sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Música Country: os acordes do novo conservadorismo norte-americano


A música country, nascida nos estados do sul, espalha seu sotaque fora de moda, evocando um cowboy mal-ajambrado, e conquista o universo cultural de todos os Estados Unidos. Não é por outra razão que dois dos três álbuns mais vendidos de 2010 foram de artistas country
por Sylvie Laurent no DIPLOMATIQUE BRASIL
As articulações republicanas para definir um candidato às eleições de 2012 não conseguiram ocultar o fato de que o presidente atual também está engajado em uma campanha de sedução, destinada sobretudo a convencer aqueles que não votaram nele em 2008.
Com essa motivação, no dia 21 de novembro de 2011, o casal Obama organizou um festival de música country na Casa Branca, rebatizada para a ocasião de “Casa do Povo”, com a presença de estrelas como James Taylor, Lyle Lovett e Dierks Bentley. Nesse evento, o presidente revelou ter aprendido, ao longo dos encontros com seus concidadãos, a também apreciar essa música “que lhe é tão cara”.
Não faltou elegância a essa iniciativa. Ocorre que essa forma privilegiada da cultura popular da América branca, habitualmente desprezada pela fina flor de Washington, é identificada como um espaço simbólico da direita: ódio ao Estado, desconfiança em relação às minorias e denúncia das elites urbanas. É sem dúvida uma iniciativa em que o presidente Barack Obama se aventura em terras mais dominadas pelo movimento Tea Party do que pelos democratas – sobretudo negros e diplomados de Harvard.
Esse estilo de música é identificado com a afirmação de velhos ressentimentos de homens brancos apegados às suas raízes, reencontrando um americanismo que acreditavam desviado e corrompido, em um patriotismo exacerbado que tem uma longa história. Obama compreendeu perfeitamente que esse estilo musical não seria capaz de ser privilégio do partido republicano; ao contrário, ele se identifica mais com as caricaturas de “rednecks”.1 A música country, nascida nos estados do sul, espalha seu sotaque fora de moda, evocando um cowboy mal-ajambrado, e conquista o universo cultural de todos os Estados Unidos.
Não é por outra razão que dois dos três álbuns mais vendidos de 2010 foram de artistas country: atrás do cantor de rap Eminem, encontra-se Need you now, do grupo Lady Antebellum, seguido por Taylor Swift e seu álbum Speak now. Os dois totalizaram cerca de 6 milhões de álbuns vendidos.
Desde o início de sua carreira, Taylor Swift já teria vendido mais de 20 milhões de discos. No cinema, o gênero ganhou igualmente títulos de nobreza depois que o filme biográfico do cantor Johnny Cash, Walk the line [no Brasil, Johnny e June], ganhou um Oscar em 2005. Quatro anos depois, o filme Crazy heart [Coração louco], que narra as errâncias de um ex-cantor country alcoólatra e solitário, foi adulado pela crítica, enquanto Country strong [Onde o amor está], de 2010, atingiu um vasto público. É ainda mais significativo que, em abril de 2011, uma das maiores estrelas de rhythm and blues (R&B) do país, a cantora negra Rihanna, tenha sido convidada para o Country Music Awards – considerado até então o máximo do mau gosto –, testemunhando o atual “momento” country dos Estados Unidos.
A música country tem suas raízes em um mundo rural norte-americano isolado onde, no início do século XX, alguns produtores experientes descobriram as old time songs [canções de antigamente], que supostamente encarnavam a verdadeira alma do país. Se as primeiras gravações datam do início dos anos 1920, alguns historiadores e etnomusicólogos remontam sua existência à Guerra de Independência.2 As baladas e cantos folclóricos com instrumentação típica (guitarra, banjo, voz) e palavras melancólicas seduziram sobretudo o coração dos Estados Unidos rural, em particular depois da Grande Depressão.
Se os negros oprimidos têm o blues, as comunidades rurais das montanhas ou das planícies têm a música country, às vezes chamada hillbilly blues: o “blues dos caipiras”, que expressa o ideal pastoral dos pioneiros, a visão mítica de um sul branco, popular, preservado das corrupções do mundo e que apela a um nacionalismo jacksoniano ultrapassado.3
Após a dolorosa derrota de 1865, a nostalgia impregnada de amargura de um sul vencido constituiu o pano de fundo do que se tornaria a música country: a trilha sonora de um patriotismo norte-americano contrariado. Ela foi frequentemente brandida como uma arma e um escudo diante da ameaça de diluição da identidade nacional, conceito hipócrita na medida em que existe, na realidade, uma variedade infinita no seio do próprio gênero musical.
 
A modernidade texana
Não sem ironia, o Texa s, ao produzir cantores com aparência de maus rapazes, introduziu a modernidade na tradição. Mas é a minoria mais conservadora que influencia os espíritos. Em 1969, o legendário título “Okie from Muskogee”, do cantor Merle Haggard,representou uma declaração de ódio a esses hippies de cabelos compridos que, nos campiou nas cidades do norte, levavam, segundo ele, o país à ruína. Haggard, ex-detento e porta-voz dos trabalhadores explorados, poderia ter se tornado um novo Woody Guthrie, cantor folk e bardo socialista da consciência proletária, mas foi tragado por uma época em que os valores morais eram a ordem, a nação e a identidade.
Richard Nixon, ao afirmar em 1974 que essa música do povo “tornava os Estados Unidos melhores”, embrulhou o gênero na bandeira estrelada. Desde então, a música country seduz o país inteiro, mas é fora dos Estados Unidos que ela vende mais. Ronald Reagan afirmou em 1983: “trata-se de uma das raras formas de arte puramente norte-americana, de alma patriótica”.
No entanto, entre os cantores que usavam o chapéu Stetson de cowboy, os mais célebres ficaram longe desse lugar-comum: uns contrários à Guerra do Vietnã ou a favor da legalização das drogas, outros ardentes feministas ou críticos do monopólio de Nashville (Tennessee) sobre a produção country. Mas o marketing hábil das produtoras, ao colocar o gênero na moda introduzindo o rock em seu repertório, garantiu que as rádios divulgassem antes de tudo as mensagens de patriotismo dos “verdadeiros” norte-americanos, as dos pequenos hipócritas esquecidos.
 O Texas se tornou a terra de predileção do gênero.4 Bush coroou seu direitismo ao declarar que se tratava de sua música preferida: a retórica da autenticidade e da “solidariedade cultural” se afirmou ainda mais.
Após o 11 de Setembro, os produtores viram na recuperação de símbolos e fetiches do americanismo uma oportunidade para a comercialização de títulos idôneos. Em uníssono com um presidente belicoso, o célebre Toby Keith cantou “Courtesy of the red, white and blue”, prometendo se vingar daqueles que haviam ousado atacar os Estados Unidos.
Em 2003, a estrela de 25 milhões de álbuns vendidos era acompanhada por Willie Nelson ao cantar, em “Beer for my horses”, que os Estados Unidos do povo deviam eles mesmos fazer justiça, como no tempo em que, ao modo texano, enforcavam os representantes das forças do mal. Apesar de algumas reações preocupadas diante dessa nostalgia ambígua, o título permaneceu seis semanas no topo das vendas, tornando-se um dos maiores sucessos de Toby Keith, a ponto de ser adaptado para o cinema em 2008, com o cantor no papel principal.
A confusão entre patriotismo e nacionalismo, entre apologia dos valores perdidos do homem comum e a exaltação ideológica é desconcertante.
Em março de 2003, Nathalie Maine, cantora do grupo The Dixie Chicks, declarou, em um show na Inglaterra, ter “vergonha” de partilhar as origens texanas com o presidente Bush.5 Poucos dias depois, as Dixie Chicks foram objeto de violentos ataques na mídia; todas as estações de rádio boicotaram suas músicas. Certamente, o auditório tradicional havia ficado irritado com uma declaração feita fora do território nacional e julgada ainda mais inconveniente por exacerbar um contexto já elétrico. Mas esse banimento brutal não teve nada de espontâneo. Sabe-se hoje que o toque de rendição foi essencialmente orquestrado pela Clear Channel Radio, uma empresa fundada no Texas e proprietária de 1.250 estações, preocupada com as repercussões políticas de tais discursos.
Outros no mundo da música country criticaram a Guerra do Iraque, incluindo artistas de primeiro plano, como Roseanne Cash, Sheryl Crow, o próprio Merle Haggard e Steve Earle. Este último, fazendo eco às canções de contestação dos anos 1970, cantarolava em 2004, em “Rich man’s war”: “Bobby tinha uma águia e uma bandeira tatuadas no braço/ Vermelho, branco e azul até a raiz dos cabelos quando aterrissou em Kandahar/ Deixou uma linda mulher e uma filhinha/ E também uma pilha de faturas a pagar para ir salvar o mundo/ Fez um ano agora e ele ainda está lá/ Perseguindo fantasmas no ar seco/ Enquanto em casa pegaram seu carro/ Mais um rapaz sem dinheiro enviado para a guerra do homem rico/ Quando aprenderemos?”.
 
Música e política
Na campanha presidencial de 2008, os cantores country que expressaram publicamente seu apoio a um dos candidatos estavam longe de se alinhar do lado republicano. Mas Toby Keith, o cantor de modos violentos diante dos inimigos dos Estados Unidos, que havia defendido Bush contra as Dixie Chicks, chegou até a expressar sua simpatia por Obama. Os próprios cowboys também estavam cansados desse patriotismo que não os protegeu do desencantamento, tantas vezes conjurado nas canções populares.
A Fox News não deixou de convidar os mais conservadores e os mais fanfarrões entre eles. Crazy heart e Country strong são filmes de anti-heróis, de estrelas que buscam uma redenção diante de uma bandeira desgastada. E o Tea Party mobilizou muitos cantores country em seus encontros. Partilham com eles muitos pontos em comum. Assim como os fabricantes de hits de Nashville partem da música tradicional para definir sua estratégia comercial, essas reuniões heteróclitas buscam estabelecer uma identidade para colocar em cena grupos de interesse poderosos. Nesses dois casos, observa-se um discurso sobre uma consciência de classe que, não chegando a ser dita, assume a máscara da identidade cultural. Teabaggers e countrymen celebram o mito norte-americano de uma sociedade sem classes, mas só existem paradoxalmente no relato vitimizado de uma classe desprezada.
Em um artigo de 2010, o universitário Angelo Codevilla analisou o abismo assustador das desigualdades sociais nos Estados Unidos. Ele opõe uma overclass (superclasse), que teria ultrapassado os enraizamentos partidários, a uma classe popular, que ele chama de country class, desconsiderada pela elite e abandonada pelos grandes partidos políticos. Provavelmente é essa country class que se consola com os sotaques da música country.
Alguns artistas revelam a natureza socioeconômica da exclusão, como o cantor John Rich, fervoroso apoiador do candidato republicano às eleições presidenciais de 2008, John McCain, que hoje denuncia os responsáveis por Wall Street. Os maiores sucessos vêm de artistas livres dos sinais de ostentação da “tradição”. É o caso do grupo Lady Antebellum, que amplia sua audiência para bem além do público habitual, apesar de seu patrimônio evocado, por não fazer a menor alusão política ou identificação regional.
Taylor Swift, cantora de Nashville, foi indicada a artista do ano no American Music Awards de 2011. Ela só canta histórias sentimentais, trata do amor e de belas paisagens. Quando, por ocasião de uma cerimônia de premiação, em 2009, ela foi criticada no palco pelo cantor de rap Kanye West, que contestou a legitimidade de seu troféu, o próprio Obama se sentiu obrigado a condenar o gesto. Vulnerável e sem arrogância, a cantora de música country é agora o rosto inocente e consensual de um país que dizem profundo, que abriga milhões de cidadãos arrastados pela crise econômica e pela arrogância dos poderosos, e que encontram, ao escutar uma música popular e populista com temas nostálgicos, uma razão para celebrar seu americanismo.
Sylvie Laurent
Autora de Poor white trash: la pauvreté odieuse du blanc américain [Poor White Trash: a pobreza odiosa do branco norte-americano], Presses l’Université Paris-Sorbonne, Paris, 2011.


Ilustração: Daniel Kondo
1 Termo pejorativo que designa os brancos que moram no campo, em particular nos estados do sul, representados como pessoas rudes, alcoólatras e atrasadas.
2 James Edward Akenson, Country music goes to war [A música vai à guerra], University Press of Kentucky, Lexington, 2005.
3 Forma de nacionalismo intransigente, derivada do nome de Andrew Jackson, sétimo presidente norte-americano (1829-1837).
4 Aaron A. Fox, Real country: music and language in working-class culture (Country/País real: música e linguagem na cultura da classe trabalhadora], Duke University Press, Durham, 1994.
5 Ler Jessie Emkic, “Une chasse aux sorcières contre les Dixie Chicks” [Caça às bruxas contra as Dixie Chicks], Le Monde diplomatique, mar. 2008.

Educação tem 60% do funcionalismo do Estado, mas apenas 30% da folha



Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes no SUL21

Em 2010, os servidores da Secretaria de Educação eram 60,9% de todos os funcionários do Estado, incluindo-se aí os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público. Entretanto, este grande contingente de trabalhadores responde por apenas 33,36% da folha de pagamento. Os dados são do DIEESE, órgão que presta assessoria estatística e socioeconômica a sindicatos como o CPERS, que analisou os gastos com pessoal feito pelos três poderes durante todo o ano de 2010.
Os gastos com pessoal de 2011, último orçamento enviado pelo governo anterior, ainda não estavam disponíveis quando foi fechada a pesquisa, mas o secretário estadual de Planejamento, João Motta, revela que os números ficaram ainda piores. Motta diz que a partir de 2012 o Governo fará a participação dos gastos com funcionários da Educação no total da folha voltar a subir.
A análise do DIEESE demonstra que o peso do salário dos professores no total de gastos com pessoal é praticamente metade do que eles representam em número de matrículas. A situação é bem distinta à de outros órgãos. O Poder Judiciário, por exemplo, tem 4% dos servidores e eles ganham 13,66% do que é gasto com pessoal. O Ministério Público tem 1% dos trabalhadores, que recebem 4,78% da folha de pagamento. O Poder Legislativo (incluindo o TCE) tem 1,2% dos funcionários e 4,59% dos custos com pessoal. Os demais órgãos do Poder Executivo representam 32,9% do total de servidores, que respondem por 43,61% dos gastos com pessoal.
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Os gráficos comparam o número de servidores de cada Poder do RS e da Secretaria de Educação com o quanto cada um consome da folha de pagamento. Os dados são do ano de 2010 | Fonte: DIEESE

Uma análise da folha de pagamento apenas do mês de dezembro de 2010 mostra que há disparidade também entre os órgãos do Executivo. A Secretaria da Fazenda tem 1,3% das matrículas, mas consome 6,5% dos gastos com pessoal. A Polícia Civil tem 3,5% dos servidores e 5,9% da folha. Órgãos que contam com muitos advogados também apresentam alta disparidade entre o número de servidores e o quanta eles impactam sobre as finanças do Governo. A Defensoria Pública tem 0,2% dos servidores e 1,1% da folha. A Procuradoria-Geral do Estado tem 0,4% das matrículas e 1,6% dos custos com pessoal.
Chama atenção que a Brigada Militar, cujos soldados notadamente recebem baixa remuneração, teve em dezembro de 2010 uma participação no número de matrículas (15,3%) quase igual a sua participação no total da folha (15,4%). O economista Ricardo Franzói, supervisor técnico do DIEESE gaúcho, lamenta que o Portal da Transparência ainda não permita pesquisar, por exemplo, quanto da folha da BM vai para os oficiais e quanto vai para os soldados.

Desigualdade aumentou, segundo DIEESE

“A questão toda era saber se esta desigualdade está diminuindo ou aumentando”, acentua Ricardo Franzói, se referindo ao percentual de gastos com pessoal da Secretaria de Educação em relação à folha do Estado. A conclusão dele é de que do Governo Olívio para os dois seguintes, de Germano Rigotto e Yeda Crusius, a desigualdade foi aumentando lentamente.
Para analisar isto, Franzói comparou as folhas de dezembro de 2002 e do mesmo mês em 2006 e 2010. Os dados não incluem a administração indireta, ou seja, empresas públicas, autarquias, fundações e sociedades de economia mista. Em dezembro de 2002, a Secretaria de Educação tinha 63,3% dos servidores ativos ou inativos, que representavam 38,2% dos gastos com pessoal.
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Gráficos comparam os gastos da administração direta do Estado em dezembro de 2002, 2006 e 2010, e o quanto os gastos com os profissionais da educação representaram nestes meses | Fonte: DIEESE

Em dezembro de 2006, os profissionais da Educação continuaram sendo 63,3% do total de funcionários, mas o quanto eles recebiam caiu para 37,2%, queda de 1%. Em dezembro de 2010, a Secretaria de Educação passou a ter 62,7% das matrículas, queda de 0,6%, mas a queda na sua participação na folha de pagamento foi de 2,9%, passando para 34,3%.
“As diferenças se agravam pelo poder de barganha”, opina Franzói. Ele analisa que o poder de pressão do magistério é fazer greve, mas quando cruzam os braços isto acaba não causando comoção nos governantes. “O poder de barganha dos professores é fazer greve, o que só atinge os mais pobres e ninguém dá bola. Se a Secretaria da Fazenda fizesse greve, pararia a arrecadação, aí todo mundo se mexeria”, exemplifica.
Franzói afirma que a proposta de reajuste ao magistério que o Governo do Estado enviou à Assembleia Legislativa não causaria mudança significativa neste quadro de desigualdade, pelo menos não em 2012. Isto porque a proposta prevê um reajuste em três parcelas. A primeira parcela, de 9,84%, será paga em maio deste ano e para os professores do nível A1, que ganham os menores salários, representará apenas a incorporação ao salário básico de um abono que já era pago. A segunda parcela, de 6,08%, será paga apenas a partir de novembro de 2012 e a terceira em fevereiro de 2013.
“Se o governo não coloca restrições as diferenças se agravam”, afirma Franzói. O economista afirma que só um acordo entre os poderes pode mudar as desigualdades entre os salários dos servidores do Estado. “Teria que haver um acordo entre os poderes: ‘Todos concordam que a educação é estratégica? Então vamos congelar os demais salários por cinco anos e só reajustar os da educação’”.

João Motta: “A curva vai voltar a subir”

O secretário João Motta revelou que em 2011, caiu ainda mais a participação da Secretaria de Educação na folha do Estado. E foi uma queda brusca, de 34,3% em dezembro de 2010, para 30,1%  ao final de 2011. Para 2012, o Governo projeta que a situação vai começar a ser revertida. “Começamos a projetar uma recuperação. Vamos fechar 2012 com 31,7%. A curva voltará a crescer”, afirma.
Para 2013, ainda não há projeção, mas Motta reafirma que o Governo seguirá buscando cumprir o compromisso de pagar o piso nacional dos professores até 2014 e, desta forma, vai acabar diminuindo a disparidade dos salários da Educação para os demais do Estado.“A dinâmica do crescimento dos gastos com educação está determinada pelo piso. Ainda não projetamos 2013, mas gostaríamos de afirmar de novo o compromisso do Estado de pagar o piso até o final do Governo, então esta curva só vai crescer”.

Motta: "Nossa prioridade é recuperar os baixos salários" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Motta afirma também que o percentual de gastos com pessoal têm aumentado dentro do orçamento da Secretaria de Educação (Seduc), bem como o montante em números absolutos. Em 2011, o gasto com pessoal da Seduc foi de 87,6% de seu orçamento (R$ 4,661 bilhões). Em 2012, será de 88,2% (R$ 5,745 bilhões). “Desta forma é que a gente vai trabalhar para reduzir estas disparidades e cumprir com o piso”.

“Teto salarial é uma questão de médio e longo prazo”

No início de seu Governo, Tarso Genro externou sua posição em favor de um teto salarial para o Estado, mas o assunto acabou ficando por isso mesmo. O secretário João Motta afirmou que este é um “princípio de gestão” da atual administração e deve ser buscado para diminuir as disparidades. “Estamos trabalhando em cima de uma realidade, de uma folha que está estruturada ao longo dos últimos anos e temos que reduzir as disparidades e as distâncias entre a remuneração mínima e a máxima. É neste contexto que entra remunerar melhor os salários mais baixos e de outro lado conter um pouco os salários mais altos com mecanismos como o teto. Para nós, estabelecer um limite é um princípio de gestão pública. No Brasil, inclusive, já é uma questão resolvida do ponto de vista legal, mas a aplicação tem que ser mediada pela relação entre os poderes. O governador sempre tem deixado claro qual é o seu posicionamento”, diz.
Mas Motta afirma também que a questão do teto é complexa e que não é prioritária neste momento. “É uma discussão complexa. Envolve necessariamente um diálogo com os demais poderes. É um processo de médio e longo prazo. No curto prazo, nossa prioridade é recuperar os baixos salários e cumprir com os compromissos que assumimos com a Educação e Segurança. Os soldados da Brigada ganham os menores salários do Brasil. O reajuste que demos a cabos e soldados (de 23,5%) vai nesta linha”, afirma.
O secretário também defendeu medidas como a alta gratificação concedida pelo Estado aos servidores da Fazenda no final do ano passado. Segundo ele, gratificações a órgãos como Fazenda e Procuradoria-Geral do Estado proporcionam aumento de receita e possibilitam reajustes para outras categorias. A Fazenda aumentando a arrecadação e a PGE com a cobrança de dívidas. “Para você gerir o Estado muitas vezes é preciso lançar mão de medidas que são exceção, mas nem por isto erradas. Esta decisão tomada quanto à Fazenda faz parte de um processo de reorganização da área fazendária. Governos precisam garantir a receita, manter um crescimento estável da arrecadação do Estado. Sem isto não temos como, inclusive, absorver o impacto na folha destas negociações que fazemos com as demais categorias”.

Atlântico Sul: do colonialismo do século 19 ao imperialismo do século 20

  Rina Bertaccini  no CORREIO DA CIDADANIA 

Uma série de acontecimentos recentes em torno das Malvinas nos obriga a direcionar os olhares ao Atlântico Sul, essa imensa superfície marítima que vincula três continentes: África, América e Antártida. Uma observação atenta nos indica que a questão das Malvinas tem sua origem em quase dois séculos atrás, mas se estende ao presente como parte do projeto da OTAN global.

Na mira do colonialismo

Desde o século 19, as Malvinas e outros arquipélagos argentinos do Atlântico Sul (Geórgias do Sul e Sandwich do Sul) se encontram sob a mira do colonialismo. Produzida a Revolução de Maio (1810) e com isso a independência da coroa espanhola, o governo pátrio tomou posse do arquipélago como parte do território herdado da Espanha (por sucessão de Estados em virtude do princípio do Uti Possidetis Jure). Instalou em 1823 um governador e em 1829 uma guarnição militar encabeçada por um comandante político e militar. Mas nos anos 30 daquele século, a Grã Bretanha, com apoio ativo dos Estados Unidos, e após uma série de atos agressivos, que culminam no ataque a Porto Soledad, desaloja a guarnição argentina e concretiza militarmente a operação em 3 de janeiro de 1833. Pontuar isso é importante para jogar luz sobre o absurdo da pretensão britânica de apresentar o caso Malvinas como um assunto de auto-determinação dos ilhéus.

Começou, então, e continua até hoje, a usurpação britânica de uma parte de nosso território nacional. Aquela ação pirata de 1833 também põe à vista a forte aliança entre o governo dos EUA e a coroa britânica, aliança que se consolidaria depois nos marcos da OTAN.

A guerra fria e os pactos agressivos

Outra necessária referência histórica nos leva a meados do século 20. É pertinente recordar que, em 1947, Washington impôs aos países da região do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), um tratado que, segundo seus impulsores, protegeria nossos países do ataque de alguma potência extracontinental; e em 1948 promoveu a fundação da Organização dos Estados Americanos (OEA), verdadeiro ministério de colônias a serviço da política expansionista e do intervencionismo dos Estados Unidos no continente.

Em nível mundial, impulsionou a assinatura de pactos militares em várias regiões, assim como a criação, em abril de 1949, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), todos instrumentos de natureza agressiva que minavam a idéia de segurança coletiva baseada no princípio da coexistência pacífica, estabelecido em 1945 na Carta das Nações Unidas. Na atualidade, a OTAN cresceu até integrar 28 países, muito além dos doze Estados do Atlântico Norte que lhe deram nascimento, e sua Cúpula realizada em Portugal, em novembro de 2010, proclamou abertamente sua condição de poder militar global.

O Atlântico Sul e a expansão da OTAN

Nos anos 80 do século 20 a OTAN ainda não tinha se expandido. Ao assumir a presidência dos Estados Unidos em 20 de novembro de 1981, Ronald Reagan se colocou o objetivo de lançar uma política ofensiva de “recuperação dos espaços políticos, geográficos e estratégicos”, para o qual empreenderia um gigantesco programa armamentista com reativação da economia. Reclamando mais atenção de Washington em relação às Américas, Reagan insistia que “os Estados Unidos devem assumir um novo papel de força coesa imbatível na construção de uma comunidade do hemisfério ocidental”.

Com esse propósito, a administração Reagan trabalhou para a criação de “um acordo regional para a segurança do Atlântico Sul”, um acordo que não chegou a se concretizar – entre Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai – e que se visualizava como uma Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), complementado com a participação da África do Sul, então sob o regime do Apartheid.

Tais objetivos foram explicitados tanto no conhecido documento de Santa Fé (1980) como em outro documento aprovado neste mesmo ano pelo Conselho de Segurança Nacional dos EUA, o denominado Free Oceans Plan (Plano para o Oceano Livre), no qual, explicando a importância estratégica do Atlântico Sul, se afirma: “Ainda quando os EUA possam contar com apoio efetivo e duradouro da União Sul-Africana e da República do Chile (sob a ditadura de Pinochet), e eventualmente da Argentina (então sob a ditadura de 1976/1983), que facilite a execução de seus planos para o extremo-sul dos três oceanos, é indispensável contar com o apoio da Grã Bretanha (...) que deve ser nossa principal aliada na região, não só porque é nossa amiga mais confiável na ordem internacional, como porque ainda ocupa diversas ilhas do Atlântico Sul, que em caso de necessidade poderiam se converter em bases aeronavais, de acordo com o modelo de Diego Garcia, ou em ponto de apoio logístico, como a ilha Ascensão”.

Esse é o pano de fundo real da posição ianque na Guerra das Malvinas: a partir de uma política de força, estratégica e militar, o governo estadunidense não teve dúvidas em se alinhar a Grã Bretanha, sua principal aliada na OTAN, contra a Argentina, apesar de que, em virtude do TIAR, deveria defendê-la frente a uma “agressão extracontinental”. Washington se prendeu estritamente a estes critérios.

E, ao final da guerra de 1982, consegue, entre seus objetivos militares, a construção de uma grande base militar nas Malvinas, que ofereceu à OTAN o controle das rotas oceânicas do Atlântico Sul e uma possibilidade concreta de projetar seu poder ao continente Antártico.

Além das razões geopolíticas já mencionadas, a ocupação dos arquipélagos do Atlântico Sul teve e tem para os imperialistas um interesse adicional, associado à exploração dos vastos recursos naturais da região. Sobre isso, o que realmente importa é a extensa plataforma continental argentina, o mar que rodeia as ilhas, a abundância de peixes, os crustáceos, as riquezas do solo submarino – petróleo e minerais como manganês, cobre, ferro. Alguns desses recursos, particularmente o petróleo, têm uma enorme e crescente importância estratégica, e já atualmente dão grandes lucros, obtidos pela venda ilegal de licenças de pesca e exploração de petróleo, com a conseguinte depredação de riquezas que pertencem ao povo argentino.

A militarização do Atlântico Sul

Terminada a Guerra das Malvinas, e desde a retomada inglesa do controle total do arquipélago, o projeto de instalar uma base militar aeronaval se concretizou com os trabalhos de ampliação das pistas e as instalações do aeroporto de Mount Pleasant, na Ilha Soledad. As obras foram concluídas em 1985 e a base começou a operar em 1986. Hoje, a Fortaleza Malvinas, que dispõe também de uma estação naval de águas profundas, chamada Mare Harbour, na qual atracam submarinos atômicos, se constituiu em um dos cinco principais enclaves militares estrangeiros do hemisfério ocidental e funciona conectada à rede mundial de bases de controle e espionagem que a OTAN tem no planeta.

A descrição e as capacidades dessa Fortaleza merecem um artigo especial. Digamos por agora que os navios e aeronaves militares que vão e vêm da Grã Bretanha, via ilha Ascensão, são portadores de armas nucleares. Na atualidade, com a reativação em 2008 da IV Frota de Guerra dos EUA, os perigos que derivam da instalação da Fortaleza Malvinas a 700 quilômetros de nossa costa patagônica se agravaram consideravelmente.

As recentes medidas adotadas pela Casa Branca não fazem nada, a não ser piorar a situação. Referimo-nos à decisão de estabelecer ao redor das ilhas Geórgias do Sul e Sandwich uma zona de exclusão pesqueira com extensão de 1 milhão de quilômetros quadrados, área que seria patrulhada por barcos da marinha de guerra do Reino Unido.

Com isso, além de transgredir a Resolução da ONU que reclama do Atlântico Sul uma Zona de Paz e Cooperação, agregam novas ameaças e tensões, com as quais tentam bloquear o necessário processo de negociações políticas imprescindíveis ao avanço da solução de plebiscito de soberania, encontrando caminho pacífico da descolonização dos arquipélagos do Sul.

A despeito dos planos do imperialismo, esse é o caminho que escolheu a Argentina, que hoje conta com o apoio fundamental da Unasul, do Mercosul, da ALBA, da CELAC e todos os povos da região.

Rina Bertaccini é presidente do Movimento pela Paz, a Soberania e a Solidariedade entre os Povos (Mopassol), da Argentina, e vice-presidente do Conselho Mundial pela Paz.
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Publicado originalmente em http://alainet.org
Agência Latino-Americana de Informação
Email: info(0)alainet.org

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Partido dos Trabalhadores


 Paulo Passarinho  no CORREIO DA CIDADANIA 

O Partido dos Trabalhadores completa, no dia 10 de fevereiro, 32 anos. Nesse dia, em 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, o Movimento Pró-PT – reunindo os mais diferentes segmentos de trabalhadores, estudantes, intelectuais, comunidades eclesiais de base, lideranças combativas do movimento sindical e militantes de diversas organizações de esquerda, clandestinas, por força da ditadura em vigor – chegava ao seu objetivo de cumprir as exigências impostas pelo regime militar para a criação de um partido político.

No momento mais simbólico daquela histórica tarde, Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa e Sergio Buarque de Hollanda entraram de braços dados pelo salão onde se realizava a reunião de fundação formal do PT. Representavam décadas de militância política e intelectual a favor dos trabalhadores, e renovavam as esperanças e expectativas de brasileiros que apostavam na criação de mais um importante instrumento de luta para a emancipação de nosso país e de nosso povo.

Daquela data até os dias de hoje, muita coisa mudou no Brasil e no próprio PT.

Ao longo da década de 80, o PT se afirmou como a principal referência partidária junto aos militantes dos movimentos sociais, principalmente dos setores identificados com a Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, igualmente criados naquela década. A partir das eleições municipais de 1988, especialmente com a vitória de Luiza Erundina para a prefeitura de São Paulo, dentre outras (anteriormente, em 1985, Maria Luiza Fontenelle já havia sido eleita para a prefeitura de Fortaleza), o PT começa a trilhar o delicado caminho de procurar compatibilizar os seus objetivos políticos com os limites da institucionalidade vigente.

Com a derrota de Lula para Collor, nas eleições presidenciais de 1989, e a própria ascensão do projeto neoliberal no país, os movimentos sociais entram em compasso de resistência contra a nova hegemonia que se expressa na sociedade, com conseqüências importantes para a própria construção política do PT.

Abreviando essa trajetória petista, e após o período das contra-reformas da era FHC, o PT que chega ao governo federal em 2003 é completamente diferente do que se poderia imaginar para um partido que se pautava – na sua fase de afirmação – pela defesa de uma nova ética na prática política e de transformações estruturais da economia e da sociedade brasileiras.

Históricas bandeiras políticas do PT - como a reforma agrária, a reforma tributária a favor do mundo do trabalho, a reforma urbana, a revisão das criminosas privatizações de FHC, Itamar e Collor, o controle democrático das estatais ou a mudança do modelo econômico, através de uma nova política macroeconômica – foram abandonadas e substituídas sem cerimônia e em nome do que se denominou governabilidade.

A justificativa para tamanha metamorfose foi a alegação de que a correlação de forças na sociedade não permitiria mudanças substantivas no plano da política e especialmente na condução da política econômica. A política de alianças que leva Lula à presidência também foi alegada como fator de impedimento, para um programa de governo minimamente reformista e de contraposição às contra-reformas de FHC.

A rigor, a correlação de forças que foi substantivamente alterada se deu dentro do próprio PT. A submissão do conjunto do partido, com honrosas exceções, às opções e preferências de Lula – com seu inegável carisma, popularidade e apelo junto aos mais pobres, que se identificam com a origem do ex-metalúrgico – tornou-se uma regra.

Com relação à política de alianças, eu mesmo ouvi do vice-presidente de Lula, José de Alencar, em encontro no Palácio Jaburú com representantes do Conselho Federal de Economia, durante o primeiro mandato de ambos, que jamais foi consultado – ou mesmo informado de forma antecipada – das razões que levaram a cúpula petista a anunciar, em solo norte-americano, com Lula à frente, a nomeação do executivo financeiro do Bank of Boston, Henrique Meireles, para a presidência do Banco Central.

Outra explicação ou justificativa que também foi alegada, particularmente por setores que ainda têm o capricho de se apresentarem como forças de esquerda que apóiam os governos petistas, é que estes seriam “governos em disputa”. Seja por espantosa ingenuidade ou deslavado oportunismo, a verdade é que, se houve alguma disputa, em algum momento que seja, em todas elas a esquerda perdeu. Ou, conforme um amigo sempre lembra, a única disputa relevante que podemos apontar no âmbito do governo Lula foi a disputa entre os grupos Bradesco e Itaú pela liderança do super-lucrativo mercado bancário brasileiro, mais privilegiado ainda no período pós-2002 do que na era FHC.

Todas essas considerações devem ser lembradas pela razão de, na mesma semana em que o PT comemora mais um ano de sua existência, uma nova e inequívoca prova de sua total e radical guinada para a direita ter sido ratificada. Refiro-me ao início do processo da privatização dos principais e rentáveis aeroportos brasileiros. Serviço público essencial e fator de segurança nacional, a entrega dos principais aeroportos do país à administração privada, e a operação dos mesmos a empresas estrangeiras, escancara de uma vez por todas a natureza política dos governos pós-2002.

Mais patética do que a ação privatista em si, injustificável sob todos os pontos de vista, foi o esforço de dirigentes e líderes petistas procurando contestar qualquer semelhança com as privatizações da era FHC. Alegando que concessões não significam privatizações, essas tristes figuras ainda permitiram que ex-dirigentes tucanos se retirassem do ostracismo político em que se encontram para lhes explicar que serviços públicos, de fato, não podem ser privatizados, como se fossem “uma Vale do Rio Doce”. Por conta de dispositivo constitucional, esses serviços devem ser executados diretamente pelo Estado, ou por concessões a serem feitas à iniciativa privada, através de contratos, e por tempo definido.

Parece que, em termos de privatização, os neopetistas têm muito ainda a aprender com os carcomidos tucanos. Da minha parte, o que espero é que aqueles que ainda mantenham um mínimo de coerência, entre os que ainda se considerem de esquerda, e que continuam aprisionados ao PT e aos seus governos, rompam definitivamente com esse partido e com o atual governo.

A esses setores, é importante lembrar que, após mais de nove anos de governos comandados pelo PT, as tarefas para a construção de um verdadeiro programa democrático e popular - conforme o ideário do finado e verdadeiro PT - são mais complexas hoje do que em 2002.

O processo de privatização e de abertura de nossa economia aos capitais transnacionais é muito mais intenso e deitou raízes no país de forma muito mais profunda. Temos, portanto, muito mais trabalho pela frente e nossos adversários estão hoje muito mais fortalecidos. A economia brasileira encontra-se muito mais desnacionalizada, o Estado muito mais endividado e os movimentos sociais muito mais debilitados, pela cooptação de suas lideranças.

Chega de ilusões. É chegada a hora de se desfazer de fantasias e mistificações.

Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.

A Ordem Criminosa do Mundo / El Orden Criminal del Mundo

 Excelente!
Documentário exibido pela TVE espanhola, que aborda a visão de dois grandes humanistas contemporâneos sobre o mundo atual: Eduardo Galeano e Jean Ziegler.
Pode se dizer que há algo de profético em seus depoimentos, pois o documentário foi feito antes da crise que assolou os países periféricos da Europa, como a Espanha.
A Ordem Criminal do Mundo, o cinismo assassino que a cada dia enriquece uma pequena oligarquia mundial em detrimento da miséria de cada vez mais pessoas pelo mundo. O poder se concentrando cada vez mais nas mãos de poucos, os direitos das pessoas cada vez mais restritos. As corporações controlando os governos de quase todo o planeta, dispondo também de instituições como FMI, OMC e Banco Mundial para defender seus interesses. Hoje 500 empresas detém mais de 50% do PIB Mundial, muitas delas pertencentes a um mesmo grupo. (Docverdade)

Marx queria a realização total do indivíduo, fora dos circuitos mercantis




O liberalismo se transformou em um novo totalitarismo

Entrevista com Dany-Robert Dufour, antropólogo francês, estudioso do ultraliberalismo e suas consequências dramáticas, via DIÁRIO GAUCHE


Alguns já o vêem no ocaso, outros a ponto de cair no abismo, ou em plena derrocada, ou em vias de extinção. Outros analistas prevêm o contrário, que mesmo que o liberalismo atravessa uma séria crise, seu modelo está longe, muito longe da conclusão. Apesar das crises e suas fundas consequências, o liberalismo segue em pé, produzindo seu pedaço insensato de benefícios e desigualdades, suas políticas de ajuste, sua irrenunciável impunidade. No entanto, mesmo que ainda siga vivo, a crise tem deixado como nunca a nu os seus mecanismos perversos e, sobretudo, colocou no centro da cena não só o sistema econômico, mas o indivíduo que o liberalismo acabou por criar: hedonista, egoísta, consumista, frívolo, obcecado por objetos e pela imagem fashion que emana destes objetos.

A trilogia da modenidade liberal é muito simples: produzir, consumir e enriquecer.
Em seu último livro, “O indivíduo que vem depois do neoliberalismo” [sem tradução para o português, ainda], o filósofo francês Dany-Robert Dufour (foto) propõe uma pergunta que poucos se fazem: “Como será o indivíduo que surgirá depois dos cataclismos e das intervenções globais do liberalismo?”

O liberalismo, que se apresentou como salvador da humanidade, terminou levando o ser humano a um caminho sem saída. Você projeta o seu fim, e se pergunta que tipo de ser humano surgirá depois do ultraliberalismo.

No século passado conhecemos dois grandes caminhos sem saída histórica: o nazismo e o stalinismo. De alguma maneira, e entre parênteses, depois da Segunda Guerra Mundial fomos libertados desses dois caminhos sem saída pelo liberalismo. Mas essa libertação acabou sendo uma nova alienação. Nas suas formas atuais, quer dizer, ultra e neoliberal, o liberalismo se molda como um novo totalitarismo porque pretende administrar o conjunto das relações sociais. Nada deve escapar da ditadura dos mercados e ele converte o liberalismo em um novo totalitarismo que substitui os dois anteriores. É, então, um novo caminho sem saída histórica. O liberalismo só fez explorar o ser humano. O historiador húngaro Karl Polanyi, em um livro publicado depois da Segunda Guerra Mundial demonstrou como, antes, a economia estava incluída em uma série de relações: as sociais, as políticas, as culturais, etc. Mas com a irrupção do liberalismo a economia saiu desse círculo de relações para converter-se no ente que procura dominar todos os demais. Desta forma, todas as economias humanas submetem-se à lei liberal, quer dizer, à lei do aproveitamento onde tudo deve ser rentável, incluídas as atividades que antes não estavam sob o mandato do rentável. Por exemplo, neste momento você e eu estamos falando mas não estamos submetidos à rentabilidade, mas sim para produzir sentido. Neste momento estamos em uma economia discursiva. Mas hoje até a economia discursiva está submetida a "quem ganha mais". Cada uma das economias humanas está sob a mesma lógica: a economia psíquica, a economia simbólica, a economia política, daí ao aniquilamento da política. O político só existe para obedecer ao econômico. A crise que atravessa a Europa mostra que quanto mais ela se aprofunda, mais a política deixa a gestão sob o controle da economia. A política renunciou ante a economia e esta tomou o poder. Os circuitos econômicos e financeiros se apoderaram da política. Por conseguinte, a crise é geral.

O título do seu livro, "O indivíduo que vem depois do liberalismo", implica a dupla ideia de uma frase triunfal e do fim do liberalismo.

Paradoxalmente, no momento de seu triunfo absoluto o liberalismo dá sinais de cansaço. Nos damos conta de que nada funciona e as pessoas vão tomando consciência deste colapso e têm uma reação de incredulidade. Os mercados se propõem a ser panaceia para todos os males. Você tem um problema? Pois então procure o Mercado e este lhe concederá a riqueza absoluta e a solução dos problemas. Mas agora nos damos conta que o Mercado acarreta devastações. Agora vemos do quanto esse remédio que deveria propiciar riqueza infinita acaba nos trazendo miséria, pobreza e destruição. Desde sempre, o capitalismo produz a riqueza global mas pessimamente dividida. Sabemos que há 20, 30 anos as desigualdades têm aumentado no planeta inteiro. A riqueza global do capitalismo subtrai direitos de milhões de indivíduos: os direitos sociais, o direito à educação, à saúde, em suma, todos esses direitos conquistados com as lutas sociais estão sendo engolidos pelo liberalismo. O liberalismo foi como uma religião cheia de promessas. Nos prometeu a riqueza infinita graças ao seu operador, o Divino Mercado. Mas nada cumpriu.

Na sua crítica filosófica ao liberalismo você põe em relevo um dos seus danos principais causado pelo pensamento liberal: os indivíduos estão submetidos aos objetos, não a seus semelhantes, ao outro. A relação em si, a sensualidade, foi deslocada pelo objeto.

As relações entre os indivíduos ficam em segundo plano. O primeiro é ocupado pela relação com o objeto. Essa é a lógica de mercado: o mercado pode a cada momento indicar-nos o objeto capaz de satisfazer nossos apetites. Pode ser um objeto manufaturado, um serviço e até um fantasma sob medida construído pelas indústrias culturais. Estamos em um sistema de relações que privilegia o objeto ao invés do sujeito. Isso cria uma nova alienação, uma relação viciada com os objetos. Esse novo totalitarismo que é o liberalismo, põem em mãos dos indivíduos os elementos para que se oprimam a si mesmos, através dos objetos. O liberalismo nos deixa a liberdade de nos alienarmos a nós mesmos.

Você localiza o princípio da crise nos anos '80 através da restauração do que você mesmo chama de relato de Adam Smith. Você cita uma de suas frases mais espantosas: para escravizar a um homem há que dirigir-se ao seu egoísmo, e não à sua humanidade.

Adam Smith remonta ao século 18 e a sua moral egoísta se expandiu um século e meio depois com a globalização do mercado em todo o mundo. De fato, Smith demorou muito, porque houve outra mensagem paralela, outro Século das Luzes, que foi o trancendentalismo [idealismo. Nota do tradutor] alemão. Ao contrário das Luzes de Smith, os alemães propunham a regulação moral, a regulação trancendental. Essa regulação podia manifestar-se na vida prática, através da construção de formas como as do Estado a fim de regular os interesses privados. A partir do Século das Luzes há duas forças que se manifestam: Adam Smith e Kant. Estes dois campos filosóficos coexistiram de maneira conflitiva ao longo da modernidade, quer dizer, através de dois séculos. Mas, em algum momento, o transcendentalismo alemão desmoronou e deixou lugar ao liberalismo inglês, que por sua vez passou a assumir a forma ultraliberal. Se pode datar esse fenômeno a partir do princípio dos anos '80. Há inclusive uma marca histórica que remonta ao momento em que Ronald Reagan e Margaret Thatcher na Grã-Bretanha chegam ao poder e instalam a liberdade econômica sem regulação alguma. Essa ausência de regulação destruiu imediatamente as convenções sociais, quer dizer, o pacto entre os indivíduos.

Daí advém a trilogia"produzir, consumir, enriquecer". Você chama a essa trilogia de pleonexia [desejo exagerado de ter posses, grande avidez material. Nota do tradutor].

O termo pleonexia eu encontrei na República de Platão, e quer dizer "sempre ter mais". A República grega, a Polis, se construiu sobre a proibição da pleonexia. Pode-se dizer então que, até o século 18, uma parte do Ocidente funcionou na base dessa proibição, e se libertou dela nos anos '80. A partir daí, foi liberada a avidez mundial, a avidez dos mercados, a avidez dos banqueiros. Recorde o discurso pronunciado por Alan Greenspan (o ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA) ante a Comissão do Congresso norteamericano depois da crise de 2008. Greenspan disse: "Eu pensava que a avidez dos banqueiros era a melhor regulação possível. Mas me dou conta que isso não funciona mais, e não sei por quê". Greenspan confessou dessa maneira que o que orienta as coisas é a liberação da pleonexia. E já vemos agora aonde tudo isso nos conduziu.

Chegamos no momento do depois, ao hipotético 'ser humano de depois do liberalismo'. Você o vê sob a condição de um indivíduo simpático. Que sentido tem o termo simpático, neste contexto?

Ninguém é bom ao nascer, como pensava Rousseau, nem tampouco mau, como pensava Hobbes. O que podemos fazer é ajudar as pessoas a serem simpáticas, quer dizer, a não pensar só em si mesmas, e a pensar que para viver com o próximo há que contar com ele, o próximo. O outro está em mim, as imagens dos outros estão em mim, e me constituem como sujeito. A ideia mesma de um individuo egoísta é um sem-sentido, porque obriga a que nos esqueçamos de que o indivíduo está constituído por partes do outro. E quando falo de um indivíduo simpático não emprego o termo em sua acepção mais trivial, digamos alguém simplesmente simpático. Não. Se trata do sentido que tinha a palavra no século 18, onde a simpatia era a presença do outro em mim. Necessito, então, da presença do outro em mim e o outro necessita de minha presença nele para que possamos constituir um espaço onde cada um seja um indivíduo aberto ao outro. Eu cuido do outro como ele cuida de mim. Isso é um indivíduo simpático.

Vamos com a simpatia, mas sobre que bases se constitui o indivíduo que vem depois do liberalismo? A razão, a religião, o esporte, o ócio, a solidariedade, outra ideia de mercado?

Neste livro fiz um inventário sobre relatos antigos: o relato do logos [consciência cósmica em Heráclito. Nota do tradutor.], da evasão da alma dos gregos, o relato sobre a consideração do outro nos monoteísmos. Me dei conta de que em ambos relatos havia coisas interessantes e também aterradoras. Por exemplo, a opressão das mulheres no patriarcado monoteísta equivale à opressão da metade da humanidade. Acaso queremos repetir essa experiência? Não, certamente. Outro exemplo: no logos, para que haja uma classe de homens livres na sociedade é preciso que haja uma classe oprimida e escravizada. Queremos repetir isso? Não. Refundar nossa civilização depois dos três caminhos sem saída que foram o nazismo, os stalinismo, e o liberalismo requer uma fundação sobre bases sólidas. Por isso levei a cabo o inventário, para ver o que poderíamos recuperar e o que não poderíamos recuperar, quanto do passado podia servir-nos e quanto não podia servir-nos. A segunda consideração poderia ajudar o indivíduo a ser simpático antes que egoísta. É preciso reconstruir um meio onde se possa ser simpático e não egoísta. Neste contexto, a ideia de reconstrução do político, de uma nova forma de Estado que não fique dedicado a conservar os interesses econômicos, e sim que preserve os interesses coletivos, é central.

Qual é então o grande Relato que podería nos salvar?

Temos deixado à beira do caminho os grandes relatos anteriores e acreditamos cada vez menos no grande relato do mercado. Estamos a espera de algo que unifique o indivíduo, quer dizer, uma grande narrativa. Eu proponho o relato de um indivíduo que deixou de ser egoísta, mas que não seja o indivíduo coletivo do stalinismo, nem tampouco o indivíduo afogado na raça que se crê superior, como no nazismo e no fascismo. Se trata de um relato alternativo a tudo isso, de um relato que persiste no fundo da civilização. Creio que o valor da civilização ocidental reside na ênfase na individuação, quer dizer, na ideia da criação de um indivíduo capaz de pensar e agir por si mesmo. Não se pode esquecer a noção de indívíduo, mas é preciso reconstruir essa ideia. Contrariamente ao que se diz, não creio que nossas sociedades sejam individualistas, não. Nossas sociedades são lamentavelmente egoístas. Isto me faz pensar que o individuo como tal tem uma boa margem existencial, que há muitas coisas dele que não conhecemos. Temos que fazer existir o indivíduo fora dos valores de mercado. O indivíduo do stalinismo foi dissolvido na massa do coletivismo, o indivíduo do nazismo e do fascismo foi dissolvido na raça, o indivíduo do liberalismo foi dissolvido no egoísmo. O indivíduo liberal é um escravo de suas paixões e pulsões. Devemos superar este caminho liberal sem saída para recriar um indivíduo aberto ao outro, capaz de realizar-se totalmente. Há textos filosóficos de Karl Marx, que não são muito conhecidos, e nos quais Marx queria a realização total do indivíduo fora dos circuitos mercantis: no amor, na realização com os outros, na amizade, na arte. Poder criar o máximo a partir das disposições de cada um. Talvez tivéssemos que recuperar esse relato de Marx filósofo e esquecer o do Marx marxista.

Publicado no diário portenho Página 12, edição de hoje, 13 de fevereiro de 2012. A entrevista foi concedida ao jornalista Eduardo Febbro. Tradução de Cristóvão Feil.

12 Mitos do Capitalismo


 
Guilherme Alves Coelho
Odiário - Portugal
12 Mitos do Capitalismo. 16299.jpegSão muitos e variados os tipos e meios de manipulação em que a ideologia burguesa se foi alicerçando ao longo do tempo. Um dos tipos mais importantes são os mitos. Trata-se de um conjunto de falsas verdades, mera propaganda que, repetidas à exaustão, acriticamente, ao longo de gerações, se tornam verdades insofismáveis aos olhos de muitos.

Um comentário amargo, e frequente após os períodos eleitorais, é o de que "cada povo tem o governo que merece". Trata-se de uma crítica errónea, que pode levar ao conformismo e à inércia e castiga os menos culpados. Não existem maus povos. Existem povos iletrados, mal informados, enganados, manipulados, iludidos por máquinas de propaganda que os atemorizam e lhes condicionam o pensamento. Todos os povos merecem sempre governos melhores.

A mentira e a manipulação são hoje armas de opressão e destruição maciça, tão eficazes e importantes como as armas de guerra tradicionais. Em muitas ocasiões são complementares destas. Tanto servem para ganhar eleições como para invadir e destruir países insubmissos.

São muitos e variados os tipos e meios de manipulação em que a ideologia capitalista se foi alicerçando ao longo do tempo. Um dos tipos mais importantes são os mitos. Trata-se de um conjunto de falsas verdades, mera propaganda que, repetidas à exaustão, acriticamente, ao longo
 
de gerações, se tornam verdades insofismáveis aos olhos de muitos. Foram criadas para apresentar o capitalismo de forma credível perante as massas e obter o seu apoio ou passividade. Os seus veículos mais importantes são a informação mediática, a educação escolar, as tradições familiares, a doutrina das igrejas, etc. (*)

Apresentam-se neste texto, sucintamente, alguns dos mitos mais comuns da mitologia capitalista.
 
  • NO CAPITALISMO QUALQUER PESSOA PODE ENRIQUECER À CUSTA DO SEU TRABALHO.
Pretende-se fazer crer que o regime capitalista conduz automaticamente qualquer pessoa a ser rica desde que se esforce muito.
O objectivo oculto é obter o apoio acrítico dos trabalhadores no sistema e a sua submissão, na esperança ilusória e culpabilizante em caso de fracasso, de um dia virem a ser também, patrões de sucesso.
Na verdade, a probabilidade de sucesso no sistema capitalista para o cidadão comum é igual à de lhe sair a lotaria. O "sucesso capitalista" é, com raras excepções, fruto da manipulação e falta de escrúpulos dos que dispõem de mais poder e influência. As fortunas em geral derivam directamente de formas fraudulentas de actuação.
Este mito de que o sucesso é fruto de uma mistura de trabalho afincado, alguma sorte, uma boa dose de fé e depende apenas da capacidade empreendedora e competitiva de cada um, é um dos mitos que têm levado mais gente a acreditar no sistema e a apoiá-lo. Mas também, após as tentativas falhadas, a resignarem-se pelo aparente falhanço pessoal e a esconderem a sua credulidade na indiferença. Trata-se dos tão apregoados empreendedorismo e competitividade.
 
  • O CAPITALISMO GERA RIQUEZA E BEM-ESTAR PARA TODOS
Pretende-se fazer crer que a fórmula capitalista de acumulação de riqueza por uma minoria dará lugar, mais tarde ou mais cedo, à redistribuição da mesma.
O objectivo é permitir que os patrões acumulem indefinidamente sem serem questionados sobre a forma como o fizeram, nomeadamente sobre a exploração dos trabalhadores. Ao mesmo tempo mantêm nestes a esperança de mais tarde serem recompensados pelo seu esforço e dedicação.
Na verdade, já Marx tinha concluído nos seus estudos que o objectivo final do capitalismo não é a distribuição da riqueza, mas a sua acumulação e concentração. O agravamento das diferenças entre ricos e pobres nas últimas décadas, nomeadamente após o neoliberalismo, provou isso claramente.
Este mito foi um dos mais difundidos durante a fase de "bem-estar social" pós-guerra, para superar os estados socialistas. Com a queda do émulo soviético, o capitalismo deixou também cair a máscara e perdeu credibilidade.
 
  • ESTAMOS TODOS NO MESMO BARCO.
Pretende-se fazer crer que não há classes na sociedade, pelo que as responsabilidades pelos fracassos e crises são igualmente atribuídas a todos e, portanto pagas por todos.
O objectivo é criar um complexo de culpa junto dos trabalhadores que permita aos capitalistas arrecadar os lucros enquanto distribuem as despesas por todo o povo.
Na verdade, o pequeno número de multimilionários, porque detém o poder, é sempre autobeneficiado em relação à imensa maioria do povo, quer em impostos, quer em tráfico de influências, quer na especulação financeira, quer em off-shores, quer na corrupção e nepotismo etc. Esse núcleo, que constitui a classe dominante, pretende assim escamotear que é o único e exclusivo responsável pela situação de penúria dos povos e que deve pagar por isso.
Este é um dos mitos mais ideológicos do capitalismo ao negar a existência de classes.
 
  • LIBERDADE É IGUAL A CAPITALISMO.
Pretende-se fazer crer que a verdadeira liberdade só se atinge com o capitalismo, através da chamada autorregulação proporcionada pelo mercado.
O objectivo é tornar o capitalismo uma espécie de religião em que tudo se organiza em seu redor e assim afastar os povos das grandes decisões macro-económicas, indiscutíveis. A liberdade de negociar sem peias seria o máximo da liberdade.
Na verdade, sabe-se que as estratégias político-económicas, muitas delas planeadas com grande antecipação, são quase sempre tomadas por um pequeno número de pessoas poderosas, à revelia dos povos e dos poderes instituídos, a quem ditam as suas orientações. Nessas reuniões, em cimeiras restritas e mesmo secretas, são definidas as grandes decisões financeiras e económicas conjunturais ou estratégicas de longo prazo. Todas, ou quase todas essas resoluções, são fruto de negociações e acordos mais ou menos secretos entre os maiores empresas e multinacionais mundiais. O mercado é, pois, manipulado e não autorregulado. A liberdade plena no capitalismo existe de facto, mas apenas para os ricos e poderosos.
Este mito tem sido utilizado pelos dirigentes capitalistas para justificar, por exemplo, intervenções em outros países não submissos ao capitalismo, argumentando não haver neles liberdade, porque há regras.
 
  • CAPITALISMO IGUAL A DEMOCRACIA.
Pretende-se fazer crer que apenas no capitalismo há democracia.
O objectivo deste mito, que é complementar do anterior, é impedir a discussão de outros modelos de sociedade, afirmando não haver alternativas a esse modelo e todos os outros serem ditaduras. Trata-se mais uma vez da apropriação pelo capitalismo, falseando-lhes o sentido, de conceitos caros aos povos, tais como liberdade e democracia.
Na realidade, estando a sociedade dividida em classes, a classe mais rica, embora seja ultraminoritária, domina sobre todas as outras. Trata-se da negação da democracia que, por definição, é o governo do povo, logo da maioria. Esta "democracia" não passa, pois de uma ditadura disfarçada. As "reformas democráticas" não são mais que retrocessos, reacções ao progresso. Daí deriva o termo reaccionário, o que anda para trás.
Tal como o anterior, este mito também serve de pretexto para criticar e atacar os regimes de países não-capitalistas.
 
  • ELEIÇÕES IGUAL A DEMOCRACIA.
Pretende-se fazer crer que o acto eleitoral é o sinônimo da democracia e esta se esgota nele.
O objectivo é denegrir ou diabolizar e impedir a discussão de outros sistemas político-eleitorais em que os dirigentes são estabelecidos por formas diversas das eleições burguesas, como por exemplo, pela idade, experiência, aceitação popular etc.
Na verdade, é no sistema capitalista, que tudo manipula e corrompe, que o voto é condicionado e as eleições são actos meramente formais. O simples facto da classe burguesa minoritária vencer sempre as eleições demonstra o seu carácter não-representativo.
O mito de que, onde há eleições há democracia, é um dos mais enraizados, mesmo em algumas forças de esquerda.
 
  • PARTIDOS ALTERNANTES IGUAL A ALTERNATIVOS.
Pretende-se fazer crer que os partidos burgueses que se alternam periodicamente no poder têm políticas alternativas.
O objectivo deste mito é perpetuar o sistema dentro dos limites da classe dominante, alimentando o mito de que a democracia está reduzida ao acto eleitoral.
Na verdade, este aparente sistema pluri ou bipartidário é um sistema monopartidário. Duas ou mais facções da mesma organização política, partilhando políticas capitalistas idênticas e complementares, alternam-se no poder, simulando partidos independentes, com políticas alternativas. O que é dado escolher aos povos não é o sistema que é sempre o capitalismo, mas apenas os agentes partidários que estão de turno como seus guardiões e continuadores.
O mito de que os partidos burgueses têm políticas independentes da classe dominante, chegando até a ser opostas, é um dos mais propagandeados e importantes para manter o sistema a funcionar.
 
  • O ELEITO REPRESENTA O POVO E POR ISSO PODE DECIDIR TUDO POR ELE.
Pretende-se fazer crer que o político, uma vez eleito, adquire plenos poderes e pode governar como quiser.
O objectivo deste mito é iludir o povo com promessas vãs e escamotear as verdadeiras medidas que serão levadas à prática.
Na verdade, uma vez no poder, o eleito autoassume novos poderes. Não cumpre o que prometeu e, o que é ainda mais grave, põe em prática medidas não enunciadas antes, muitas vezes em sentido oposto e até inconstitucionais. Frequentemente, são eleitos por minorias de votantes. A meio dos mandatos já atingiram índices de popularidade mínimos. Nestes casos de ausência ou perda progressiva de representatividade, o sistema não contempla quaisquer formas constitucionais de destituição. Esta perda de representatividade é uma das razões que impede as "democracias" capitalistas de serem verdadeiras democracias, tornando-se ditaduras disfarçadas.
A prática sistemática deste processo de falsificação da democracia tornou este mito um dos mais desacreditados, sendo uma das causas principais da crescente abstenção eleitoral.
 
  • NÃO HÁ ALTERNATIVAS À POLÍTICA CAPITALISTA.
Pretende-se fazer crer que o capitalismo, embora não sendo perfeito, é o único regime político-económico possível e, portanto, o mais adequado.
O objectivo é impedir que outros sistemas sejam conhecidos e comparados, usando todos os meios, incluindo a força, para afastar a competição.
Na realidade, existem outros sistemas político-económicos, sendo o mais conhecido o socialismo cientifico. Mesmo dentro do capitalismo, há modalidades que vão desde o actual neoliberalismo aos reformistas do "socialismo democrático" ou socialdemocrata.
Este mito faz parte da tentativa de intimidação dos povos de impedir a discussão de alternativas ao capitalismo, a que se convencionou chamar o pensamento único.
 
  • A AUSTERIDADE GERA RIQUEZA
Pretende-se fazer crer que a culpa das crises económicas é originada pelo excesso de regalias dos trabalhadores. Se estas forem retiradas, o Estado poupa e o país enriquece.
O objectivo é fundamentalmente transferir para o sector público, para o povo em geral e para os trabalhadores, a responsabilidade do pagamento das dividas dos capitalistas. Fazer o povo aceitar a pilhagem dos seus bens na crença de que dias melhores virão mais tarde. Destina-se também a facilitar a privatização dos bens públicos, "emagrecendo" o Estado, logo "poupando", sem referir que esses sectores eram os mais rentáveis do Estado, cujos lucros futuros se perdem desta forma.
Na verdade, constata-se que estas políticas conduzem, ano após ano, a um empobrecimento das receitas do Estado e a uma diminuição das regalias, direitos e do nível de vida dos povos, que antes estavam assegurados por elas.
 
  • MENOS ESTADO, MELHOR ESTADO.
Pretende-se fazer crer que o sector privado administra melhor o Estado que o sector público.
O objectivo dos capitalistas é "dourar a pílula" para facilitar a apropriação do património, das funções e dos bens rentáveis dos estados. É complementar do anterior.
Na verdade o que acontece em geral é o contrário: os serviços públicos privatizados não só se tornam piores, como as tributações e as prestações são agravadas. O balanço dos resultados dos serviços prestados após passarem a privados é quase sempre pior que o anterior. Na óptica capitalista, a prestação de serviços públicos não passa de mera oportunidade de negócio. Este mito é um dos mais "ideológicos" do capitalismo neoliberal. Nele está subjacente a filosofia de que quem deve governar são os privados e o Estado apenas dá apoio.
 
  • A ACTUAL CRISE É PASSAGEIRA E SERÁ RESOLVIDA PARA O BEM DOS POVOS.
Pretende-se fazer crer que a actual crise económico-financeira é mais uma crise cíclica habitual do capitalismo e não uma crise sistémica ou final.
O objectivo dos capitalistas, com destaque para os financeiros, é continuarem a pilhagem dos Estados e a exploração dos povos enquanto puderem. Tem servido ainda para alguns políticos se manterem no poder, alimentando a esperança junto dos povos de que melhores dias virão se continuarem a votar neles.
Na verdade, tal como previu Marx, do que se trata é da crise final do sistema capitalista, com o crescente aumento da contradição entre o carácter social da produção e o lucro privado até se tornar insolúvel.
Alguns, entre os quais os "socialistas" e sociais-democratas, que afirmam poder manter o capitalismo, embora de forma mitigada, afirmam que a crise deriva apenas de erros dos políticos, da ganância dos banqueiros e especuladores ou da falta de ideias dos dirigentes ou mecanismos que ainda falta resolver. No entanto, aquilo a que assistimos é ao agravamento permanente do nível de vida dos povos sem que esteja à vista qualquer esperança de melhoria. Dentro do sistema capitalista já nada mais há a esperar de bom.

NOTA FINAL:
O capitalismo há de acabar, mas só por si tal decorrerá muito lentamente e com imensos sacrifícios dos povos. Terá que ser empurrado. Devem ser combatidas as ilusões, quer daqueles que julgam o capitalismo reformável, quer daqueles que acham que quanto pior melhor, para o capitalismo cair de podre. O capitalismo tudo fará para vender cara a derrota. Por isso, quanto mais rápido os povos se libertarem desse sistema injusto e cruel, mais sacrifícios inúteis se poderão evitar.
Hoje, mais do que nunca, é necessário criar barreiras ao assalto final da barbárie capitalista, e inverter a situação, quer apresentando claramente outras soluções políticas, quer combatendo o obscurantismo pelo esclarecimento, quer mobilizando e organizando os povos.

(*) Os mitos criados pelas religiões cristãs têm muito peso no pensamento único capitalista e são avidamente apropriados por ele para facilitar a aceitação do sistema pelos mais crédulos.
Exemplos: "A pobreza é uma situação passageira da vida terrena." "Sempre houve ricos e pobres." "O rico será castigado no juízo final." "Deve-se aguentar o sofrimento sem revolta para mais tarde ser recompensado."


Guilherme Alves Coelho
Odiário - Portugal

Atenas arde em protestos contra política da "troika"


A Grécia viveu neste domingo os mais violentos protestos dos últimos meses contra as políticas impostas ao país pela chamada "troika" (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Em meio a violentos protestos, o parlamento grego aprovou um novo "pacote de austeridade", que resultará em milhares de demissões e cortes de gastos públicos. No início da noite, vários prédios históricos de Atenas estavam em chamas e os manifestantes enfrentavam a polícia com pedras e coqueteis molotov.


Dezenas de milhares de pessoas compareceram à maior manifestação em Atenas contra a austeridade e os cortes de gastos públicos aprovados neste domingo no parlamento grego. A multidão dispersou da Praça Syntagma quando a polícia a atacou com gás lacrimogêneo, mas muitos grupos permaneceram no centro de Atenas enfrentando a polícia com pedras e coqueteis molotov.

Manolis Glezos, o herói da resistência grega ao nazismo e membro do Syriza, perguntava à imprensa "como é possível implementar estas medidas com gás lacrimogéneo?". "Elas não têm o voto do povo grego", acrescentou este militante de 90 anos, ainda com a máscara de gás colocada e dificuldade em respirar.

Outro veterano nesta manifestação contra o governo da troika foi o compositor Mikis Theodorakis. Foi quando se preparava para dirigir à multidão na Praça Syntagma que a polícia começou a disparar o gás lacrimogêneo. Aos microfones duma rádio grega, uma porta-voz de Theodorakis acusou a polícia de "tentativa de assassinato" por ter tentado deliberadamente atingir o compositor de 86 anos. Em declarações aos jornalistas, Theodorakis afirmou-se confiante que "o povo vencerá", tal como aconteceu contra os nazis e a junta militar.

Todo o centro de Atenas ficou sob a nuvem do gás policial e os focos de incêndio estão também disseminados, com os confrontos sem fim à vista. Ao fim da tarde, estavam encerradas quatro estações de metrô no centro de Atenas por ordem da polícia. O líder sindical do metrô disse que os trabalhadores não viam razões para o encerramento e que a intenção da polícia era impedir as pessoas de chegarem à Praça. Entretanto, a outra manifestação da tarde, convocada pela central sindical PAME, dirigia-se para a Praça Syntagma.

Dentro do Parlamento, o debate teve início depois das 15h, com o ministro das Finanças tentando explicar aos deputados a pressa para aprovar a proposta até à meia noite de domingo. Um deputado independente questionou o parlamento sobre se tinha a certeza do que estava para ser votado, quando há várias falhas no documento, incluindo partes em que aparece "XX" em vez do número da quantia a que se refere.

O dia parlamentar também foi marcado pela tomada de posse de alguns deputados, em substituição daqueles que se demitiram em protesto contra o pacote de austeridade que vai reduzir o salário mínimo, despedir milhares de funcionários públicos e cortar ainda mais na Saúde e gastos sociais. Mas há casos em que o substituto, em vez de vir apoiar o governo cada vez mais frágil, toma posse para votar contra o seu partido. É o que acontece à atriz Anna Vagena, da lista do PASOK.

No sábado, era já conhecida a oposição de mais de dez deputados do PASOK, que se tem afundado nas sondagens nos últimos meses, e mesmo da Nova Democracia, incluindo o líder parlamentar e os deputados responsáveis pelos assuntos da Defesa e do Interior. A extrema-direita do LAOS, que retirou o apoio ao Governo de Lucas Papademos, também votará contra, à exceção dos seus antigos ministros.

O xadrez das ameaças ao Irã


Governo israelita quer guerra já; Washington reluta. Conflito incendiaria o Médio Oriente, atingindo abastecimento do petróleo e economia mundial

 
Ignacio Ramonet - BrasilDeFato

Será 2012 o ano do fim do mundo? É o que, dizem, vaticina uma lenda maia — que inclusive fixaria a data exata do apocalipse: o 12 de dezembro próximo (12/12/12). Em qualquer caso, num contexto de recessão econômica e grave crise financeira e social em diversas partes do mundo (especialmente na Europa), não faltarão riscos este ano – que verá, entre outros fatos, eleições decisivas nos Estados Unidos, Rússia, França, México e Venezuela.
Mas o principal perigo geopolítico continuará situado no Golfo Pérsico. Israel e Estados Unidos lançarão o anunciado ataque militar contra as instalações nucleares do Irã? O governo de Teerã reivindica o seu direito a dispor de energia nuclear civil. E o presidente Mahmud Ahmadinejad repetiu que o objetivo do seu programa não é militar; que a sua finalidade é simplesmente produzir energia de origem nuclear. Também lembra que o Irã assinou e ratificou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), enquanto Israel nunca o fez.
As autoridades israelitas pensam que não se deve esperar mais. Segundo elas, aproxima-se perigosamente o momento em que o regime dos ayatollahs disporá da arma atômica; e a partir deste instante, já não se poderá fazer nada. Estará rompido o equilíbrio de forças no Médio Oriente, onde Israel já não gozará de uma supremacia militar incontestável. O governo de Benjamin Netanyahu avalia que, nestas circunstâncias, a própria existência do Estado Judeu estaria ameaçada.
Segundo os estrategistas israelitas, o momento atual é o mais propício para golpear. O Irã está debilitado. Tanto no âmbito econômico – após as sanções impostas desde 2007, pelo Conselho de Segurança da ONU, com base em informes alarmantes da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – quanto no contexto geopolítico regional. O seu principal aliado, a Síria, vive insurreição interna e está impossibilitado de prestar-lhe ajuda. A incapacidade de Damasco repercute-se noutro parceiro iraniano, o Hezbollah libanês, cujas linhas de abastecimento militar desde Teerã deixaram de ser confiáveis.
Por estas razões, Israel deseja que o ataque seja executado o quanto antes. Para preparar o bombardeamento, já há, infiltrados no Irã, efetivos das forças especiais. E é muito provável que agentes israelitas tenham concebido os atentados que causaram, nestes últimos dois anos, as mortes de cinco importantes cientistas nucleares iranianos.
Ainda que Washington também acuse Teerã de levar a cabo um programa nuclear clandestino para dotar-se de armas atômicas, a sua análise sobre a oportunidade do ataque é diferente. Os Estados Unidos estão saindo de duas décadas de guerras nesta região, e o balanço não é animador. O Iraque foi um desastre, e terminou em mãos da maioria xiita, que simpatiza com Teerã. No lodaçal afegão, as forças norte-americanas mostram-se incapazes de vencer os talibãs, com quem a diplomacia da Casa Branca se resignou a negociar, antes de abandonar o país ao seu destino.
Estes conflitos custosos debilitaram os Estados Unidos e revelaram aos olhos do mundo os limites da sua potência, assim com o início de seu declínio histórico. Não é hora de novas aventuras. Muito menos num ano eleitoral, em que o presidente Barack Obama não tem a certeza de ser reeleito. E quando todos os recursos são mobilizados para combater a crise e reduzir o desemprego.
Além disso, Washington tenta mudar a sua imagem no mundo árabe-muçulmano, sobretudo depois das insurreições da “Primavera Árabe”, no ano passado. Antes cúmplice de ditadores – em particular, o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak –, deseja agora aparecer como mecenas das novas democracias árabes. Uma agressão militar contra o Irã, sobretudo em colaboração com Israel, arruinaria estes esforços e despertaria o anti-norteamericanismo latente em muitos países. Especialmente naqueles cujos novos governos, surgidos das revoltas populares, são dirigidos por islamitas moderados.
Uma importante consideração complementar: o ataque contra o Irã teria consequências não apenas militares (não se pode descartar que alguns mísseis iranianos alcancem o território israelita, ou consigam atingir as bases norte-americanas no Kuwait, Barhein ou Omã) mas, principalmente, econômicas. A resposta mínima do Irã a um bombardeamento das suas instalações nucleares consistiria, como os seus dirigentes militares não se cansam de alertar, no bloqueio do Estreito de Ormuz. É o funil do Golfo Pérsico, por lá passa um terço do petróleo do mundo, 17 milhões de barris por dia. Sem este abastecimento, os preços do combustível chegariam a níveis insuportáveis, o que impediria reativar a economia mundial e deixar a recessão para trás.
O Estado-maior iraniano afirma que “não há nada mais fácil que fechar este Estreito”. Multiplica as manobras navais na região, para demonstrar que está em condições de cumprir as suas ameaças. Washington respondeu que o bloqueio da passagem estratégica de Ormuz seria considerado um “caso de guerra”, e reforçou a sua V Frota, que navega pelo Golfo.
É muito improvável que o Irã tome a iniciativa de bloquear a passagem de Ormuz (embora possa tentá-lo, em represália a uma agressão). Em primeiro lugar, porque daria um tiro no pé, já que exporta o seu próprio petróleo por esta via, e que os recursos destas exportações lhe são vitais.
Em segundo lugar, porque atingiria alguns dos seus principais parceiros, que o apoiam no seu conflito com os Estados Unidos. Principalmente a China, cujas importações de petróleo, que chegam a 15% do consumo, procedem do Irã. A sua eventual interrupção paralisaria parte do aparelho produtivo.
As tensões estão abertas. As chancelarias do mundo observam, minuto a minuto, uma perigosa escalada que pode desembocar num grande conflito regional. Estariam implicados não apenas Israel, os Estados Unidos e o Irã, mas também três outras potências do Médio Oriente: a Turquia, cujas ambições na região voltaram a ser consideráveis; a Arábia Saudita, que sonha há décadas em ver destruído o seu grande rival islâmico xiita; e o Iraque, que poderia romper-se em duas partes: uma xiita e pró-iraniana; outra sunita e pró-ocidental.
Além disso, um bombardeamento das instalações nucleares iranianas pode provocar uma nuvem radioativa nefasta para a saúde de todas as populações da área (incluídos os milhares de militares norte-americanos e os habitantes de Israel). Tudo isso conduz a pensar que embora os belicistas ergam a voz com força, o tempo da diplomacia ainda não terminou.

Ignacio Ramonet é jornalista e diretor do jornal Le Monde Diplomatique.

Tradução de Antonio Martins para Outras Palavras

Mulheres rurais e indígenas se somam à Marcha Nacional pela Água


No portal Adital

As mulheres de diferentes regiões são parte do grande rio que vem confluindo na Marcha Nacional da Água impulsionada por movimentos sociais e cidadãos do país em defesa deste recurso básico para a existência humana, em risco, entre outros fatores, pela atividade mineira que se realiza a margem da responsabilidade social e ambiental à que estão obrigados.
O Centro da Mulher Peruana Flora Tristán expressa seu apoio e respaldo à participação das peruanas que desde o norte, centro, sul e oriente do Peru chegaram até a capital para solicitar às autoridades do executivo e do legislativo que preservem este recurso finito para garantir um presente e futuro saudável e sustentável.
As mulheres rurais se encarregam de regar seus campos, dão de beber a seus animais e usam a água para preparar os alimentos em seus lares assim como para seu asseio pessoal, limpeza e lavagem das roupas delas e de suas famílias. Elas gerenciam este recurso e vivem as dificuldades e problemas originados tanto por sua contaminação como carestia.
Problemas de saúde em seus filhos e filhas, complicações nas gestações e partos, desnutrição infantil, incremento do tempo investido em busca de água ante a diminuição de volume dos rios, desaparição de lagoas e secas, são parte de sua realidade cotidiana que deteriora seu direito ao bem-estar físico e emocional.
A isso se soma o impacto econômico em sua produção. A falta de água para regar coloca a perder as colheitas. O que reforça o círculo de pobreza em que se encontram e agrava as dificuldades para assegurar a alimentação para elas e suas famílias e também para aqueles que vivem nas cidades e são abastecidos com estes produtos.
Nesse contexto, as mulheres rurais se identificam com a defesa das reservas de água na região de Cajamarca ante uma mineração que descumpre seus compromissos e que pretende colocar seus interesses privados acima dos direitos humanos, situação que também acontece em outras regiões do país.
Igualmente, com a exigência da regulamentação da Lei de Consulta Prévia, e com a necessidade urgente de que as autoridades estatais adotem medidas deliberadas, com participação de mulheres e suas organizações, frente às mudanças climáticas, fatores que impactam também no acesso à água.
A Marcha Nacional da Água – que chegou ontem a Lima - é um esforço autogestionado que implicou no deslocamento pacífico de mulheres e homens de diferentes regiões, assistidos com seus próprios recursos. O grande rio humano confluirá nesta sexta-feira, 10, na Praça Dois de Maio, onde campesinas, indígenas, mulheres rurais, artistas, intelectuais, trabalhadoras, feministas, exigiremos que não sigam depredando nosso território.
Esta mobilização pacífica e cidadã contará com a presença de uma Missão Internacional de Observadores que é encabeçada por Pedro Arrojo, doutor em Ciências Físicas pela Universidade de Zaragoza, Espanha.

A notícia é do Centro da Mulher Peruana Flora Tristán