terça-feira, 10 de julho de 2012

Kardec Foi um Filósofo?


  •  Jaci Regis no PENSE


  • Três questões serão debatidas neste trabalho:
    1.) Como conciliar o fato de o Espiritismo se declarar, simultaneamente, uma revelação e uma filosofia;
    2.) É possível caracterizar a obra de Kardec como uma obra filosófica?
    3.) Como resolver o paradoxo da fé raciocinada?
    O objetivo final é provar que o Espiritismo é uma filosofia.

    I

    No livro “A Gênese”, Allan Kardec afirma que o Espiritismo é uma revelação e procura mostrar o seu caráter. Mas, também, ao longo de sua obra e de forma taxativa, caracteriza-o como uma filosofia.

    Devemos, pois, em primeiro lugar, tentar compreender o que sejam filosofia e revelação. Comecemos por filosofia.

    Não tem sido fácil definir o que seja filosofia. Entretanto, existe um conceito espontâneo de que a filosofia é uma parte essencial da atividade do homem. Ligada à sabedoria, ao exame e à discussão exaustiva, embora não conclusiva, das causas e dos seres, a filosofia tem sido caracterizada como uma atividade superior do homem, um exercício indispensável ao saber e à certeza.

    Historicamente, distinguem-se duas formas de exercício da filosofia: de um lado a socrático-platônica, que exprime uma concepção do eu, isto é, uma autorreflexão do espírito sobre os seus supremos valores teóricos e práticos, sobre os valores do verdadeiro, o bom e o belo. De outro, a aristotélica, que apresenta, antes de tudo, uma concepção do universo. Embora tenha havido uma regularidade pendular entre essas duas concepções, tende-se a uma acumulação, a uma conjugação desses pontos, pois a filosofia é simultaneamente as duas coisas: uma concepção do eu e uma concepção do universo.

    Em síntese, pode-se compreender que a filosofia é uma autorreflexão do espírito sobre seu comportamento e, ao mesmo tempo, uma aspiração ao conhecimento das últimas ligações entre as coisas.

    Quanto à revelação, analisaremos, ainda que rapidamente, as colocações feitas por Allan Kardec no capítulo I de “A Gênese”, servindo-nos da tradução de Guillon Ribeiro (edição da FEB). Nele, o autor define revelação como “dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida”. Logo, “deste ponto de vista, todas as ciências que nos fazem conhecer os mistérios da Natureza são revelações e pode dizer-se que há para a Humanidade uma revelação incessante” (item 2). E adiante: “O que de novo ensinam aos homens (os grandes gênios, messias, missionários) quer na ordem física, quer na ordem filosófica, são revelações (grifo de Kardec). “Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-las para as verdades morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os filósofos, cujas ideias atravessam os séculos” (item 6). No tocante à revelação religiosa, diz Kardec: “implica a passividade absoluta e é aceita sem verificação, sem exame e discussão” (item 7).

    Finalmente, quanto ao Espiritismo, afirma Kardec: “é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra”, isto é, dá “a conhecer o mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivemos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem depois da morte” (item 12).

    Kardec coloca o Espiritismo como uma “revelação científica” que é caracterizada por ser “divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem”. É uma revelação científica, enfatiza: “por não ser ensino (dos Espíritos) privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida pelo trabalho do homem, da observação aos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações” (item 13 - grifos de Kardec).

    Isso fica mais claro ainda quando ele analisa a questão: “qual a autoridade da revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas luzes e não infalíveis?” Nessa aparente fragilidade, o Codificador aponta sua característica básica, ao afirmar que o Espiritismo é fruto da elaboração entre pessoas de dois planos de vida. Os Espíritos propõem, mas os homens concorrem com o seu raciocínio e seu critério, tudo submetem ao cadinho da lógica e do bom senso. Isto é, o homem se beneficia dos conhecimentos especiais que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar do uso da própria razão (item 57).

    Esse caráter específico da revelação espírita é, também, uma inovação no campo filosófico, antes dominado apenas pela cogitação a partir de um ponto de observação unilateral, isto é, da busca e da inquietação do homem perante o mistério e as contradições do ser, diante de si mesmo, da existência e do universo. Agora, esse mesmo cogitar é enriquecido pela contribuição de homens que passaram a existir numa dimensão diferente, — os Espíritos — mas dentro da humanidade.

    Sendo, em lato senso, urna elaboração da razão humana — encarnada e desencarnada — o Espiritismo é uma reflexão sobre o ser e o universo, abrangendo a totalidade e não se detendo no particular. A palavra “revelação” é, num primeiro sentido, uma contradição nesse quadro e só é aceita por Kardec a partir de uma visão didática, para que a intervenção das inteligências desencarnadas seja compreendida no processo.

    II

    Poderá a obra de Allan Kardec ser categorizada como filosófica? Ou melhor seria considerá-la uma obra didática? Encontramos no seu transcorrer uma reflexão sobre o ser, o belo, o bom? Há, em seu bojo, cogitações sobre a natureza essencial das coisas, uma visão do universo e das relações últimas entre os objetos? Sim, a resposta é afirmativa.

    Entretanto, o fato desses temas serem abordados não significa, necessariamente, que a obra seja filosófica. O que caracteriza esse aspecto é o fato de apresentar uma reflexão, propor soluções e inovar na abordagem de temas que, sendo universais e se constituírem razão da cogitação da inteligência, se enquadrem num quadro amplo da inquietação do homem.

    Analisada sob esse ângulo, a obra de Kardec é, em seu conjunto, uma reflexão filosófica. O próprio “O Livro dos Espíritos” é um filosofar dialético entre duas inteligências humanas, reunidas no ato de refletir sobre os fundamentos do ser, do destino e de Deus. Semelhante ao diálogo do Banquete, de Platão, Kardec e o Espírito da Verdade, maieuticamente confabulam num mesmo nível de inquietude. Esse debate dialético não espelha um superior ministrando lições a um inferior. Mas, duas potências do saber dialogam, exprimindo visões específicas que resultam na síntese doutrinária do Espiritismo. A partir desse diálogo, Kardec, seja nos comentários que aduz às questões ou em capítulos inteiros de “O Livro dos Espíritos”, evidencia o tratamento filosófico das ideias.

    O que caracteriza, por outro lado, a filosofia kardecista, se assim podemos falar, é a sua praticidade. Marx afirmou que “os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras; trata-se é de transformá-lo”, exigindo a crítica radical, que vai às raízes e à práxis, isto é, à ação revolucionária. Essa tese foi lançada por Marx por volta de 1845, doze anos antes de “O Livro dos Espíritos”. Pode-se dizer que Kardec também realizou, a seu modo, uma filosofia de ação, de pratos, transformadora e revolucionária, ao propor uma nova reflexão sobre os fundamentos da vida, do ser e do mundo, inaugurando a visão espírita. E, também, promoveu a elevação dos Espíritos à categoria de seres existentes e não potenciais, ao abrir, por assim dizer, a cortina que separava o homem vivente no plano corpóreo ao homem vivente no plano extrafísico.

    A filosofia que Kardec desenvolveu foi discursiva-racional, não considerando a intuição como uma fonte autônoma de conhecimento. Embora reconhecendo a totalidade emocional, volitiva e cognitiva do Espírito, não poderia deixar de cingir-se à razão como juíza do saber. Não nega a intuição como uma das formas de apreensão da realidade. Todavia, “toda intuição tem que legitimar-se perante o tribunal da razão”.

    Embora seguindo, sob certos aspectos, um esquema muito ligado às preocupações teológicas, Kardec manteve-se numa linha de equilíbrio racional, definindo, por fim, o Espiritismo como filosofia moral, com o que se libertou das amarras de uma teologia. A reflexão sobre a reencarnação, como instrumento de desenvolvimento das potências do Espírito, define a filosofia espírita, em oposição à teologia.

    Na verdade, o esquema kardecista seguiu, em linhas gerais, a própria estrutura do pensamento filosófico da época. Foi a partir do século 19 que as ciências se libertaram definitivamente da filosofia, mudando esta seu campo de atividade e atuação formal.

    O didatismo de Kardec não prejudica a sua obra, nem lhe descaracteriza a fundamentação filosófica. Exprime, apenas, uma face da capacidade de comunicação própria do autor, cujo estilo sem adjetivação excessiva, o torna objetivo, desprendido de palavras e formulações tortuosas. Deve-se ter em mente que o professor Rivail mostrou em sua obra — cerca de 21 volumes — um poder de objetividade, de concisão ainda não suficientemente estudado, antecipando-se aos progressos da linguagem atuais tanto da informática, quanto da linguística. O fato de escrever numa linguagem direta, limpa, inova mais uma vez, enriquecendo o conteúdo filosófico.

    Se acompanharmos o pensamento kardecista, não apenas nos livros fundamentais, mas ao longo das edições da “Revista Espírita”, haveremos de reconhecer a posição de Kardec como homem prático, jornalista, administrador, pesquisador, orador, líder, polemista, es¬critor, o que naturalmente não lhe poupava tempo para elucubrações excessivamente teóricas. No espaço de apenas 14 anos escreveu mais de 20 livros, incluindo as edições da “Revista Espírita”, que redigiu sozinho e desenvolveu uma atividade realmente exaustiva. Realizou, todavia, uma teorização sobre os fatos, de modo que não se perdessem os resultados das pesquisas e das observações.

    Flammarion chamou-lhe de “Bom Senso Encarnado”, mas negou-lhe o caráter de cientista. Todavia, com o desenvolvimento das ciências humanas, já não se pode negar a Kardec, também, esse título porque realizou, como Bozzano, embora em menor escala, é verdade, um árduo trabalho de pesquisa, observações pes¬soais e coleta de dados. Com todo esse material, deduziu um conjunto de ideias e fundamentos. Foi filósofo do real, da ação, da prática, apoiando-se em dados experimentais. Deduziu sobre os fundamentos morais do universo — refletindo sobre a natureza do homem, suas dimensões físico-espirituais, o processo evolutivo a que está submetido, sua imortalidade e seu destino. Especulou sobre o absoluto, Deus, como centro de interesse e equilíbrio do Universo.

    Mesmo nos livros que numa falsa visão cultural são chamado de “religiosos”, manteve essa postura filosófica. Tanto no “Evangelho Segundo o Espiritismo”, como no “O Céu e o Inferno”, que abordam temas da teologia, comportou-se de maneira coerente com sua visão filosófica e é sob este ângulo que examina, tanto a contribuição de Jesus de Nazaré, que libera dos aspectos místicos, para concentrar-se no conteúdo moral de seu ensino, quanto os aspectos da Jus¬tiça Divina, em “O Céu e o Inferno”.

    III

    Se Allan Kardec estruturou a Doutrina Espírita como uma filosofia moral, porque, contraditoriamente, adotou o tema “Fé raciocinada”? Se, como ele repetidas vezes afirmou, o Espiritismo é uma doutrina positiva, repudiando todo o misticismo, qual o motivo que o teria levado a mencionar a fé como uma condição importante para o homem?

    Mostramos que a estrutura filosófica do Espiritismo é discursiva-racional e que abrange tanto uma concepção do ser, como uma concepção do universo e, mais ainda, projeta-se como uma práxis, atuando no mundo para modificá-lo. Trata-se como se vê, de tentativa para sintetizar a angústia humana, convergindo, inevitavelmente, para o campo moral. Ora, as religiões sempre se colocaram como guardiãs da moralidade, embora, quase sempre, decaindo para um moralismo. Kardec não podia negligenciar o fato de que a moralidade é a meta principal do Espiritismo — embora enfocada sob uma visão libertadora. Daí o ter afirmado que o Espiritismo é forte por tocar os pontos principais das religiões: Deus, o espírito e as penas futuras. Chegou mesmo a tentar colocar o Espiritismo como o elo, a aliança entre a ciência e a religião.

    E aí se situa a sabedoria da proposta espírita. Não é uma postura inflexível porque é progressiva e isso lhe garante a mobilidade, abrindo-se para compreender as múltiplas formas de expressão do Espírito em sua caminhada evolutiva. E, nessa caminhada, a religião tem sido um fator marcante, embora nem sempre positivo, ao contrário, o que levou Kardec a lamentar que “infelizmente as religiões hão sido sempre instrumentos de do¬minação” (“A Gênese”, cap. I, item 8).

    No domínio da fé, temos uma atitude específica do Espírito. Ela é intuitiva, é a apreensão da totalidade, a germinação da certeza interna, surgida da vivência, dos valores. David Hume, filósofo inglês, definiu-a dessa forma: “a fé é muito mais um ato da parte afetiva de nossa natureza do que de sua parte pensante”.

    Ao postular a “fé raciocinada”, Kardec inseria um paradoxo, considerando as bases da filosofia espírita, chamando-nos à reflexão. Definindo essa contradição, Kardec afirma: “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade” (“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, tradução de Guillon Ribeiro - FEB). Quer dizer, ele afirma que a inabalavidade da fé depende da razão, ou seja, que a apreensão intuitiva da totalidade, como uma certeza interna, pode ser falsa, incorrer em erro de interpretação, se não passar pelo crivo da razão. Dessa atitude surge uma nova fé que seria motivadora, totalizadora, porque submetida ao juízo racional.

    Dentro dessa perspectiva, o Espiritismo se propõe a aliar a ciência e a religião, mas, todavia, não se reduz nem a uma nem a outra, mas transcende-as. Dialeticamente, aceitando a ciência e a religião como posições reais no conhecimento e vivência humanas, o Espiritismo procura transformá-las. De um lado, sendo ciência do Espírito, completa a ciência convencional cujo objeto é o conhecimento do meio físico como o único concreto e possível. De outro, destruindo o sobrenatural em que a religião se assenta, liberta o homem de um conceito estreito e falacioso da vida, propondo-se como filosofia moral, onde os con¬ceitos morais coexistem com a racionalidade e desataviados dos prejuízos do culto.

    Kardec rejeitou o fato de que o ho¬mem crer em Deus e orar se caracterizasse como um ato místico. Ao contrário, afirmou ser uma atitude positiva, decorrente da abertura que o Espiritismo, filosoficamente, promove. Logo, a fé que Kardec aborda é, sobretudo, saber, crença baseada na razão. E se estrutura como uma nova postura do homem perante a vida, pois que não nega o impulso da experiência interna na apreensão da totalidade, mas indica o caminho da crítica e da atividade construtiva, para que a fé não continue sendo contemplação e alienação místicas.

    IV

    Sendo o Espiritismo uma nova visão do homem e do mundo, caracteriza-se como um pensar filosófico, como uma filosofia estruturada na pesquisa do conhecimento, do ser e do universo. Tendo base experimental, seu filosofar é existencial, atua no mundo para modificá-lo. O pensamento kardecista — isto é, espírita — apresenta-se como um sistema de ideias claramente definido e eficien¬temente deduzido. Essa afirmativa nos leva à conclusão de que o professor Hipollyte Léon Denizard Rivail — Allan Kardec — pode ser conceituado como um autêntico filósofo, na lídima acepção do termo.

    Observação: No tocante às definições de filosofia, usamos expressões do livro “Teoria do Conhecimento”, do professor Johannes Hessen, 3a ediçã.o - Armênio Amado Editor, Coimbra - Portugal.

    Fonte: revista “A Reencarnação”, n º 401 - Ano L - outubro de 1984, órgão de divulgação da Federação Espírita do Rio Grande do Sul.

    Jaci Regis (1932-2010), psicólogo, jornalista, economista e escritor espírita, foi o fundador e presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS), idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (SBPE), fundador e editor do jornal de cultura espírita “Abertura” e autor dos livros “Amor, Casamento & Família”, “Comportamento Espírita”, “Uma Nova Visão do Homem e do Mundo”, “A Delicada Questão do Sexo e do Amor”, “Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo”, dentre outros

    O Partido Comunista da Grécia prosseguirá a luta pelo derrube da barbárie capitalista

    Giorgos Marinos*
     


    «É de enorme importância que nestas condições, quando uma série de outros partidos na Europa não estão representados no parlamento ou se diluíram em formações social-democratas ou esquerdas oportunistas, o PCG se mantenha firme, mesmo que com menos força eleitoral em comparação com a sua influência política mais ampla. A sua estratégia sobre as duas vias de desenvolvimento, a necessidade da aliança sociopolítica e a luta pelo poder operário e popular, a ampliação e o aprofundamento das suas ligações com a classe operária, os sectores populares pobres, continua a ser um elemento da sua nova actividade no povo para que se mantenha de pé, para que não sucumba ante os novos perigos que o esperam.»


    O Partido Comunista da Grécia (PCG) envia as suas saudações de camaradagem aos Partidos Comunistas, às e aos comunistas, e a um grande número de lutadores de todo o mundo que expressaram o seu apoio e solidariedade sincera ao nosso Partido, porque compreenderam as duras lutas de classe que o partido levou a cabo durante um largo período de tempo, antes e durante a crise capitalista.
    O nosso Partido continuará a ser digno da sua confiança e intensificará a luta pelos interesses da classe operária e dos sectores populares, pelo derrube da barbárie capitalista, pelo socialismo. Porque isto é uma exigência do objectivo de abolir a exploração do homem pelo homem, esse princípio fundamental dos partidos comunistas.
    Os acontecimentos na Grécia, e particularmente as duas últimas batalhas eleitorais provocaram muitas discussões sobre o PCG, a «esquerda», o papel dos «governos de esquerda», a postura dos comunistas.
    Algumas forças que ainda utilizam o nome de «Partido Comunista» apesar de estarem no caminho da mutação social-democrata e outras forças que falam em nome da «esquerda» abriram uma frente – clara ou disfarçadamente – contra o PCG, caluniando a sua actividade, ocultando ou distorcendo as suas posições, falando sem fundamento de sectarismo, utilizando a polémica do opositor, adoptando e difundindo as posições da SYRIZA.
    A SYRIZA é um partido fanático pela União Europeia, veículo da visão utópica do «capitalismo de rosto humano», constituído por forças oportunistas de direita, «restos» da luta de classes, grupos marginais da extrema-esquerda (trotskistas e ex-maoístas) e uma parte importante de quadros do social-democrata PASOK.
    As forças que abriram uma frente contra o PCG, entre as quais está o aparelho do «Partido da Esquerda Europeia» e outras organizações defensoras da caricatura do «socialismo do século XXI», foram divulgadas porque a actividade do PCG e a sua contribuição para a luta revolucionária as refuta. No entanto, a sua postura é prejudicial para a classe operária, os sectores populares, a juventude, porque se colocam do lado dos opositores dos comunistas. Os comunistas lutam constantemente contra a burguesia, o imperialismo e opõem-se de modo militante à assimilação dos objectivos do capital pelos trabalhadores.
    Apelamos às e aos comunistas, aos trabalhadores e trabalhadoras que sigam o desenvolvimento dos acontecimentos na Grécia e se interessem pelo curso da luta de classes para terem uma melhor compreensão da estratégia e da táctica do PCG, da sua história e das suas lutas. Há que avaliar as suas posições com critérios ideológicos e políticos concretos e não na base de rumores e calúnias infundadas. Então, dar-se-ão conta de que o ataque contra a estratégia do PCG e da sua política de alianças, assim como os ridículos argumentos em relação ao sectarismo e ao isolamento foram lançados por forças burguesas, ou forças que na prática rejeitaram os princípios marxistas-leninistas, a necessidade do socialismo, a essência da luta de classes, que é o que conta quando se está ligado ao poder operário e popular.
    Assim, serão capazes de discernir que estas forças continuam a linha política da gestão burguesa que se esconde por trás da discussão por uma «solução de esquerda», semeando ilusões sobre a «humanização do capitalismo», com consequências muito negativas para a luta dos trabalhadores.
    O pior, é que estas forças atacam o PCG de modo dissimulado e algumas vezes pretendendo passar por «amigo» estão a utilizar os resultados eleitorais para apoiar as suas perigosas afirmações.
    Sobre os acontecimentos na Grécia
    Na Grécia, a profunda crise capitalista de sobre-acumulação de capitais que entrou no seu quarto ano, combinada com a crise de outros Estados membros da UE, provoca a intensa agressividade dos monopólios e dos seus representantes políticos e expressa-se através do conjunto da sua estratégia antipopular. Os «memorandos» que foram assinados entre os governos gregos, a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional fazem parte desta estratégia.
    A deterioração da situação da classe operária e dos sectores populares causada pela ofensiva do capital, o desenvolvimento da luta de classes com a contribuição decisiva do PCG e do movimento de orientação de classe, levaram a um grande desgaste do social-democrata PASOK, que implementava uma dura política antipopular há muitos anos. Levou ao desgaste do partido liberal da Nova Democracia (ND) e em geral do bipartidarismo que perdeu a sua capacidade de enganar as forças populares, como fazia nos anos anteriores.
    É nesta base que se promove a reforma do panorama político com o apoio da burguesia, da União Europeia e de outros mecanismos imperialistas, para que a crise capitalista seja gerida eficazmente a favor do capital, para impedir a luta de classes, para atacar o PCG e o movimento de classe.
    Um elemento básico da reforma do panorama político é a criação dos novos polos, é o «centro-direita» baseado na ND e o «centro-esquerda» baseado na SYRIZA, juntamente com quadros do PASOK que têm responsabilidades criminais pelo seu papel na aplicação da política antipopular durante os anos anteriores.
    A Grécia e as eleições parlamentares foram utilizadas como uma arena de rivalidades inter-imperialistas entre os EUA, a UE, a França e a Alemanha. Isto também teve expressão na postura das forças políticas gregas, sobretudo da ND, do PASOK e da SYRIZA, que «coqueteia» a França e os EUA.
    A profunda e multifacetada assimilação da Grécia pela União Europeia, a profunda e prolongada crise combinada com a recessão na zona euro tornaram a intervenção da UE, do FMI e dos EUA necessária para deter todas as tendências de radicalização do movimento na Grécia e o seu impacte internacional.
    As sistemáticas declarações de funcionários das organizações imperialistas, bem como publicações na imprensa estrangeiras, incluindo o apelo do Financial Times alemão ao voto na ND, aumentaram a polarização e a chantagem para que o povo se encaminhe para os polos da gestão burguesa.
    Avaliação dos resultados das eleições
    O PCG fez um grande esforço, conseguindo 8,5%, 536.000 votos e 26 deputados nas eleições de 6 de Maio, mas não condescendeu. E para as eleições de 17 de Junho falou claramente sobre o plano para debilitar o PCG, previu e lutou, tanto quanto foi possível, contra o ataque organizado contra o PCG e manteve-se de pé com 4% de perdas da sua força eleitoral, com uma redução de votos e deputados, conseguindo no final 4,5%, 12 deputados e 277.000 votos.
    O que é que aconteceu entre as duas batalhas eleitorais? Que dilemas colocou o sistema burguês para enganar as forças populares? O Comité Central do PCG fez uma primeira avaliação do resultado e está agora a discuti-la nas organizações de base do partido e em reuniões com os amigos do partido, a fim de acumular a experiência colectiva e utilizá-la na avaliação final. Para compreender o clima político que prevalecia, sobretudo na segunda batalha eleitoral, é importante saber que segundo a lei eleitoral o primeiro partido recebe um bónus de 50 deputados (num total de 300 lugares no parlamento grego), para «facilitar» o esforço de formar governo. Nas primeiras eleições (em que o PCG obteve 8,5%) a diferença entre o primeiro partido (ND) e o segundo (SYRIZA) foi de 2,1%, e a luta pela primeira posição criou condições de intensa polarização.
    O CC do PCG avaliou que «as significativas perdas do PCG não reflectem o impacte das suas posições e da sua actividade face aos desenvolvimentos negativos que se preveem. Tudo aconteceu debaixo de uma pressão, de uma torrente de ilusões e da lógica do mal menor, do caminho sem dor e fácil através do qual, supostamente, é possível formar um governo para gerir a crise no campo dos monopólios e da assimilação na UE, que se encarregará de deter a deterioração da situação do povo.
    Além disso criou-se um fortíssimo clima de medo e intimidação sobre a expulsão da Grécia da zona euro. As eleições decorreram em condições de uma sistemática e enganadora ofensiva desenvolvida pelos mecanismos ideológico-políticos do sistema, inclusive mediante o uso sistemático da internet. O objectivo principal foi debilitar o Partido para impedir o fortalecimento do movimento operário, num momento em que as condições de vida do povo se estão a deteriorar.
    A conclusão é que o resultado eleitoral, no seu conjunto, reflecte a tendência de contenção do radicalismo de classe que se tinha desenvolvido durante o período de crise, sob a pressão da corrente do radicalismo pequeno-burguês emergente, dirigida pela ideologia e a propaganda burguesa. É óbvio que as lutas que se desenvolveram não conseguiram aprofundar e consolidar o radicalismo, já que não tinham o carácter de massas e não conseguiram a organização e a orientação política que a as actuais condições requerem. Em última instância, qualquer tendência positiva que se desenvolveu foi influenciada por um moderado sentimento anti-memorando, pela diminuição das expectativas em condições de expansão da pobreza e desemprego massivo.
    O papel do SYRIZA
    As forças que apoiam – aberta ou encobertamente – a SYRIZA e caluniam o PCG têm a obrigação de explicar aos quadros e membros dos seus partidos, à classe operária e aos sectores populares os seguintes assuntos:
    Por que escondem que uma parte da burguesia, grupos financeiros poderosos que controlam os jornais, a rádio e os canais de televisão, bem como os meios de comunicação estatais apoiaram decisivamente a SYRIZA, e inclusive o presidente da Federação Helénica de Empresas propôs um governo de concórdia nacional com a participação da SYRIZA?
    Por que escondem que no decurso do processo eleitoral, e sobretudo depois das eleições de 6 de Maio, a SYRIZA abandonou as consignas sobre o cancelamento do memorando e do contrato de empréstimo, a estatização de empresas, etc. e adaptou perfeitamente o seu programa às necessidades da gestão burguesa?
    Por que escondem que grande parte dos quadros mais corruptos do PASOK nas autoridades locais, nos sindicatos e no aparelho do Estado desempenharam um papel principal na manipulação de forças populares, de votantes do PASOK, exercendo pressões diversas a favor da SYRIZA?
    Por que escondem que está em marcha um plano de reagrupamento da social-democracia com a SYRIZA no seu núcleo? E que a social-democracia foi muito útil à burguesia para a erosão da consciência radical do povo em favor da «via de sentido único da UE», para atacar e controlar o movimento operário?
    Por que escondem que este partido recorre continuamente ao anticomunismo, ao mesmo tempo que faz apelos à «unidade de esquerda? Num dos principais eventos eleitorais da SYRIZA presidido o seu presidente, um «filósofo» esloveno Slavoj Zizek, disse numa vulgar demonstração de anticomunismo «Sim já compreendi bem o que é o PCG, o partido dos que vivem porque se esquecem de morrer», e recebeu um entusiasta aplauso do auditório.
    Por que escondem que a SYRIZA utilizou todo o tipo de tácticas sujas contra o PCG a fim de usurpar o voto do povo e assim conseguir o primeiro lugar nas eleições ou inclusivamente a capacidade de formar governo de um só partido?
    Trata-se de manobras sujas, incluindo entre outras coisas a entrega a jornalistas burgueses de documentação falsa e mentirosa com pontos de vista do Comité Central e da Comissão Política do PCG em relação à SYRIZA e à participação num governo de gestão burguesa. A experiência das condições em que o PCG lutou nestas eleições é valiosa para todos os Partidos Comunistas, e por isso os informámos sobre todas as provocações que se verificaram, incluindo a provocação no Twitter, onde criaram uma conta falsa em nome do PCG, que foi utilizada para apelar ao voto na SYRIZA.
    Por que escondem que poucos dias antes das eleições o presidente da SYRIZA teve uma reunião com o pessoal diplomático do G20 em Atenas para «estabelecer um clima de confiança»? Com quem? Com o clube de capitalistas e imperialistas mais forte do mundo?
    Mais. O pessoal da SYRIZA apresentou ao povo grego a política de Obama nos EUA como um exemplo da política realista de gestão da crise a favor do povo. Ademais, afirmou falsamente que a eleição do social-democrata Hollande seria um factor que traria um «novo vento», alterações a favor dos povos da Europa. Ao mesmo tempo, o governo social-democrata em França apelava à submissão do povo grego aos compromissos da União Europeia e – apesar das rivalidades inter-imperialistas – participa com o governo alemão na preparação das novas medidas antipopulares que se estão a preparar na UE para a integração económica e política.
    Não se podem anular estes factos. O PCG não precisa de recorrer a teorias de conspiração. A verdade não pode ser escondida. Isto é de uma enorme importância para que todos os trabalhadores interessados na situação da Grécia e no papel das forças políticas possam formar a sua opinião.
    Durante muito tempo fomentaram-se mitos sobre o papel da SYRIZA no movimento operário e popular. Apresentou-se de maneira enganadora como uma poderosa força política da oposição, quando não tinha qualquer contribuição, nem sequer a mais ínfima, no desenvolvimento da luta nas fábricas, nas empresas, na organização das lutas, das greves e outras mobilizações de massas.
    Na realidade, este partido ia a reboque da Confederação Geral de Trabalhadores da Grécia (GSEE) e da Confederação dos Funcionários Públicos (ADEDY) que funcionam como instrumentos do capital, veículos do sindicalismo colaboracionista com o patronato e o governo, defensores da «colaboração de classes».
    A posição da SYRIZA no movimento das «praças» foi efémera, com um carácter de massas limitado e foi um caldo de cultura de posições reacionárias, oportunista e integrada no plano dos que procuraram tomar as rédeas da gestão burguesa. A SYRIZA tem grandes responsabilidades porque partilhou nas «praças dos indignados» em conjunto com o monstro fascista Aurora Dourada (que esteve ladeado de outras forças nacionalistas) como força anti-memorando, promovendo consignas vulgares e reacionárias a fim de manipular a indignação dos trabalhadores.
    A luta do PCG
    A ofensiva contra o PCG depois das eleições não foi levada a cabo somente por vários grupos trotskistas conhecidos, mas também por forças do Partido da Esquerda Europeia como o «Bloco de Esquerda» português e a «Refundação Comunista» italiana. Os presidentes destes partidos não puderam resistir a mostrar a antipatia do oportunismo europeu para com o PCG.
    Igualmente provocadoras são as forças que culpam o PCG por a ND ter conseguido formar um governo. Mas estas forças escondem que o único partido que realmente se opôs à ND e ao PASOK foi o PCG porque, ao contrário do SYRIZA, não está comprometido coma UE, a NATO, o grande capital e o seu poder. Não fomenta ilusões parlamentares e diz ao povo a verdade sobre as forças da gestão burguesa. O nosso partido leva anos a lutar contra os dilemas da intimidação da «direita-contradireita», «centrodireita-centroesquerda» e combate a lógica do mal menor, que é um beco sem saída e que fez com que os partidos comunistas da Europa fossem a reboque da social-democracia.
    O esforço de caluniar o PCG cairá em orelhas moucas e os seus iniciadores estarão totalmente expostos porque a propaganda do sectarismo e do isolamento, utilizada pelas forças que atacam o nosso partido é refutada pelo papel protagonista do PCG, da Juventude Comunista da Grécia (JCG/KNE) e da Frente Militante de Todos os Trabalhadores (FMTT/PAME), dos sindicatos de classe, dos agrupamentos militantes dos demais sectores populares e da juventude, nas dezenas de greves gerais sectoriais, em empresas, em centenas de mobilizações em que se reuniram milhares de trabalhadores com objectivos de luta que expressam, os interesses dos trabalhadores que entram em conflito com o poder do capital, com a barbárie capitalista.
    Estes importantes sucessos não podem ser anulados por um resultado eleitoral que foi negativo para o povo.
    Trata-se de uma experiência valiosa e de um legado para a escalada da luta de classes até ao final.
    O PCG opôs-se e opõe-se à união e insiste na aliança social entre a classe operária, os sectores populares da cidade e do campo, com a participação das mulheres e dos jovens. Rejeita a colaboração para a formação de um «governo de esquerda» para gerir o capitalismo e insiste na formação de uma aliança sociopolítica que lute pelos problemas do povo, que entrará em confronto com os monopólios e com o imperialismo e dirigirá a sua luta para a derrocada da barbárie capitalista, a conquista do poder operário e popular.
    É perigosa a estratégia que promete um futuro melhor para os trabalhadores e os desempregados através de um chamado governo de esquerda ou progressista enquanto o poder do capital e a propriedade capitalista dos meios de produção se mantiverem intactas. Esta estratégia foi provada e demonstrou que está falida. Levou vários partidos comunistas a serem assimilados e inclusive à dissolução.
    Essa estratégia oculta o problema fundamental. Esconde que o problema do desemprego que está em crescendo de forma descontrolada, não se pode resolver enquanto o poder e a riqueza produzida pela classe operária permanecerem nas mãos dos capitalistas, enquanto predomina a anarquia capitalista e existir o afã do lucro.
    As necessidades contemporâneas do povo não se podem satisfazer porque o capitalismo está na sua última fase, a fase imperialista e é totalmente reacionário. As dificuldades na reprodução do capital, o antagonismo entre os monopólios para predominarem fortalecem o ataque que se dirige à redução do preço da força de trabalho e ao aumento do grau de exploração. Inclusive as pequenas conquistas requerem conflitos duros com as forças do capital como demonstra a heroica greve de sete meses dos trabalhadores na Siderurgia de Asprópirgos, que contou com o apoio do PCG e Frente Militante de Todos os Trabalhadores (FMTT/PAME) juntamente com milhares de trabalhadores, da Grécia e do estrangeiro, que expressaram a sua solidariedade de classe.
    A luta quotidiana pelo direito ao trabalho, a protecção dos desempregados, os salários e as pensões, a assistência sanitária, o bem-estar e a educação gratuitos. A luta quotidiana contra as guerras imperialistas, pela retirada das uniões imperialistas, pela soberania popular, pelos direitos democráticos estão intimamente ligadas com a luta pelo derrube do capitalismo.
    A posição de princípios do PCG sublinha que um partido revolucionário não pode ter duas caras, não pode negar a sua estratégia, a luta pelo poder operário e popular, pelo socialismo, com o fim de arrebatar votos nas eleições parlamentares, apoiando assim formações de gestão que facilitam o sistema.
    O PCG disse a verdade. Apelou ao apoio do PCG para que seja forte, de forma a poder contribuir decisivamente à obstaculização das medidas anti-laborais, ao reagrupamento e fortalecimento do movimento operário e popular, ao desenvolvimento de lutas militantes, à preparação do caminho para as mudanças radicais.
    O PCG nadou contra a corrente, tal como fez noutras ocasiões sobre assuntos cruciais entre os quais está a revelação do carácter da contra-revolução e do derrube do socialismo, a revelação do carácter imperialista da UE e a luta contra esta, a oposição ao Tratado de Maastricht, a condenação das intervenções imperialistas e dos pretextos que as justificam, etc..
    Neste sentido o PCG travou as batalhas eleitorais contra a corrente do medo e o fatalismo, contra as diversas ameaças de ingovernabilidade e de expulsão da zona euro, contra as ilusões promovidas de forma sistemática pela SYRIZA. Explicou ao povo o carácter da crise capitalista e das condições prévias ligadas à retirada da UE e da NATO, o cancelamento unilateral da dívida, a socialização dos meios concentrados de produção, isto é, o governo do poder operário e popular. Opôs-se o governo operário e popular ao governo da gestão burguesa. Travou esta batalha tendo em conta o risco do custo eleitoral.
    Mais, o mais ínfimo retrocesso por parte do partido perante a pressão para participar num governo de gestão da crise teria levado ao seu desarme e ao retrocesso, à derrota do movimento operário, ao cancelamento do esforço para formação da aliança sociopolítica que entrará em confronto com a linha política dos monopólios, as uniões imperialistas, a UE e a NATO. Teria deitado a baixo todo o esforço de reunião de forças na luta pelos problemas quotidianos, que se estão a agudizar cada vez mais, pela perspectiva do poder operário e popular. Na prática, o PCG teria perdido a coerência das suas palavras e obras, dado que pediam ao partido para fazer concessões prejudiciais e enganadoras do carácter decisivo, tanto sobre o seu programa como das tarefas e das lutas imediatas.
    É de enorme importância que nestas condições, quando uma série de outros partidos na Europa não estão representados no parlamento ou se diluíram em formações social-democratas ou esquerdas oportunistas, o PCG se mantenha firme, mesmo que com menos força eleitoral em comparação com a sua influência política mais ampla. A sua estratégia sobre as duas vias de desenvolvimento, a necessidade da aliança sociopolítica e a luta pelo poder operário e popular, a ampliação e o aprofundamento das suas ligações com a classe operária, os sectores populares pobres, continua a ser um elemento da sua nova actividade no povo para que se mantenha de pé, para que não sucumba ante os novos perigos que o esperam.
    A estratégia do PCG foi diariamente confirmada pelos acontecimentos. Trata-se de uma estratégia baseada nos princípios comunistas, na base das leis da luta de classes e determina o objectivo, o caminho e as condições prévias a fim de resolver a contradição fundamental entre o capital e o trabalho, a fim de resolver o problema central do poder e abolir as relações de produção exploradoras numas circunstâncias em que o capitalismo sofre as suas contradições inconciliáveis, se torna cada vez mais reacionário e perigoso e não há nenhuma forma de gestão do sistema que possa resultar numa solução favorável ao povo. Com esta estratégia, com esta linha de luta o PCG contribui incansavelmente para o esforço de reagrupar o movimento comunista na base revolucionária; estimula e apoia a luta dos comunistas, a luta anti-imperialista em todo o mundo, reforça a solidariedade internacionalista, assumindo ao mesmo tempo a sua responsabilidade no desenvolvimento da luta de classes a nível nacional.
    O nosso partido é muito exigente na avaliação autocrítica do seu percurso. Destaca que não basta ter uma estratégia correcta e um espírito militante. Há que estudar bem as suas debilidades para ser mais eficaz em questões de direcção política, melhorar a educação ideológica e política para acelerar a construção de organizações do partido nas fábricas, nos centros de trabalho nos bairros populares. Para fortalecer o movimento de orientação de classe, para que os sindicatos e outras organizações sejam massivos, para que novas forças participem na luta.
    O PCG continua a sua luta com um maior sentido de responsabilidade e determinação pelos problemas do povo. Centra a sua atenção na luta contra a política fiscal antipopular, pelos contratos colectivos de trabalho, os salários e as pensões, a protecção dos desempregados, a saúde, o bem-estar, a educação. Ao mesmo tempo prepara as suas forças contra o perigo de uma guerra imperialista contra a Síria e o Irão.
    Luta contra a política antipopular do governo da ND, do PASOK e da DIMAR (Esquerda Democrática), que surgiu de uma cisão da SYRIZA e faz parte do plano de manipulação da «esquerda» do povo. Leva a cabo uma luta mais organizada contra as ilusões de esquerda que a SYRIZA promove; reforça a sua luta contra o fascista «Aurora Dourada».
    Já há tempos tínhamos informado muitos partidos comunistas que o ataque contra o PCG se intensificará. Muitos camaradas sabem que a burguesia, os mecanismos estatais e para-estatais utilizaram meios repressivos e provocações contra o PCG e PAME (FMTT) e agora há que estar muito bem preparados para fazer frente à escalada do ataque contra o partido.
    Continuamos a nossa luta. Esforçamo-nos por ser mais eficazes na organização e no desenvolvimento da luta de classes.
    A redução da força eleitoral do PCG não invalida as vantagens de importância decisiva que o nosso partido conseguiu com grande esforço. Não invalida a força que tem nos sindicatos, nas organizações de massas, no movimento operário e popular, na juventude, o seu prestígio na classe operária, a confiança que o povo expressa nas lutas diárias, independentemente de isto ter sido expresso nas eleições.
    «Amigos nas boas ocasiões»
    Por isso, as forças que aberta ou secretamente interpretam o resultado eleitoral de forma arbitrária para minar a estratégia e a táctica do PCG, bem como o seu papel no movimento comunista internacional, serão julgados pelos comunistas revolucionários, pela classe operária.
    Há forças suficientes para a gestão do sistema. O que necessitam os povos são partidos comunistas verdadeiros que não vão gerir a barbárie capitalista em nome da «esquerda governamental» e do realismo de aceitar uma correlação de forças negativa. Porque daquele modo só se prepararia o caminho para as forças do capital, perder-se-ia um tempo precioso pelo qual a classe operária e os sectores populares pagariam um preço elevado.
    * Membro da Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista da Grécia (PCG)
    Este texto publicado em http://es.kke.gr/news/news2012/2012-06-29artho-marinoy
    Tradução de José Paulo Gascão a partir da versão em castelhano.

    Partidarização da Justiça ameaça a democracia brasileira

    Está sendo formado um amplo movimento da sociedade civil para denunciar ao mundo a última grande ameaça à democracia brasileira, o controle que a direita midiática exerce sobre o Poder Judciário

    Este ano, uma das principais anomalias da democracia brasileira emergirá com força. A proximidade do julgamento do “mensalão” do PT revela que, dos três pilares da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), um não passou pela depuração da hegemonia conservadora oriunda da ditadura.
    A democracia tratou de equilibrar a correlação de forças políticas e ideológicas nos Poderes Executivo e Legislativo. A renovação de quadros que os processos eleitorais impõem a esses Poderes a cada quatro ou oito anos (neste caso, nas eleições para o Senado Federal) permite que acompanhem os anseios da sociedade por pluralidade.
    Esse efeito benfazejo da democracia, porém, não atinge a terceira perna do tripé que sustenta a República, o Judiciário.
    Ainda que a cúpula desse Poder seja designada pelos poderes Executivo e Legislativo através da indicação dos membros do Supremo Tribunal Federal pelo Executivo, com referendo do Legislativo, o resto do corpo da Justiça brasileira ainda sofre os efeitos de décadas a fio de controle conservador das instituições.
    O funcionamento da Justiça brasileira, no varejo, mostra seu viés conservador. Da juíza que mandou massacrar milhares de famílias do bairro de Pinheirinho em São José dos Campos para beneficiar um ricaço corrupto às decisões judiciais nos Estados que atendem aos interesses das famílias midiáticas e de seus prepostos, é claro o viés político-ideológico que distorce a Justiça.
    Mesmo no Supremo Tribunal Federal, espanta constatar como o julgamento do “mensalão” do PT, de interesse da direita midiática, ultrapassou, temporalmente, o julgamento de escândalos mais antigos (como o mensalão do PSDB mineiro), que se arrastam simplesmente porque a mídia não se interessa por eles.
    Bastou a mídia fazer pressão para o julgamento do mensalão ser marcado, ultrapassando ilegalmente casos mais antigos que se arrastam. Aí se tem a demonstração de que mesmo em um Supremo renovado pela indicação de juízes sem vínculos políticos como os indicados pelos governos anteriores ao de Lula, o poder de chantagem da mídia ainda intimida a Justiça.
    A desconfiança que a sociedade nutre em relação à Justiça transparece da manchete de primeira página da Folha de São Paulo do primeiro dia útil desta semana, que dá conta de que a CUT pode ir às ruas protestar contra uma politização do julgamento do mensalão que vai se tornando cada vez mais previsível.
    Na verdade, o que um dos grupos de mídia que mais intimidam o Judiciário noticia é apenas a ponta do iceberg de um imenso movimento de resistência democrática contra o tribunal político em que as famílias midiáticas e os partidos políticos que controlam devem tentar converter o julgamento do mensalão, pois, além da CUT, todos sabem que esse movimento em prol de um julgamento técnico deve açambarcar UNE, MST e outras centrais sindicais.
    Com efeito, o julgamento do mensalão será, também, o julgamento da Justiça, pois algumas condenações, se ocorrerem, serão inaceitáveis porque se darão sem prova alguma. Como no caso de José Dirceu, por exemplo, que só pode sofrer alguma condenação se o julgamento for político porque não há absolutamente nada, nesse processo, que o incrimine.
    Nas instâncias estaduais da Justiça, então, a situação é espantosa. Desafetos dos barões da mídia sofrem condenações absurdas nas primeiras instâncias enquanto que essa mídia e seus peões são blindados contra qualquer reclamação pelos abusos que cometem.
    Na Justiça paulista ou na carioca, por exemplo, qualquer um que enfrente a mídia ou seus tenentes sabe que perderá, passando a ter alguma chance apenas nas instâncias superiores, quando os processos deixam a Justiça estadual.
    Esse processo de partidarização e ideologização da Justiça, bem como sua permeabilidade a pressões midiáticas, está se tornando cada dia mais escandaloso. Jornalistas que se opõem aos partidos de direita e aos grupos de mídia vêm sofrendo cerceamento do direito de defesa.
    Recentemente, jornalistas que incomodam a Globo foram condenados em ritos praticamente sumários, com seus processos “andando” em uma velocidade que a Justiça dificilmente exibe e sob decisões escandalosas que dispensam até, pasme-se, produção de provas pelas partes, dando razão, in limine, aos prepostos da família Marinho.
    Movimentos sociais e sociedade civil, portanto, organizam-se para denunciar ao mundo a corrupção da Justiça pelos interesses da direita midiática. As ruas serão o primeiro passo, mas a intenção é chegar aos fóruns internacionais, pois o partidarismo da Justiça constitui a última grande ameaça à democracia brasileira.

    segunda-feira, 9 de julho de 2012

    Muçulmanos mudam regra da FIFA


      Por Rui Martins, de Genebra  no CORREIO DO BRASIL

    Reprodução
    FIFA cede à religião e aceita jogadoras cobertas da cabeça aos pés.

    A decisão da FIFA de permitir às jogadoras dos países muçulmanos jogarem com véu e corpo coberto é um perigoso precedente e uma grande vitória da religião muçulmana sobre o mundo laico.
    A notícia é muito mais política que esportiva e constitui a primeira grande brecha importante dos religiosos muçulmanos no mundo laico, num setor bastante popular como é o futebol. A França é até agora o único país a reagir, pois decidiu continuar proibindo o uso do véu (chador) pelas jogadoras inscritas na Federação Francesa de Futebol, com base na laicidade.
    Sem começar qualquer jogo, são perdedoras todas as mulheres do mundo, porque o Ocidente laico está aceitando se submeter aos preceitos religiosos corânicos. As jogadoras dos países muçulmanos poderão competir com o véu, que cobre a cabeça e uma parte do rosto, mas não é só – mesmo com temperatura elevada terão de vestir uma traje de jogging cobrindo todo o corpo, um tanto folgado para não mostrar as formas das jogadoras.
    O pretexto de se tratar de uma questão cultural árabe ou tradição não é procedente, pois muitas mulheres muçulmanas denunciam o véu como uma imposição masculina e uma restrição à sua liberdade. A decisão da FIFA, ao se dobrar ante uma exigência religiosa, anula os esforços de algumas esportistas iranianas e árabes de obter derrogação para jogarem sem o véu.
    A francesa Anne Sugier, presidente da Liga do Direito Internacional das Mulheres, num artigo publicado no Journal du Dimanche, em Paris, considera a decisão da FIFA uma derrota para as mulheres e uma vitória para os religiosos dos países do Golfo, liderados pelo Qatar, que sob uma aparente promoção do esporte feminino reforçam a condição da mulher como cidadã de segunda classe.
    Anne Sugier lembra algumas mulheres campeãs olímpicas que desafiaram os religiosos muçulmanos competindo de cabeça nua e no traje normal dos atletas, como, em Los Angeles, em 1984, a marroquina Nawal El-Moutawakel, primeira campeã olímpica africana e muçulmana, e Hassiba Boulmerka, primeira medalha de ouro da Argélia, em 1991, em Barcelona, que chegou a ser ameaçada de morte pelos islamitas argelinos do FIS e que dedicou sua vitória às mulheres argelinas.
    Com a desculpa de se tratar de uma simples questão cultural o uso de um tecido cobrindo os cabelos (mas sem citar que as jogadoras são obrigadas a jogar de corpo totalmente coberto) o International Football Association Board ignorou o Artigo 4 do Regulamento da FIFA que proibe qualquer concessão política ou religiosa aos jogadores.
    A pressão crescente veio da CAF, Confederação Asiática de Futebol, que representa mais de 220 milhões de muçulmanos, apoiada por um dos vice-presidentes da FIFA, príncipe Ali ben Al-Hussein da Jordânia, e pelo Irã. Essa brecha na laicidade do esporte pode chamar outras – a das jogadoras das seleções femininas dos países não muçulmanos serem convidadas a usarem o véu, quando os jogos forem em país muçulmano, a pretexto de respeito de sua cultura (e não de sua religião!).
    Com a esperada popularização do futebol feminino, a singularidade das equipes de países muçulmanos nos encontros internacionais poderá provocar protestos das mulheres ocidentais mas será, ao mesmo tempo, uma publicidade religiosa até hoje ausente nos estádios. E logo mais haverá certamente novas medidas religiosas aceitas tanto pela FIFA como pelo COI.
    Mas não é só no futebol a infiltração da lei corânica – os pais pedem dispensa das meninas nos cursos mistos de natação nas escolas, as mulheres não aceitam ser examinadas por médicos homens e maternidades são obrigadas a prever médicas no trabalho de parto de mulheres muçulmanas.
    Traço marcante que envolveu essa decisão da FIFA – a insensibilidade geral da imprensa que parece ter achado normal como se fosse uma abertura da FIFA aos países muçulmanos e não uma restrição religiosa local às mulheres agora imposta de maneira global.
    E nossa visão da mulher ? Um objeto de cobiça e desejos pecaminosos que deve ser obrigada a ficar coberta da cabeça aos pés para não despertar lascívia ? Que as mulheres reajam, mesmo no Ocidente, antes que seja tarde demais – na Tunísia, Líbia e Egito, onde podiam passear e ir à escola, universidade ou trabalho com roupas normais, as mulheres voltaram a ser obrigadas a colocar o véu e a usar roupas e mangas longas para cobrir seu corpo. Foi o inesperado retrocesso resultante da revolução árabe, numa mistura de religiosidade com machismo. (Publicado originalmente no site Direto da Redação)

    Rui Martins, correspondente em Genebra

    domingo, 8 de julho de 2012

    Mate amargo


    As últimas semanas não foram fáceis para o presidente uruguaio. Em pouco mais de um mês perdeu uma eleição interna, viu ressurgir das cinzas seu arquirrival político, suportou críticas de seu vice-presidente, às quais se somaram as de seus opositores, e teve que aguentar a deslealdade ou falta de compromisso de um homem que ocupa um posto chave em seu governo, nada menos que o de chanceler. E tudo isso, em grande parte, por abraçar o sonho da integração regional. O artigo é de Santiago O’Donnell.


    Buenos Aires - É impossível saber daqui o que estará se passando pela cabeça de Pepe Mujica, mas é certo que estas últimas semanas não foram fáceis. Em pouco mais de um mês perdeu uma eleição interna, viu ressurgir das cinzas seu arquirrival político, suportou críticas de seu próprio vice-presidente, às quais se somaram as de seus opositores, e teve que aguentar a torpeza, deslealdade ou falta de compromisso de um homem de suas fileiras que ocupa um posto chave em seu governo, nada menos que o de chanceler.

    E tudo isso aconteceu em grande parte por abraçar o sonho de Artigas da integração regional, em um momento no qual muitos de seus compatriotas veem com receio e desconfiança seus aliados Argentina e Venezuela e dão a entender que preferem políticas mais próximas ao liberalismo econômico que se referencia nos Estados Unidos.

    No dia 27 de maio, os candidatos de Mujica foram derrotados na interna da Frente Ampla e como resultado disso cresceu a figura de seu principal rival interno, o ex-presidente Tabaré Vázquez, cuja candidata Mônica Xavier (Partido Socialista) ganhou com folga as eleições. Xavier obteve 36% dos votos, contra o candidato a linha interna de Mujica, Ernesto Agazzi (MPP), que conseguiu 19%. O outro candidato que apoia Mujica, Enrique Rubio (da Vertente Artiguista), obteve 15%, enquanto que Juan Castillo, o candidato comunista, somou 13% e os votos em branco alcançaram uma cifra recorde de mais de 16%.

    Foi um resultado muito ruim para o presidente uruguaio, levando em conta que, na interna de 2009, o MPP venceu e Mujica fez 52% dos votos. No mês passado, somando-se os votos de Xavier com os votos em branco, mais da metade dos militantes da Frente Ampla expressaram sua contrariedade com a condução do presidente uruguaio. “Y ya lo ve y ya lo ve, el presidente es Tabaré.” Ovacionado, aplaudido de pé, assim ingressou Vázquez no Plenário Nacional da Frente Amplia para presenciar a posse de sua correligionária socialista Mônica Xavier como presidenta da coalizão, no sábado passado, no Clube Democrático de Florida.

    Vázquez deixou a presidência uruguaia em 2010 com um alto índice de popularidade, impossibilitado pela Constituição para disputar mais uma vez a presidência. Mas no ano passado havia anunciado sua “aposentadoria” da política para apagar o fogo causado pelas divulgações do Wikileaks. Os telegramas revelaram que Vázquez havia pedido ajuda a Bush para uma eventual guerra contra a Argentina e seu odiado Néstor Kirchner por causa do conflito nas papeleiras no rio Uruguai.

    Em seu discurso do sábado passado, Mônica Xavier agradeceu e dedicou seu triunfo a Tabaré. Os jornalistas foram para cima do ex-presidente para perguntar se sua “aposentadoria” tinha terminado. Um dado que não é menor já que, segundo as pesquisas, com Wikileaks e tudo, Vázquez é o político mais popular do Uruguai.

    “Estamos longe de falar de candidaturas, mas estou aqui neste plenário da Frente”, disse Vázquez ao jornal El País, de Montevidéu. Malicioso, comparou sua participação no plenário da Frente Ampla, da qual é membro permanente, com a “volta do Progresso à primeira divisão do futebol uruguaio, clube do qual é torcedor”.

    Além de servir de cenário para a dramática reaparição de Vázquez, a eleição interna impulsionou a figura de outro rival interno de Mujica, o vice-presidente Danilo Astori, ex-ministro da Economia de Vázquez e emergente do Partido Liberal que faz parte da Frente Ampla, chamado Frente Líber Seregni. Essa frente se impôs na votação por partidos, com 19%, ficando atrás apenas do MPP e do Partido Socialista. A margem foi mínima, mas o crescimento foi importante e diversos meios de comunicação uruguaios que cobriram a eleição coincidiram em destacar que Astori saiu fortalecido.

    Neste contexto ocorreu o golpe parlamentar contra Lugo, a decisão do Mercosul de suspender o Paraguai e, quase no mesmo ato, a aprovação da incorporação da Venezuela como membro pleno do organismo regional. Para Mujica, certamente, o momento não foi muito oportuno.

    Astori representa uma linha de pensamento. Como ministro de Economia, tentou impulsionar sem êxito um tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Ele foi e segue sendo muito crítico às assimetrias no Mercosul entre os países maiores e os menores. Fala mal de Chávez. Dentro da aliança governista, representa o setor mais próximo do capital financeiro. No ano passado, se opôs a um imposto sobre os latifúndios proposto por Mujica e os dois terminaram negociando.

    Já com Almagro, a questão é outra. O chanceler Luis Almagro é do MPP, a linha interna de Mujica, e foi assessor de Mujica no Ministério da Agricultura durante o governo de Vázquez. Ele era considerado um aliado incondicional de Pepe. Mas foi Almagro que disse que a incorporação da Venezuela ao Mercosul “não está firme” poucas horas depois que os presidentes do Uruguai, Brasil e Argentina tinham anunciado a incorporação na cúpula de Mendoza. Também disse que Mujica havia sido pressionado pela mandatária argentina Cristina Kirchner e por sua colega brasileira, Dilma Rousseff, para abrir espaço no Mercosul ao país governador por Hugo Chávez.

    As declarações de Almagro explodiram em todo Uruguai. A oposição fez uma festa. As forças de oposição se uniram para exigir uma interpelação do chanceler e pediram sua renúncia. Os Colorados anunciaram que retiravam seus representantes do Parlamento do Mercosul até voltassem os representantes paraguaios suspensos. Depois se uniram com os Blancos e fizeram uma segunda interpelação, desta vez para Almagro e o ministro da Defesa, pela presença supostamente não autorizada de militares não venezuelanos no Uruguai.

    Animado pelos resultados da interna, Astori usou a oportunidade para levar mais água para seu moinho e saiu a opinar, em meio da tormenta, que a incorporação da Venezuela no Mercosul era uma “ferida” para os
    uruguaios.

    Ante a enxurrada de críticas, a primeira reação de Mujica foi a de um político. Disse que, quanto mais pedirem a renúncia de Almagro, mas se empenharia em mantê-lo no cargo. Mas não se escutaram muitas vozes em defesa do presidente. Quem ficou na linha de frente dessa defesa foi a senadora nacional, liderança do MPP e mulher de Mujica, Lucía Topolansky, que refutou as declarações de Almagro e ratificou o apoio uruguaio à incorporação da Venezuela.

    Então os socialistas moveram suas fichas. Mônica Xavier, como nova presidenta da Frente Ampla, visitou Mujica para reafirmar que, como presidente da República, ele segue sendo o líder do projeto político da Frente Ampla e que, como tal, tinha todo o apoio dela e de toda a coalizão. Além disso, afirmou que a Venezuela era “um tema superado”. Talvez tenha sido uma forma elegante de lembrar a Astori que serão aliados, mas que ele não representa os socialistas, cuja referência é, agora mais do que nunca, Tabaré Vázquez. E também de advertir Astori mais uma vez que a postura contra o Mercosul segue sendo minoritária dentro da Frente.

    Na verdade, a incorporação de Venezuela foi aprovada pelos quatro países membros do Mercosul em 2006 e de novo em 2009, faltando apenas a ratificação do Senado paraguaio. Mas segundo um ex alto funcionário do Mercosul, conhecedor na intrincada arquitetura legal que surge dos distintos tratados e protocolos firmados, não era preciso o voto do Parlamento paraguaio. Os estatutos foram reformados, explicou essa fonte, para que a aprovação de três dos quatro países do Mercosul fosse suficiente para aprovar novas incorporações. “O que ocorreu em Mendoza é que tomaram a decisão política”, explicou o especialista. Ou seja, tinham o instrumento legal para agir sem a aprovação do Paraguai, mas nunca tinham o utilizado.

    Mas não era a letra pequena do Mercosul que complicava Mujica e o fazia perder força dentro da Frente Ampla. Seu problema, diziam seus críticos, era a relação com Argentina e Venezuela. Era o fato de ter negociado com os chavistas e com os bloqueadores de pontes; de ter escolhido mal seus amigos. Na quinta-feira, Pepe não aguentou mais e veio a público contestar os críticos.

    Disse que se sentia muito só na defesa da relação com a Argentina, que não é nenhuma novidade que os argentinos são difíceis, mas são os vizinhos que existem, que não é possível mover o Uruguai para outro continente, que é preciso negociar, negociar e negociar ou que alguém lhe mandasse a receita para fazer algo diferente. Afirmou ainda que os argentinas fizeram Punta del Este e grande parte do Uruguai, mas que lamentavelmente quando a Argentina joga futebol com a Alemanha os uruguaios torcem pela Alemanha. Ele pediu aos uruguaios que mudem um pouso essa mentalidade.

    Em relação a Venezuela, Mujica esclareceu que não é o chavismo que está ingressando no Mercosul, porque os governos passam, vão e vem. Disse que o que foi aprovado é o ingresso de um país, um país com muito petróleo que o Uruguai precisa comprar, um país que demanda muitos alimentos que o Uruguai precisa vender.

    É impossível, daqui, entrar na cabeça de Pepe, mas é possível imaginá-lo tomando mate no pátio de seu rancho de Rincão do Cerro, enquanto repassa o que fez de certo e errado após um mês bastante duro. Desde pequenas questões táticas como ir para a disputa interna com dois candidatos em vez de um, ou de não ter feito um acordo com os comunistas, até as grandes perguntas sobre coesionar a frente externa com a interna, e a questão de longo prazo envolvendo as eleições presidenciais de 2014.

    Poderá sentir-se tranquilo com a saúde da Frente Ampla, com figuras respeitadas como Vázquez, Astori, Topolansky e Mônica Xavier, líder da campanha pela legalização do aborto. Todos eles garantiram a Mujica que sua formação política terá grandes chances de competir com êxito pelo poder nos anos vindouros e, deste modo, aprofundar as mudanças que vem sendo realizadas. Mas não será fácil para Mujica digerir a derrota na disputa interna e a falta de apoio a sua política externa.

    Podemos imaginá-lo na porta de seu rancho, como mostra a foto de Gonzalo, com o olhar perdido no horizonte, mergulhado em sua memória. Com a recordação de sua condição de prisioneiro tupamaro na ditadura para ganhar ânimo, lembrando que saiu triunfante de situações piores.

    Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

    sábado, 7 de julho de 2012

    Compreender a Sociedade para entender a educação e o papel da escola

     
    A “história da humanidade”
    deve sempre ser estudada e elaborada
    em conexão com a história da indústria e das trocas.
    (Marx e Engels)

    O tema da educação não ocupou um lugar central na obra de Marx. Ele não formulou explicitamente uma teoria da educação, muito menos princípios metodológicos e diretrizes para o processo ensino-aprendizagem. Sabemos que sua principal preocupação fora o estudo das relações sócio-econômicas e políticas e seu desenvolvimento no processo histórico. Entretanto, a questão educacional encontra-se inevitavelmente enredada em sua obra. Existem alguns textos que Marx, juntamente com Engels, redigiu sobre a formação e o ensino em que a concepção de educação está articulada com o horizonte das relações sócio-econômicas daquela época. Assim, para compreendermos qual sua perspectiva na análise do fenômeno educativo precisamos passar pelo seu modo de compreender a sociedade. Na seqüência, meu propósito é pontuar algumas das questões que, em nosso entender, chamam a atenção para uma re-leitura de Marx e Engels, hoje, no âmbito educacional.
    O ponto de partida da história, para Marx, é a existência de seres humanos reais que vivem em sociedade e estabelecem relações. Para ele a essência do homem é o conjunto das relações sociais. Assim, a corporeidade natural é uma condição necessária mas não suficiente. A humanização do ser biológico e específico só se dá dentro da sociedade e pela sociedade. Gadotti (1984) nos lembra que, para Marx, o homem não é algo dado, acabado. Ele é processo, ou seja, torna-se homem e, isto, a partir de duas condições básicas: a) ele produz-se a si mesmo e, ao fazê-lo, se determina como um ser em transformação, como o ser da práxis e; b) esta realização só pode ter lugar na história.
    O que distingue o ser humano dos outros animais, conforme Marx, é o fato de ele, num dado momento da história, começar a produzir os seus próprios meios de existência. O que o ser humano é coincide com “o que” e “como” ele produz. Ao contrário de Hegel, para quem a consciência determina a vida concreta, real; em Marx é a vida concreta e real que determina a consciência. Assim, “O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (MARX; ENGELS, 1999, p. 28).
    Deduz-se desta perspectiva que, para a compreensão do processo educativo, deve-se compreender aquele (processo) pelo qual os seres humanos produzem a sua existência, isto é, o processo produtivo, o mundo do trabalho e o âmbito de suas relações. Para essa análise é preciso recorrer à situação da divisão do trabalho, o que permite considerar o grau de desenvolvimento das forças produtivas de uma sociedade. Assim, podemos tomar como exemplo a divisão entre campo e cidade, entre trabalho comercial e industrial. A divisão do trabalho conduz a diferentes interesses ocasionando até mesmo interesses opostos.
    O advento da propriedade privada provocou um mudança decisiva na divisão do trabalho. A partir da divisão do trabalho em trabalho manual e trabalho intelectual surgem outras dicotomias: gozo e trabalho, produção e consumo, miséria e opulência. Estas dicotomias originam um conflito de interesses: o individual versus o coletivo, o público e o privado.
    Marx e Engels (1999, p. 46) apontam para as conseqüências desta divisão: “(...) com a divisão do trabalho fica dada a possibilidade, mais ainda, a realidade, de que a atividade espiritual e a material – a fruição e o trabalho, a produção e o consumo – caibam a indivíduos diferentes; e a possibilidade de não entrarem estes elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada”.
    Aquele caráter edificante, socializante e humanizante do trabalho, onde o indivíduo constrói-se na inter-relacão com os demais indivíduos, desfaz-se sob a economia capitalista, pois o ser humano passa a representar uma força de trabalho que é vendida aos proprietários dos meios de produção como aparente garantia de sua sobrevivência. A vida torna-se, assim, um simples meio de vida. Como conseqüência disso temos aquilo que Marx denominou como alienação, isto é, o trabalho que o ser humano realiza produz objetos que não lhe pertencem e, além disso, voltam-se contra ele como estranhos. A diferença entre o que ele produz e o que ele é na vida cotidiana aumenta cada vez mais. O trabalho torna-se cada vez mais alheio ao trabalhador. Quanto mais o trabalhador produz, mais ele nega-se a si mesmo, mais arruína-se física e espiritualmente.
    A propriedade privada, portanto, constitui a base de todo o processo de alienação. O conceito de alienação mostra concretamente o que impede o desenvolvimento do ser humano e como se pode ultrapassar tais impedimentos. Nos Manuscritos Econômico-filosóficos Marx afirma que a superação da propriedade privada significa a emancipação plena de todos os sentidos e qualidades humanos.
    A educação, na sociedade capitalista, é, segundo Marx e Engels, um elemento de manutenção da hierarquia social; ou o que Gramsci denominou como instrumento da hegemonia ideológica burguesa. A igualdade política é algo meramente formal e não passa de uma ilusão visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca. Atualmente a situação não parece ser muito diferente daquela vivida e descrita por eles.
    No entanto, uma das possibilidades de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles designam ensino politécnico ou formação omnilateral. Por meio desta educação omnilateral o ser humano desenvolver-se-á numa perspectiva abrangente isto é, em todos os sentidos. Conforme Gadotti (1984, p. 54-55) “A integração entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade, segundo Marx, deve dar-se desde a infância. O tripé básico da educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizado profissional polivalente (técnico e científico).”
    Marx e Engels não só indicaram freqüentemente que o trabalho físico sem elementos espirituais destrói a natureza humana como, também, que a atividade intelectual à margem do trabalho físico conduz facilmente aos erros de um idealismo artificial e de uma abstração falsa. Logo, a união entre os dois dá um caráter integral à educação e tomará o lugar da formação unilateral, especializada e alienada.
    Assim, o ensino aparece como instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do mundo. Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O proletariado, por si só, não conquista sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado desde o início dos meios que lhe permitiriam consegui-lo. Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um projeto político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são decisivos para a construção da consciência de classe do trabalhador.
    Acreditamos que é extremamente pertinente a concepção educativa de Marx e Engels, visto que sua proposta recupera o sentido do trabalho enquanto atividade vital em que o homem humaniza-se sempre mais ao invés de alienar-se e a educação é concebida, não como instrumento de dominação e manutenção do status quo mas, como processo de transformação desta situação.
    A obra destes autores constitui uma crítica fundamental à concepção burguesa do ser humano e de educação. Às concepções metafísicas e idealistas, que são fundamentalmente conservadoras, estes pensadores opõem a concepção materialista, histórica e dialética, isto é, interessaram-se pelo ser humano real em carne e osso, por seus problemas enquanto vivem em sociedade, visando uma transformação positiva e humanizante. Esta concepção dialético-histórica do ser humano toma como premissa fundamental o fato de ele não ser um dado, mas essencialmente um construir-se. Deste modo, a educação deve vir para corroborar esta construção que não é meramente teórica ou abstrata, mas real, prática.
    Na sociedade capitalista contemporânea a educação reproduz o sistema dominante tanto ideologicamente quanto nos níveis técnico e produtivo. Na concepção socialista, a educação assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação omnilateral é o que continua fazendo falta em nossa sociedade. O atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que se diz sobre reprodução, exclusão e dominação. Projetos político-pedagógicos até existem e são propostos, mas são postos em andamento aqueles que legitimam o sistema e não representam para ele uma ameaça.

    [1] Profª da Rede Municipal de POA, da Rede Estadual do RS e Profª da ACM no RS. `Pesquisadora do Intituto Airton Senna em SP, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa da UFRGS “Movimentos Sociais, Trabalho e Educação”
    Este Artigo foi retirado da Dissertação de Mestrado “As contradições na Vida e no Trabalho dos alunos da EJA em POA. Um estudo de Caso” 2006.

    Pepe Mujica, entre o palácio e a horta



    Pepe Mujica, entre o palácio e a horta /Matilde Campodonico/AP
    "Pepe" divide presidência com as lides campeiras em sua chácara, perto de Montevidéu Foto: /Matilde Campodonico / AP

    Ao esticar as pernas no sofá puído e sorver o aroma do Tannat produzido por ele próprio na chácara de Quincho Varela, onde também planta acelga, beterraba e flores a 20 minutos de Montevidéu, o presidente do Uruguai alimenta um debate: esse senhor de camisa em mangas e calça de tergal, sorriso de avô traquinas e bigode de cantor de tango é um simplório que vai a reboque de líderes regionais como Brasil e Argentina, ou um homem simples, que faz do estilo caseiro todo um método de gestão?
    O debate, não necessariamente nessas palavras, foi um dos temas da semana que passou. "Pepe" Mujica concordou com as presidentes dos países vizinhos ao seu: sim, a Venezuela poderia entrar no Mercosul, como ficou depois decidido.
    Horas depois dessa decisão, porém, ministros do seu governo e até o vice-presidente Danilo Astori saíram a público para relatar o que teria sido o encontro tenso entre os líderes, no qual o presidente uruguaio teve de ceder e aceitar a Venezuela, mediante a suspensão do Paraguai – acusado de golpe por causa do impeachment de Fernando Lugo, na semana anterior.
    Os uruguaios se dividem a respeito do presidente que pilota seu fusca 1987 avaliado em US$ 920 e que poderia, tranquilamente, ser confundido com um jogador de damas da Praça da Alfândega.
    – Ele é sempre a mesma adorável pessoa. É generoso, sabe lidar com a gente. Sim, ainda dirige o fusca azul. Só vejo um problema nisso: ele acaba fazendo propaganda para a Volkswagen – sorri sua secretária particular, Maria Minacapilli, uma das pessoas ouvidas por Zero Hora para desvendar o sentimento uruguaio em relação ao ex-guerrilheiro tupamaro que mantém na parede da sala de sua casa retratos de Salvador Allende e Che Guevara e que recentemente também provocou polêmica ao fazer estatizar o plantio e a venda da maconha.
    O contraponto vem, claro, da oposição:
    – Ele é errático e confuso. Parece não saber o que quer. Aceitou abrir não das garantias jurídicas que nos davam suporte no Mercosul. Mostrou-se fraco – critica o senador Sergio Abreu, do Partido Nacional e profundo conhecedor do Mercosul.
    A discussão a respeito da personalidade de Mujica, 77 anos, o deixa esgotado. Maria conta que o trabalho começa bem cedo. Por volta das 21h, ele já está de volta na chácara, cuidando das suas coisas, recebendo um que outro aliado em frente à lareira ou simplesmente afagando a cachorrinha "de raça indefinida" Manuela, com suas três patas e uma fidelidade raramente vista na política.
    Mujica abandonou a clandestinidade da guerrilha e entrou para a política partidária nos anos 80. Desde então, repaginou-se em termos Até aceita eventualmente ceder aos ternos bem cortados e à "gravata burguesa", ainda que não seja seu estilo. Em 2009, ele fez uma frase de efeito, durante entrevista para ZH, para mostrar sua aversão ao maniqueísmo:
    – Não creio mais em branco e preto, creio nos tons intermediários. A vida é muito mais complicada, e não aceito as dicotomias.
    Antes de chegar a essa visão que ele próprio define como "amadurecida", o presidente uruguaio, de linguajar coloquial e temperamento afável, rompeu com a cultura guerrilheira. Mesmo acatando o uso de armas como resistência à ditadura (que no Uruguai se estendeu de 1973 a 1985), opõe-se hoje aos sequestros, roubos e incêndios que seu grupo, o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, praticou. Mais ainda se mostra com as mortes provocadas pela guerrilha – seriam 58, e o que se diz a boca pequena é que foi dele a responsabilidade pela eliminação do policial José Leonardo Villalba, em fevereiro de 1971.
    Mujica foi preso pela primeira fez em 1964. Ficou oito meses encarcerado por ter assaltado uma fábrica de tecidos. Mais tarde, tornou-se habitué do cárcere. Fugiu duas vezes. Em uma dessas fugas, liderou 114 companheiros pelo túnel que cavaram até uma casa próxima da prisão. Ficou preso ininterruptamente (e incomunicável por dois anos) de 1973 a 1985.
    Os companheiros de armas não são unânimes quanto à participação do presidente nos anos de chumbo. Jorge Zabalza disse a ZH que se retirou da vida pública. Limita-se a distribuir textos por e-mail. Na biografia sobre Zabalza, Cero a Izquierda, Federico Leicht conta que o ex-companheiro de Mujica considera o atual presidente "uma figura sem brilho", que se tornou um mito "por ter habilidade política".
    Eleutério Fernández Huidobro, outro companheiro da época, discorda:
    – Foi um grande companheiro, na guerrilha e na prisão. Um companheiro trabalhador, honesto e de diálogo direto.
    Esse perfil, de trabalhador e honesto, Mujica procura manter ainda hoje. Ele recebe US$ 12,5 mil mensais por seu trabalho à frente do país, mas doa 90% desse valor para ONGs e pessoas carentes. Sobra-lhe US$$ 1,3 mil, o suficiente, segundo ele, para seus hábitos modestos, com uma que outra licença para receber os amigos em um assado dominical regado a whisky e o Tannat sob a vigilância da cachorrinha manca, que a tudo observa em frente à lareira.
    A senadora Lucia Topolanski é muito mais que mais uma parlamentar na base de apoio a José Pepe Mujica.
    Diz ela própria:
    – Sou o soldado mais fiel que tem o presidente no Senado.
    Pudera: Lucia é a mulher de Mujica. Parceira de Frente Ampla e companheira de armas nos anos de chumbo. Os dois se conheceram e se apaixonaram quando circulavam pelas sombras da clandestinidade, no início dos anos 70. Juntos, planejaram assaltos, sequestros e fugas. Foi ela, também, quem, no Senado, tomou o juramento do marido como presidente. Por quê? Por amor? Não, porque coube a ela a honra como a deputada mais votada, pelo Movimento de Participação Popular (MPP).
    Desde abril de 1972, há 40 anos, são um casal que chama a atenção pela cumplicidade. O casamento tomou corpo depois que Mujica fugiu da prisão de Punta Carretas andando mais de cem metros em meio a fezes e baratas, no subsolo de Montevidéu. Houve, porém, novo encarceramento dos dois e a libertação com a anistia, em 1985. Nunca mais se separaram.
    O casal nunca teve filhos.

    A vida em dois tempos

    > José Alberto Mujica Cordano nasce em 20 de maio de 1934, em Montevidéu.
    > Seu primeiro partido político, antes dos anos 60, foi o Nacional, seu atual adversário.
    > Depois, passou a integrar o Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros, entre os anos 60 e 70.
    > Ficou preso durante 14 anos em razão da sua atuação como guerrilheiro.
    > Em 1985, deixou a prisão, com a anistia e a redemocratização no Uruguai.
    > Foi um dos fundadores da Frente Ampla, como integrante do Movimento de Participação Popular ( MPP).
    > Elegeu-se deputado em 1994 e senador em 1999. Em 2004, foi o senador mais votado.
    Em 1º de março de 2005, foi designado ministro da Agricultura, no governo do socialista Tabaré Vázquez.
    > Deixa o cargo em 3 de março de 2008 e regressa para a sua banca no Senado.
    > Vence as prévias da Frente Ampla ao derrotar o agora vice-presidente Danilo Astori, que tinha o apoio de Vázquez.
    > Em maio de 2009, enviou uma carta ao MPP, renunciando a qualquer compromisso, para ser o presidente de todos.

    Fator previdenciário é uma injustiça contra os mais pobres


    Para o economista Eduardo Fagnani, uma alternativa ao fator previdenciário é “manter a contribuição e estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria”



       
       
    O economista Eduardo Fagnani
    Foto: Reprodução
    A discussão sobre o fim do fator previdenciário, lançada pelas centrais sindicais, pede o fim de um mecanismo criado após a reforma previdenciária de 1998, e que tem prejudicado os trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho antes dos 18 anos. Na avaliação do economista Eduardo Fagnani, a iniciativa é válida, porque o “fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de 1998”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele explica que o fator previdenciário “impõe uma perda para quem tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade”.
    Atualmente, o Brasil tem uma das regras mais rígidas do mundo para o acesso à aposentadoria. Entretanto, a solução da previdência "não está em fazer mais reformas para cortar os direitos conquistados" e, sim, em investir num “modelo macroeconômico que não leve à estagnação da economia, ao desemprego, à precarização do trabalho”, assegura o economista. De acordo com Fagnani, “o problema da previdência, ao contrário do que dizem os conservadores, não está relacionado apenas com o crescimento da despesa, mas com a redução das receitas”, por conta da estagnação da economia brasileira nos anos 1990. A eficácia da previdência, resume, depende das opções macroeconômicas do país. “Se a economia crescer, não haverá problema na previdência”.
    Eduardo Fagnani possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutorado em Ciência Econômica pela mesma instituição, onde leciona atualmente.

    Como o senhor avalia o projeto de acabar com o fator previdenciário? O que mudaria em relação à aposentadoria?

    Eduardo Fagnani – O fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de 1998, da reforma previdenciária do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, pretendia-se tornar as regras de acesso à previdência Social extremamente rígidas. Assim, a proposta do governo era de que, para se aposentar, a pessoa deveria ter condições. A primeira, 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher, mais 35 anos de contribuição. Essa fórmula é mais rígida do que a praticada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, na Europa. O Congresso vetou essa possibilidade e adotou duas formas para a aposentadoria: ou por idade (65 anos, homem; 60, mulher) mais 15 anos de contribuição; ou por tempo de serviço (35 anos de contribuição). No ano seguinte, o governo criou o fator previdenciário, que impõe uma perda para quem tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade. Então, a pessoa que contribuiu durante 35 anos, mas tem, por exemplo, 55 anos de idade, é penalizada. Isso é injusto porque, em geral, a população de baixa renda entra no mercado de trabalho mais cedo, e a população mais rica entra no mercado de trabalho mais tarde, porque tem condições de estudar. O pobre não, e começa a trabalhar com 16 anos, em média. Então, uma pessoa que começa a trabalhar com 16 anos, quando tiver 57, tem condições de se aposentar por tempo de contribuição. Só que se ele não tiver 65 anos, será penalizado. É injusto exatamente por isso, por incidir mais sobre a camada mais pobre, que começa a trabalhar mais cedo.

    O que difere a proposta do governo e a proposta das centrais sindicais em relação ao fator previdenciário?

    A diferença básica é a seguinte: tanto o governo como as centrais sindicais propõem um fórmula que combine tempo de contribuição, os 35 anos, e uma idade mínima. As centrais sindicais propõem uma idade menor, e o governo propõe uma idade maior.

    Que modelo seria alternativo ao fator previdenciário?

    Uma alternativa é manter a contribuição e estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria, mas essa idade não pode ser 65 anos, porque é muito rígida. Tem que ser uma idade menor, em torno dos 60 anos.

    Mas há uma cultura de que as pessoas devem trabalhar mais tempo antes de se aposentar, devido ao aumento da expectativa de vida?

    As centrais sindicais, muitas vezes, não levam em conta esse aspecto. Então se se estabelecesse uma idade muito baixa, essa questão demográfica não estaria de acordo com o crescimento da expectativa de vida. Mas minha posição é a de que a idade mínima não pode ser 65 anos. Veja, a média de aposentadorias na Europa é 60 anos. Agora, com a crise europeia, estão querendo aumentar a idade mínima na França de 60 para 62 anos. Portanto, não pode ter, em um país de capitalismo tardio como o Brasil, uma regra de idade mínima como a atual, implantada em 1998.

    Em que medida essa discussão em torno do fator previdenciário retoma o debate da reforma previdenciária no Brasil? Há ou não necessidade de reformar a previdência?

    Essa discussão de reformar a previdência é uma bobagem. Isso por várias razões. Primeiro, porque a reforma da previdência já foi feita em 1998 pelo FHC, e tornou as regras brasileiras mais exigentes em relação à idade mínima para se aposentar e estabeleceu um tempo de contribuição.
    Não há como comparar as realidades socioeconômicas e demográficas do Brasil com os países da comunidade europeia. A renda per capita e a expectativa de vida lá são muito maiores, e a realidade social é muito melhor. No entanto, as regras brasileiras são maiores. O que os conservadores querem? Querem passar a idade mínima para 70 anos? Sendo assim, o Brasil será o campeão mundial de idade mínima. O que eles querem fazer, na verdade, é desvincular o piso do mínimo, aumentar a idade de trabalho das mulheres. Enfim, a questão aí é judicial.
    O problema da previdência, ao contrário do que dizem os conservadores, não está relacionado apenas com o crescimento da despesa, mas também com a redução das receitas. Eles dizem que a previdência tem um problema financeiro, visto que a despesa cresceu muito, continuará crescendo e, portanto, vai “tornar o país ingovernável”. Isso é uma estultice. O problema da previdência, desde os anos 1990, não é só de aumento da despesa; trata-se de um problema de redução das receitas. E por que houve redução das receitas? Porque a economia ficou praticamente estagnada desde 1990. O Brasil cresceu, em média, menos que 2% ao ano. Quando o país tem um baixo crescimento econômico, tem desemprego, redução de salário etc. e, portanto, cai a massa salarial – e as fontes de financiamento da previdência são baseadas na massa salarial. Resumindo: quando a economia está estagnada, a receita cai.
    O que aconteceu de 2007 para cá? A previdência urbana passou a ser superavitária. No ano passado, ela foi superavitária em 40 bilhões. E passou a ser superavitária porque a economia voltou a crescer 4% ao ano. Quando se fala que é preciso fazer uma reforma da questão financeira, diz-se que o problema da previdência é a previdência. Eu estou dizendo que o problema da previdência não está nela própria; está nas opções macroeconômicas que o país faz. Se a economia crescer, não haverá problema na previdência.

    A partir do sistema previdenciário, que avaliação faz das finanças do Estado?

    De 2007 para cá houve um crescimento econômico e a geração de mais de 20 milhões de empregos. Além disso, o desemprego caiu de 13% para 5%. Qual o efeito disso? Mais pessoas passaram a ser incluídas, mais pessoas passaram a contribuir com a previdência, e aumentou a arrecadação. Então, a previdência urbana em 2011 teve um superávit de mais de 40 bilhões. Portanto, a solução da previdência não está em fazer mais reformas para cortar os direitos conquistados, para tornar as regras mais exigentes. A opção é ter um modelo macroeconômico que não leve à estagnação da economia, ao desemprego, à precarização do trabalho.

    Que expectativa os jovens podem ter de se aposentar pelo INSS? Isso vai depender dos rumos da economia nos próximos anos?

    Em relação a essa questão, os conservadores dizem que existe a bomba demográfica, ou seja, em 2050 haverá um aumento da população idosa. Mas têm duas coisas que eles não falam. A primeira delas é a redução do número de jovens até 15 anos. Só para se ter uma ideia, hoje existem 46 milhões de crianças em idade escolar. Em 2040, existirão 20 milhões de crianças na escola. Portanto, em tese, vai se reduzir a pressão para a educação. A segunda questão importante é que, até 2050, a população de 15 a 60 anos aumentará, que é a população em idade de trabalho.
    Então, se tiver uma política econômica que garanta o emprego, o rendimento etc., haverá também a oportunidade de que esta população tenha escolaridade, renda, educação, ou seja, passe por uma fase de enriquecimento relativo antes de se aposentar. Portanto, ela irá depender menos da previdência pública. Então, existe uma janela de oportunidade demográfica, e isso pode ser positivo se a economia crescer 4% ao ano, ou pode ser um ônus, nos próximos 20 ou 30 anos, caso o Brasil continue a ter um crescimento baixo.

    Qual a importância da previdência como um instrumento de seguridade social e, nesse sentido, quais as implicações da previdência privada para os investimentos em seguridade social?

    O Brasil teve uma sorte histórica, porque as pessoas que lutaram contra a Ditadura Militar na década de 1970 pensaram em uma agenda democrática que incluía a democracia, a redistribuição da renda e um sistema de proteção social inspirado na social-democracia europeia. Essa agenda, com uma dificuldade enorme, conseguiu ser aprovada na Constituição de 1988, que foi inspirada na ideia de direitos sociais, de seguridade social, ou seja, na concepção de que todas as pessoas têm direito ao mínimo, mesmo não tendo contribuído. Quer dizer, trata-se de princípios de valores que têm a ver com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Entretanto, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo passou a ser o paradigma hegemônico, mas ele não entrou no Brasil até 1988, porque o país estava tratando as contas com a Ditadura Militar, e na agenda brasileira predominava a reforma tributária, os direitos trabalhistas, a seguridade social, o sistema único de saúde, o direito de greve etc. Ou seja, não era a agenda do neoliberalismo.
    É evidente que desde os anos 1990 há uma tentativa de retroceder a Constituição de 1988, mas bem ou mau o Brasil tem uma seguridade social e uma previdência social, que é o maior mecanismo de proteção social do país. A seguridade social beneficia diretamente 33 milhões de pessoas: 17 milhões do INSS urbano, 8 milhões do INSS rural, mais 4 milhões do benefício de prestação continuada, e mais 7 milhões de seguro desemprego. 90% desses benefícios equivalem a um salário mínimo. E, atualmente, quase 90 milhões de pessoas recebem pelo menos um salário mínimo, ou seja, trata-se de quase a metade da população brasileira.
    Nos últimos anos, o salário mínimo cresceu mais de 60% em termos reais, e 90% desses benefícios equivalem ao piso do salário mínimo. Logo, a renda dessas transferências para a seguridade social aumentou 60%, aumentando o poder de compra das pessoas. Esse é um dos fatores, junto com o crescimento do emprego, que têm sustentado o ciclo recente de crescimento, baseado no mercado interno.

    Seguridade social

    Hoje, menos de 10% dos idosos estão em situação de pobreza. Se não houvesse a seguridade social, mais de 80% dos idosos estariam abaixo da linha de pobreza. Daí a importância da seguridade social e da sua consolidação. Ainda existem muitas pessoas que não entendem a importância desse mecanismo de proteção social, o qual enfrenta muitas ameaças e riscos.
    Por outro lado, quem investe na previdência privada é quem tem uma renda elevada, ou seja, menos de 80% da população brasileira. A previdência privada fez parte da reforma da previdência de 1998. A ideia da emenda constitucional n. 20 era justamente criar um mercado para o setor privado, era permitir que o mercado financeiro nacional e internacional capturasse recursos da previdência. Para isso fizeram uma reforma dos setores público e privado. E em ambos os casos se estabeleceu um teto baixo de aposentadoria. A maior aposentadoria é 3.900 reais, portanto, quem quer ganhar mais, investe no setor privado. Com essa medida foi possível abrir o mercado para o setor privado tanto na previdência complementar privada como na previdência complementar pública. O problema disso é que esses recursos são aplicados pelo setor financeiro, e estão sujeitos às regras de um mercado financeiro que é ganancioso, e pouco regulamentado.

    Se não houvesse a previdência privada, seria possível estabelecer um teto maior para a previdência pública?

    Claro que sim. Mas se limita o teto justamente para criar o mercado do setor privado. Esse foi o objetivo da reforma do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi isso que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI pediram ao Brasil. Na década de 1990, nove países da América Latina privatizaram seu sistema de previdência, e o Brasil conseguiu resistir. Mas é nessa onda que foi feita a reforma, que tornou as regras exigentes para reduzir a pressão de gastos e, ao mesmo tempo, criar um teto baixíssimo para a aposentadoria a fim de implantar a previdência privada.

    Que fatores põem em risco as conquistas em relação à seguridade social?

    São várias as questões que colocam em risco as conquistas de 1988. Em relação à reforma tributária, está tramitando no Congresso Nacional a PEC-233, que simplifica o sistema de impostos. A proposta é criar o Imposto de Valor Adicionado – IVA, e extinguir a contribuição sobre o lucro, contribuição sobre o faturamento, o PIS/Pasep, o salário educação. Ou seja, vão extinguir todas as formas de recurso que financiem a seguridade social, todas as fontes de recurso previstas no artigo 195 da Constituição Federal, que fala do orçamento da seguridade social. Se acabarem com essa vinculação constitucional, todos os recursos vão para um fundo comum, e provavelmente esse dinheiro não será destinado à seguridade social.
    Outra questão é a desoneração da folha de pagamento, a desoneração da contribuição das empresas. Recentemente, em função da falta de competitividade das empresas nacionais em relação ao mercado internacional, além de baixar os juros, desvalorizar o câmbio, o governo permitiu que vários setores da economia deixassem de contribuir com a previdência social. Eles contabilizam 20% sobre a folha de salário, e tiveram isenção total para garantir o custo mais barato dos produtos, e melhorar a competitividade, embora o salário não seja o fator mais importante para a competitividade das empresas. Agora, qual será a consequência disso? Estão fragilizando as fontes de financiamento da seguridade social.

    Gostaria de acrescentar algo?

    Ainda em relação à questão da reforma tributária, não se discute um dos maiores problemas tributários do Brasil, que é a injustiça fiscal. Quer dizer, as pessoas mais pobres pagam proporcionalmente mais do que as pessoas mais ricas.
    Outra questão importantíssima diz respeito à Constituição de 1988, que criou a seguridade social (saúde (SUS), a previdência urbana e rural, a assistência social e o seguro desemprego), conforme estabelece o art. 194. Depois, o art. 195 criou o orçamento da seguridade social, ou seja, o conjunto de fontes de financiamento desses quatro setores. Conforme a Constituição, esses recursos da seguridade social só podem ser utilizados para a seguridade social, o que de fato não acontece. Esses recursos têm sido desviados para outras finalidades desde 1988.
    A Constituição também determina a criação de um Conselho Nacional da Seguridade Social para fiscalizar a aplicação dos recursos. Entretanto, esse Conselho começou a ser criado em 1991 e foi extinto por uma medida provisória em 2001. Portanto, não existe um Conselho Nacional da Seguridade Social. Isso é uma inconstitucionalidade. Esse conselho seria o representante da área da saúde, da previdência, da assistência social para fiscalizar a gestão e a aplicação financeira dos recursos da seguridade social. Como uma medida provisória tem poder para cancelar uma legislação constitucional complementar? Fica aqui minha pergunta ao movimento social: por que vocês não fazem nada?