terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A SOPA esfriou, mas há o prato principal


Por Pedro Antônio Dourado de Rezende no OBSERVATORIO DA IMPRENSA

Em 18 de janeiro de 2012 um gigante adormecido despertou, e não foi o Brasil. Foi a internet. Quando internautas e empresas do Vale do Silício uniram-se em protesto contra dois projetos de lei que o Congresso dos EUA estava prestes a aprovar: o SOPA (Stop Online Piracy Act) e o PIPA (Protect Intellectual Property Act). Sentindo a “colherada” quente demais, o gigante assustou e na sopa cuspiu de volta.
Porém, quem viu nisso uma vitória dos 99%, com a retirada de propostas legislativas que ameaçam a liberdade e a privacidade num mundo informatizado, deve se acautelar. Os tais projetos foram apenas engavetados nos EUA. E coisa pior, mais difícil de engolir, os segue por toda parte. Normas sobre Propriedade Imaterial (PI), segundo Alexander Furnas do The Atlantic, formam um torniquete que só aperta, nunca afrouxa.
A próxima volta do torniquete da PI, no forno desde 2007, já está pronta para ser servida. Ela não vem de nenhum legislativo nacional específico, mas no forma de um tratado internacional de comércio, recentemente assinado por representantes de 30 países, incluindo os Estados Unidos e 22 membros da União Europeia. Esse tratado – o ACTA – prevê sua entrada em vigor depois que apenas seis desses signatários o tiverem ratificado.
Apesar da quase certeza da sua ratificação, há quase total incerteza de como ele afetará os direitos civis, de expressão e de comunicação dos cidadãos em todo o mundo. Para entender como e porque o ACTA representa ameaça à liberdade humanaem nome da proteção à PI, pronto a revelar-se mais intragável que o SOPA-PIPA, é preciso conhecer o contexto da evolução e tendências relativas à regulação internacional nessa área.
 
Neutralidade regulatória

Só uma visão em perspectiva desse contexto, cobrindo ao menos os últimos vinte anos, permite avaliar racionalmente o significado prático das incertezas na linguagem desse acordo, propositalmente vaga como admite o The Economist. E perceber como o suposto “alarmismo” dos críticos, acerca de possíveis interpretações extremas da mesma, sinaliza antes de tudo uma encruzilhada para o futuro de nossa civilização informatizada.
Um bom resumo desse contexto encontra-se no citado artigo do The Alantic, e uma retrospectiva, na série “sapos piramidais“. E uma amostra de interpretações extremas, não precisa aguardar ratificações do ACTA: estão expostas num artigo que o maior lobista do SOPA publicou no New York Times, desancando a reação popular contra a colherada de janeiro. Da tradução publicada pelo Estado de S.Paulo (ver “O que não dirá a Wikipédia“,9/2/12), tiramos algumas.
Com subtítulo “democracia ou demagogia?”, o chefe do cartel de gravadoras RIAA opina: desinformados e manipulados estão os que protestam por acreditar que “músicas, livros e filmes online deveriam ser gratuitos.” Deveriam, não: podem, a critério do autor. Penso que, aí, a questão de fundo é: por que um direito (de vender obra alheia) deveria, imperativamente, atropelar outro (de dispor da própria) online? Ela emoldura mais opiniões.
“A verdadeira censura”, para ele, seria a de hackers anônimos que tentam calar quem deles discorda, em represália ao “estouro do Megaupload, uma operação internacional de pirataria digital”. Mas a censura que as empresas financeiras fizeram contra o WikilLeaks, asfixiando sua operação, enquanto faturavam com o Megaupload sem por isso serem incomodadas, será mesmo falsa? E os anônimos, que por algumas horas derrubaram alguns sites dessas empresas, será que censuraram mesmo suas faturas?
Se a jurisdição que embasou aquele “estouro” ainda abarca o DMCA, com seu dispositivo safe harbor, condenar antecipadamente o Megaupload como “operação de pirataria digital” não seria difamação e injúria,esta contra quem lá sobe seu próprio conteúdo? Se essa lógica ficar offline, vamos então estourar fábricas de armas, de celulares e de automóveis porque elas sabem que bandidos usam suas “ferramentas” para assaltar?
Se a Wikipedia é que é hipócrita, por ter aderido ao protesto com autoapagão enquanto defende a neutralidade regulatória para plataformas na rede, o que é que seus administradores deveriam então ter feito com a demanda manifesta por seus colaboradores, 99% dela por tal forma de adesão? Deveriam tratar esses colaboradores como as gravadoras da RIAA tratam 99% dos seus artistas? Democracia ou demagogia, ei-las.
 
Contra o ACTA

Os fanáticos do controle, para vencer, também precisam conhecer esse contexto. E há sinais de que nisso ainda tateiam vesgos, ali num queixume quase infantil: segundo o chefe da RIAA, o que o apagão teria mostrado “é que são as [novas] plataformas que exercem o verdadeiro poder.” E as velhas, que apostam sua sobrevida no torniquete da PI, acaso exercem poder falso? O ACTA seria miragem? Essa patética histeria mais parece reação visceral a um batismo de fogo no front comercial da ciberguerra. Bem-vindos a ela, RIAA e aliados.
Quanto aos 99%, tampouco devem dormir no ponto. Quem guardou a sopa, entende de poder, nele está e dele não se arreda. É certo que os 1%, com seus fanáticos que se autointitulam “maximalistas” da PI, aprenderão com o batismo. As primeiras linhas da lição estão legíveis na própria histeria da RIAA: quem protestou, indaga o chefe, sabia que assim estavam “apoiando criminosos estrangeiros a vender remédios falsificados”?
Como decifrar tão rica hipérbole? Tentando: a tropa de choque dos 1% – a indústria do copyright (RIAA, MPAA e demais impérios das velhas mídias) – sente o golpe no front psicológico, em baixas na opinião pública, e pede reforço à retaguarda – com seus setores viciados em monopolismohigh tech, sustentado por radicalização patentária. A chave, é a profusão de termos como verdade, confiança e seus antônimos no queixume.
Para quem ainda está voando de uma hipérbole a outra, cabe enfim a pergunta: o que vem a ser o ACTA? Nos três anos em que venho estudando o assunto, e tentando alertar quem me dê atenção sobre o que aprendo, as tentativas geralmente começam por aí. Na última tentativa, para uma reportagem na revista Ciência e Cultura da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, resumi a resposta como segue.
Literalmente, o ACTA é uma proposta de tratado internacional de combate à contrafação. Na prática, abaixo desse verniz, é uma iniciativa de grandes cartéis do capitalismo pós-industrial, em aliança com o Departamento de Comércio dos EUA e com o braço executivo de outros governos ideologicamente alinhados, para demarcar, no teatro político global, por meio de uma progressiva radicalização normativa, fronteiras institucionais para uma nova forma de colonialismo, baseada em controle utilitário do conhecimento pelo capital, principalmente do fluxo de bens simbólicos.
Geopoliticamente, o ACTA é uma armadilha jurídica para esvaziar a eficácia do braço legislativo de governos que atuam nesse teatro, no que tange às ações e interesses neocoloniais, construída com ambiguidades sobre as divisões entre os três poderes no Estado democrático de direito. E que serve também para estabelecer, a partir desse esvaziamento político, e em conjunto com iniciativas similares noutros fronts da ciberguerra, bases funcionais para o braço armado de um governo supranacional, inicialmente subterrâneo mas totalitário e global, a emergir da convergência de interesses entre esses cartéis e a inclinação natural dos Estados à tirania, impulsionadas pela hiperconectividade propiciada pelas TIC.
A sociedade brasileira pode encontrar dificuldades em entender este cenário, pela forma como nosso legado cultural acolhe os conceitos de soberania e de nação. Minha opinião pessoal, nele pareceria devaneio. Mas como o Brasil está, com a iniciativa do ACTA, encurralado junto com os demais países do bloco chamado BRIC, convém observar como o governo talvez menos fraco, hoje entre os desse bloco, encara publicamente a questão. Remeto então o leitor a um artigo escritopor um colega da área nos EUA, do qual destaco trechos da opinião publicada por dois professores da Academia Militar do Exército Chinês.
“...Assim como a guerra nuclear era a guerra estratégica da era industrial, a ciberguerra é a guerra estratégica da era da informação, e esta se tornou uma forma de batalha massivamente destrutiva, que diz respeito à vida e morte de nações... A ciberguerra é uma forma inteiramente nova que é invisível e silenciosa, e está ativa não apenas em conflitos e guerras convencionais, como também se deflagra em atividades diárias de natureza política, econômica, militar, cultural e científica... Recentemente, um furacão varreu a internet pelo mundo ... Os alvos da guerra psicológica na internet se expandiram da esfera militar para a esfera pública... Confrontadas com esse aquecimento para a ciberguerra na internet, nenhuma nação ou força armada pode ficar passiva e está se preparando para lutar a guerra da internet.”
Atualmente, a maior tensão para consolidação do ACTA ocorre na União Europeia. No Parlamento Europeu o relator da matéria renunciou, denunciando “de maneira mais enérgica possível” as manobras de bastidores que levaram à assinatura do tratado. Demonstrações de rua contra adesão ao ACTA, que começaram na Suécia e Polônia antes da sopa azedar, ocorrem em mais de duzentas cidades da Europaenquanto escrevo.
 
Polícia ideológica

Devido a ambiguidades no tratado, a Comissão Europeia e o Conselho da Europa divergem a respeito do recuo da Polônia impedir ou não sua ratificaçãopela União Europeia. Documentos dos bastidores das dez rodadas de negociação secreta, vazados pelo WikiLeaks, revelam, como se poderia imaginar, que a parte do tratado que apresentou maiores dificuldades e entraves para a consolidação foi justamente sobre a internet.
Os vazamentos também revelam um plano de ação: colocar logo em execução dispositivos menos controversos do tratado, no âmbito de um núcleo de países mais alinhados com seus objetivos ulteriores, para depois, progressivamente, cooptar outros países a aderirem, valendo-se do fato desse núcleo inicial concentrar o grosso do comércio internacional, alavancado por uma escassez seletiva de bens simbólicos artificialmente induzida por tais dispositivos, e por medidas similares em outros fronts. Assim se produziria mais uma escalada difusa de radicalização normativa, esvaziando salvaguardas da OMC, para uma redivisão global de trabalho e produção pós-industriais, mais alinhada à ideologia subjacente à lógica do capital.
Com a ciberguerra ostensivamente declarada, a indústria do copyright se sente por um lado pressionada, e por outro com a oportunidade, propiciada por seu posicionamento no front psicológico (no chamado “quarto poder”), a unir seu cartel em alianças mais abrangentes e espúrias, formadas com outros cartéis e interesses hegemônicos. Como mostram detalhes de bastidores da negociação revelados pelo Wikileaks.
Agora, com a sopa cuspida e respingos no ACTA, temos um recrudescimento da batalha por corações e mentes no front psicológico da ciberguerra, travada sobre a internet. Nessa batalha, a indústria do copyright pode se transmutar em polícia ideológica, a exemplo do papel que ocupou em regimes totalitários passados. Rumo à concretização das profecias bíblicas sobre o fim desses tempos.
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[Pedro Antônio Dourado de Rezende é professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília]

Plataforma de ativistas, com apoio de Wikileaks: lançamento em março

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
"Praça  Global"/"The Global Square"
A Central WikiLeaks anunciou nessa 3ª-feira uma “Convocação aos Coders”, preparação para o lançamento, em março, da “primeira rede social descentralizada massiva na história da Internet.”
“O objetivo da Praça Global é perpetuar e disseminar o espírito criativo e cooperativo das ocupações e transformá-lo em formas duradouras de organização social, nos níveis global e local” (...)
“O objetivo da plataforma, nesse sentido, não deve ser substituir as assembleias físicas, mas dar-lhes maior capacidade, oferecendo as ferramentas online para organização e colaboração local e (trans)nacional. O objetivo é ampliar a participação individual e estruturar a ação coletiva. A Praça Global será nosso próprio espaço público, onde diferentes grupos podem reunir-se para organizar suas próprias praças locais e assembleias.”

* * *


A Praça Global, uma plataforma de colaboração global online para ativistas apoiada por WikiLeaks, dentre outros, planeja já ter um protótipo funcional em março, dizem os criadores.
Modelada como redes sociais do tipo Facebook e Twitter, A Praça Global, visa a ativistas e à comunidade global e será desenvolvida em torno da tecnologia usuário-a-usuário (P2P) Tribler.
“O objetivo da Praça Global é perpetuar e disseminar o espírito criativo e cooperativo das ocupações e transformá-las em formatos duradouros de organização social, no plano local e global”. Usando essa tecnologia P2P existente, torna-se virtualmente impossível derrubar ou censurar a rede, disse The Global Square em declaração essa semana. “Os arquivos de conteúdo não são centralizados em nenhum servidor físico, de modo que a rede pertence aos seus usuários”. 
O projeto está convocando coders e desenvolvedores voluntários para ajudar a implementar os traços já definidos para a nova plataforma, que terá fonte aberta e será multilíngue.
WikiLeaks disse em novembro que A Praça Global será uma plataforma online para seu movimento.
Alguns ativistas disseram no ano passado que era necessário criar uma praça global “na qual pessoas de todos os países pudessem reunir-se como iguais para participar na coordenação de ações coletivas e na formulação de objetivos e aspirações comuns”.
Uma das ferramentas da plataforma será um mapa interativo que lista todas as assembleias em curso no mundo, opções de busca para que os usuários localizem praças, eventos e grupos de trabalho, um sistema de mensagem público e privado e um fórum para debate público e votações em ocasiões especiais.
O projeto começará com um aplicativo para PC e adiante, ainda esse ano, será oferecido também um aplicativo para smartphone. A equipe usará a metodologia Agile de desenvolvimento de programa, focando um módulo durante algumas semanas, que será distribuído e testado; em seguida, passará a focar outro módulo.

Bolívia aumenta em mais de 20 vezes produção de Quinua



Em uma decada, Bolívia aumentou em 26 vezes o valor de suas exportações de Quinua. De acordo com dados divulgados pelo presidente da Câmera Boliviana de Exportadores de Quinua (Cabolqui), Javier Fernández, se em 2000 o país exportou 2,5 milhões de dólares de grão real, em 2011 registrou 65 milhões.


A Quinua real tem agregado valor nos mercados internacionais, por isso elevamos seu volume de cultivos e exportações, ressaltou Fernández.

De acordo com dados de Cabolqui, em 2005 o quintal de Quinua custava uns 280 bolivianos, enquanto que em 2011 registrou até 800 da moeda nacional.

No ano 2000, Bolívia exportou dois mil toneladas do cereal e hoje vende 20 mil toneladas anuais. As vendas incluem produtos com valor acrescentado como farinha, massas, sopas, hamburguesas, bolos e outros.

Os principais destinos da exportação são os Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Nova Zelanda e Canadá.

Neste ano, o Estado boliviano ampliará a superfície agrícola do grão em 66,6%, tendo em vista 2013, Ano Internacional da Quinua. O objetivo é incrementar o cultivo até 100 mil hectares, que eram em 2011 umas 60 mil.

Sobre a Quinua

A Quinua é um grão originário dos Andes, que cresce em terras áridas e semi-áridas, com ampla variedade genética e capacidade de adaptação a climas adversos e hábitats diferentes, de até quatro mil metros de altura.

É o único vegetal com todos os aminoácidos essenciais (20), e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) declarou que tem o melhor balanço de proteínas e nutrientes, com 40 por mais cento de lisina que o leite, o aminoácido mais importante para as pessoas.

Não tem colesterol nem glúten e apresenta vitaminas A, C, D, B1, B2, B6 e ácido fólico. Rico em fósforo, potássio, ferro, magnésio e cálcio e um alto conteúdo protéico (13 por cento), superior a grãos como o trigo, arroz, milho e aveia. Seu alto conteúdo de lisina promove o desenvolvimento cerebral e o crescimento.

Fonte: Prensa Latina

Irã deixa de exportar petróleo para França e Inglaterra


A decisão iraniana é mais simbólica do que prática e terá pouco impacto nas importações de petróleo dos dois países. Mas a medida tem impactos indiretos. Em primeiro lugar sobre os preços mundiais e, em segundo, sobre a tensão que reina no estreito de Ormuz, por onde trafega hoje 35% do petróleo mundial que circula por via marítima, ou seja, um total de 15 milhões de barris diários. A produção iraniana representa entre 4 e 5% da produção mundial de petróleo. O artigo é de Eduardo Febbro.


O Irã fechou a válvula do petróleo que vendia para a França e a Inglaterra, em represália pela pressão insistente com que Paris e Londres fazem sobre Teerã e pelo embargo ao petróleo iraniano decidido em janeiro passado pelos 27 países da União Europeia. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores iraniano, Alireza Nikzad, declarou que “o Ministério do Petróleo cessou suas vendas ás empresas britânicas e francesas”. Nikzad precisou que “planejamos fornecer nosso petróleo a outros clientes”.

A decisão iraniana é mais simbólica do que prática e terá pouco impacto nas importações de petróleo da França. Em 2011, estas importações alcançaram 58 mil barris por dia, o que equivale a 3% das necessidades francesas. Jean Louis Schilansky, presidente da União Francesa de Indústrias Petroleiras, disse que a medida iraniana “não tem consequências práticas diretas”. Ele afirmou também que a França havia “parado de importar petróleo iraniano desde 2011”. A Inglaterra se encontra em uma situação similar.

No dia 23 de janeiro, a União Europeia decretou um embargo “gradual” sobre o petróleo proveniente da república islâmica, que deve entrar em vigor no próximo dia 1º de julho. A UE também decidiu sanções contra o Banco Central iraniano, com a meta de frear o financiamento do programa nuclear do Irã. Os novos contratos petroleiros com Teerã foram de fatos proibidos pelos europeus com efeito imediato. Na semana passada, os embaixadores de seis países europeus – França, Itália, Grécia, Portugal, Espanha e Holanda – foram “convidados” pelo Ministério de Relações Exteriores iraniano. Os representantes diplomáticos receberam uma advertência sobre as consequências da suspensão dos contratos petroleiros.

A pressão repercutiu de imediato no preço do petróleo que chegou ao seu nível mais alto desde maio de 2011. Se a maioria dos especialistas descartam que a medida iraniana tenha consequências diretas nos países envolvidos, os mesmos coincidem em assinalar o impacto indireto da mesma. Em primeiro lugar sobre os preços mundiais e, em segundo, sobre a tensão que reina no estreito de Ormuz, por onde trafega hoje 35% do petróleo mundial que circula por via marítima, ou seja, um total de 15 milhões de barris diários.

A produção global iraniana representa entre 4 e 5% da produção mundial. Segundo país da OPEP, o Irã produz 3,5 milhões de barris diários, dos quais exporta 2,5 milhões. Cerca de 20% do petróleo iraniano é vendido aos países da União Europeia (600 mil barris por dia), principalmente Espanha, Italia e Grécia, e 70% vai para a Ásia. Os países mais afetados pela resposta iraniana à pressão da União Europeia são Grécia, Itákia e Espanha, que cobrem 14% de sua demanda de petróleo com importações do Irã. Os sinais vermelhos acenderam em vários pontos. A mecânica de sanções e contra-sanções é um degrau a mais de uma larga série de provocações de ambas as partes. A onda de sanções que emanam desde os centros de poder levou o Irã a ameaçar fechar o estratégico estreito de Ormuz.

Além disso, Teerã enfrenta uma outra frente de pressão com Israel. Tel Aviv esfrega as mãos com a ideia de lançar um ataque punitivo contra o Irã, o que, segundo essa lógica, restauraria sua já desgastada legitimidade regional. Ambas as capitais protagonizam uma controvérsia aberta com acusações cruzadas, cujo último capítulo foram os atentados contra diplomatas israelenses na índia, Georgia, e Tailânda. Israel responsabilizou o Irã por esses ataques sem apresentar prova alguma.

Os ocidentais e Israel continuam denunciando o programa nuclear iraniano. Segundo Teerã, este não tem fins militares, mas para os ocidentais o enriquecimento do urânio e a velocidade com que Teerã desenvolve sua estrutura nuclear só tem uma explicação, e é militar, o que é negado pelo Irã. O cenário parece já montado com vistas a uma confrontação militar. Washington não podia ser mais explícito quando pediu a Israel que não realizasse uma ação militar “prematura”. Os lobos mostram os dentes: sanções, acusações e ameaças. Pela segunda vez no ano, e na história da república islâmica instaurada em 1979, o Irã despachou barcos de guerra para o Mediterrâneo.

Tradução: Katarina Peixoto

Trabalho escravo nos templos da elite


Por Altamiro Borges

Na semana passada, a agência Repórter Brasil relatou o dramático caso de onze trabalhadores explorados em condições análogas à escravidão na ampliação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na região da Avenida Paulista, em São Paulo, no coração do sistema financeiro do país. Eles foram “libertados” no final de janeiro pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Aliciados no Maranhão, eles trabalhavam como pedreiros e serventes e tinham os seus salários retidos pela empreiteira para pagar as “dívidas” com viagem, alimentação e hospedagem – o que caracteriza o trabalho escravo “moderno”, segundo Luís Alexandre Faria, do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da Superintendência do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP).

Espuma como papel higiênico

A reportagem revela que os operários viviam num alojamento precário em Itaquera, na zona leste da capital. Eles usavam espumas de colchão como papel higiênico, não dispunham de escova e pasta de dentes e dormiam em beliches improvisadas. Dividiam dois copos para beber água e se revezavam para usar o único banheiro. O local também não tinha instalações elétricas seguras.

“Endividados”, os operários não tinham como telefonar para os seus familiares ou se locomover pela cidade. “A falta de dinheiro para voltar a seu Estado de origem e o constrangimento de retornar à família sem os salários prometidos completam o quadro de coerção moral a que eram submetidos, com clara restrição a seu direito fundamental de ir e vir”, destaca o relatório da SRTE/SP.

Trabalho aos feriados e nas madrugadas

Além de receber míseros salários, os operários eram obrigados a trabalhar nos feriados e nas madrugadas no canteiro de obras – sem ganhar qualquer adicional. O trabalho aos domingos também era freqüente, sem o pagamento de horas extras. Este inferno só acabou com a ação do MTE, que interditou o alojamento e “libertou” os trabalhadores, que já retornaram ao Maranhão.

Este caso dramático mostra como funciona o sistema capitalista, que propicia tanta opulência para uma minoria de ricaços. A construtora Racional, responsável pela obra no caríssimo Hospital Alemão Osvaldo Cruz, é a mesma que construiu os shoppings Morumbi e Higienópolis, paraísos do consumo da elite paulistana. Ela produz o luxo com base no trabalho escravo!

Os invisibilizados pela mídia

Pelas irregularidades encontradas na ampliação do hospital, a Racional recebeu 28 autos de infração. Mas, como já ocorreu com a marca de grife Zara, ela disse desconhecer os crimes praticados. Jogou a culpa na empreiteira, uma tal de Genecy, alegando que os trabalhadores eram terceirizados. O Hospital Osvaldo Cruz também alegou inocência e disse “selecionar os parceiros segundo critérios de ética e respeito à legislação”. Com isso, as empresas fogem de suas responsabilidades e burlam os direitos trabalhistas.

A obra no Hospital Oswaldo Cruz “emprega” uns 280 trabalhadores. Em novembro passado, um operário morreu ao cair de um andaime da altura de oito andares. Estas cenas não ganham manchete na mídia. Os mortos, acidentados e os trabalhadores em “condições análogas à escravidão” são invisibilizados. Enquanto isto, a elite mantém sua opulência – sem traumas na consciência!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A lógica da loucura

“Ha lógica na sua loucura.”
(Shakespeare, Hamlet)

Emir Sader no CARTA MAIOR

Entrevistas como a do ex-ditador argentino Jorge Videla à revista espanhola Cambio 16, expressam momentos de sinceridade em que se reproduzem, de forma precisa, a lógica que levou aos regimes de terror que imperaram no cone sul latino-americano há poucas décadas.

Olhada desde agora, tudo parece uma loucura, da qual todos tratam de se distanciar, como se fosse expressão da loucura de alguns, que precisa ser reduzida ao passado e a alguns personagens particulares, uma parte dos quais processada e condenada. Teria sido “um momento ruim”, do qual os países teriam virado a página. Esquecer o passado, curar as feridas, voltar-se para o futuro – essa a proposta dos que protagonizaram aquele “loucura”.

Por isso incomoda muito quando algum daqueles personagens que dirigiram, com representação deles, os regimes de terror, retomam a lógica que os uniu. A leitura da entrevista do Videla é muito saudável, porque reproduz a mesma lógica do bloco que se formou para dar o golpe e deu sustentação à ditadura militar. Bastaria mudar alguns nomes e circunstâncias concretas, para que se tivesse um documento adequado ao que aconteceu no Brasil. É o discurso que sobrevive em setores militares e civis saudosos dos tempos do terror contra a democracia e contra o povo. Escutemos o que disse Videla.

“Na Argentina não há justiça, mas vingança, que é algo bem distinto.” “Houve uma assimetria total no tratamento das duas partes enfrentadas no conflito. Fomos acusados como responsáveis, simplesmente, de acontecimentos que não fomos nós que desencadeamos.”

Desqualificação da Justiça, como revanchismo, para o que eles tem que aparecer como salvadores providenciais de um pais à beira do abismo, com “vazio de poder”, dominado pelo caos. A Justiça os trataria de forma desigual, porque assumem agora a teoria dos “dois demônios”, dos dois bandos em guerra, buscando descaracterizar que foram os agentes do golpe militar, da ruptura da democracia e da instauração de uma ditadura do terror.

Relata Videla que o principal dirigente da oposição, Ricardo Balbin, do Partido Radical, lhe telefonava para incentivar que dessem o golpe. Nada diferente da UDN no Brasil e da Democracia Crista de Eduardo Frei no Chile.

“Os empresários também colaboraram e cooperaram conosco. Nosso próprio ministro da Economia, Alfredo Martinez de Hoz, era um homem conhecido da comunidade de empresários da Argentina e havia um bom entendimento e contato com eles".

“A Igreja cumpriu com o seu dever, foi prudente...” “Minha relação com a Igreja foi excelente, mantivemos uma relação muito cordial, sincera e aberta. Tinhamos inclusive aos capelães castrenses assistindo-nos e nunca se rompeu esta relação de colaboração e amizade.”

No Brasil a Igreja Católica participou ativamente na mobilização para o golpe militar, com o qual romperia e teria papel muito importante na denuncia e na resistência à ditadura. Na Argentina, ao contrário, a Igreja continuou apoiando a ditadura, a ponto de mandarem capelães participarem dos vôos da morte, quando duas vezes por semana eram jogados ao mar presos políticos.

“Foi um erro nosso aceitar e manter o termo de desaparecidos digamos como algo nebuloso; em toda guerra há mortos , feridos, aleijados e desaparecidos , isto é, gente que não se sabe onde está. Isto é assim em toda guerra. Em qualquer circunstância do combate, aberto ou fechado, se produzem vitimas. Para nós foi cômodo então aceitar o termo de desaparecido, encobridor de outras realidades (sic), mas foi um erro pelo que ainda estamos pagando e sofrendo muitos de nós. É um problema que pesa sobre nós e não podemos livrar-nos dele. Agora já e’ tarde para mudar essa realidade. O problema é que não se sabe onde está o desaparecido, não temos resposta a essa questão. No entanto já sabemos quem morreu e em que circunstâncias. Tambem mais ou menos quantos morreram, aí cada um que invente suas cifras.”

Essa a lógica da loucura das ditaduras militares, dos regimes militares, que uniu às elites dos países do cone sul, dirigidos pela alta oficialidade das FFAA, congrengando grandes empresários, donos das grandes empresas dos meios de comunicação, com apoio dos EUA. Esse o discurso que os uniu, expresso de forma fria e articulada.

Falar, para salvar a própria vida


Ante as ameaças de morte, Lorena considerou que sua única possibilidade de sobrevivência era colocar a boca no mundo


Silvia Beatriz Adoue no BRASIL DE FATO


Lorena revela detalhes do esquema de tráfico de pessoas e exploração
sexual comandado por seu pai, Raúl Martins - Foto: Reprodução
Lorena Martins nasceu em 1976, o ano do golpe militar na Argentina. Seu pai já era agente da Side (Secretaria de Inteligência do Estado). Nesse órgão, seguia e fotografava militantes que depois seriam sequestrados. Raúl Martins serviu ali de 1974 a 1987, quando se aposentou, quatro anos após o fim da ditadura. Passou para o ramo da prostituição, desenvolvendo uma rede de casas noturnas e apartamentos privados. Suas relações com a Polícia Federal e com o Poder Judiciário lhe permitiram ir tocando o negócio sem maiores problemas.
Em 1998, acusado por tráfico de pessoas, sofreu uma investigação judiciária, que não deu em nada. Mas depois do levante popular de 2001 a impunidade não era mais tão fácil de manter. Enviou sua família para a Espanha e, a partir de 2002, Raúl Martins estabeleceu domicílio no México.

Bienvenido a Tijuana

Foi, num primeiro momento, para Tijuana, onde conseguiu sócios. Martins entrava com as meninas, que mandava trazer da Argentina. Então, foi expandindo seus negócios para Cancún, sob proteção de funcionários do estado e do Zeta, cartel de narcotraficantes particularmente violento que opera em todo o território mexicano aterrorizando a população com cadáveres retalhados que aparecem em pleno centro das cidades.
Já morava em México quando casou novamente. Enquanto isso, sua filha Lorena se divorciou e voltou da Espanha para Buenos Aires, onde começou a trabalhar nos negócios do seu pai. Seja porque descobriu que as propriedades foram passando para a mão da nova família do seu pai, seja pela suspeita de ser seu pai quem mandou matar seu namorado, seja por ter tomado contato com vítimas do negócio, Lorena tomou distância de Raúl Martins. Ele a mandou chamar para o México para dissuadi-la. Foi em Cancún onde ela travou amizade com algumas das moças aliciadas pelo pai. E de lá voltou decidida a denunciá- lo.

Quebrar chicas

Lorena conseguiu o depoimento de uma das meninas aliciadas, Carla. É esse depoimento que explica o modus operandi da organização de tráfico de pessoas.
As moças são atraídas por um anúncio no jornal que oferece trabalho de garçonete ou de vendas. Na entrevista, são escolhidas aquelas que apresentam uma situação familiar e econômica mais vulnerável, e lhes oferecem a oportunidade de viajar para Cancún, para realizar serviços dentro do ramo do turismo. Já nessa cidade, seu passaporte é retido, sob o argumento de que devem a passagem. Começam trabalhando realmente como garçonetes. Mas logo são pressionadas a “ir de copas”, isto é, acompanhar os clientes para induzi-los a beber e assim receber uma comissão pelo consumo.
O passo seguinte é dançar. Para passar à prostituição só falta algo como um “batizado”. Em princípio, ela sabe que faz um programa na casa noturna. Mas a casa está fechada para alguns clientes “de confiança”, que podem ser 20. Ela toma um susto, quer retroceder, mas já não pode. É seviciada, golpeada e, a partir desse momento, já não pode opor resistência. Está “quebrada”. Esse verbo, “quebrar”, era usado nos campos de tortura e extermínio para falar do procedimento com os sequestrados, para obrigá- los a entregar informação.

A denúncia

Lorena voltou para Buenos Aires e radicou a denúncia junto ao Poder Judiciário. O processo foi sorteado, como é de praxe, e caiu nas mãos do juiz Norberto Oyarbide, amigo pessoal do seu pai. Ao mesmo tempo, dois agentes atuais da Side foram enviados ao seu domicílio para intimidá-la. Ela ligou para o chefe deles, que havia sido colega do seu pai e a conhecia desde sempre.
Ante as ameaças de morte, ela considerou que sua única possibilidade de sobrevivência era colocar a boca no mundo. Os grandes meios de comunicação não acolheriam suas denúncias. Precisava aproveitar a tensão entre o governo federal e o prefeito de Buenos Aires, principal expoente da oposição e beneficiado pelas contribuições de campanha do seu pai.
Dirigiu-se aos meios favoráveis ao governo federal, com a convicção de que divulgariam sua denúncia. Já faz um mês que Lorena começou uma corrida contra o tempo. É urgente para ela relatar tudo, informar todos os nomes, todos os implicados. Se falar 99% do que sabe, arrisca a ser morta para que não revele o 1% restante.
Precisa tornar inútil a queima de arquivo. Ela tem consciência disso e não deixa uma minúcia fora. Descreve até os planos das casas noturnas em Buenos Aires. Fala das paredes falsas que comunicam com casas vizinhas, em nome de testas de ferro, para evitar flagrantes. Fala e apresenta provas do acerto mensal de 8 mil dólares para as delegacias da Polícia Federal com atuação nos bairros onde estão localizadas as casas noturnas e para os órgãos responsáveis pela fiscalização.

Segredo e ocultamento

Lorena Martins se recusa a declarar perante o juiz Oyarbide, pela amizade que este cultiva por décadas com o acusado. Mas antes mesmo da sua declaração, e como resultado da divulgação nas mídias, já foi afastado e investigado um delegado da Polícia Federal, que se soma aos 21 já afastados por vínculos com a rede de exploração sexual.
O aparato do Estado, assim como a delinquência, baseia seu funcionamento no segredo, no ocultamento. O poder popular, ao contrário, baseia seu funcionamento na máxima transparência. Algumas vezes, um Estado não consegue manter o segredo. Destrói assim a especialização, o poder que gera a exclusividade do conhecimento.
No caso do combate ao tráfico de pessoas, seja para trabalho escravo, seja para exploração sexual, o segredo se revela inócuo, uma vez que permite a corrupção dos funcionários e a “contaminação” do Estado com o delito. O “escrache”, a exposição pública dos implicados, foi a primeira arma dos movimentos populares para levar para a cadeia os torturadores dos campos de extermínio na Argentina. É um bom instrumento para derrotar o trabalho escravo e o tráfico para exploração sexual.

Silvia Beatriz Adoue é professora da Escola Nacional Florestan Fernandes (Enff) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Araraquara.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

“Perdendo o mundo”: o declínio dos EUA em perspectiva


O declínio dos Estados Unidos entrou, há algum tempo, em uma nova fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de plantas industriais. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza e o poder político se tornaram altamente concentrados, os salários dos trabalhadores ficaram estagnados, a carga de trabalho aumentou e o endividamento das famílias também. O artigo é de Noam Chomsky.

Aniversários significativos são comemorados solenemente – o do ataque japonês à base da Marinha norteamericana de Pearl Harbor, por exemplo. Outros são ignorados, e podemos sempre aprender importantes lições que eles nos dão de como é possível seguir mentindo adiante. Na verdade, agora.

No momento, estamos errando em não comemorar o 50° aniversário da decisão do presidente John F Kennedy de promover a mais assassina e destrutiva agressão do período pós-Segunda Guerra: a invasão do Vietnã do Sul, e depois de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e quatro países devastados, com perdas ainda crescentes causadas pela exposição do país aos carcinogênicos mais letais de que se tem conhecimento, que comprometerem a cobertura vegetal e a produção de alimentos.

O primeiro alvo foi o Vietnã do Sul. A agressão depois se espalhou para o Norte, e então para a sociedade remota do nordeste do Laos, até finalmente chegar ao rural Camboja, que foi bombardeado de tal maneira que chegou ao nível impressionante de ser alvo de todas as operações aéreas aliadas da região do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo as duas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Aí, as ordens de Henri Kissinger estavam sendo obedecidas – “qualquer coisa que voe ou se mova”; uma rara convocação para o genocídio na história.

Pouco disso tudo é lembrado. A maior parte desses massacres é escassamente conhecida para além dos estreitos círculos de ativistas.
Quando a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão pouca que havia poucos esforços de justificação; dificilmente iam além do impassível apelo do presidente de que “estamos nos opondo, ao redor do mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que opera principalmente em meios disfarçados de expansão de sua esfera de influência” e se a conspiração consegue realizar seus objetivos no Laos e no Vietnã, “os portões estarão amplamente abertos".

Em outro lugar, ele alertou em seguida que “as sociedades leves, complacentes e autoindulgentes estavam para ser varridas para os escombros da história [e] só a força... pode sobreviver”, neste caso refletindo a respeito do fracasso da agressão e do terror estadunidenses para esmagar a independência cubana.

Quando os protestos começaram a crescer, meia dúzia de anos depois, o respeitado historiador militar e especialista em Vietnã Bernard Fall, nenhum pacifista, previu que “o Vietnã como uma entidade histórica e cultural...está ameaçada de extinção...[enquanto]...a sua área rural literalmente morre sob as explosões da maior máquina militar jamais em operação numa área deste tamanho”. Ele estava, mais uma vez, referindo-se ao Vietnã do Sul.

Quando a guerra acabou oito horrendos anos depois, a opinião dominante estava dividida entre aqueles que a descreviam como uma “causa nobre” que poderia ter sido vencida com mais dedicação e o extremo oposto, os críticos, para quem se tratou de “um erro” que se provou altamente custoso. Por volta de 1977, o Presidente Carter chamou pouca atenção quando explicou que “não havia dívida” nossa com o Vietnã porque “a destruição foi mútua”.

Há lições importantes em tudo isso para hoje, mesmo deixando de lado os fracos e derrotados que são chamados para responder por seus crimes. Uma lição é que para entender o que está acontecendo devemos buscar não apenas criticar os acontecimentos no mundo real, frequentemente dispensados pela história, mas também aquilo em que os líderes e a opinião da elite acreditam, mesmo que com tintas de fantasia. Uma outra lição é que, ao lado dos frutos da imaginação fabricados para aterrorizar e mobilizar o público (e talvez acreditados por aqueles enganados pela própria retórica), há também planejamento geoestratégico baseado em princípios que são racionais e estáveis em longos períodos, porque estão enraizados em instituições estáveis e na agenda destas. Isso também é verdade no caso do Vietnã. Eu voltarei a isso, só destacando aqui que os elementos persistentes na ação estatal são geralmente bastante opacos.

A guerra do Iraque é um caso instrutivo. Ela foi vendida para um público aterrorizado com as ameaças usuais da autodefesa contra uma formidável ameaça à sobrevivência: a “única questão” que George W. Bush e Tony Blair declararam foi se Saddam Hussein iria encerrar o seu programa de desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a única questão recebeu a resposta errada, a retórica do governo mudou rapidamente para o nosso “anseio por democracia”, e a opinião pública educada seguiu devidamente o curso; o de sempre.

Mais tarde, à medida que a escalada da derrota no Iraque se tornou difícil de esconder, o governo quietamente concedeu o que estava claro para todo mundo. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que um acordo final deve assegurar a permanência de bases militares dos EUA e o direito de operações de combate, no país, e deve privilegiar os investidores estadunidenses na exploração de seu rico sistema energético – demandas que mais tarde foram relutantemente abandonadas diante da resistência iraquiana. E tudo ficou bastante escondido da maioria das pessoas.

Padronizando o declínio americano
Com essas lições em mente é útil dar uma olhada ao que é destacado na manchete dos maiores jornais de política e opinião, hoje. Peguemos a mais prestigiada das publicações do establishment, Foreign Affairs. A manchete estrondosa da capa de dezembro de 2011 estampava em negrito: “A América acabou?”.

O artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no exterior, que estavam consumindo a riqueza do país, para impedir o declínio americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de negócios, que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder está mudando para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.

Agora os principais artigos são a respeito de Israel e Palestina. O primeiro, de autoria de dois altos oficiais israelenses, é intitulado “O Problema é a Rejeição Palestina”: o conflito não pode ser resolvido porque os palestinos se recusam a reconhecer Israel como Estado Judeu – então em conformidade com a prática diplomática padrão: estados são reconhecidos, mas não seus setores privilegiados. A demanda é dificilmente outra coisa que um novo dispositivo para deter a ameaça de solução política para os assentamentos ilegais que minaria os objetivos expansionistas israelenses.

A posição oposta é defendida por um professor estadunidense tem o título “O Problema é a Ocupação”. No subtítulo se lê: “Como a Ocupação está Destruindo a Nação”. Qual nação? A de Israel é claro. Ambos os artigos aparecem com o título, em cache: “Israel sitiado”.

A edição de janeiro de 2012 lança ainda um outro chamamento para o bombardeio do Irã, agora, antes que seja tarde demais. Alertando contra “os perigos da dissuasão”, o autor sugere que “céticos com relação à ação militar falham em avaliar o verdadeiro perigo que um Irã com armas nucleares imporia aos interesses dos EUA no Oriente Médio e além. E em suas previsões sombrias imaginam que a cura pode ser pior do que a doença – quer dizer, que as consequências de um ataque estadunidense ao Irã seriam tão ruins ou piores do que se o país conseguisse levar a cabo suas ambições nucleares. Mas essa é uma suposição falsa. A verdade é que um ataque militar visando a destruir o programa nuclear iraniano, se for feito com cuidado, poderia significar para a região e para o mundo uma ameaça muito real e melhorar dramaticamente a segurança nacional dos Estados Unidos no longo prazo”.

Outros argumentam que os custos seriam altos demais e no limite alguns chegam a dizer que um ataque [ao Irã] violaria o direito internacional – como o fazem os moderados, que regularmente fazem ameaças de violência, em violação à Carta das Nações Unidas.

Vamos rever cada uma dessas preocupações dominantes

O declínio americano é real, embora a visão apocalíptica reflita a percepção bastante familiar da classe dominante de que algum controle menor ou total implica o desastre total. A despeito desses lamentos piedosos, os EUA persevera como poder dominante mundial por larga margem, e não há competidores à vista, não apenas em dimensões militares, a respeito das quais os EUA reina supremo.

A China e a Índia registraram crescimento rápido (embora altamente desigual), mas permanecem países muito pobres, com problemas internos enormes não enfrentados pelo Ocidente. A China é o maior centro industrial do mundo, mas majoritariamente como uma linha de montagem para as potências industriais avançadas em sua periferia e para as multinacionais ocidentais. É provável que isso mude com o tempo. A indústria em regra provê as bases para a inovação e a invenção, como vem ocorrendo às vezes, na China. Um exemplo que impressionou os especialistas ocidentais foi a tomada chinesa da liderança no mercado crescente de painéis solares, não apenas com base na mão de obra barata, mas no planejamento coordenado e, crescentemente, na inovação.

Mas os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos, reportados na Science, o líder dos semanários estadunidenses de divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente um resultado do desenvolvimento econômico e das melhorias nos serviços educacionais e de saúde, especialmente ao movimento de higiene pública que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”. Esse progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há 30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.

Além disso, o crescimento econômico chinês recente contou substancialmente com um “bônus demográfico”, uma grande população em idade economicamente ativa. “Mas a janela para o uso desse bônus pode fechar logo”, com um “impacto profundo no desenvolvimento”: “o excesso de mão de obra barata, que é um dos maiores fatores de condução do milagre econômico chinês não estará mais disponível”. A demografia é apenas um dos muitos problemas sérios pela frente. No que concerne a Índia, os problemas são ainda mais graves.

Nem todas as vozes proeminentes anteveem o declínio americano. Na mídia internacional, não há nada mais sério e respeitável que o Financial Times. O jornal recentemente dedicou uma página inteira às expectativas otimistas de que nova tecnologia para extrair combustível fóssil norteamericano pode fazer com que os EUA se torne energeticamente independente, mantendo portanto sua hegemonia por um século. Não há menção ao tipo de mundo que os EUA comandará nesse acontecimento feliz, mas não por falta de evidência.

Quase ao mesmo tempo, a Agência Internacional de Energia reportou que, com o aumento rápido das emissões de carbono dos combustíveis fósseis, o limite de uso seguro será atingido por volta de 2017, se o mundo continuar no atual curso. “A porta está fechando”, disse o economista-chefe da AIE, e em muito breve “fechará de vez”.

Pouco antes, o Departamento de Energia dos EUA informou que as imagens mais recentes das emissões de dióxido de carbono, com “a elevação para o maior índice já registrado”, chegaram num nível mais elevado do que os piores cenários antecipados pelo Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC). Isso não é surpresa para muitos cientistas, inclusive os do programa do MIT para mudança climática, que por anos alertou que os prognósticos do IPCC eram conservadores demais.

Esses críticos das previsões do IPCC receberam virtualmente atenção pública nenhuma, ao contrário dos grupos denegadores do aquecimento global, que são apoiados pelo setor corporativo, juntamente a imensas campanhas de propaganda que tem levado os americanos para fora do espectro internacional dessas ameaças. O apoio das corporações também se traduz diretamente no poder político. A denegação é parte do catecismo que deve ser entoado pelos candidatos republicanos na ridícula campanha eleitoral em curso, e no Congresso eles são poderosos o suficiente para abortar até investigações sobre o efeito do aquecimento global, deixando de lado qualquer ação séria a respeito. Numa palavra, o declínio americano pode talvez ser interditado se abandonarmos a esperança pela sobrevivência decente, prognóstico também bastante real, dado o equilíbrio de forças no mundo.

“Perdendo” a China e o Vietnã
Deixando de lado essas coisas desagradáveis, um olhar de perto para o declínio americano mostra que a China na verdade joga um grande papel nele, tanto como o jogava há 60 anos. O declínio que agora gera tanta preocupação não é um fenômeno recente. Ele remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando os EUA tinha metade da riqueza do mundo e dispunha de níveis globais de segurança incomparáveis. Os estrategistas políticos estavam naturalmente bastante conscientes dessa enorme disparidade de poder e pretendiam mante-la assim.

O ponto de vista básico foi apresentado com admirável franqueza numgrande documento de 1948. O autor era um dos arquitetos da Nova Ordem Mundial da época, o representante da equipe de Planejamento Político do Departamento de Estado dos EUA, o respeitado estadista e acadêmico George Kennan, um pacifista moderado, dentre os estrategistas. Ele observou que o objetivo político central era manter a “posição de disparidade” que separava a nossa enorme riqueza da pobreza dos outros. Para alcançar esse objetivo, advertiu, “nós deveríamos para de falar de objetivos vagos e... irreais, como direitos humanos, a elevação do padrão de vida e a democratização”, e devemos “lidar com conceitos estritos de poder”, não “limitados por slogans idealistas” a respeito de “altruísmo e o benefício do mundo”.

Kennan estava se referindo especificamente à Ásia, mas as observações dele se generalizam, com exceções, aos participantes do atual sistema de dominação global dos EUA. Ficou bastante claro que os “slogans idealistas” deveriam ser apresentados sobretudo quando dirigidos aos outros, inclusive às classes intelectualizadas, das quais se esperava que os disseminassem.

O plano de Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controle dos EUA do Hemisfério Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente Médio), e o quanto foi possível da Eurásia, sobretudo seus centros comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a distribuição do poder. Mas o declínio foi então definido de vez.

Em 1949, a China declarou independência, um evento conhecido no discurso do Ocidente como “a perda da China” – nos EUA, com algumas recriminações amarguradas e o conflito interpretativo a respeito de quem tinha sido o responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é possível perder o que em algum momento se teve. A assunção tácita era que os EUA tinham a China, por direito, juntamente à maior parte do resto do mundo, tanto como os estrategistas do pós-guerra pensavam.

A “perda da China” foi o primeiro grande passo do “declínio americano”. Foi o que teve grandes consequências políticas. Uma delas foi a decisão imediata de apoiar o esforço francês de reconquista da sua ex-colônia da Indochina, para que esta também não fosse “perdida”.

A Indochina mesma não era motivo de preocupação maior, a despeito das afirmações de suas riquezas naturais por parte do presidente Eisenhower e outros. A preocupação maior era antes com a “teoria do efeito dominó”, a qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas permanece um princípio regulador da política, porque é bastante racional. Para adotar a versão Henri Kissinger dele, uma localidade que cai fora do controle pode se tornar um “vírus” que irá “contagiar”, induzindo outros a seguirem o mesmo caminho.

No caso do Vietnã, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, que de fato é rica em recursos. E isso pode levar o Japão – o “superdominó”, como o proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema que escaparia do alcance do poder dos EUA. Isso significaria, com efeito, que o EUA tinha perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na qual lutou para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem na Ásia.

O modo de lidar com um problema desse é claro: destruir o vírus e “inocular” aqueles que podem ser infectados. No caso do Vietnã, a escolha racional era destruir qualquer esperança de desenvolvimento independente bem sucedido e impor ditaduras brutais nos arredores. Essas tarefas foram levadas a cabo com sucesso – embora a história tenha sua própria astúcia, e algo similar ao que foi temido desde então tenha se desenvolvido no Leste da Ásia, a maior parte para consternação de Washington.

A vitória mais importante das guerras da Indochina deu-se em 1965, quando um golpe de estado militar, com o apoio dos EUA, liderado pelo general Suharto significou crimes massivos comparados pela CIA aos de Hitler, Stalin e Mao. A “assombrosa matança massiva”, como descreveu o New York Times, foi acuradamente reportada nos meios dominantes, e com euforia desenfreada.

Foi um “brilho de luz na Ásia”, como observou o comentarista liberal James Reston, no Times. O golpe encerrou as ameaças à demoracia ao demolir o partido político de massas, dos pobres, estabelecendo uma ditadura que registrou as piores violações aos direitos humanos no mundo, e deixou as riquezas do país abertas aos investidores ocidentais. Poucos questionaram que depois de tantos horrores, inclusive a quase genocida invasão do Timor LesteSuharto ter sido bem recebido pela administração Clinton, em 1995, como “nosso tipo de cara”.

Anos após os grandes eventos de 1965, o Conselheiro para Assuntos de Segurança Nacional de Kennedy e Johnson, McGeorge Bundy refleteria que teria sido sensato acabar com a guerra do Vietnã a tempo, com o “vírus” virtualmente destruído e, o principal, o dominó solidamente no lugar, no esteio de outras ditaduras apoiadas pelos EUA pela região.

Procedimentos similares são rotineiramente seguidos em outros lugares. Kisssinger estava se referindo especificamente à ameaça da democracia socialista no Chile. Essa ameaça acabou em outra data esquecida, que os latino-americanos chamam de “O Primeiro 11 de Setembro”, que em violência e efeitos nefastos excedeu em muito o 11 de Setembro comemorado no Ocidente. Uma ditadura viciosa foi imposta ao Chile, como uma parte da praga de repressão brutal que se espalhou pela América Latina, chegando até a América Central, nos anos Reagan. 

Esse vírus tem gerado preocupações profundas aqui e ali, inclusive no Oriente Médio, onde a ameaça de um nacionalismo secular tem consternado os estrategistas britânicos e estadunidenses, induzindo-os a apoiar o fundamentalismo islâmico a opor-se a isso.

A concentração da riqueza e o declínio americano
Mesmo com essas vitórias, o declínio americano continuou. Por volta de 1970, a parte da riqueza do mundo dos EUA saltou para 25%, basicamente onde está hoje, concentração ainda colossal, mas bastante inferior àquela de fins da Segunda Guerra. Nessa época, o mundo industrial era “tripolar”: a base norte americana, dos EUA, a europeia, da Alemanha, e a do Leste da Ásia, já a região industrial mais dinâmica, naquele tempo com base no Japão, mas hoje incluindo as ex-colônias japonesas de Taiwan e o Sul da Coreia, e mais recentemente a China.

Nesse período o declínio americano entrou numa nova fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de plantas industriais, levada a cabo em parte pelo declínio da taxa de lucro na indústria doméstica. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza se tornou altamente concentrada (dramaticamente nos 0,1% da população), levou à concentração de poder político, e então a uma legislação que o levou adiante, no que concerne à tributação e outras políticas fiscais, à desregulação, às mudança nas regras da administração corporativa - o que permitiu imensos ganhos para os executivos - e por aí vai.

Enquanto isso, para a maioria, os salários reais foram majoritariamente estagnados e ao povo só restou aumentar a carga de trabalho (muito além da europeia), a dívida insustentável e as repetidas bolhas, desde os anos Reagan; criando riquezas de papel que desapareceram inevitavelmente quando a bolha estourou (e os perpretadores foram resgatados pelos contribuintes). Em paralelo a isso, o sistema político foi cada vez mais fragmentado, enquanto ambos os partidos mergulharam cada vez mais nos bolsos das corporações, com a escalada do custo das eleições (os republicanos ao nível do absurdo e os democratas – agora majoritariamente os “ex-republicanos moderados” – não ficaram muito atrás).

Um estudo recente do Instituto de Política Econômica, que tem sido a maior fonte de dados respeitáveis sobre o desenvolvimento, intitula-se Failure by Design [no contexto, algo como Fracasso por Ecomenda]. A frase “by design” é acurada. Outras escolhas eram certamente possíveis. E como mostra o estudo, o “fracasso” tem um corte de classe. Não há fracasso para os “designers”. Longe disso. Antes, as políticas fracassaram para a imensa maioria, os 99% na imagem dos movimentos Occupy – e para o país, que tem declinado e irá continuar a fazê-lo, sob essas políticas.

Um fator que o explica é a transferência das plantas industriais. Como ilustra o exemplo do painel solar, mencionado acima, a industrialização tem a capacidade de promover as bases e o estímulo para a inovação, levando a estágios mais avançados de sofisticação na produção, no design e na invenção. Isso, também, está sendo terceirizado, o que não é um problema para os “mandarins do dinheiro”, que cada vez mais mandam na política, mas é um sério problema para o povo trabalhador e as classes médias, e um desastre real para os mais oprimidos, os afroamericanos, que nunca escaparam do legado da escravidão e de sua mais feia consequência, cujamagra riqueza desapareceu virtualmente depois do colapso da bolha imobiliária, em 2008, originando a mais recente crise financeira, a pior até agora.

(*) Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT. É o maior linguista do mundo e um dos mais, senão o mais rigoroso e consequente anarquista vivo.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte:

China e o novo centro dinâmico | Marcio Pochmann




do Revista Fórum
O sucesso do milagre econômico chinês apresentou ao mundo uma novidade quase não imaginada frente à inconteste hegemonia estadunidense. Seja na evolução do comércio externo ou na presença crescente dos investimentos externos, a China se posiciona de forma cada vez mais sólida como eixo integrador da dinâmica mundial.

Antes da crise do capitalismo global, a economia estadunidense apresentava sinais de certa decadência frente ao seu esvaziamento produtivo e da relativa perda de importância do dólar. Mas, a partir de 2008, a perda de influência norte-americana tornou-se cada vez mais evidente, sobretudo quando se considera o sucesso transformista chinês.

Para piorar, os Estados Unidos passam a apresentar sinais crescentes de subdesenvolvimento, como no caso da concentração de renda. Nas últimas três décadas, por exemplo, o segmento constituído pela faixa do 1% mais rico da população teve a sua renda aumentada em 256%, enquanto o rendimento dos pobres subiu somente 11%. Como resultado disso, os EUA voltaram a deter um padrão de desigualdade de renda somente verificado antes da Depressão de 1929.

Diante do descenso estadunidense e do auge chinês, os governos têm a oportunidade de rever estrategicamente o posicionamento de suas economias. Do contrário, a trajetória das relações comerciais e de investimento com a China tende cada vez mais a aprofundar as características históricas já notabilizadas, especialmente durante a antiga ordem internacional estabelecida a partir da Inglaterra. Como a China atual, o Reino Unido dependia fortemente de produtos primários, enquanto se mantinha como forte produtor e exportador de produtos manufaturados. Ou seja, dava-se o estabelecimento de uma convergência internacional para a produção e exportação de produtos primários e simultânea dependência da dinâmica local à internacionalização dos seus parques produtivos segundo a lógica inglesa.

Em geral, a China passa a deter não somente relações comerciais como presença de investimento superiores às dos EUA. Por meio da globalização financeira, não obstante os sinais de certo esvaziamento do seu papel monetário (fim do padrão ouro-dólar nos anos 1970) e de enfraquecimento relativo de sua produção e difusão tecnológica, os Estados Unidos se transformavam praticamente num império unipolar. Tanto assim que prevaleceu a concepção de pensamento único e visão de fim da História, com predomínio da democracia liberal e do livre mercado.

Nos dias de hoje, com o esgotamento do movimento de globalização financeira, registrado por várias crises de dimensão internacional, o milagre chinês ascendeu rapidamente. Assim, a expansão da economia do país possibilitou que em apenas dez anos a sua produção fosse triplicada, contrastando com a realidade estadunidense. Somente entre 1999 e 2010, por exemplo, a variação acumulada do Produto Interno Bruto dos Estados Unidos foi equivalente a apenas 1/8 da verificada na China.

No mesmo sentido, o país asiático responde cada vez mais por uma maior parcela da produção de manufaturados do mundo; em 2009, representou 18% do valor agregado industrial mundial. A participação chinesa no valor adicionado mundial na indústria de transformação de alta tecnologia também saltou de 4%, em 2000, para 18%, em 2009. Atualmente, a China assume a condição de segunda nação mais importante na produção de material de escritório e informática do mundo, na produção de material de rádio, TV e comunicação, e a primeira na produção de veículos automotores e nos investimentos na indústria aeroespacial, de supercomputadores e de núcleos eletrônicos, entre outras posições estratégicas mundiais.

Por conta disso, a China deve ultrapassar a posição dos EUA durante a segunda década do século XXI, embora isso não signifique necessariamente o desaparecimento das centralidades dinâmicas das economias pertencentes à União Europeia e aos Estados Unidos, mas o que se destaca é o aparecimento de um mundo multipolar. Além da Ásia – especialmente a China e Índia – há um espaço regional capaz de gerar uma nova centralidade dinâmica no sul do continente americano, com forte importância para a economia brasileira.

Em síntese, o Brasil passa a ter maior relevância num novo contexto mundial multipolarizado, bem distinto daquele verificado durante o momento de sua constituição, em que os Estados Unidos exerciam uma centralidade unipolar. Mas o seu reposicionamento deve partir de um olhar de mais longo prazo, uma vez que as alternativas estão postas. O deslocamento do centro dinâmico estabelece oportunidades inequívocas de reforço da pujança econômica brasileira. Mas isso pode ocorrer tanto pelo lado da Fazenda, Mineração e Maquiladora dos Produtos Manufaturados (FAMA), como pela via do encadeamento dos sistemas produtivos a partir de maior agregação do Valor Agregado e Conhecimento (VACO).

As alternativas estão postas, com a China presente no novo centro dinâmico mundial. Ao Brasil, cabe uma decisão clara e objetiva em torno do papel que deseja desempenhar neste novo contexto internacional.

Esta crônica é parte integrante da edição 105 da revista Fórum