com o governo federal e responsável pela desmobilização estudantil no país inteiro.

    Merecem destaque também as várias manifestações populares em defesa da moradia popular, contra o criminoso Código Florestal, contra as barragens destruidoras do meio ambiente, contra a política financeira para as obras da Copa e das Olimpíadas. Entre as nações indígenas brasileiras percebe-se o crescimento da resistência aos constantes crimes contra elas praticados por latifundiários, mineradoras, desmatadores e empreiteiras encarregadas pela construção de barragens - Belo Monte, por exemplo. Pode ser que as nações indígenas ainda venham a ter algum sucesso em suas lutas contra o sistemático extermínio a que vêm sendo submetidas há mais de 500 anos, cujos criminosos restam impunes pela conivência dos governantes. Os trabalhadores sem terras não desanimam de lutar pela Reforma Agrária, tantas vezes prometida por políticos mentirosos e sem escrúpulos. Infelizmente, devido à corrupção reinante em nossa “Justiça”, centenas de trabalhadores rurais sem terra já perderam suas vidas e, em sua imensa maioria, os criminosos continuam impunes. Mas as lutas pela terra continuam.

    Apesar dos avanços das mobilizações populares, fica evidente a falta de organizações capazes de unificar tantas lutas do povo. As forças de esquerdas que ainda resistem não conseguem ter um projeto para uma política unificadora dos vários movimentos. Ainda estamos no estágio de franco-atiradores, cada setor lutando desesperadamente em defesa dos seus interesses particulares. E isto ainda nos enfraquece, permitindo que o capital e os políticos inescrupulosos (poucos se salvam, como vemos a cada dia pelas informações) deitem e rolem sobre os interesses e a própria vida do povo. A falta de política e de instrumentos unificadores permite, por exemplo, que governos municipais, estaduais e federal soneguem o dinheiro público destinado à educação e à saúde públicas, desviando-o para obras sem real interesse popular, que favorecem o capital sempre ávido por lucros e mais lucros, obras sempre marcadas pela corrupção.

    Tais limitações revelam que estamos apenas no reinício das mobilizações populares necessárias e com força para impor mudanças profundas nas estruturas política, econômica, social e cultural que tanto almejamos. Estando em fase de retomada das mobilizações semelhantes às dos fins dos anos 70 e das décadas de 80 e 90, podemos esperar que haja a devida evolução e que os setores sociais busquem logo mais construir um novo processo, agora mais coletivo que antes, que permita ao povo assumir seu papel de protagonista na construção de uma nova sociedade, justa, fraterna e realmente participativa.

    Missão histórica para as atuais e futuras gerações. Que o ano de 2012 seja, portanto, mais “quente” e organizado que 2011.

    Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

    O Papai Noel dos banqueiros

    Por Altamiro Borges

    O Papai Noel existe sim e é muito dadivoso. Que o digam os banqueiros da Europa e EUA, que receberam generosos presentes de Natal nos últimos dias – apesar de todas as suas sacanagens. É certo que milhões de trabalhadores europeus, desempregados, desalojados e desesperados, não terão um final de ano feliz – nem mesmo um 2012 feliz. Mas os banqueiros estão a salvo!

    Presente de 1,2 trilhão de reais



    Nesta semana, o Banco Central Europeu (BCE) concedeu empréstimo de 489,2 bilhões de euros (cerca de 1,2 trilhão de reais) para 523 instituições rentistas do velho continente. Os juros são os mais baixos do mercado (1% ao ano), os prazos de pagamento são longos e as regras para uso do dinheiro público são flexíveis, nos marcos da libertinagem financeira neoliberal. Um presentão!

    “Praticamente 100% dos bancos dos 17 países que utilizam a moeda comum européia correram ao guichê do BCE para obter um total de € 489,2 bilhões na primeira operação que a autoridade monetária fez com prazo de três anos. A demanda dos bancos foi duas vezes maior do que previsto pelo mercado”, relata o jornal Valor, surpreso com a agilidade dos banqueiros.

    O povo que se dane!

    Animado com o presentão de Natal, o jornal também informa que “em fevereiro de 2012, haverá outra rodada de financiamento do BCE nas mesmas condições, quando ficará mais claro até que ponto chega o apetite dos bancos. Ou seja, a operação de ontem dissipa o risco de crise de liquidez no começo de 2012”. Só não dissipa a tragédia das famílias desempregadas e desesperadas!

    Como adverte a Folha, nada indica que o socorro aos bancos vai recuperar a economia européia. Um empréstimo semelhante foi feito pelo BCE em 2009, de 442 bilhões de euros, e não deu em nada. Os banqueiros embolsaram a grana e a sociedade ficou mais miserável. A tendência é que agora os 523 bancos também usem “a maior parte do dinheiro para se proteger”. Dane-se o povo!

    Os caloteiros são perdoados

    Nos EUA, a situação é a mesma. O espírito natalino abençoou os banqueiros e o Papai Noel continua com as suas ações generosas. Após bilionários empréstimos aos bancos, agora o governo Obama decidiu reduzir as punições aos caloteiros. Na semana passada, quatro ex-executivos do Washington Mutual (WaMu), grande banco ianque que faliu em 2008, tiveram suas dívidas perdoadas.

    A Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC, que garante os depósitos nos bancos dos EUA) tinha processado os quatro por crimes financeiros, já que “eles sabiam que o mercado imobiliário caracterizava uma bolha". A FDIC queria recuperar US$ 900 milhões, mas os executivos acabaram fechando acordo por US$ 64 milhões, dos quais arcarão com apenas US$ 400 mil.

    Como ironiza Simon Johnson, num texto no jornal Valor, “Papai Noel chegou mais cedo neste ano... Os executivos levam a melhor quando as coisas vão bem e quando riscos se concretizam eles nada (ou quase nada) perdem”. Enquanto isso, a crise resultou em 8 milhões de desempregados nos EUA. Os banqueiros terão, novamente, um farto Natal. Já os trabalhadores...

    quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

    Anatomia de um escândalo zumbi

    Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania: via BLOG DO MIRO

    Devido à resistência da imprensa a se aprofundar em um dos escândalos mais clamorosos de que se tem notícia, ainda falta muito para que amaine a tempestade de reportagens e análises de jornalistas independentes, de blogueiros, de tuiteiros, de facebookers e de assemelhados sobre um escândalo que do ponto de vista dos valores envolvidos e da gravidade dos crimes cometidos pode ser considerado o maior escândalo de corrupção da história brasileira e um dos maiores do mundo.

    À diferença do que pode parecer, porém, não se irá tratar, aqui, do escândalo preferido da imprensa brasileira, o dito “escândalo do mensalão”, cujos valores envolvidos, independentemente da veracidade – ou não – da tese de que se tratou de suborno de parlamentares pelo governo federal, não pode sequer ser comparado ao escândalo que brotou do Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído no governo Fernando Collor a partir de 1991 e incrementado pelo primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

    Para que se entenda a razão de tal afirmativa, basta lembrar que, de 1991 até 2000, o conjunto de privatizações nas telecomunicações, nos setores elétrico, petroquímico, de mineração, portuário, financeiro, de informática, de malhas ferroviárias e de empresas estatais dos Estados gerou receita total de 91,1 bilhões de dólares.

    Se o critério para um grande escândalo de corrupção, portanto, for a quantidade de dinheiro envolvido, as denúncias que envolvem o programa brasileiro de privatizações constituem, sem dúvida, o maior da história do país. E o que é mais grave: pode ter sido empreendido por uma quadrilha formada por grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros, por políticos e até por grandes meios de comunicação nacionais, o que lhes explica a reticência em tocar no assunto.

    Esses são os fatos narrados pelo livro-denúncia A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro, um dos maiores fenômenos editoriais de que se tem notícia devido a ter se tornado best-seller em menos de uma semana e à revelia desse impressionante boicote dos grandes meios de comunicação de massa, que, após desistirem de ocultar o livro, passaram a acusá-lo de “farsa” e “ficção”, bem como ao seu autor de “bandido” por ter sido indiciado pela Polícia Federal durante a campanha eleitoral de 2010 por supostamente estar envolvido na quebra de sigilo fiscal da filha do ex-governador de São Paulo José Serra, o político que comandou boa parte do período mais intenso de privatizações (1994 – 1998).

    No período de 1991 a 2000, ocorreram no Brasil privatizações de 65 empresas estatais federais consideradas jóias da coroa do patrimônio público brasileiro. Abaixo, a relação dessas empresas.

    Durante a década dessas privatizações, além das estatais federais os Estados e municípios foram compelidos, mediante condicionamentos financeiros, a privatizarem empresas públicas que, juntas, geraram uma dinheirama que até hoje não se sabe aonde foi parar, pois, ao fim do governo que mais privatizou, o de Fernando Henrique Cardoso, o país estava quebrado e sem reservas próprias em dólares, tendo em caixa apenas o que lhe fora emprestado pelo governo dos Estados Unidos, pelo FMI e pelos bancos europeus do Clube de Paris a fim de evitar a literal quebra do Brasil.

    Apesar da dimensão paquidérmica das denúncias e dos fatos que sugerem que os políticos que conduziram o PND durante a última década do século XX foram subornados para entregarem a preço vil à iniciativa privada o que fora privatizado, a imprensa nacional jamais dedicou ao caso uma mera fração da atenção que vem dedicando ao escândalo do mensalão, que não envolveu nem 0,1% dos valores envolvidos no que o livro supramencionado chama de “privataria”.

    O processo foi tão danoso à imagem do governo FHC que o Partido dos Trabalhadores elegeu e reelegeu facilmente Luiz Inácio Lula da Silva e, depois, a atual presidente, Dilma Rousseff, ainda que o que tenha pesado mais tenha sido a situação social e econômica desastrosa em que terminou o governo tucano. Todavia, há até prova científica da percepção da sociedade de que as privatizações pioraram a vida dos brasileiros.

    O que comprova a rejeição da sociedade ao processo de privatização é a única pesquisa de opinião sobre o assunto que se conhece. Entre os dias 24 e 31 de outubro de 2007, o instituto Ipsos, sob encomenda do jornal O Estado de S. Paulo, realizou uma pesquisa sobre a opinião do brasileiro sobre as privatizações com mil entrevistas em setenta cidades e nove regiões metropolitanas. Essa pesquisa apontou que 62% dos entrevistados eram contra a privatização de serviços públicos. Apenas 25% se mostraram favoráveis.

    De acordo com o jornal, “a percepção dos brasileiros é a de que as privatizações pioraram os serviços prestados à população nos setores de telefonia, estradas, energia elétrica, água e esgoto”. As mais altas taxas de rejeição (73%) surgiram no estrato social de nível superior e nas classes A e B.

    Segundo mostrou a pesquisa, a rejeição à privatização não tinha, naquele 2007, razão partidária ou ideológica, atingindo por igual as privatizações feitas em diversos governos, tanto o federal quanto os estaduais e municipais. Enquanto 55% acharam que o governo FHC fez mal em privatizar a telefonia, apenas 33% disseram que fez bem. Em nenhuma região a maioria da população aprovou a privatização. O Nordeste registrou a maior taxa de rejeição (73%), enquanto o Norte e o Centro-Oeste registram a menor (51%).

    Por razões óbvias, nunca mais surgiu outra pesquisa de opinião sobre o assunto – e, se houve, foi pouco ou nada divulgada -, pois quem costuma empreender tais pesquisas são os meios de comunicação de massa, os quais se tornaram sócios do que foi chamado pelo jornalista Elio Gaspari de “privataria”, termo que comparou a condução do PND pelo governo Fernando Henrique Cardoso a um saque de piratas.

    Abaixo, tabela que mostra que grupos de comunicação como as Organizações Globo, o Grupo Estado e o Grupo Folha adquiriram parte das empresas privatizadas sem informar aos seus leitores que participavam do processo enquanto o defendiam em longos e incontáveis editoriais, artigos e reportagens.


    É nesse ponto que surge a figura central do processo de privatização que ora se encontra sob escrutínio da sociedade. José Serra, então ministro do Planejamento, elaborou e tocou o processo de privatização no Brasil em seu período mais intenso.

    O livro “A Privataria Tucana” trata de um suposto esquema de corrupção montado no governo de Fernando Henrique Cardoso por ocasião das privatizações. O livro é, na verdade, uma profunda reportagem investigativa com 200 páginas de texto apoiada em mais de uma centena de páginas de cópias autenticadas de documentos oficiais recolhidos em juntas comerciais, cartórios, no Ministério Público e na Justiça.

    O obra descreve a trajetória de bilhões de dólares – que seriam pagamento de propina a parentes e assessores de Serra, que teria se valido de “laranjas” e de empresas offshores de fachada – apresentando documentos com fé pública sobre negócios financeiros vultosos envolvendo grandes corporações financeiras.

    O autor do livro acusa o envolvimento e a conivência de parte dos meios de comunicação, crimes de corrupção ativa e passiva, favorecimento ilegal, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, invasão de privacidade, vazamento de dados tributários, tudo associado ao desvio de bilhões de dólares dos cofres públicos. A trajetória do dinheiro ilícito ao voltar ao Brasil, segundo os documentos, explicaria as fortunas pessoais do grupo ligado a Serra.

    Os documentos apresentados no livro pretendem demonstrar como teria funcionado o suposto esquema de propinas e de lavagem de dinheiro. Quem pagou a propina a teria enviado a empresas offshores em paraísos fiscais como as Ilhas Virgens e o dinheiro retornava ao Brasil como “investimento estrangeiro”.

    A investigação do jornalista Amaury Ribeiro Jr. apurou que os beneficiários desses bilhões de dólares que entraram no país eram os mesmos que assinavam os dois lados da operação, como procuradores das empresas de fachada sediadas no Caribe e como donos das empresas brasileiras receptoras do suposto investimento estrangeiro.

    O esquema envolve nomes como Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro das campanhas de FHC e José Serra, descrito na página 38 do livro como “o chefe da lavanderia do tucanato”), Carlos Jereissati, José Serra, sua filha Verônica Serra e o marido, Alexandre Bourgeois, além de empresas como a Oi (na época Telemar), IConexa, Citco Building, Andover, Westschester e, sobretudo, a Decidir.com, da filha de Serra em sociedade com Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas.

    Para demonstrar o montante de dinheiro envolvido, o livro revela que entre 1998 e 2002 Gregório Preciado, marido de uma prima de José Serra, teria depositado 2,5 bilhões de dólares na conta de Ricardo Sérgio de Oliveira, que, como diretor do Banco do Brasil, interferiu na liberação de recursos para empresas sem capacidade financeira adquirirem parte do que estava sendo privatizado.

    O método de lavagem de dinheiro também teria sido utilizado por Paulo Maluf, por Ricardo Teixeira e pela quadrilha da advogada Jorgina de Freitas, que fraudou a previdência em R$ 1 bilhão, e por Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

    Ricardo Sergio, segundo o livro-reportagem, por ser banqueiro experiente foi o arquiteto do esquema que inseria dinheiro de origem duvidosa no Brasil. Os documentos, obtidos legalmente, demonstram que Alexandre Bourgeois, genro de José Serra, abriu empresas offshores imediatamente após as privatizações. Essas empresas tinham o mesmo endereço da Decidir, empresa de Verônica Dantas e de Verônica Serra.

    Na página 25 do livro ainda há detalhes de como Serra, então no governo federal, teria utilizado arapongas, pagos com dinheiro público, para criar dossiês contra adversários políticos, e de como sua filha e a irmã de Daniel Dantas teriam quebrado o sigilo de milhões de brasileiros para obterem informações privilegiadas dentro do governo, o que gerou inquérito na Polícia Federal que originou denúncia do Ministério Público e que agora tramita na Justiça contra as duas Verônicas.

    Detalhe: os meios de comunicação e os seus colunistas que procuram desacreditar o livro e o autor se valem de denúncia feita no calor da eleição do ano passado contra o autor de Privataria de que ele é que teria quebrado o sigilo fiscal da mesma Verônica Serra que hoje está sendo processada por quebrar sigilo não de uma pessoa, mas de dezenas de milhões de pessoas, o que jamais veio à tona por iniciativa da imprensa, com exceção da revista Carta Capital.

    As fortunas que foram amealhadas pelos familiares do homem que comandou as privatizações da era Fernando Henrique Cardoso no exato momento em que as vendas de patrimônio público ocorriam, segundo as denúncias do livro-bomba decorreram do pagamento de propina pelos grupos econômicos que compraram aquele patrimônio por preços subavaliados.

    Um dos casos mais clamorosos diz respeito à primeira grande empresa estatal a ser privatizada no governo FHC, a Companhia Vale do Rio Doce, então a maior exportadora de minério de ferro do mundo e que ostenta esse título até hoje, permanecendo líder mundial na exportação de minério de ferro.

    A privatização da Vale S.A. foi polêmica por não ter levado em conta o valor potencial das reservas de ferro sob controle da companhia na época. Para avaliar o preço pelo qual seria vendida foi computado apenas o valor de sua infraestrutura. As reservas minerais que controlava foram simplesmente ignoradas. Ou seja, computaram-se bens imóveis, máquinas, equipamentos, mas não o potencial de exploração que havia sob a terra. Minas de ferro com potencial para 400 anos não foram computadas na avaliação.

    O processo em que ocorreu a subavaliação da Vale mereceu do Prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz o apelido de briberization (“propinização”). Segundo o economista, essa “propinização” das privatizações teria ocorrido em todos os países que adotaram o programa de estabilização então engendrado pelos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, que previa privatizações como uma das principais vertentes, e que, no Brasil, foi chamado de “Plano Real”.

    A venda do controle acionário da Vale ocorreu em 1997 por 3,3 bilhões de dólares, ao dólar da época. Hoje, o valor da mineradora, após investimentos dos que a adquiriram, chega próximo a 160 bilhões de dólares. Os defensores da venda da empresa dizem que essa valorização só foi possível devido aos investimentos dos seus compradores, mas essa mesma valorização indica o potencial que a empresa tinha e que não foi computado em seu preço de venda.

    Essas vendas de empresas públicas a preço vil seriam a origem dos bilhões de dólares que pingaram em contas bancárias de familiares e assessores de Serra. Milhões de dólares que a filha dele recebeu do exterior – e que, até hoje, não têm origem comprovada –, receberam obsequioso silêncio da Justiça e até do governo petista que sucedeu o governo federal tucano, que jamais fizeram mísera menção a investigar denúncias que em 2003 já apareciam na CPI do Banestado.

    O grupo de Serra, sob sua batuta, além de tudo ainda faria uso de métodos de filmes de espionagem visando antecipar e esvaziar denúncias contra ele, vitimizando-o perante a opinião pública com a ajuda da Globo, da Folha, do Estadão e da Veja, sempre dispostos a acusar os adversários dele de estarem por trás de armações contra si.

    O livro A Privataria Tucana, por fim, gera questionamento ao Partido dos Trabalhadores, ao governo Lula, à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal e à própria Justiça por terem permanecido impassíveis diante de fartura de evidências que a obra oferece e que em parte já eram conhecidas. Por que até os adversários políticos do grupo que conduziu processo tão nebuloso permaneceram silentes por tanto tempo?