sábado, 23 de junho de 2012

O que os Estados Unidos podem ganhar com o golpe no Paraguai


por Luiz Carlos Azenha

A reação de Washington ao golpe “democrático”  no Paraguai será, como sempre, ambígua. Descartada a hipótese de que os estadunidenses agiram para fomentar o golpe — o que, em se tratando de América Latina, nunca pode ser descartado –, o Departamento de Estado vai nadar com a corrente, esperando com isso obter favores do atual governo de fato.
Não é pouco o que Washington pode obter: um parceiro dentro do Mercosul, o bloco econômico que se fortaleceu com o enterro da ALCA — a Área de Livre Comércio das Américas, de inspiração neoliberal. O Paraguai é o responsável pelo congelamento do ingresso da Venezuela no Mercosul, ingresso que não interessa a Washington e que interessa ao Brasil, especialmente aos estados brasileiros que têm aprofundado o comércio com os venezuelanos, no Norte e no Nordeste.
Hugo Chávez controla as maiores reservas mundiais de petróleo, maiores inclusive que as da Arábia Saudita. O petróleo pesado da faixa do Orinoco, cuja exploração antes era economicamente inviável, passa a valer a pena com o desenvolvimento de novas tecnologias e a crescente escassez de outras fontes. É uma das maiores reservas remanescentes, capaz de dar sobrevida ao mundo tocado a combustíveis fósseis.
Washington também pode obter condições mais favoráveis para a expansão do agronegócio no Chaco, o grande vazio do Paraguai. Uma das preocupações das empresas que atuam no agronegócio — da Monsanto à Cargill, da Bunge à Basf — é a famosa “segurança jurídica”. Ou seja, elas querem a garantia de que seus investimentos não correm risco. É óbvio que Fernando Lugo, a esquerda e os sem terra do Paraguai oferecem risco a essa associação entre o agronegócio e o capital internacional, num momento em que ela se aprofunda.
Não é por acaso que os ruralistas brasileiros, atuando no Congresso, pretendem facilitar a compra de terra por estrangeiros no Brasil. Numa recente visita ao Pará, testemunhei a estreita relação entre uma ONG estadunidense e os latifundiários locais, com o objetivo de eliminar o passivo ambiental dos proprietários de terras e, presumo,  facilitar futura associação com o capital externo.
Finalmente — e não menos importante –, o Paraguai tem uma base militar “dormente”  em Mariscal Estigarribia, no Chaco. Estive lá fazendo uma reportagem para a CartaCapital, em 2008.  É um imenso aeroporto, construído pelo ditador Alfredo Stroessner, que à moda dos militares brasileiros queria ocupar o vazio geográfico do país. O Chaco paraguaio, para quem não sabe, foi conquistado em guerra contra a Bolívia. Há imensas porções de terra no Chaco prontas para serem incorporadas à produção de commodities.
O aeroporto tem uma gigantesca pista de pouso de concreto, bem no coração da América Latina. Com a desmobilização da base estadunidense em Manta, no Equador, o aeroporto cairia como uma luva como base dos Estados Unidos. Não mais no sentido tradicional de base, com a custosa — política e economicamente custosa — presença de soldados e aviões. Mas como ponto de apoio e reabastecimento para o deslocamento das forças especiais, o que faz parte da nova estratégia do Pentágono. O renascimento da Quarta Frota, responsável pelo Atlântico Sul, veio no mesmo pacote estratégico.
É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto das riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.
Um Paraguai alinhado a Washington, portanto, traz grandes vantagens potenciais a interesses políticos, econômicos, diplomáticos e militares estadunidenses.

“Boleiros podem mudar cultura homofóbica”, diz psicólogo especialista em sexualidade


Psicólogo paulista afirma: "ser homossexual é conviver com a ideia de ser o que o mundo diz que não é bom". /Foto: Reprodução

Rachel Duarte no SUL21

‘Ele é gay porque foi abusado na infância’. ‘A educação dele foi muito castrada por isso ele é gay’. ‘Não vou aceitar para ver se meu filho desiste dessa ideia de ser gay’. Muitas teorias são levantadas quando se discute a orientação sexual das pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo. O senso comum ainda acredita na origem da homossexualidade como doença, perversão ou opção. O psicólogo paulista com especialização em sexualidade humana Cláudio Picazio esclarece estes e outros preconceitos relacionados aos homossexuais em entrevista ao Sul21.

Autor dos livros Diferentes desejos, sobre orientação afetiva sexual; Sexo secreto, aulas de temas polêmicos para professores; e Uma outra verdade, com perguntas e respostas para pais e educadores sobre homossexualidade na adolescência, o psicólogo garante que homossexualidade está relacionada ao desejo sexual que nasce com as pessoas, não podendo ser ensinado, estimulado ou adquirido. “As pessoas querem criar teses para justificar a existência de uma orientação sexual que difere da sua”, diz.
Ele vê como urgente o combate ao bullying homofóbico, partindo da maior informação de pais e professores a respeito do tema. “Não é o filho gay que tem que dar suporte a estes pais, são os pais que devem dar suporte para os filhos gays. Esta história está errada”, defende Cláudio Picazio.
O psicólogo também estudou psicoterapia esportiva e por três anos analisou o comportamento dos jogadores de futebol nas categorias de base dos clubes do sudeste do país. Ele conta como os boleiros lidam com a homossexualidade e acredita que uma esperança para a revolução sobre gênero e sexualidade pode estar entre os jogadores de futebol. O afeto explícito dentro de campo pode alterar a noção machista que dita a impossibilidade de homens serem afetivos. “Se Neymar e Ganso se abraçam e se beijam, vemos isso acontecer nas arquibancadas. Existe esta influência na esfera geral, na massa da população”, afirma.

Sul21 – O senhor tem como explicar como é formada nossa orientação sexual?

Cláudio Picazio – Sempre começo corrigindo a terminologia. Não se trata de homossexualismo, é homossexualidade. Tem diferença. Geralmente na ciência tudo que termina com ‘ismo’ é qualificado como doença. Doença ou perversão. Não se fala heterossexualismo. Quando usamos heterossexualismo, trata-se de alguém muito doente nas relações com mulheres. Então, é heterossexualidade, homossexualidade, travestilidade. Comecemos por aí.

Sul21- Certo. Esclarecida a terminologia, como se desenvolve a orientação sexual?

Cláudio Picazio - Todo mundo acredita que a sexualidade é imposta ou aprendida. Não é aprendida. Descobrimos o nosso desejo sexual. Ninguém precisa ensinar o desejo sexual, ele se revela dentro da gente. Existe um preconceito que na educação de um filho se forma a sexualidade. Não é verdade. É algo da natureza. Desde a infância há meninos se interessando por meninos e meninas por meninas. Não podemos castrar isto. O desejo nasce e se orienta dentro de nós. Nós descobrimos isso. Querer entender o que faz uma pessoa virar homossexual também deveria estar relacionado à necessidade de saber o que faz uma pessoa virar hetero. As pessoas querem criar teses para justificar a existência de uma orientação sexual que é diferente da sua. ‘Ele foi muito castrado, por isso virou gay”. Não. As mulheres foram castradas a vida inteira e não foi por isso que viraram lésbicas. O mundo teme agora a exposição assumida dos homossexuais, como se um beijo na novela ou em público fosse influenciar outras pessoas a serem gays. Não é assim. Isto é uma cretinice.

Sul21 – Como o senhor define a homossexualidade?

Cláudio Picazio – Ser homossexual não é simplesmente aceitar que se gosta, ter paixão ou desejo por uma pessoa do mesmo sexo. Se perceber homossexual é se reconhecer como aquilo que o mundo diz que é o pior. Se o goleiro não pega uma bola quando o time adversário faz um gol, do que ele é chamado? Veado. Se alguém da uma fechada no trânsito? É veado. Tudo aquilo que é visto como ruim, errado e perverso, a sociedade vai alimentando como ‘coisa de veado’.
Cláudio Picazio analisou jogadores de futebol por três anos e acredita que boleiros podem mudar cultura homofóbica./Foto: Reprodução

Sul21 – O senhor afirma que o homem heterossexual precisa do homossexual para se afirmar como homem. Para ele ver o quanto tem masculinidade e está distante do ser “afeminado”. Os gays menos afetados seriam os que mais incomodam, por parecerem homens. Mas, os mais vulneráveis e os que estão mais presentes nas estatísticas de violência são os  travestis e os mais claramente homossexuais. Como o senhor explica isso?

Cláudio Picazio – Ele precisa do outro para afirmar a sua diferença. Por outro lado, ele teme um desejo por este diferente. Não necessariamente ele tem o desejo, mas ele teme ter. A partir do momento que ele teme, ele tem que agredir aquele objeto de desejo por achar que assim ele não sentirá desejo. Há também a inconformidade de que aquela pessoa que tem uma sexualidade diversa está rompendo com aquilo que é considerado bom ou correto. No Rio Grande do Sul podemos fazer uma analogia com o comportamento das torcidas de futebol. Os gremistas e colorados brigam não por um querer mudar para o time do outro, mas por entender que a sua opção é superior a do outro. Existe uma tentativa de superioridade. Você é menos por ser colorado ou menos por ser gremista na visão das torcidas adversárias. O humano infelizmente ainda vai muito nesta celeuma de querer hierarquizar as coisas e se afirmar diante de um poder que acha que tem.

Sul21 – A rivalidade também pode ser compreendida pelo caráter passional. Mas por que há essa relação de ódio com a sexualidade alheia? Por que a vida sexual do outro interessa para mim?

Cláudio Picazio – Infelizmente a nossa cultura é baseada nisso. Eu valho mais por aquilo que eu sou. Sou mais macho e melhor quanto mais mulher eu pegar. Tenho mais valor assim. E isto também se transferiu para  amulher. As mulheres estão repetindo este péssimo comportamento masculino. Conforme o número de caras que eu fiquei na balada, mais legal eu sou. Então vai se baseando um valor quantitativo e não qualitativo sobre as relações humanas. A mulher copia o pior do homem neste sentido. Queimaram os sutiãs, conquistaram inúmeros direitos. Têm sua liberdade sexual e erótica. Mas a revolução feminina aconteceu e não houve uma revolução masculina. Ela se igualou aos homens que, na verdade, precisam se transformar. Um homem afetivo hoje é excluído. Ele não pode ter afeto por que é visto como um ‘não homem’. Mais do que homofobia, o problema é a aversão ao afeto. Recordemos o caso dos pai e filho se abraçando em São Paulo que foram agredidos por trocarem afeto e serem confundidos com homossexuais. Esta agressão não foi por causa da sexualidade, foi por causa do gesto de afeto. A nossa sociedade não dá conta da questão amorosa no masculino. A homofobia tem fundamento nisso. O homem amoroso é excluído. No Rio Grande do Sul isso é ainda mais forte. É proibido aos homens serem afetivos, isso é feminino. Se ele transa com outros homens de forma violenta ele é aceito, porque daí é considerado mais macho ainda. Só não pode ter amor. O homem afetivo rompe com o que é esperado de um homem. Quanto menos afetivo for o homem, melhor. Isto é um valor que se reproduz e afeta os relacionamentos e a humanidade. Percebemos na infância que os meninos ainda precisam gostar de jogar futebol ou judô. Se algum menino gostar de escutar Beethoven ou de pintar, o constrangimento dos pais é enorme. Já está feita a confusão de que ele é ou pode ser homossexual.

Sul21 – Falando em futebol, o senhor tem um estudo de três anos nas categorias de base dos times do sudeste do país. O futebol, apesar de alguns avanços femininos no esporte, é genuinamente masculino. Como se lida com a homossexualidade neste universo de boleiros?
"O jogador de futebol para o homem brasileiro é a principal referência de masculinidade".

Cláudio Picazio – O jogador de futebol, para o homem brasileiro, é a principal referência de masculinidade. Ele é aguerrido, combatente em campo e passa essa imagem. Tanto que, se um jogador usa brinco de brilhante ou pinta os cabelos de colorido não é sinônimo de homossexualidade. É permitido. Aquilo deixa de ser feminino nos olhos dos homens se é um jogador de futebol que faz. Eu fico extremamente feliz quando vejo troca de afeto entre jogadores. Por mais que ainda choque ou cause estranhamento em algumas pessoas, é comum ver o mesmo sentimento contagiando a torcida. Se o Neymar e o Ganso se abraçam e se beijam, vemos isso acontecer nas arquibancadas. Existe esta influência na esfera geral, na massa da população. Eu chego a afirmar que a salvação do gênero masculino no Brasil está no comportamento dos jogadores de futebol.

Sul21 – Sabe-se que existem muitos jogadores de futebol homossexuais, mas não publicamente. Admitir isso causaria uma revolução masculina?
"Existem muitos gays que não são afetivos e heteros que não são agressivos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.".

Cláudio Picazio– No caso da homossexualidade de jogadores de futebol, que sabemos que existe bastante, é ainda mais delicado. O preconceito é muito maior. Entre os jogadores não. Eles convivem muito, acabam sendo bastante íntimos e conseguem se respeitar. É como uma grande família. Eles se apoiam. A relação com os técnicos também tende a ser sempre respeitosa porque o importante é o desempenho do atleta e não a vida privada dele. E não existe esta coisa que se pensa no senso comum, que os jogadores gays saem pegando todo mundo no vestiário ou que não podem estar diante dos outros que vão querer pegar. O problema é a visão preconceituosa que vem de fora. Outra coisa: se o homem é gay, ele está condenado a gostar de coisas femininas, não pode gostar de jogar futebol ou mesmo ser um jogador de futebol? Não são nossas preferências que fazem nossa sexualidade. Olhar para um quadro de Monet não fará você se tornar feminino. O que escutar Vivaldi influenciaria em você gostar de um pênis ou de uma vagina? É uma cretinice este tipo de pensamento. Mas, o pior de tudo isso, é a relação com a violência. Para o homem ser homem, ele tem que ser violento. E depois, este homem é violento com a mulher e também é condenado pela sociedade. Qual a alternativa que ele tem? Se o homem não der porrada ele não é homem. Entrando em contato com uma mulher ele vai resolver as coisas como?

Sul21 – Como romper o ciclo educativo da homofobia e do preconceito? Qual a contribuição da escola e dos pais neste processo?

Cláudio Picazio – Temos que ensinar a população que agressividade não significa heterossexualidade e homossexualidade não significa doçura e candura. Prova disso é que existem muitos gays que não são afetivos e heteros que não são agressivos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Certa vez eu presenciei uma cena em uma loja de brinquedos. Um pai e uma mãe caminhando com um filho pequeno e um bebê de colo, no colo do pai. O filho menor foi até uma boneca e segurou no colo como o pai fazia. A atitude da criança causou uma reação imediata do pai que pediu para a mãe ‘tirar a boneca do menino’. O filho queria reproduzir o que o pai fazia e foi repreendido por ser homem brincando de boneca. O pai ficou apavorado e não enxergou o que estava na intenção do menino. E era uma loja de um lugar nobre de São Paulo. Então, a questão não é de classe.
Livro 'Diferentes desejos, sobre orientação afetiva sexual' de Cláudio Picazio./Foto: Reprodução

Pais e filhos devem entender que os filhos não nascem para suprir as expectativas dos pais. A gente existe para corresponder às próprias expectativas. O conselho de alguns colegas é dar um tempo para os pais absorverem a ideia. Isto é errado. Não é o filho gay que tem que dar suporte para estes pais, são os pais que devem dar suporte para os filhos gays. Esta história está errada. Temos nas famílias ainda um processo educacional que é equivocado: “eu vou tentar falar com aversão a respeito, para ver se ele deixa de ser”. Como se esta deseducação pudesse transformar alguém. As pessoas ainda acreditam que homossexualidade é uma opção. Não é. Mas, mesmo se fosse, requer respeito das pessoas. Eu já atendi vários casos de pais que se arrependeram porque os filhos se mataram. Na escola é preciso enfrentar e orientar os professores para detectar e combater o bullying. O bullying homofóbico é cometido de muitas maneiras. Uma risadinha, um olhar torto, chegando até a agressões verbais e físicas. Tudo é muito doido. Os gays escutam o todo tempo falar coisas a seu respeito que muitas vezes não são verdadeiras. Blindar este tipo de bullying, percebido todo o tempo, é muito difícil. Até porque são coisas veladas, como um tio que não te cumprimenta, pais que não te reconhecem. É tudo muito pesado. O processo terapêutico é fundamental para apoiar as vítimas deste bullying.

Sul21 – Já tivemos a oportunidade de falar sobre sexualidade com outros especialistas que acreditam que o futuro da humanidade será de relações bissexuais e/ou poligâmicas. O senhor partilha desta visão?

Cláudio Picazio – É muito controverso isso. O comportamento dos homens e mulheres pode ser bissexual. Homens podem transar com homens e mulheres, assim como mulheres como mulheres e homens. Podem existir relações múltiplas. Enfim, todas as formas de desejo. Agora, para as relações se tornarem bissexuais ou poligâmicas existe um elemento muito crucial que influencia o ser humano a não conseguir viver assim: o ciúme. A perda do objeto amoroso. As pessoas não se acostumam com isso. Os anos 70 não deram certo até hoje por causa disso. Não é possível assistir nossa amada ou amado transando com outro na nossa frente de forma feliz sempre. Em termos afetivos, temos capacidade de amar dois gêneros. Amamos nosso pai e mãe, irmãos e irmãs. Temos uma esfera amorosa que permite o amor por homens e mulheres, mas por um gênero temos desejo sexual e por outro não. Eu particularmente acredito que o futuro da humanidade é ter mais respeito por quem tem desejo erótico por homens ou mulheres, mas não que todos vão virar bissexuais ou poligâmicos. Temos mais liberdade para experimentar, porém, se um gay transa com uma mulher não vai deixar de ser gay e vice-versa. Ele teve uma atitude sexual de determinada orientação, mas o desejo sexual não muda sua orientação. A evolução humana tem que ser para não se preocupar mais com o desejo sexual dos outros. As nossas transas não serem uma espécie de preenchimento de currículo.
Psicólogo defende que orientação sexual é algo que nasce com o indivíduo, não é fruto da educação./Foto: Reprodução

Sul21 – Gostaria de encerrar com uma curiosidade em relação ao orgasmo masculino que o senhor defende: homens não tem orgasmo toda vez que ejaculam?

Cláudio Picazio – O mito do orgasmo masculino. Essa tese eu adoro. (risos) O homem não tem um orgasmo a cada ejaculação, ele tem um gozo. Ele tem um prazer, mas orgasmo é muito diferente. A grande excitação e a grande satisfação, é como perder os sentidos. Isso não é em toda relação que ele tem. Na rapidinha que ele dá, ele ejaculou, mas não foi o grande prazer erótico que o faz levitar, tremer as pernas. Existe um desconhecimento neste sentido e que gera uma perseguição em relação ao orgasmo. O mesmo para mulher. Às vezes as pessoas estão mais dispostas, mais tranquilas e vão conseguir ter. Outras vezes não estão tão confiantes ou excitados e não terão. E o problema é que isto é equiparado com felicidade. Se eu não tive um orgasmo eu não sou feliz. Se eu não enlouquecer na cama, eu não sou homem ou mulher. Mas a intimidade e o prazer não se resumem a ter orgasmo. Às vezes não gozar e só curtir a intimidade é super prazeroso e excitante. Não precisamos ficar escravos de mitos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A pobre classe média na Espanha

Por Ana Muñoz Álvarez, no sítio da Adital: via BLOG DO MIRO
Mais de 400.000 famílias vivem graças à pensão dos avós. 22% da população estão em risco de pobreza e, segundo a ONU, a pobreza infantil atinge 26% das crianças. Não estamos falando de um longínquo país asiático ou da pobreza na África. São cifras da Espanha, até agora a quarta economia da zona do Euro.


A crise alterou a agenda e o calendário de muitas famílias. Pessoas que até agora viviam bem, tinham trabalho, casa, seus filhos, sua hipoteca... e que, hoje, têm que buscar ajuda junto a organizações como a Cáritas ou a Cruz Vermelha, para poder dar de comer a seus filhos. Um milhão e setecentas mil famílias espanholas estão com 100% de seus membros em situação de desemprego, e seiscentas mil famílias não dispõem de nenhuma fonte de renda. As organizações da sociedade civil espanhola já vinham alertando sobre a situação que poderia atingir a Espanha. 
"A crise trouxe à tona as coisas que estavam aí, mas parece que não eram vistas: desigualdades, injustiças...”, explicam membros da Cáritas. Relatórios de antes de 2008, quando a crise estava no começo, falavam que a Espanha não estava reduzindo os índices de pobreza. E essa era época de bonança! Hoje, colhemos o que foi plantado. Se crescia, havia trabalho...; porém, eram empregos precários e de baixa qualificação.

A infância e a terceira idade são os grupos mais vulneráveis em qualquer crise; e também no caso espanhol isso se repete. Segundo a Unicef, mais de dois milhões de crianças vivem em famílias cujo salário não chega ao fim do mês; recortaram sua lista de compras; não podem arcar com os gastos da lista de material escola. Porém, o pior, segundo os especialistas, ainda está por vir; e explicam que a pobreza infantil ainda pode crescer mais. Há uns dois anos, o perfil de pobreza infantil era o de uma crianças de classe baixa, de famílias desestruturadas ou unifamiliares. Atualmente, isso mudou. São crianças de classe média, que viviam bem, tinham de tudo...; porém, seus pais perderam o trabalho e enfrentam uma realidade difícil.

Na Cáritas explicam que muitas crianças que sofrem fracasso escolar passam por isso como um reflexo do fracasso social e familiar em que vivem. No entanto, a partir das organizações ressalta-se que não se trata de um fracasso do indivíduo, mas de um fracasso coletivo, do conjunto da sociedade, que não soube criar as redes suficientes para que as famílias não caiam no vazio.

Para muitas famílias, as pensões dos avós são a única entrada que recebem. Os avós voltam a exercer o papel de pais de família; os pais, o de filhos mais velhos; e os netos passam a ser filhos caçulas. Para os avós, essa é a quarta crise grave que viveram em democracia. São pessoas que trabalharam durante toda a sua vida e, hoje, voltam a ser o suporte da família; pagam as hipotecas dos filhos; ajudam a pagar o carrinho de compras...

A Cruz Vermelha alerta que 23% das famílias não podem comer nenhum tipo de proteína na semana; nem frango e nem embutidos. Muitas famílias não podem ligar a calefação, nem usar água aquecida.

O rosto da pobreza mudou nos últimos anos. Hoje, finalmente, percebemos que qualquer um de nós pode estar sujeito a fazer fila para receber alimentos da "caridade”. O egoísmo, a avareza, o individualismo, um capitalismo levado ao extremo... nos trouxe uma sociedade onde as desigualdades crescem. Estamos colhendo o que vou plantado. Porém, ainda podemos mudar as coisas. Vamos nos unir para que a voz do povo seja escutada, porque queremos outra Europa, outra sociedade, outra maneira de fazer política e de viver. E hoje, mais do que nunca, porque é necessário.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Entre James Joyce e Karl Marx

210612 joyceRepública da Irlanda - Vermelho - [Alexandre Pilati] Ullysses completa 90 anos. E se nos atrevêssemos a enxergá-lo como revelação do capitalismo dentro de nós?

Nos meios literários, junho é tradicionalmente um mês dedicado a reflexões sobre o Ulysses, romance revolucionário de James Joyce (1842-1941). No dia 16 deste mês, comemora-se o Bloom's Day, pois esta é a data em que se passa a ação do livro do autor irlandês. Em 2012, o "Dia de Bloom" é ainda mais especial, pois nos encontramos a noventa anos da publicação da obra. Além disso, o recente lançamento do filme Notícias da antiguidade ideológica (Versátil Home Video, 2011), de Alexander Kluge provoca a reflexão sobre a dinâmica de forças estéticas/filosóficas/históricas que envolvem os nomes de Marx, Joyce, Kluge e Eisenstein.
Nestes 90 anos, o Ulysses foi pródigo em espalhar mundo afora fascínio e polêmica. Como monumento incontornável da moderna literatura ocidental, o romance do autor irlandês não para de seduzir críticos, ao mesmo tempo que se conserva à prova de qualquer leitura que seja capaz de aludir à totalidade de sua eficácia estética. Como sempre ocorre em grandes obras, qualquer leitura do textoparece ser bem menor do que o próprio texto; mas isso, no seu caso específico, adquire uma consistência ainda mais lancinante. Se já é um tormento para os críticos do livro tentar acercá-lo e compreendê-lo, imaginemos o tamanho da tarefa de inverter um pouco a ordem natural da coisas e usar o Ulysses como método de compreensão de um construto crítico-teórico como O Capital, de Karl Marx (1818-1883).
O primeiro a se propor esse desafio foi o cineasta russo Sergej Eisenstein (1898-1948), que alimentou a ideia por fim malograda de filmar OCapital a partir do método estético empregado por James Joyce emUlysses. Joyce ansiava por conhecer Eisenstein, porque julgava que ele seria o único cineasta capaz de filmar o Ulysses. Por outro lado, o cineasta russo procurara Joyce porque julgava que O Capitalpoderia tornar-se filme estruturando-se de modo similar ao Ulysses, graças à concentração nos movimentos triviais de um homem comum em apenas um dia de sua vida.
No filme Notícias da Antiguidade Ideológica: Marx, Eisenstein, O Capital (Versátil, 2011), o escritor e cineasta alemão Alexander Kluge retoma o projeto de Eisenstein de maneira a potencializar alguns elementos de leitura do mundo contemporâneo bastante explorados tanto por Marx quanto por Joyce e o cineasta russo. É precisamente a partir do projeto não-realizado de Eisenstein, de filmar O Capital a partir do Ulysses, que nascem as nove longas horas do filme de Kluge. O cineasta alemão tem uma perspectiva interessante para a observação do pensamento de Marx, que está apresentada logo no início do texto do encarte que acompanha os DVDs:
- O Sr. Considera Karl Marx um poeta?
- Um poeta talentoso.
- Ele se senta na mais imponente biblioteca de Londres, faz excertos de historiografia e compõe uma história em forma de poesia em torno desses núcleos de fantasia?
- Assim surge o enfoque mais amplo de sua teoria.
- O sr. não estaria sendo injusto ao degradar esse materialista científico à condição de poeta?"
A partir desse texto de Kluge, lançamos uma hipótese para a verificação das forças interpretativas que se intercambiam em nosso quadrilátero de pensadores/artistas: tendo em vista a proposta de Kluge, não apenas o Ulysses pode ser usado como mediação ficcional para ler O Capital, mas também O Capital pode ser a mediação teórica necessária para conectar as experiências formais de Joyce emUlysses com a totalidade histórica de onde emanam tanto formas literárias quanto contradições objetivas formadoras da subjetividade sob a égide do capitalismo. O ponto de apoio para essa análise é o movimento dialético entre subjetividade e objetividade (afinal, não é esta a grande matéria dos poetas?!), ou, como afirma Kluge no texto do encarte que acompanha o conjunto de DVDs, a "longa marcha do mundo exterior para o interior do homem". Essa longa marcha estava entre as mais fundas aspirações de Eisenstein na pesquisa que engendra o conjunto de técnicas que caracterizava o seu método fílmico. Ademais, a dialética entre objetividade/subjetividade pode ser rastreada em todos os volumes de O Capital – de modo especial no primeiro, que trata mais especificamente da lógica da mercadoria e do seu alcance na organização social (coletiva) e psíquica (individual) do mundo capitalista. Mais que tudo isso, esta dialética interno/externo é uma chave para a leitura e a compreensão do imenso filme de Alexander Kluge, pois o cineasta alemão está claramente atento a ela. Lembremos a famosa passagem do Ulysses em que se contrasta a história com um pesadelo: "A história – disse Stephen – é um pesadelo de que tento despertar."i
História e poesia irmanam-se dialeticamente pela sua consistência de pesadelo e utopia. Dizendo mais: uma consistência de pesadelo que deriva precisamente do fato se ser uma forma consciente da necessidade da perspectiva da negatividade. Nesses termos, se a história (ou sua metanarrativa) é um pesadelo, a poesia é um jeito peculiar de acordar dele; por outro lado, a poesia também é um pesadelo, de que podemos acordar pela história. Unidas dialeticamente, história e poesia, tecem aos olhos do leitor atento um novo horizonte, ressignificando de uma vez por todas a palavra utopia. Assim, não haverá utopia sem o consórcio da poesia como interpretação do mundo e da história como narrativa de autoconsciência do homem relativamente ao seu lugar na luta de classes. Quando refletimos sobre esta relação história/poesia, estamos, nada mais nada menos, que operando intelectualmente, como Kluge e Joyce e Marx e Eisenstein entre o externo e o interno. Estamos nos acercando do dinamismo do próprio mundo. Um dinamismo que para Eisenstein é a própria força estruturante da forma dramática do filme.
Joyce tem, como poucos em seu tempo, uma consciência catastrófica relativamente ao avanço modernizador; algo que se exibe em seus textosii. Não são poucos os momentos em que o Ulyssesnos apresenta uma perspectiva duramente embebida em negatividade, ao descrever os movimentos triviais do mundo, os quais sem esforço podemos utilizar na composição de uma complexa mirada acerca da totalidade capitalista.
Mas pode Joyce ser historiador no Ulysses assim como Marx foi poeta no Capital? Sob certa perspectiva, poderíamos afirmar que sim; e poderíamos afirmar mais: essa consistência de revelação da história no Ulysses é um dos elementos-chave da sua atualidade. O que talvez tenha contribuído para instigar Kluge à tarefa de reler os textos de Marx não tanto com a intenção de "descrição da economia exterior e de suas 'leis', senão sobretudo o capitalismo dentro de nós." Essas contradições podem nos dar um mapa para a inteligibilidade da crise do capitalismo no início do século XXI.
Vejamos, por exemplo, a partir de um excerto do Ulysses, a problemática do entesouramento, que, conforme descrita por Marx, tem impactos no mundo objetivo e na consciência do homem ocidental. O entesouramento é um dos aspectos básicos, não é demais lembrar, para compreendermos as razões do desencadeamento da crise financeira de 1929, por exemplo; e para o clima de abalos e contradições da modernização a que o Ulysses de alguma forma dá visibilidade.
No capítulo "O catecismo", vemos a agudização dessa reificação irrestrita na descrição crua do que é a vida humana, perdida no fundo das gavetas. Não são apenas as coisas recônditas; mas o que somos nós dentro das gavetas. Vejamos o parágrafo por inteiro:
"O que continha a segunda gaveta?
Documentos: a certidão de nascimento de Leopold Paula Bloom: uma apólice de seguro de £500 na Sociedade de Seguros das Viúvas Escocesas em nome de Millicent (Milly) Bloom, resgatável aos 25 anos de idade com uma apólice nominal de £430, £462-10-0 e £500 aos 60 anos ou morte, 65 anos ou morte e morte, respectivamente, ou com apólice nominal (à vista) de £299-10-0 junto com pagamento em dinheiro de £133-10-0, opcionalmente: uma carteira bancária para o semestre terminaria em 31 de dezembro de 1903, saldo em favor do correntista: £18-46-6 (dezoito libras, catorze xelins e seis pence, esterlinos), bens líquidos: certificado de posse de £900, títulos a 4% (autenticados) do governo canadense (livres de taxação): extrato de ata do Comitê do Cemitérios (Glasnevin), referente a uma sepultura adquirida: um recorte da imprensa local a propósito de uma mudança de nome por processo cível."iii
Atentemos neste trecho do Ulysses para a forma como a linguagem se dobra à instrumentalização da lógica do dinheiro para dar a ver precisamente as contradições de seu alcance avassalador. Num parágrafo que principia falando de nascimento e termina falando de morte, temos a hipoteca de toda uma existência à especulação financeira. São títulos, bens, seguros, ações. Valores que tilintam, ainda que sem a forma de ouro ou de moeda. Trata-se uma belíssima metáfora do conceito marxista de entesouramento. "O que sou é o dinheiro; a vida minha é meu acúmulo": é o que parece nos dizer uma alma fantasmagórica de dentro da gaveta.
Marx dizia que o dinheiro deve, no capitalismo, possuir a consistência elástica e fantasmagórica de uma matéria capaz de expandir-se e contrair-se. Não nos esqueçamos de que a vida cabe numa gaveta e que Marx diz assim em O Capital: "Para reter o ouro como dinheiro e, portanto, como elemento de entesouramento, é necessário impedi-lo de circular ou de dissolver-se como meio de compra, em artigos de consumo. O entesourador sacrifica, por isso, ao fetiche do ouro os seus prazeres da carne. Abraça com seriedade o evangelho da abstenção."iv
Para sobreviver, o dinheiro no capitalismo depende de que o entesouramento não seja excepcional, mas sim sistêmico, trivial. O homem comum cumpre o entesouramento, no fundo da gaveta mais comum. A disposição reveladora de Joyce está em desejar articular tudo isso aos movimentos orgânicos do personagem, mostrando que o entesourar é tornar-se homem comum, homem médio, pedestre. Um homem como Bloom é um entesourador comum: sem o "defeito" excepcional da avareza, mas com a virtude trivial da "precaução". Trata-se de alguém que incorpora a mercadoria ao próprio existir, com isso garantindo os fluxos de expansão e retração necessários à manutenção da lógica do dinheiro no capitalismo. A força da narrativa de Joyce está em revelar o dado sistêmico, global e total do comum. Não é a excepcionalidade que revela a totalidade, mas a forma despercebida e às vezes dispersa com que o cotidiano anuncia as forças da dinâmica histórica global. O método – concentrar-se nas minúcias aparentemente mais insignificantes – tornou possível um dos relatos da vida cotidiana mais completos já apresentados por um romancista.
Lendo Marx a partir da literatura, como fez Kluge (e como aqui ensaiamos) colocamo-nos diante de algumas das mais instigantes formas de questionar os mitos pós-modernos de que a história acabou e de que o único horizonte possível é a não-superação (ou no máximo domesticação) do capitalismo. A dinâmica de forças que está por trás do quadrilátero Marx-Kluge-Joyce-Eisenstein inclui certamente a ideia de que as contradições da práxis ainda podem ser captadas pela literatura, pela crítica ou pelo cinema. Ativar essas contradições já uma boa justificativa para a tarefa monumental de ler Ulysses através do Capital e de ler O Capital através do Ulysses. Se essas contradições ainda podem ser ativadas, a história em seu dinamismo peculiar permanece e nos persegue: como um pesadelo, ou como a utopia.
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Alexandre Pilati é professor de literatura brasileira da Universidade de Brasília. Autor, entre outros, de A nação drummondiana (7letras, 2009).
iJOYCE, James. Ulysses. Trad. A. Houaiss. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 30.
iiA esse respeito consultar o ensaio de Franco Moretti "O longo adeus: Ulysses e o fim do capitalismo liberal". In MORETTI, Franco. Signos e estilos da modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
iiiJOYCE, James. Ulysses. Trad. C. Galindo. Cia das Letras: 2012, p.1018.
ivMARX, Karl. O Capital. Livro I, vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985. p.253.
Fonte: O Outro Lado da Notícia

Osmarino Amâncio: um seringueiro na luta por um projeto socialista no Brasil




  Flavia Alli   no CORREIO DA CIDADANIA


Osmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasiléia (Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos empates na floresta amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à destruição da região pelas madeireiras, na década de 1970. Cercado por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência, organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o capitalismo, o qual anda de mãos dadas com o governo petista.

Neste semestre, Osmarino viajou pelo Brasil em um circuito de debates e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento sindical, reafirmou a importância da organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e do fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na luta de classes.

Leia, abaixo, a íntegra da entrevista concedida por Osmarino Amâncio.

Em relação à organização dos trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem apresentando em parceria com os setores da burguesia?

Osmarino Amâncio: Primeiramente, são as instâncias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma cooperativa dos extrativistas, depende de caminhar muito para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio de comunicação é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a idéia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é a própria falta de educação, pois é um local precário, com a educação muito fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino primário. Isso tudo não tem impedido a classe trabalhadora de resistir contra aqueles grandes mega-projetos de madeireiras, de mineradoras, de barragens, de hidrelétricas.

É um processo que chamamos de revolucionário na luta pela reforma agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, pois nós não reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças dos seringueiros - os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Assim, eles estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da reserva, andando armados. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das ONGs. E, veio a serviço do grande capital, com a idéia da nova política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais.

Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a alternativa que dão para a gente é uma “bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de farinha, e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão proibindo fazer ramais para escoamento do produto dentro da reserva; ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois exige uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.

O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma política de Estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto. Tem-se um grande investimento do BNDES, do Banco Interamericano do Desenvolvimento para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo madeireiro e a política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais de 20 mega-projetos, vão detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a destruição será total. No Cerrado, por exemplo, estão sendo implementadas a monocultura da soja, a cana para o etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também atende a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico, que corta a região meio a meio para escoamento dos produtos de exportação.

Portanto, são investimentos para a “integração” da América do Sul, que precisam ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de fora da Amazônia, para que possamos fazer um grande empate contra o Estado, contra a legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Não é um empate contra os fazendeiros e madeireiras, e sim contra o Estado.

Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política “auto-sustentável”, que ao conceder a certificação dá a liberação para qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo.

O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em organizações que combatem os trabalhadores na Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervindo na realidade e qual a resposta dos trabalhadores frente à situação?

Osmarino Amâncio: Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Mas eles tinham vontade de defender a vida. Quando se tem vontade de viver, criam-se as condições, o “anticorpo”, como chamamos na floresta. Na Amazônia, para viver, tem que se adaptar e criar anticorpos, pois não se vai enfrentar somente o Estado, a União Democrática Rural (UDR), as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar também a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal consegue sobreviver com a dor por conta da vontade de viver. Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, ou dá uma topada, sofre um corte... Ele convive diariamente com dor, estando adaptado a tais questões.

Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade, estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos sindicatos, das oposições sindicais, estamos também na discussão de desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores e o enfrentamento ao grande capital contra a depredação dos meios naturais.

Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desafio à juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas as nossas idéias e documentos, denunciando o governo e as ONGS como USAID, WWF, Greenpeace, todas as entidades que defendem o “desenvolvimento sustentável” para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível de evitar colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que libera o norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) para continuarem poluindo no resto do mundo e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e dizendo “nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na Amazônia”.

E tem um povo nativo que não é levado em consideração na região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se tornando, para os governantes, o principal empecilho na implementação dos mega-projetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região o “fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo zero”, quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida, e queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do plano de manejo. Quando o governo o implementa, está incentivando essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil ficam sem floresta alguma.

Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é muito difícil, devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar um salário para algumas lideranças fazerem propaganda dos programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento na região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada, e estamos organizando a oposição sindical em Brasiléia. Será um processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos expulsos, e eles farão toda a destruição na Amazônia.

Como é feita essa mencionada cooptação dos trabalhadores, de modo a retirá-los dos movimentos e eleições sindicais, e qual a interferência que isso tem causado na luta de classes?

Osmarino Amâncio: Essa “compra” das pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último investimento foi 500 mil reais na compra de tratores, dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão assinando, a qual dura apenas dois anos – e não sabem que qualquer “deslize” os fará serem expulsos da reserva.

A criminalização é tática para o governo do estado do Acre. Ele atrelou todo o movimento, levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para fazerem o comercial do manejo madeireiro, ficarem contra o movimento e defenderem o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alívio, mas essas entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 milhões de hectares de floresta para promover a biopirataria. O próprio Estado cria, aparelha, atrela o movimento e as pessoas.

A luta de classes é uma luta muito dura. O Estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e cede... Mas é preciso reconhecer que se receber a propina a consciência vai se voltar contra si próprio. Por isso temos de fazer o trabalho em que acreditamos.

A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas para legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país há décadas?

Osmarino Amâncio: O Novo Código Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito, e consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem têm condição financeira. Vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram, para oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” temos uma lei que garante, sem critério algum, a implementação dessa política na Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada.

O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais extraídos pelas empresas e pelo latifúndio. Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembléia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder.

Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos, e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30 anos. Portanto, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a Terra!

A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, tem 500 km² que serão inundados. A de Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o problema da educação, da saúde, implementar bancos de germoplasma, investir em pesquisa e evitar os desastres ecológicos, consequências do desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.

Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?

Osmarino Amâncio: Primeiro, eles tentam usar essas populações que têm dificuldade de entender o que está por trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação”, para convencer os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios e mandá-los para o céu. Assim, todos estão lá, virando evangélicos, obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada, e sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm usado.

A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens quando completam 16 anos casam-se. Eles acusam esses jovens de estupro, ou até mesmo as lideranças, a fim de exterminar esse povo, impedindo sua reprodução. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não podem mais se relacionar, por serem acusados de estupradores. A justificativa seria uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade (16). Eles confundem a população, e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros também.

Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais (Bolsa Verde, Plano de Manejo etc.) que eles criminalizam. Outras leis, como a questão da prostituição infantil, têm sido usadas para este fim. Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o governo não fiscaliza. O exemplo é Belo Monte. Altamira tem 100 mil pessoas, mas estão chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se aproveitar da juventude, e como o Estado vai evitar o estupro e a barbárie? Não vai evitar! O Estado cria mecanismos, a gente vê como exemplo as obras da Copa do Mundo, pelos quais estão expulsando as populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos centros urbanos, indenizando com migalhas. As obras da Copa institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde, transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e nós estamos no meio disso tudo.

Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas, para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, sob o nome de “remoção”. O Estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão de poucas pessoas.

Como o “capitalismo verde” de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?

Osmarino Amâncio: Virou uma doença! As pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda, pois, por exemplo, Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia a um grupo de empresas para continuarem depredando a natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar com várias espécies e culturas. E tampouco a energia da usina vai servir para a população.

Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta para o manejo – sendo que ela é fonte de renda da população local, é ela que evita, também, o aquecimento global –, desequilibra ambiental e socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de exportação pode destruir o que é ilegal de destruir, mas que por conta do selo vira “legal”.

O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito milhões de hectares de floresta – mais da metade do estado. A MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do Meio Ambiente (Izabella Teixeira). Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vêm todos prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.

E como se insere a Rio +20 nesse cenário?

Osmarino Amâncio: A Rio +20 será para selar, como um todo, entre sociedade e governo, uma proposta de “economia sustentável”. Esta proposta é uma idéia do modelo capitalista que temos, que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro, sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de ONGS e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e privatiza em nome da “sustentabilidade”.

É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa proposta que será selada na Rio +20. Essa é uma discussão que vem desde a década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda de açudagem em complemento às barragens, tudo pensado para a exportação dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso, mas ele vive há centenas de anos na floresta e nunca a destruiu. No entanto, é ignorado o que o grande capital faz, e é criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na região.

Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos, especialmente sob essa nova capa verde?

Osmarino: O que todo mundo tem de ter consciência é que não se deve aderir a tal projeto, pois ele é do sistema capitalista. Tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo indígena é uma nação. Índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma sociedade libertária. E o respeito a cada categoria, permitindo que implemente sua arte, sua cultura.

A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na elaboração do que nela vai ser investido. Tem que ter transparência desde o calendário até os currículos formulados. A comunidade tem que participar deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável – um projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais, pelo agronegócio e o latifúndio.

Estamos em luta de classes, e temos de ter consciência disso. Temos de fazer um desafio à juventude, que em sua maioria está “viajando” na internet e acredita que vai promover uma mudança através dela, ou então passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. Só que precisa de três planetas para suportar a atual demanda. Se não tivermos cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra concentrada da mão de poucas pessoas.

Um projeto que não presta, portanto, devemos construir um novo. E o novo projeto todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos de ir nos apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos. E nesse sentido também acredito que a Conlutas pode ser um seio aglutinador destas categorias que querem confrontar a burguesia na luta de classes.

Flavia Alli é jornalista.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Para combater criminalidade, Uruguai pretende legalizar a venda de maconha


Projeto de lei deve ser anunciado nesta quarta-feira pelo presidente José Mujica

Fonte: Zero Hora

O governo do Uruguai decidiu legalizar a venda de maconha para combater a criminalidade no país. O presidente José Mujica deve anunciar nesta quarta-feira um pacote com 16 medidas, conforme o jornal El Pais. Sob a premissa de "guerra à pasta base", o Executivo nacional busca frear o consumo de cocaína entre jovens, apontado como a causa do aumento da delinquência juvenil.

Mujica trabalha em um projeto de lei que transfere ao governo federal a venda de maconha como forma de conter o comércio de entorpecentes, reduzindo assim o lucro dos narcotraficantes. Serão organizadas redes de distribuição estatais e registros de consumidores.

O consumo e a posse para uso pessoal da maconha não são considerados crime no Uruguai. O projeto prevê que o Executivo regule esses pontos, assim como controlará a venda em locais habilitados, os quais terão um registro de usuários para impedir a dependência. Menores de 18 anos não poderão ter acesso ao produto, segundo o jornal.

O Estado ainda deve estabelecer um número máximo de unidades por consumidor. Aqueles que excederem a cota poderão ser submetidos a processos de reabilitação. Outra medida prevê a internação compulsiva de usuários de cocaína.

O preço dos cigarros será tarifado pelo governo e incluirá impostos, posteriormente destinados ao financiamento de tratamento a dependentes.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O “turismo” dos terroristas de Israel


A BBC Brasil divulgou hoje uma nota horripilante. Segundo a sucursal do veículo britânico, “um campo de treinamento de tiro ao alvo localizado num assentamento israelense tem provocado polêmica ao oferecer aos visitantes um pacote de ‘turismo radical’ que inclui treinamento para ‘matar terroristas’. O campo Caliber 3, no assentamento de Gush Etzion, no território palestino da Cisjordânia, usa como alvo de tiros figuras em tamanho real portando tradicionais turbantes árabes”.

O local, com mais de 10 mil metros quadrados, também é usado para treinamentos militares do Exército e da polícia de Israel. O proprietário, Sharon Gat, justificou à BBC o seu projeto macabro. “Queremos que os judeus do mundo inteiro possam ver com seus próprios olhos que no Estado de Israel há organizações e pessoas que sabem ensinar autodefesa no mais alto nível”, afirmou.
"Um projeto sionista"
Ainda segundo o empresário, cerca de 5 mil “turistas” já frequentaram o curso, inclusive crianças. Os adultos atiram com armas e munição de verdade, em alvos de papelão ilustrados com o estereótipo de “terrorista”. As crianças utilizam armas de paintball. O preço do curso, de duração de duas horas, é 440 shekels (cerca de R$ 220) para adultos e 200 shekels (R$ 100) para crianças.
Sharon Gat, oficial da reserva do exército, é um sionista assumido e um empresário oportunista. Ele mesmo enfatiza que o Caliber-3 “é um projeto sionista, positivo e importante, que proporciona muito emoção para muita gente. O curso serve para turistas de todas as idades, que tenham interesse em aprender táticas antiterroristas”.
A própria BBC, no entanto, tratou as lunáticas e terroristas declarações do sionista como uma coisa exótica. Lamentável!

Akira Kurosawa:O Anjo Embriagado


O Anjo Embriagado
(Yoidore Tenshi)
KG por EceAyham
Poster
Sinopse
Yoidore tenshi é frequentemente considerado a primeira grande obra do diretor. Apesar de o roteiro, assim como todos os trabalhos de Kurosawa dos tempos da ocupação, ter sido forçado a ser reescrito devido à censura americana, Kurosawa sentiu que este foi o primeiro filme no qual ele conseguiu se expressar livremente. É uma história realista de um médico que tenta salvar um gangster (yakuza) com tuberculose. Este foi também o primeiro filme do diretor com Toshiro Mifune, que iria interpretar papéis importantes em todos os dezesseis próximos filmes do diretor, exceto um (Ikiru). Apesar de Mifune não ter sido escalado como protagonista em Yoidore tenshi, sua performance explosiva como o gangster dominou tanto o filme que ele desviou o foco do personagem principal, o médico alcoólatra interpretado por Takashi Shimura, que já tinha aparecido em alguns filmes de Kurosawa.

Entretanto, Kurosawa não queria abafar a imensa vitalidade do jovem ator, e o personagem rebelde de Mifune conquistou o público do mesmo jeito que a postura desafiadora de Marlon Brando iria arrebatar o público alguns anos depois. O filme estreou em Tóquio em abril de 1948 aclamado pela crítica e foi escolhido pelo grupo de críticos da prestigiosa Kinema Junpo como o melhor filme do ano, o primeiro dos três filmes de Kurosawa a receber essa honra. (Wikipedia)
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Informações sobre o filme
Informações sobre o release
Takashi Shimura, Toshirô Mifune, Reisaburô Yamamoto, Michiyo Kogure, Chieko Nakakita, Noriko Sengoku, Shizuko Kasagi, Eitarô Shindô, Masao Shimizu, Taiji Tonoyama, Yoshiko Kuga, Chôko Iida, Ko Ubukata, Akira Tani, Sachio Sakai, Senkichi Ômura, Tateo Kawasaki, Mayuri Mokusho, Toshiko Kawakubo, Haruko Toyama, Yukie Nanbu, Sumire Shiroki

Vide IMDB para detalhes
Gênero: Policial
Diretor: Akira Kurosawa
Duração: 1h 38mn
Ano de Lançamento: 1948
País de Origem: Japão
Idioma do Áudio: Japonês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0040979/
Qualidade de Vídeo: BR Rip
Container: MKV
Vídeo Codec: V_MPEG4/ISO/AVC
Vídeo Bitrate: 5932 Kbps
Áudio Codec: AC3
Áudio Bitrate: 448 Kbps
Resolução: 960x720
Aspect Ratio: 1.333
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 23.976
Tamanho: 4.378 GiB
Legendas: No Torrent
Crítica
Yoidore Tenshi marca, para Kurosawa, o final, mas também o princípio de outra fase como realizador. Se desde Sugata Sanshiro (A lenda do Judo) de 1943, seu primeiro filme, até Subarashiki nichiyobi (Um domingo maravilhoso) de 1947, se retratava leves aspectos da vida quotidiana ou se faziam aventuras ligeiras com pouco significado, em Yoidore Tenshi perde-se essa, digamos, superficialidade existente. Foi com o aprimorar e o desenvolver tanto das técnicas como na complexidade das narrativas que em 1948 este filme foi possível ser feito.
Introduz, desde logo, uma dupla de actores que iriam resistir até 1965, e pertenciam (e pertencem) à elite de melhores actores do Japão (e do Mundo). São eles, Toshiro Mifune - que se estreia neste filme nas produções Kurosawa, e efectua um papel ao nível de Orson Welles em Citizen Kane - e Takashi Shimura, que levará a cargo o melhor papel da sua vida - o de Kanji Watanabe em Ikiru em 1952.
Reunidas as melhores condições para um filme de luxo, a narrativa é, também ela, um ponte forte, é através de metáforas e imagens que nos deixamos aperceber a forte mensagem do filme.
O Doutor Sanada (Shimura) é um bêbado e um alcoólico, que recebe, num hospital modesto e humilde, o yakuza boémio Matsunaga (Mifune). Sanada vai diagnosticar a Matsunaga uma tubercolose, e a partir deste momento, os dois tornam-se muito próximos; desenvolvendo a relação típica "Mestre" e "Díscipulo" típica de Akira Kurosawa.
Dois doentes que precisam um do outro - esta é uma completa metáfora para o Japão do pós-guerra, que se encontra decadente, destruído e apenas se quer evadir pelos vícios (alcoól para Sanada e festas e mulheres para Matsunaga). Sanada, encarregado de ser Mestre, é ainda a voz da Razão para o yakuza, que prefere o instinto, a festa, a libertação pagã e hedonista na cidade corrupta, suja e ocidentalizada. Assim, Matsunaga entra na fronteira da auto-destruição, querendo fugir dos problemas pelo que oferece prazer imediato, esquecendo a voz do Doutor, também ele, digamos, viciado e contraditório.
A profundidade que Mifune dá ao papel - a sua degenerescência premanente, o seu ar de doente gradual, as expressões que começam a congelar - e os sítios que ele frequenta - bares boémios de jazz, tango e charleston - profundamente influenciados pela maneira americana de viver são os índicios metafóricos de uma crítica social escondida. No filme não vemos, nem soldados americanos, nem qualquer referência a MacArthur ou política; mas observamos as vivências humanas das personagens que - levadas em rebanhos para caminhos sem saída - acabam como o buraco no chão, alagado pela borbulhante nojeira (talvez um índicio de uma bomba ou míssil) ao qual Matsunaga olha perplexo quando se sente triste.
O final do filme, é duro: Sanada, através do seu constante lema de recuperação, - força de vontade - consegue segurar-se e deixar a bebida, quanto ao yakuza, o caminho que escolheu e a fraca personalidade deixaram-no levar pelo vício das mulheres que não amam e das bebidas que queimam o estômago. O seu pesadelo, ao qual ele acorda numa praia dentro de um caixão e é perseguido por ele mesmo, realiza-se mesmo no final do filme quando o lodo americano o suga e engole a flor que lá foi perdida.
Assim, Yoidore Tenshi, alcança o estatuto de um dos melhores filmes de Kurosawa. Apresenta a reacção do pós-guerra de uma forma simbólica e imagética, mas também a atitude japonesa estóica de resignação e paciência. Mas a Razão não perdoa, e diz no filme: "Os japoneses amam sacrificar-se por coisas estúpidas."

Por Miguel Patrício

Em: http://retroprojecca...ore-tenshi.html
Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.

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Dilma no pau-de-arara mineiro



Juremir Machado

Para quem gosta de insultar o bom senso com a conversa rasteira e reacionária sobre investigar e punir os tais dois lados, o jornal Estado de Minas traz um documento arrasador. Mostra como a atual presidente Dilma Rousseff foi torturada pela ditadura.

Quem pagou?

Quem foi punido?

Ninguém.

*

Documento traz detalhes da tortura sofrida por Dilma


Reportagem do EM que noticiou o julgamento em Juiz de Fora (Dilma aparece no banco dos réus, no alto à direita)  (Marcos Michelin/EM/D.A.Press - Reprodução)
“Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia”, conta Dilm
A presidente Dilma Vana Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava até agora. Em Minas, ela foi colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou choques e socos que causaram problemas graves na sua arcada dentária. É o que revelam documentos obtidos com exclusividade pelo Estado de Minas , que até então mofavam na última sala do Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG). As instalações do conselho ocupam o quinto andar do Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte. Um tanto decadente, sujeito a incêndios e infiltrações, o velho Maletta foi reduto da militância estudantil nas décadas de 1960 e 70.

Perdido entre caixas-arquivo de papelão, empilhadas até o teto, repousa o depoimento pessoal de Dilma, o único que mereceu uma cópia xerox entre os mais de 700 processos de presos políticos mineiros analisados pelo Conedh-MG. Pela primeira vez na história, vem à tona o testemunho de Dilma relatando todo o sofrimento vivido em Minas na pele da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e também Ana (menos conhecido, que ressurge neste processo mineiro). Ela contava então com 22 anos e militava no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se fundiria com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dando origem à VAR-Palmares.
As terríveis sessões de tortura enfrentadas pela então jovem estudante subversiva já foram ditas e repisadas ao longo dos últimos anos, mas os relatos sempre se referiam ao eixo Rio-São Paulo, envolvendo a Operação Bandeirantes, a temida Oban de São Paulo, e a cargeragem na capital fluminense. Já o episódio da tortura sofrida por Dilma em Minas, onde, segundo ela própria, exerceu 90% de sua militância durante a ditadura, tinha ficado no esquecimento. Até agora.

Sede do Quartel General de Juiz de Fora, onde teriam ocorrido as sessões de tortura  (Roberto Fugêncio/ Tribuna de Minas)
Sede do Quartel General de Juiz de Fora, onde teriam ocorrido as sessões de tortura

Tortura psicológica
“Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. Eles interrogavam assim: ‘Me dá o contato da organização com a polícia?’ Eles queriam o concreto. ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar por tortura.”
Ameaças
“Depois (vinham) as ameaças: ‘Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém vai saber que você está aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber’. Em São Paulo me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas não lembro, pois os lugares se confundem um pouco.”
Sequelas
“Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato.”
Sozinha na cela
“Dentro da Barão de Mesquita (RJ), ninguém via ninguém. Havia um buraquinho na porta, por onde se acendia cigarro. Na Oban (Operação Bandeirantes), as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei com a Terezinha. Na ida e na vinda todas as mulheres presas no Tiradentes sabiam que eu estava presa: por exemplo, Maria Celeste Martins e Idoina de Souza Rangel, de São Paulo.”
Visita da mãe
“Em Minas, estava sozinha. Não via gente. (A solidão) era parte integrante da tortura. Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não nos piores momentos. Minha mãe sabia que estava presa, mas eles não a deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada, me viu em São Paulo, logo após a minha chegada de Minas. Hoje ela mora no Rio e posso contatá-la ”
Cena da bomba
 (Reprodução) 
“Em Minas, fiquei só com a Terezinha. Uma bomba foi jogada na nossa cela. Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora (nunca me levaram para BH). Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de Polícia do Exército, 4ª Região Militar, lá apareceu outra vez o Dops que me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei esperando o julgamento lá dentro.”
Frio de cão
“Um dia, a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que entra uma bomba de gás lacrimogênio, pois estavam treinando lá fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital. Tive o
‘prazer’ de conhecer o comandante general Sílvio Frota, que posteriormente me colocaria na lista dos infiltrados no poder público, me levando a perder o emprego.”
Motivos
“Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.”
Morte e solidão
“Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente o resto da vida.”
Marcas da tortura
“As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim.”

 Escrito por Santana FM / Fonte Estado de Minas