sábado, 26 de maio de 2012

Considerações sobre a reprovação dos educadores



Eunice Couto*
Professora Estadual
Para o Amigos

Impossível não ouvir, sem despertar a indignação dos educadores, os comentários acerca da baixa aprovação no concurso do magistério gaúcho. Em primeiro lugar, creio ser importante analisar o resultado como consequência das políticas educacionais implantadas no país ao longo das últimas duas décadas.

No início da década de 90 a disciplina de Língua Portuguesa contava com quatro ou cinco horas-aulas semanais para o Ensino Médio e ainda eram ensinados conteúdos gramaticais relevantes, sem que os professores fossem tachados de pré-históricos. Atualmente a carga horária diminuiu (duas a três aulas semanais) e tais assuntos – cobrados em qualquer concurso público de forma tradicional – devem ser trabalhados de forma disfarçada. Leia-se: superficial!

Por outro lado, há que se refletir sobre quantos desses quase 70 mil inscritos são vítimas da “expansão universitária”, a qual, entre outros aspectos, possibilitou a criação de centenas de universidades a distância, dessas que “formam” licenciados em Letras, Pedagogia, História, Biologia, etc, em dois ou no máximo dois anos e meio, a baixo custo, “popularizando o acesso ao diploma”. Destaque para o termo ‘Popularizar’ que, aqui, significa baixar a qualidade.

Ainda importantíssimo pensar que, ao contrário do que apregoam os governos sobre avaliação escolar e reprovação – buscando inclusive responsabilizar os educadores pelo baixo rendimento dos alunos, sem considerar aspectos gerais da vida dos educandos – o formato da prova exigia pontuação mínima de 60% em cada uma das quatro partes que a compunha: Língua Portuguesa, Legislação, Conhecimentos Pedagógicos e Conhecimentos Específicos. Ou seja, o candidato poderia totalizar 70% da prova, mas se numa delas não atingisse os 60%, estaria desclassificado.

Além dessas observações, outros pontos necessitam de atenção:

• Foram abertas 10 mil vagas, porém o número de contratos, ditos emergenciais, é bem superior a este número. Assim, o problema da falta de profissionais não seria solucionado, nem mesmo para o ano de 2013 por este concurso;

• Existe uma lei que prevê um piso salarial nacional (proporcional às 20 horas semanais) de R$ 725,50, em 2012, mas o salário básico oferecido no Edital é de apenas R$ 395,54;

• O valor da inscrição variava entre R$ 53,38 (para a formação mínima: Ensino Médio/Magistério) e R$ 121,70 (para formação em curso superior) – um dos processos seletivos mais caros, observando, principalmente, a remuneração oferecida.

Ao considerar esses aspectos, pode-se imaginar que houvesse seriedade na promoção do certame? Real interesse na solução dos problemas de falta de professores na rede pública de ensino do RS? Ou seria, além de fazer um bom caixa – fala-se numa arrecadação aos cofres públicos em torno de R$ 8 milhões (!?) – passar a ideia de atender a uma reivindicação ou promessa eleitoral e, por fim, consolidar suas posições de desmoralizar a categoria e justificar o não cumprimento da lei salarial perante a sociedade?

Ainda há outro ponto importante: é necessário, ao Estado, manter o maior número de profissionais contratados, precarizados, ou seja, sob a ameaça da perda do emprego, caso não se submetam às suas determinações; como também é fundamental que esses trabalhadores não tenham vínculos, não tenham direito à estabilidade, não gerem ônus futuros.

Simplificando: este concurso foi apenas engodo, ilusão para toda a sociedade gaúcha, passando a ideia de que o governo é bom, os trabalhadores é que não se esforçam, são preguiçosos ou desinteressados e, assim, colocar a população contra si própria.

* Eunice Couto é natural de Caçapava do Sul, Licenciada em Letras - Língua e Literatura Portuguesa pela URCAMP/Bagé, em 1991, Especialista em Educação, Professora na rede pública há 25 anos, sendo 17 anos somente na rede pública estadual e militante no movimento sindical desde 2000. Há 3 anos leciono no Colégio Estadual Dom João Braga, no Ensino Médio e Fundamental diurno. "Acredito na mudança da sociedade, rumo à justiça social, mas esta passa, inevitavelmente, pela educação e pela explicação nítida e objetiva acerca dos fatos que nos cercam" - diz a autora.

“Tenho noção da minha responsabilidade”, diz Brizola Neto no RS


PDT-RS
Encontro com Brizola Neto no diretório gaúcho do PDT contou com presença de lideranças estaduais da sigla | Foto: PDT-RS

Rachel Duarte no SUL21

A primeira aparição pública do ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto (PDT) fora de Brasília foi ao estado berço do trabalhismo. Nesta sexta-feira (25), ele cumpre agendas partidárias no Rio Grande do Sul, que incluem conversas com correligionários, visita ao prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT) e um ato de recepção na sede do Partido Democrático Trabalhista. O ministro permanece no estado até sábado (26), quando participa da abertura do XV Congresso Estadual da Juventude Socialista do PDT. Nas primeiras palavras proferidas em solo gaúcho, o ministro afirmou que sabe o peso de ser um brizolista no governo federal. “Tenho noção da minha responsabilidade”, disse na primeira agenda com os trabalhistas.

O primeiro compromisso foi cedo da manhã, em um café de recepção ao novo ministro escolhido por Dilma Rousseff entre uma lista de três nomes oferecidos pelo PDT. O baixo quórum no ato refletiu que as divergências internas com a escolha da presidenta ainda não foram superadas. Os trabalhistas gaúchos desejavam ver uma das principais lideranças do partido no RS, o deputado federal Vieira da Cunha no lugar do neto de Leonel Brizola. Mas a decisão pessoal de Dilma prevaleceu. “A gente entende estas coisas no processo de articulações e preferências pessoais mas, no momento em que isso é definido, nós temos o compromisso partidário e com o trabalhismo brasileiro para nos unir. Eu sei que ele (Vieira da Cunha) sabe que isso é forte nele e em mim, será isso que nos unirá”, falou ao final do ato.

Porém, o parlamentar não esteve no ato e justificou motivos de agenda. “Nos avisaram que ele estava viajando. Eu lamento. Ele é uma grande liderança no partido, mas com certeza deve estar em algum compromisso mais importante que este aqui”, disse a deputada estadual Juliana Brizola. Segundo ela, o momento de disputa já deveria ter sido superado. “Agora já temos um ministro indicado pela presidenta. Espero que os companheiros preteridos por um motivo ou outro também olhem pra frente, para uma construção coletiva”, disse.
Ouvindo as primeiras palavras do ministro ao PDT gaúcho estavam o ex-governador Alceu Collares; o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati; o deputado federal Giovani Cherini; o deputado estadual Gilmar Sossela e os representantes do PDT no governo Tarso Genro, Kalil Sehbe, Ciro Simoni e Afonso Mota. Outros parlamentares do estado e da capital, bem como representantes de outros municípios também estiveram presentes, formando um enxuto grupo de anfitriões.
A ausência do deputado federal Vieira da Cunha estava passando despercebida. Nas saudações a Brizola Neto, muitos votos de êxito ao novo ministro a frente da pasta do Trabalho e reconhecimentos ao legado brizolista que ele carrega em seu nome. E, a afirmação de unidade no partido fez parte da todas as falas.
“Vim buscar a nossa unidade partidária. Todos que fazem gestos assim pensam no crescimento do partido. Estamos à vontade com a sua presença”, disse o presidente do PDT-RS, Romildo Bolzan Jr.. Em nome dos sete deputados da bancada gaúcha na Assembleia Legislativa do RS, Gilmar Sossela disse que “a indicação de Brizola Neto honrou o partido”. Já o deputado federal Giovani Cherini disse que, apesar de alguns processos aguçarem as diferenças internas, o momento exige unidade. “Temos que aproveitar a representatividade no governo federal e reforçar o partido para disputar as eleições”, falou.

“Só vou ficar feliz quando Vieira da Cunha abraçar o ministro”, diz Collares

Prefeito de Porto Alegre José Fortunati (PDT) recebeu confirmação de apoio de Brizola Neto para sua reeleição | Foto: Jefferson Bernardes

Foi quando o ex-governador Alceu Collares usou a palavra para fazer sua saudação “ao menino que recebe uma nobre tarefa”, que a ausência de Vieira da Cunha foi posta na mesa. “Cadê o Vieira da Cunha que eu não to vendo aqui?”, perguntou o líder trabalhista. Ao ser informado da razão da viagem, disse que se tratava de uma velha desculpa. “Eu só vou ficar feliz quando o Vieira abraçar o ministro”, disse arrancando aplausos.
Antes que o ministro se justificasse que pretende resolver qualquer mal-estar ainda existente junto ao parlamentar, Collares seguiu expondo outras feridas do partido. “Os últimos acontecimentos da pasta do Trabalho foram lamentáveis. Este ministério foi criado pelo trabalhismo de Getúlio Vargas. Brizola Neto precisa restabelecer as funções esvaziadas, por diversos motivos, do Ministério do Trabalho”, falou. E deu um conselho digno de um antigo quadro partidário. “Ele assume com obrigação da unidade e terá que construí-la, pois não sei se teremos outra oportunidade”, disse.

Recuperar o tradicional trabalhismo no governo de uma trabalhista

Embora a visita de Brizola Neto ao Rio Grande do Sul não seja ministerial, ele aproveitou para reforçar suas intenções como representante do governo federal. “O trabalho era assunto de polícia antes da era Vargas. Depois da redemocratização, os autênticos trabalhistas e os novos trabalhistas tiveram diferenças de projetos de poder. Hoje, precisamos retomar nossa afinidade pelo bem do crescimento econômico do país com justiça social”, falou.
Brizola Neto diz que está à vontade no governo Dilma, devido à trajetória da presidenta no PDT gaúcho. O ministro disse que reconhece o peso de ser neto de Leonel Brizola, mas que está confiante no espaço dado a ele por Dilma. “Apenas fazer lembrar a memória de Brizola no país já seria suficiente, mas vou cumprir os compromissos pelo tradicional trabalhismo no governo Dilma”, garantiu aos colegas de partido.
Segundo ele, a principal tarefa será devolver o protagonismo da pasta antes dos escândalos de suspeitas de esquema de propinas que resultou na queda do antecessor Carlos Lupi. “Precisamos voltar a contribuir para colocar o trabalho como instrumento principal para o desenvolvimento nacional. O crescimento da economia brasileira esta relacionado com a valorização do trabalho e do trabalhador”, disse.
Sobre o encontro com Vieira da Cunha, o ministro desconversou. “A gente sempre se fala e se procura”. A irmã, deputada Juliana Brizola defendeu que “terão outras oportunidades para ele abraçar o deputado”.
Após deixar o ato na sede estadual do PDT gaúcho, o ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto visitou o ex-marido de Dilma Rousseff, Carlos Araújo. Sobre o apadrinhamento de Araújo na indicação para o ministério, Brizola Neto disse que “é um grande amigo e foi um grande orientador na trajetória que eu tenho”.

1 milhão de vagas para Porto Alegre no Pronatec

Ministro Brizola Neto visita prefeito de Porto Alegre José Fortunati nesta sexta-feira | Foto: Luciano Lanes / PMPA

Em visita ao prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, o ministro Brizola Neto anunciou a abertura de 1 milhão de vagas para cursos de qualificação em Porto Alegre, por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Segundo o ministro, a coordenação do Pronatec será dividida com o ministério da Educação (MEC). A visita ao prefeito teve o objetivo de consolidar a parceria da União com os municípios. “Dependemos 100% das prefeituras para execução dos programas do governo federal na área da qualificação profissional”, destacou.
Segundo Fortunati, a prefeitura já mantém convênios com o ministério para a realização de cursos de qualificação profissional. Este ano, a Secretaria Municipal do Trabalho Emprego projeta a criação de oito mil vagas em cursos na parceria com o governo federal, através dos programas Pronatec e Setorial de Qualificação (PlanSeQ). Os cursos de qualificação em Porto Alegre oferecem vagas em 40 especialidades, em áreas como comércio, serviços, construção civil, hotelaria, indústria e empreendedorismo. As novas vagas devem ser disponibilizadas até o final do ano.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Escracho, um instrumento de luta



Nascidos na Argentina na década de 1990 para denunciar os agentes da ditadura civil-militar responsável por um saldo de 30 mil mortos e desaparecidos no período, os escrachos criaram condenação social e abriram caminho para a abertura dos processos judiciais contra militares e civis envolvidos na repressão
por Dafne Melo no LeMondeBrasil
(Ação da Frente de Escracho Popular, no dia 7 de abril em São Paulo, denuncia o legista Harry Shibata, que assinava laudos falsos para encobrir torturas)

Na manhã de 25 de março de 2006, quem passava pela Avenida Cabildo, número 639, no bairro portenho de Belgrano, via a parte externa de um prédio residencial, precisamente na altura do sexto andar, manchado de tinta vermelha, além de placas e pichações na rua. “Aqui vive um genocida”, diziam algumas das mensagens. Nesse endereço vivia Jorge Rafael Videla, um dos líderes da Junta Militar que tomou o poder por meio de um golpe de Estado em 24 de março de 1976.
Quem tivesse passado no dia anterior teria visto 15 mil pessoas em uma manifestação diante da casa do repressor, na ocasião em prisão domiciliar (hoje cumpre a pena em um presídio). Tratava-se de um escracho, como ficou conhecido na Argentina e no Uruguai um determinado tipo de mobilização em que se evidencia publicamente um fato condenável em relação a uma pessoa ou lugar.
As semelhanças com os atos realizados por jovens brasileiros nos meses de março e abril não são meras coincidências. No comunicado da organização Levante Popular da Juventude, que organizou seis escrachos a repressores brasileiros em seis cidades simultaneamente, no dia 26 de março, é feita referência à experiência do país vizinho e à chilena, onde esse tipo de mobilização recebe o nome de “funa”.
Há consenso, porém, que o escracho nasceu na Argentina. “É uma ferramenta de luta que criamos em determinado período de nossa história”, conta Julio Avicento, da Hijos (sigla em espanhol para Filhos e Filhas pela Identidade, Justiça e contra o Esquecimento e o Silêncio, que forma a palavra “filhos”), da cidade de La Plata, organização à qual se atribui a criação do escracho.
O período a que se refere Avicento é a década de 1990, quando vigoravam as chamadas “leis de impunidade”. Após o fim da ditadura civil-militar, em um contexto de denúncias feitas pelas organizações de direitos humanos, crise econômica e desmoralização em razão da derrota na Guerra das Malvinas, os integrantes das juntas militares que chefiaram o país entre 1976 e 1983 foram julgados, em 1985. O resultado foi a condenação de Videla e Emilio Eduardo Massera à prisão perpétua, e de outros três chefes da Junta a penas menores. Outros quatro foram absolvidos.
 
Nova geração e impunidade
A Argentina era então governada por Raúl Alfonsín, que depois do Julgamento às Juntas sancionou duas leis: Ponto Final e Obediência Devida. Juntas, concediam anistia a todos os outros militares e policiais com a justificativa de que haviam cumprido ordens de seus superiores. Portanto, estes já haviam sido julgados e o assunto estava encerrado. Para completar, em 1990 o então presidente Carlos Menem concedeu um indulto aos condenados, colocando em liberdade os chefes militares.
 Para Julio Avicento, nesse momento houve um ponto de inflexão em que essas leis passaram a ser questionadas pelas quatro gerações de lutadores: as mães, pioneiras na luta contra a impunidade; as avós, que questionavam o paradeiro de seus netos (a ditadura civil-militar argentina roubou cerca de 500 filhos de desaparecidos); a própria geração dos desaparecidos, representada pelos sobreviventes; e os filhos, que nessa época estavam entre a adolescência e a vida adulta.
Em um contexto de impunidade total, no qual era impossível avançar judicialmente, a organização Hijos passou a sugerir a possibilidade de um avanço em outro tipo de condenação. “O caminho era a condenação social, já que não se podia contar com a Justiça, cúmplice do genocídio. Quanto mais a sociedade condena, mais fácil é romper a impunidade, inclusive judicialmente”, resume Agustín Cetrangolo, também militante da Hijos, na capital Buenos Aires. De fato, foi o que ocorreu no país. Em 2003, Néstor Kirchner derrubou as leis, o que permitiu o início do julgamento judicial de vários repressores. “Quase todos os processados ou julgados foram escrachados antes”, conta Cetrangolo.
Julio Avicento revela que diversas organizações participavam do escracho, não apenas a Hijos. “Usávamos as chamadas ‘mesas de escrachos’, nas quais participavam distintas organizações; havia muitas tarefas para dividir e muito a aprender durante o caminho”, lembra. O militante explica que um trabalho prévio ao escracho era feito, não só de investigação para comprovar a participação do repressor, mas também com os vizinhos. “Passávamos casa por casa conversando, explicávamos que íamos fazer uma atividade, entregávamos um texto explicando o porquê”, explica. A chamada “mesa de escracho” era geralmente feita em um centro cultural ou na sede de alguma organização, que cedia o espaço. Os militantes faziam então um diálogo com o bairro e com as organizações a partir do eixo da denúncia aos repressores.
A lógica não era necessariamente gerar a surpresa e um incômodo no repressor no momento do escracho, mas instalar um desconforto permanente por meio do trabalho com os vizinhos. “Queríamos que as pessoas se recusassem a entrar no elevador com eles, que o padeiro do bairro se recusasse a vender pão. Dizíamos: se não vai para a cadeia, que sua casa seja uma cadeia. Que na rua sejam repudiados pela sociedade.”
 
Filhos da luta
As organizações que aderiam ao escracho a um genocida (na Argentina, alguns juízes afirmam que os crimes de lesa-humanidade cometidos na ditadura se deram dentro de um plano sistemático de extermínio, que pode ser classificado como genocídio) não eram apenas formadas por familiares. A Hijos, por exemplo, é aberta à participação de toda a sociedade. Explica Avicento: “Não sou filho de desaparecido, mas há quatorze anos milito no âmbito dos direitos humanos, conheci muitos companheiros [filhos e parentes] e me envolvi. O rico dessa luta é que toda a sociedade pode se envolver”. Não somente pode, como deve. “Toda a sociedade foi vítima do terrorismo de Estado, todos sofreram com o terror e o medo”, completa.
Agustín Cetrangolo é filho de Sergio Cetrangolo, desaparecido em 1978. A mãe, também presa e torturada, é da geração de sobreviventes. “Não entendemos que a reparação é apenas com os familiares, mas deve-se reparar toda uma sociedade”, defende. “Na Hijos dizemos que todos somos filhos da mesma história. Seria um erro dizer que o genocídio pretendeu apenas exterminar as organizações políticas e seus militantes. A violência do genocídio extrapola isso. Se entendemos que toda a sociedade foi vítima desse terrorismo de Estado, por que não podemos organizar qualquer setor para lutar contra isso?”, completa.
Para Julio Avicento, quem usa o argumento de que os jovens de hoje não “têm nada a ver” com a repressão “esconde na verdade uma posição que procura manter a impunidade em relação aos repressores”. Os militantes também lembram que o aparato repressivo da ditadura persiste até hoje, com os casos de assassinatos de jovens pela polícia ou a perseguição e espionagem dos movimentos sociais. Também por isso os escrachos continuam sendo usados. “O escracho transcendeu a Hijos, para além do que entendíamos como escracho. Em 2001, por exemplo, escrachou-se tudo, bancos, McDonald’s”, recorda Cetrangolo.

Dafne Melo
Jornalista e historiadora


Ilustração: Igor Ojeda

Dia Internacional da Biodiversidade: a atração da humanidade pela destruição


Há uma década, o mundo tinha um total de 11 mil espécies ameaçadas de extinção. A ONU estabeleceu então a meta de reduzir significativamente esse número. Não deu certo. Desde a Rio 92, o mundo teve uma perda de biodiversidade de 12%, emitiu 40% mais gases poluentes e as florestas diminuíram 3 milhões de metros quadrados.


Os filmes-catástrofe trazem uma situação recorrente: em algum momento, um cientista considerado meio maluco ou alguma outra pessoa (um policial, jornalista, bombeiro, etc) alerta para um perigo iminente. O alerta inicial é ignorado e, muitas vezes, rechaçado por argumentos que, na maioria dos casos, tem uma base econômica. Os fatos se sucedem, as ameaças tornam-se realidade e aqueles que desprezaram o alerta inicial muitas vezes acabam vitimados na tela. Na vida real, não são só os vilões irresponsáveis que morrem. As tragédias abatem-se democraticamente sobre todos. O cinema não inventou essa lógica do nada, mas a retirou da vida real, onde ela segue hegemônica. Os crescentes e repetidos alertas sobre a destruição ambiental no planeta seguem sendo subjugados por argumentos de natureza econômica.

Todo mundo hoje, em tese, se preocupa com o meio ambiente, desde é claro, que ele não se torne um “entrave” para o desenvolvimento, como se viu, mais uma vez, no recente debate sobre as mudanças no Código Florestal brasileiro. O policial está na beira da praia alertando o prefeito para que mantenha a interdição da mesma porque tem tubarão na área. O prefeito não quer nem saber da ideia, pois a interdição atingiria em cheio o turismo, principal fonte de renda da comunidade. O geólogo pede a evacuação imediata de uma cidade em função da ameaça de um vulcão. Mais uma vez, o turismo ergue-se reivindicando seu espaço. Uma jornalista denuncia o risco de acidente em uma usina nuclear. A bancada ruralista é universal e está sempre pronta a bloquear “alertas catastrofistas” e outras formas de entraves ao desenvolvimento. E assim vamos.

Este 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade, foi marcado por novos alertas sobre a destruição da diversidade biológica no planeta Terra, em especial nos oceanos, que ganharam atenção especial da ONU este ano. Algumas das informações mais recentes de órgãos ligados às Nações Unidas e a centros de pesquisa apontam o seguinte quadro no planeta:

Apenas no século XX, graças à ação humana, sumiram do planeta metade das áreas pantanosas, 40% das florestas e 30% dos manguezais.

Desde a Rio 92, o mundo teve uma perda de biodiversidade de 12%, emitiu 40% mais gases poluentes e as florestas diminuíram 3 milhões de metros quadrados.

Cerca da metade das reservas de pescas mundiais estão esgotadas;

Um terço dos ecossistemas marítimos mais importantes foi destruído;

O lixo plástico segue matando a vida marinha e criando áreas de águas litorâneas quase sem oxigênio.

Há uma década, o mundo tinha um total de 11 mil espécies ameaçadas de extinção. A ONU estabeleceu então a meta de reduzir significativamente esse número. Não deu certo. Ele aumentou.


Em 2002, os países signatários do Convênio sobre a Diversidade Biológica acordaram que deveriam obter essa redução no ritmo da perda de biodiversidade em 2010, Ano Internacional da Diversidade Biológica. A avaliação dessa meta foi coordenada pelo Centro de Monitoramento para a Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Ela baseou-se em uma série de indicadores, tais como a apropriação de recursos naturais, o número de espécies ameaçadas, a cobertura de áreas protegidas, a extensão de bosques tropicais e manguezais e o estado dos arrecifes de coral.

Os resultados foram conclusivos: a biodiversidade vem caindo nas últimas quatro décadas. Caindo significa: extinção de espécies, redução da extensão de bosques e manguezais e, deterioração de zonas com arrecifes de coral. Além disso, a avaliação mostrou que ambientes naturais estão se fragmentando, com destruição de flora e fauna. A Mata Atlântica brasileira seria um exemplo disso. No passado, o segundo bosque mais extenso da América do Sul, hoje se conservam aproximadamente 10%, numa área fragmentada em parcelas diminutas.

A situação dos oceanos também é motivo de crescente preocupação. A Convenção sobre a Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas lançou hoje (22) o livro “Um oceano: muitos mundos de vida”. A obra destaca a importância dos oceanos, que cobrem cerca de 70% do planeta, e alguns dos principais problemas que os afetam hoje, como o aumento da acidez causado pela poluição, a destruição de reservas marinhas e a crescente pressão econômica pela exploração de seus recursos naturais. Ao todo, estão ameaçadas pelo menos 250 mil espécies, conforme o censo marinho realizado entre 2000 e 2010 por 2.700 cientistas de mais de 80 países.

Há um aparente paradoxo cercando essa profusão de alertas e advertências sobre o estado ambiental do mundo. Nunca houve tanta informação disponível e tanta manifestação de preocupação com a degradação física do planeta, inclusive por parte das autoridades governamentais. No entanto, os números da destruição vêm aumentando e a crise econômica em escala internacional pressiona os países a empurrar esse debate com a barriga para um futuro incerto. Há vários níveis de ignorância e incompreensão neste debate. A extinção de uma espécie de bromélia no interior do Rio Grande do Sul ou de uma espécie de besouro no leste da Tanzânia são tratadas quase que como excentricidades. Isoladamente até poderiam ser. O “detalhe” é que, em se tratando de vida e ecossistemas, nunca são acontecimentos isolados, resultando de uma mesma lógica destrutiva hegemônica em escala planetária.

O cientista maluco, a jornalista sensacionalista e o policial paranoico seguem fazendo seus alertas e divulgando seus números. O imaginário da humanidade, porém, como vem antecipando o cinema há algumas décadas, parece ter uma atração irresistível pela destruição e pela morte.

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

Summertime - Janis Joplin & Jimi hendrix.



Summertime, time, time,
Child, the living's easy.
Fish are jumping out
And the cotton, Lord,
Cotton's high, Lord, so high.

Your daddy's rich
And your ma is so good-looking, baby.
She's looking good now,
Hush, baby, baby, baby, baby, baby,
No, no, no, no, don't you cry.
Don't you cry!

One of these mornings
You're gonna rise, rise up singing,
You're gonna spread your wings,
Child, and take, take to the sky,
Lord, the sky.

Until that morning
Honey, n-n-nothing's going to harm you now,
No, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no,
No, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, no,
No, no, no, no, no, no, no, no, no,
Don't you cry,
Don't you cry,
Cry.

MC DONALD'S│Bolívia, amônia e baratas

MC DONALD'S│Bolívia, amônia e baratas 

Créditos: CIDADE DE MINAS

CONHEÇA AQUI O 'INOFENSIVO' HIDRÓXIDO DE AMÔNIO, PRESENTE NA CARNE VENDIDA NOS MC DONALD'S. VOCÊ AMA ISTO?!
 VEJA AQUI COMO A MÍDIA NATIVA TRATA COM CARINHO A EMPRESA NORTE AMERICANA.
JAMIE OLIVIER DENUNCIOU EM SEU PROGRAMA DE TV O USO DE HIDRÓXIDO DE AMÔNIA PELO MC DONALD'S PARA TRANSFORMAR EM 'CARNE' OS RESTOS...
UM POVO DIGNO E ALTIVO, QUE NUNCA SE DOBROU AO CONQUISTADOR APESAR DOS SÉCULOS DE DOMINAÇÃO...
FECHADO POR CAUSA DAS BARATAS NO RIO GRANDE DO SUL.
NÃO!


Derradeira falante de Kusunda, no Nepal, tem 75 anos e um património 'que não serve para nada'

240512 nepalNepal - Diário Liberdade - A história do idioma kusunda lembra a do galego-português da Galiza. Numa situação mais extrema, também o povo que o falava foi levado a pensar que "não servia para nada".

No Nepal registam-se dezenas de línguas e etnias ainda vivas, entre os quais o idioma Kusunda vai viver tanto tempo como a sua derradeira falante, Gyani Maiya Sen. Trata-se de uma aldeã de 75 anos que possui nela todo o património milenar do seu povo, depois de que progressivamente os seus e as suas compatriotas abandonassem o idioma próprio. 
Há outras pessoas que sabem algumas palavras ou expressões, mas nenhuma que o fale fluentemente, como sim faz Gyani Maiya Sen, que mantém a prática lingüística apesar de não ter com quem falar em língua kusunda, que para além de nom ter mais falantes constitui um idioma isolado, sem parentesco conhecido com as restantes línguas do Nepal.
Gyani Maiya Sen pertence a um povo das florestas nepalesas, historicamente desprezado pelas etnias maioritárias, o que  levou as pessoas a abandonarem progressivamente o idioma próprio, que "não servia para nada", e a aprenderem o idioma do poder, o nepalês, por sua vez pertencente à família indo-ariana e falado, além de por 17 dos 29 milhões de habitantes do Nepal, em regiões do Butão, da Índia e de Mianmar (antiga Birmânia).

Dezenas de línguas e grupos étnicos dentro das fronteiras nepalesas

No Nepal, coexistem mais de cem grupos étnicos que falam dezenas de idiomas, a maioria pertencente às famílias linguísticas sino-tibetana, indo-europeia, austro-asiática e dravidiana.
Mas o kusunda parece estar fora dessas categorias, sendo uma língua isolada, tal como o idioma basco e o coreano, para só referirmos um exemplo europeu e um outro também asiático. 
'É uma língua estranha, mas gosto de aprendê-la. Tem alguns sons guturais, como os que se encontram no árabe e no turco', descreve o professor Gautam Bhojraj, estudioso nepalês da língua kusunda, só descoberta por ocidentais em 1995, por um antropólogo austríaco, mas desde esse momento bastante estudada e catalogada.
Para Gautam, o problema é que a última falante de kusunda tinha começado a esquecer a sintaxe e a morfologia, e também não tinha os contextos necessários para pôr sua língua em prática. 'Se perguntarmos a alguém como se diz uma palavra específica em sua língua, ela talvez não consiga responder, mas a palavra certamente aparecerá quando precisa ser usada no contexto apropriado'.
Os contextos de Gyani Maiya eram os que lhe proporcionava sua mãe até sua morte, já faz 25 anos: ambas usavam o kusunda apenas quando precisavam dizer algo sem que as demais pessoas presentes entendessem. O último estertor 'natural' do kusunda, portanto, funcionou como uma espécie de código secreto.
Com Agências, Wikipédia e Chuza!

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Argentina: dilemas da esquerda marxista




Atílio Boron - CORREIO DA CIDADANIA   


Tal como Hamlet, a esquerda argentina passeia incansavelmente pelos confins da oposição, perguntando-se as razões pelas quais não consegue se constituir como uma efetiva alternativa de governo. Mas essa imagem é, na verdade, enganosa, porque não há um errante príncipe Hamlet, e sim dois. O primeiro – que representa uma minoria na esquerda – se questiona angustiadamente sobre o significado e impacto das mudanças experimentadas recentemente pelo capitalismo argentino, sendo que uma de suas conseqüências foi a fragmentação e desorganização do universo popular e sua subordinação às políticas clientelistas desenvolvidas pelo Estado.

Isso, além de tudo, teve lugar num período como o que se abriu após a crise da convertibilidade e na qual se registraram taxas muito elevadas de crescimento econômico, que mesmo assim não conseguiram fazer os indicadores da pobreza retornar aos níveis anteriores à crise. Houve uma melhora, sem dúvida, em relação ao ponto mais candente da crise (fins de 2001, parte de 2002), na qual os índices de pobreza e desigualdade dispararam a níveis sem precedentes na história nacional, próximos aos que caracterizam a África subsaariana.

Mas se a recomposição capitalista gerenciada primeiro pelo governo de Eduardo Duhalde e seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, e continuada depois, em parte com o mesmo ministro, na primeira metade do mandato de Nestor Kirchner, pôde garantir uma rápida recuperação do crescimento econômico, os resultados em matéria de redistribuição da renda foram, no melhor dos casos, modestos.

A dez anos do início de tal processo, a pobreza segue afetando, segundo cálculos de diversas fontes (governos provinciais administrados pelo kirchnerismo, consultorias privadas, a Universidade Católica Argentina etc.), aproximadamente a quarta parte da população argentina. As cifras oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC), sob interferência do governo e completamente carente de credibilidade, anuncia, em compensação, uma proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza inferior a 10%, dado que não é levado a sério sequer pelos sindicatos afinados ao kirchnerismo na hora de negociar seus convênios coletivos com as distintas entidades patronais.

O paradoxo que atribula este primeiro Hamlet da esquerda é que sob tais condições, tendo-se demonstrado a incapacidade da economia capitalista em redistribuir renda mesmo em um contexto de elevado crescimento econômico durante mais de oito anos, as camadas e setores populares não consideram a esquerda como uma alternativa de governo capaz de construir uma sociedade melhor.

O outro Hamlet, representante da opinião majoritária no seio da esquerda, gosta de se vestir com os adereços do dr. Pangloss e pensar, como o personagem incuravelmente otimista de Voltaire, que cedo ou tarde “a verdade da revolução” amadurecerá no proletariado e que não há nada a se mudar. A própria irrelevância política e falta de gravitação eleitoral e social, assim como as complexas mediações da conjuntura, não abalam sua fé na vitória final.

Para essa concepção sectária, a tragédia de uma esquerda ausente nada tem a ver com as renovadas capacidades de desarticulação do protesto social exibidas pelo capitalismo contemporâneo, sua eficácia para cooptar as lideranças contestadoras, o poderio de sua indústria cultural para manipular consciências mesmo com a debilidade de suas propostas, suas formas autoritárias de organização, seus discursos arcaicos para a sociedade ou seu descolamento das urgências sociais de nosso tempo.

“Autocrítica” é uma palavra que não existe no dicionário dos fundamentalistas de esquerda; “corrigir” é outro verbo desconhecido de sua linguagem. Em sua versão mais rudimentar, essa atitude repousa sobre um axioma indiscutível: se a revolução não se consumou foi porque certa direção de esquerda traiu o mandato popular.

Fragmentação
Essas duas posturas se encontram em diferentes proporções, em todas as forças e organizações de esquerda, sem exceção. Fiel à tradição peronista, a práxis governamental do kirchnerismo acentuou a fragmentação da esquerda. Na realidade, não só desta: também dividiu a Central dos Trabalhadores Argentinos em uma ala pró-K e outra profundamente anti-K. O mesmo se fez com a organização das pequenas e médias empresas e até com a mais importante central empresarial, a União Industrial Argentina. Partidos centenários como o Radicalismo ou Socialismo, assim como importantes agrupamentos estudantis universitários, não escaparam dessa lógica de “divisão primeiro, autodestruição depois” que caracterizou o peronismo nos seus inícios.

No campo da esquerda, essa divisão promovida por um poder cuja voracidade é inesgotável não fez senão aprofundar sua fragilidade. Um setor dela, principalmente o Partido Comunista (PC), transita pelo estreito e perigoso caminho do “apoio crítico” ao governo de Cristina Fernández de Kirchner, a partir do reconhecimento do caráter progressista de algumas políticas, como o massivo julgamento dos genocidas; reorientação latino-americanista da política exterior; algumas medidas de política social como o “auxílio universal por filho”, extensão dos benefícios de aposentadoria; estatização dos fundos privados de pensão; Lei da Mídia; matrimonio igualitário; e mais recentemente, a renacionalização da YPF, via expropriação das ações da Repsol.

Porém, junto com essas iniciativas há outras, de signos claramente reacionários, como a aprovação de quatro – não uma, mas quatro – leis antiterroristas entre 2007 e 2011 a pedido “da embaixada”; e outras de caráter regressivo, como o apoio à megamineração a céu aberto, a sojização do campo, a estrangeirização da economia, a cumplicidade com o gigantesco processo de saque experimentado pela YPF sob as mãos da Repsol, a manutenção de algumas vigas-mestres do modelo neoliberal estabelecido pela ditadura civil-militar (como, por exemplo, a “Lei de entidades financeiras”, que consagra a primazia do capital financeiro e da renda especulativa), a impotência reguladora do Estado e a escandalosa regressividade tributária que caracteriza a economia argentina.

Essa volátil e contraditória combinação faz com que algumas forças políticas, não só do PC, pensem que há “um governo em disputa” e que devem se aproveitar as fissuras e inconsistências do governo de Cristina Fernández para avançar em uma agenda de radicalização das transformações em curso. É uma aposta arriscada e a probabilidade de um final vitorioso é incerta, apesar de que não são poucas as vezes em que a história adotou cursos inesperados que surpreenderam até os atores mais prevenidos.

É por isso que a tese do “governo em disputa” segue angariando adeptos em muitas forças políticas e espaços do progressismo argentino, sobretudo quando se comprova que, ao menos em termos eleitorais, as alternativas mais prováveis de substituição do kirchnerismo seriam portadoras de um retrocesso considerável em quase todas as frentes, começando pelos direitos humanos e terminando na gestão macroeconômica.

Relutantes a qualquer tipo de “apoio tático ou crítico” são outras organizações de esquerda, de inspiração trotskista, como o Partido Operário (PO) e o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PST), que propõem uma política de oposição intransigente e radical ao kirchnerismo. Não é de se estranhar tal atitude quando propõem o mesmo para governos como os de Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, e Hugo Chávez na Venezuela, além de ter uma atitude bastante crítica sobre a própria Revolução Cubana.

O fundamento dessa política maximalista é a repulsa que emana do reconhecimento dos traços mais conservadores do kirchnerismo (assinalados no parágrafo anterior), acompanhada de um simétrico desconhecimento de que, apesar da manutenção de importantes níveis de pobreza e exclusão social, a situação das camadas mais esquecidas e exploradas da população experimentou uma relativa melhora a partir dos horrores de fins de 2001 e começo de 2002, e que as conquistas do governo não são apenas um “relato”, mas têm uma certa imbricação no terreno prosaico e crucial da economia popular.

E isso não apenas surge do exame de alguns dados objetivos, porém, mais importante ainda, tem seu fundamento na percepção e sensação que manifestam setores majoritários das classes trabalhadoras. Do contrário, não se compreende como a fórmula da “esquerda dura”, que unificou o PO e o PST obteve nas últimas eleições presidenciais pouco mais de 2% de votação popular contra 54% do ‘cristinismo’. A consciência alienada da classe trabalhadora não é suficiente pra explicar tamanha diferença. Sem dúvida há algo mais.

Essa dispersão da esquerda marxista afeta também outros espaços do progressismo, atravessado por contradições similares. Com o agravante de que, por sua grande instabilidade ideológica, são forças facilmente cooptáveis pelo kirchnerismo. O Partido Humanista e setores importantes do Novo Encontro, por exemplo, se aproximaram tanto em suas políticas de alianças com o ‘cristinismo’ que sem se darem contam acabaram instalados no interior da Frente para a Vitória da presidenta Cristina Fernandez.

Isso revela, novamente, a grande dificuldade que representa o peronismo como fenômeno de massas e como herdeiro da mais radical experiência populista que se tem notícias na América Latina, causadora na segunda metade da década de 40 da maior redistribuição de renda de qualquer país da região, até o triunfo da Revolução Cubana.

O peronismo em suas sucessivas encarnações é: o populismo keynesiano do primeiro Perón, o ultraneoliberalismo de Menem e o kirchnerismo neodesenvolvimentista; é um Júpiter político que atrai para seu campo gravitacional qualquer força que, seduzida pela sua retórica tão desafiante como inconseqüente ou por seus componentes mais reformistas, tente acompanhar suas políticas com a esperança secreta de conduzi-las por um caminho alheio ao itinerário traçado pelo capital.

Mas se o perigo para aqueles que pensam em sustentar “alianças táticas” com tão poderoso aliado é a própria desaparição, fundida no magma de um populismo em permanente reconversão e onde os elementos de direita adquirem cada vez mais força, o risco para quem decide enfrentá-lo radicalmente como se fosse um governo de direita mais – como se Cristina fosse Calderón ou Chichilla – e manter-se longe de seu campo gravitacional é ficar reduzido a uma força eternamente condenada a ser testemunha ocular, de irreparável radicalismo mas completamente privado de relevância prática, o que, deve-se dizer, suscita problemas nem um pouco insignificantes de responsabilidade política que não podemos analisar aqui.

Como se pode compreender do exposto, não há uma solução simples para o enigma que representa o peronismo na política argentina: um projeto burguês, sem dúvidas, porque a mesma Cristina já disse mil e uma vezes que seu desejo é instalar na Argentina um “capitalismo sério”, mas dotado de uma invejável base popular que manteve sua lealdade ao peronismo durante 67 anos, desde as longínquas fundacionais de 17 de outubro de 1945.

Não é a mesma coisa, para a esquerda, se posicionar diante de Piñera, Calderón, Santos ou Chinchilla, e fazê-lo igualmente diante de Cristina ou, salvando algumas diferenças, Dilma no Brasil. Daí a enorme dificuldade da esquerda marxista em fazer política, para passar de suas mais que justificadas denúncias – éticas, econômicas, políticas – à construção de uma alternativa de massas orientada na direção da superação histórica do capitalismo.

Nota:

Este breve texto reelabora algumas das idéias contidas no capítulo 7 de nosso “Depois da Coruja de Minerva”. O livro pode ser baixado integralmente no nosso blog: www.atilioboron.com.ar

Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia da Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Artigo integrante da revista “América Latina en Movimiento”, No 475, de maio de 2012 e que trata sobre "América Latina: as esquerdas nas transições políticas” (em espanhol).

Yes - Tales from Topographic Oceans - 1973

1.-"The Revealing Science of God (Dance of the Dawn)" – 22:22
2.-"The Remembering (High the Memory)" – (Letras de Yes) 20:38
3.-"The Ancient (Giants Under the Sun)" – (Letras de Anderson/Howe/Squire) 18:35
4.-"Ritual (Nous Sommes du Soleil)" – 21:37
5.-"Dance of the Dawn" - 23:35
6.-"Giants under the Sun" - 17:17

Jon Anderson – voz
Chris Squire – baixo, voz
Steve Howe – guitarras, voz
Rick Wakeman – teclados
Alan White – bateria, percussão

Maurício Caleiro: Educação só é prioridade para o governo Dilma nas propagandas eleitorais

por Maurício Caleiro, em seu blogsugerido Maria Salete Magnoni

A greve dos professores das universidades e institutos federais é, antes de mais nada, desnecessária.
Afirmo isso não no sentido de acusar os grevistas por um gesto que seria leviano ou irresponsável – pelo contrário: o ônus por essa paralisação deve ser atribuído tão-somente ao misto de descaso, arrogância e teimosia com que o governo Dilma Rousseff vem tratando os docentes federais e suas demandas.
Bastaria um pouco mais de boa vontade por parte do governo, ao invés de seguidamente “enrolar” os representantes dos professores, adiar a tomada de decisões e, no que já parece ser um traço distintivo do “estilo Dilma”, tensionar ao máximo a questão e, ao mesmo tempo, recusar-se a agir sob pressão, e a greve – que neste momento se amplia e que acabará por penalizar professores, funcionários e, sobretudo, alunos – teria sido facilmente evitada.
Protelação e má vontade
O governo firmara, em 2011, um acordo com o sindicato da categoria se comprometendo a instaurar o Plano de Carreira da categoria até março de 2012. Agora, em final de maio, o MEC anuncia que a medida ficou para 2013.De modo similar, no ano passado o governo concordara, após tensas negociações, em conceder um aumento de míseros 4% aos docentes a partir de março de 2012. Foram necessários, porém, seguidos dias de paralisação em protesto e a ameaça concreta de greve no início deste mês para que uma Medida Provisória fosse assinada, finalmente tornando efetivo (e retroativo) o aumento anteriormente acordado. Pergunto: por que humilhar assim uma categoria, se o aumento já fora acertado?
Os exemplos dos parágrafos acima fornecem uma boa medida dos termos em que se dão as relações do governo com os docentes, cujas demandas são invariavelmente proteladas: a má vontade evidente e os prazos sempre vencidos demonstram de forma cabal que a Educação só é prioridade para o governo Dilma nas propagandas eleitorais.
Na prática, a teoria é outra: foi preciso que a greve estourasse para que o MEC viesse a público procurando justificar os atrasos e afirmando manter os canais de comunicação abertos (o que é, sem dúvida, positivo, sobretudo se comparado às práticas do governo FHC – mas vale assinalar que continuar a tomar FHC como parâmetro é perpetuar o inaceitável).
Salário defasado
Além desses problemas, persiste sem encaminhamento uma das principais demandas dos professores – que o que recebem a título de gratificação (uma malandragem contábil dos governos anteriores ao de Lula) seja incorporado ao salário, como ocorre com a vasta maioria dos assalariados do país.
Aliás, a questão salarial, que havia recebido atenção do ex-presidente petista até o início de seu segundo governo, volta a se mostrar em um patamar periclitante.
O vencimento médio de um professor adjunto com contrato para 40 horas semanais, mesmo contando com as tais gratificações, é de cerca de um terço do que percebem juízes, promotores e membros dos legislativos municipais, estaduais e federal – sendo que todos, via de regra, com uma formação bem mais curta e menos especializada do que a de um professor-doutor, o qual, recebendo, na melhor das hipóteses, uma ajuda de custa simbólica, passa quase uma década lendo, pesquisando, se adestrando intelectualmente e sendo periodicamente avaliado por seus pares ou orientadores até que esteja pronto para se tornar mestre e, depois, se doutorar.
O professor Pierre Lucena (UFPE) dimensiona o grau de defasagem salarial: “Só para terem uma ideia da distorção, em 2003 um pesquisador com doutorado do Ipea ganhava R$ 300,00 a menos que um professor com doutorado na Universidade. Hoje ele ganha R$ 5 mil a mais que a gente. O mesmo acontece com o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia]“.
Situação de penúria
Para além da questão salarial, há demandas urgentes e denúncias preocupantes. Na notaoficial que divulgou à sociedade, o Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES) denuncia um quadro bem diferente daquele pintado pelo marketing oficial, relatando “instituições sem professores, sem laboratórios, sem salas de aulas, sem refeitórios ou restaurantes universitários, até sem bebedouros e papel higiênico, afetando diretamente a qualidade de ensino”.Tais carências afetam, sobretudo, as novas universidades criadas durante o governo Lula. E vêm se somar a um problema que venho reiteradamente denunciando aqui: a contratação dos chamados “professores temporários” para dar aula em tais campi.
Qualidade da inclusão
Com um contrato de trabalho ainda pior do que o de professor substituto – e inaceitável numa democracia avançada – essas vagas mal remuneradas, sem benefícios, estabilidade ou período pré-determinado de vigência, naturalmente pouco atraem candidatos com titulação de mestre ou doutor – ausência de titulação que, por si, é um impedimento ao desenvolvimento de pesquisas, já que as agências de fomento que as financiam têm um padrão mínimo de exigência quanto a isso.A prorrogação indefinida dessa situação – que já vem se arrastando por alguns anos – pode gerar efeitos altamente indesejáveis, seja no nível de formação dos estudantes, na quantidade e qualidade da pesquisa pelas novas universidades desenvolvidas ou na consolidação de uma distinção axiológica entre dois grupos muito díspares entre si de universidades federais.
A principal questão que se coloca é: a inclusão de novos estratos sociais na universidade é para valer – ou seja, oferecendo a todos um ensino do melhor nível possível – ou, a despeito dos esforços democratizantes, ela acabará por servir à repetição, no interior da universidade, da brutal assimetria social que se verifica na sociedade brasileira? A resposta a essa pergunta é crucial para o futuro do Brasil em termos de educação e trabalho.
Mídia e militância
É importante, aqui, abrir parênteses para um comentário sobre a postura da mídia ante os problemas da educação em âmbito federal: embora não costume perder uma oportunidade de atacar o governo chefiado por Dilma, mantém o mais completo silêncio quanto à questão.
Explica-se: a demanda por melhores salários, condições de trabalho e adoção de um Plano de Carreira que estabilizaria, a longo prazo, a profissão docente contraria frontalmente a orientação neoliberal para a estruturação do ensino superior, que recomenda sua privatização e instrumentalização como apêndice dos setores empresariais e industriais privados.
A novidade é a repetição de uma estratégia de avestruz também por parte de setores governistas na blogosfera e nas redes sociais, como forma de mitigar ou mesmo esconder a gravidade do estado de coisas no ensino federal privado.
Não deixa de haver alguma ironia sinistra no fato de que vários dos que se autoproclamam inimigos figadais da mídia corporativa adotem a mesma estratégia do silêncio por esta empregada, quando, para eles, o que está em jogo é a paixão político-partidária e não a luta por uma sociedade mais justa.
Longo caminho
Há um longuíssimo caminho a ser percorrido pela administração Dilma para consubstanciar em realidade a promessa – reiterada durante a campanha eleitoral e reforçada no discurso de posse – de que a Educação seria uma prioridade em seu governo. Pelo que estamos vendo até agora, nesses 17 meses, estamos bem longe disso.