sábado, 21 de julho de 2012

Em defesa das cotas “raciais” e contra os lacerdinhas

  Juremir Machado no CORREIO DO POVO

Não se pode fugir do passado. Assim como não é correto tapar o sol com a peneira em relação aos crimes da ditadura de 1964, não haveria como negar para sempre a dívida com os negros produzida pelos séculos de escravidão. Toda fortuna de mais de quatro gerações deve aos escravos. Num país capitalista democrático a educação é o caminho para acertar contas com o que ficou para trás. Ou se tem educação gratuita para todo mundo (França e outros países europeus) ou se tem educação gratuita para os mais carentes. O sistema universitário público brasileiro fez o contrário durante muito tempo: garantiu educação superior gratuita para os mais ricos. Especialmente nos cursos mais procurados como medicina.
É simples assim: costuma chegar primeiro quem sai primeiro.
O modelo do mérito, os melhores entram e não pagam, é um sistema de hierarquia social, um modo de reprodução da desigualdade, uma maneira de manter privilégios. Quando não há igualdade de preparação no ponto de partida, não há condições equivalentes de competição no ponto de ingresso, o vestibular. Sou totalmente favorável às cotas. Sempre há exceções: o menino pobre que supera todas as barreiras e conquista uma vaga improvável. O que é interessa é a média. A universidade pública gratuita para os mais ricos, por serem os “melhores”, é uma perversão, um efeito perverso da meritocracia.
Só tem uma maneira legítima de não precisar de cotas: bancar vagas gratuitas para todos os que atingirem determinada média. O resto é enrolação. Só que útil para alguns.
Até a controvérsia entre cotas sociais e cotas raciais é conversa fiada, coisa de quem quer tergiversar. Os negros, entre os pobres, são mais prejudicados que os brancos.
A elite branca, acostumada a ficar com as mais cobiçadas vagas das universidades públicas, com base nesse sistema de reprodução da desigualdades pelas diferenças sociais, econômicas e históricas de preparação, continua esperneando. Não é absurdo se propor um aumento das vagas destinadas às cotas. Enquanto o passivo persistir, será preciso enfrentá-lo com medidas fortes. Sem cotas, o acesso de certos grupos às universidades públicas brasileiras permaneceria o mesmo pelos próximos 500 anos.
É claro que os lacerdinhas, ideólogos da meritocracia com método pretensamente neutro e universal, vão continuar berrando. A meritocracia é um dispositivo de dominação baseado numa mentira: a igualdade de oportunidades. Vou repetir: não é porque todos respondem questão iguais, na mesma sala e na mesma hora, que há paridade no jogo. Essa é a ilusão da banca, o engano calculado para vender uma neutralidade falsa.
As cotas são um contraveneno contra o veneno da meritocracia estimulada como esporte de combate. A meritocracia transforma os derrotados em incompetentes ou preguiçosos. Grande parte simplesmente não pode treinar. Ainda existem aqueles que defendem a formação de elites, um ensino de elite, e lamentam a massificação do ensino superior. São ganidos de lacerdinhas inconformados com os novos tempos, uivos em defesa de uma época em decomposição, réquiens por um sistema de hierarquia social a caminho de tornar-se defunto. Os donos do poder, contudo, não morrem de boca fechada. Abrem o berreiro. Soltam o verbo, clamam por objetividade. Ai, ai, ai…
Raças não existem, o que existe é preconceito de cor.
Esse preconceito ganhou, ao longo do tempo, uma legitimação “racial”.
Aos se falar em cotas “raciais” se está, na verdade, defendendo uma compensação aos que, pela cor, foram prejudicados em nome de um preconceito dito racial.
A questão não é só de escola pública ou de pobreza, é de cor mesmo.
Há um lastro de pobreza intensa e falta de oportunidades derivado da cor.
Basta espiar os dados do IBGE para se ter certeza disso.
Tem muita gente querendo confundir as coisas.
É pura estratégia, jogada, malandragem.
Mérito é ganhar um jogo em que os competidores têm equivalência de preparação.
Meritocracia é ganhar um jogo em que só um dos competidores, favorecido no ponto de partida, pôde realmente se preparar. É, como se diz, jogo jogado.
Salvo quando dá zebra.
O mundo não é simples.
Tem sido simplificado.
Complexificar demais pode ser uma maneira de complicar e esconder as simplificações.
As cotas acarretam distorções.
O sistema, sem elas, é pura distorção.
A universidade pública branca gaúcha ainda não é suficientemente colorida.
Pode mais.
Vai dar.
Para desespero dos lacerdinhas.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A greve do ensino público e as engenharias

Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

Por Felipe Addor*, para o Canal Ibase

Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras?
Na minha primeira greve como professor, tive a oportunidade de ver de outra perspectiva o mundo em que vivemos no ensino de engenharia em uma universidade pública. O que se vê é um retrato da formação que nossos estudantes recebem.
Após alguns dias acompanhando o vigor do movimento, resolvo aderir à greve. A essa altura, mais de 40 universidades públicas já estavam em greve. Reuniões, assembleias, mobilizações, passeatas, movimentação virtual; todos na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Enquanto isso, no Reino da Tecnologia, a movimentação é quase nula. Ninguém sabe, ninguém fala, ninguém vê. Estacionamentos lotados, salas de aula cheias, restaurantes com as tradicionais filas.
Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras? (Foto: Guilerme Souza/Flickr)
Resolvi fazer uma última aula de debate sobre a greve. Nas trocas de ideias e argumentos, três questões subjetivas se destacam. Primeiro, a completa alienação sobre a situação. Para eles, que viviam naquela redoma tecnológica, nada estava ocorrendo; ou, pelo menos, nada que lhes dissesse respeito. “Professor, essa greve não vai dar em nada, quase ninguém está participando, só tem meia dúzia de professores”. Independente da posição dos professores das engenharias, é impressionante a capacidade de isolar seus alunos do mundo externo, do mundo real.
Segundo, a aversão às lutas dos trabalhadores. Embora essa palavra não tivesse saído em nenhum momento da boca dos estudantes, a clara impressão é que, na cabeça deles, grevistas são baderneiros, comunistas, preguiçosos; isto é, gente que não está a fim de trabalhar e que busca, por meio da greve, conquistar ainda melhores salários, mordomias; “esses professores querem que não haja avaliação para que subam na carreira e pedem melhores salários” (numa clara interpretação distorcida da proposta de novo formato de avaliação levada ao governo pelo Andes). Ou seja, estamos formando profissionais com a visão do patrão, do capital, em oposição ao trabalhador.
Terceiro, e mais pesado, é o enorme individualismo presente. Na verdade, é um individualismo burro, pois é imediatista. Preocupados com seus estágios, suas promessas de efetivação, suas possíveis oportunidades de concurso, suas viagens de férias, seus intercâmbios para a Europa, os alunos sequer consideram como algo relevante para suas vidas a luta por uma universidade pública decente, estruturada, de qualidade. É recorrente o argumento: os alunos são os únicos prejudicados, são as grandes vítimas das greves. Mentira, pois são os que mais se beneficiarão, no longo prazo, dos seus frutos. Não é preciso destacar que os avanços na estrutura e qualidade do ensino público superior (assim como as principais conquistas de lutas das classes trabalhadoras no mundo) são resultados unicamente das lutas travadas anteriormente (resumo das reivindicações e resultados das greves desde 1980: http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=greve).
O mais triste dessa última constatação é a consciência de que essa percepção individualista e imediatista é apenas o reflexo do raciocínio, da postura, dos ensinamentos da maioria dos professores dos cursos de engenharia em uma universidade pública. A corrente de vitimização dos alunos enquanto maiores prejudicados com a greve rompeu-se quando uma aluna disse: “eu defendo a greve, pois eu quero que, daqui a vinte anos, meu filho possa ter a oportunidade que eu tive de estudar de graça num dos melhores cursos universitários do Brasil”. O silêncio que se seguiu escancarava como aquela reflexão simples, ainda individualista, mas numa perspectiva inteligente, de longo prazo, foi um choque na estrutura de pensamento daqueles jovens e promissores engenheiros.
Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

*Felipe Addor é professor do Departamento de Engenharia Industrial da UFRJ (Centro de Tecnologia), onde se formou em Engenharia de Produção. É fundador e pesquisador do Núcleo de Solidariedade Técnica da UFRJ (SOLTEC/UFRJ).

Aos 33 anos do triunfo da Revolução Popular Sandinista



Ricardo Zúniga García
Colaborador de Adital. Educador nicaraguense. Analista político
Adital
Tradução: ADITAL



As gestas da Revolução Sandinista evocam, inevitavelmente, a história bíblica de Davi e Golias: o surgimento de um processo de transformação social original, em um pequeno país periférico da América Central, com uma longa história de intervenções militares, saqueios e humilhações por parte dos governos imperialistas dos Estados Unidos, que, nos anos 30 do século passado, após tramar o assassinato a traição do líder nacionalista e anti-imperialista Augusto C. Sandino, instauraram e respaldaram uma ditadura militar dinástica, que foi servil a seus interesses até seu derrocamento pela massiva insurreição popular encabeçada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (Fsln), em julho de 1979.

A Nicarágua, em certo sentido, tem vivido processos singulares. Sofreu a ditadura militar pró imperialista mais prolongada da América Latina; padeceu o bombardeio da aviação norte-americana à população civil de Ocotal, em 1927 (9 anos antes do bombardeio nazista a Guernica, Espanha); organizou com Sandino a primeira guerra de guerrilhas do continente que conseguiu expulsar aos invasores norte-americanos, em 1933. A partir de 1979, viveu um intenso processo de mudanças, propondo-se desenvolver simultaneamente os seguintes eixos:
- recuperar a soberania nacional;
- fortalecer o poder popular no marco do pluralismo político e do desenvolvimento de uma economia mista;
- e impulsionar uma política internacional de não alinhamento, anti-imperialista e de promoção da unidade da América Latina em torno a sua autodeterminação.
Para um país pequeno, considerado pelos EUA como seu quintal exclusivo, recuperar a soberania nacional era um difícil exercício, que passava pela consolidação da unidade nacional e pela diversificação das dependências, para obter recursos para sua reconstrução.
Esse processo foi tecido na Nicarágua, que, em meio à guerra, à fuga de capitais, a crises econômicas, aos desastres climáticos característicos do Caribe, consegue realizar entre suas principais conquistas:
- reduzir o analfabetismo e ampliar o acesso à educação;
- organizar um sistema de saúde gratuito que atende à maioria da população;
- iniciar um processo de reforma agrária;
- resgatar as experiências de luta contra as intervenções imperialistas, encarnadas principalmente em Benjamín Zeledón e Sandino, fortalecendo um sentido de dignidade nacional;
- e iniciar um processo de reconstrução nacional que foi freado pela guerra de agressão.

Outra importante conquista, frequentemente esquecida, é a total dissolução dos corpos repressivos da ditadura somozista, constituindo novas instituições: exército e polícia efetivamente nacionais. Essa conquista se expressa, por exemplo, em uma polícia efetiva no combate ao narcotráfico, com uma segurança pública muito superior aos países vizinhos do Norte e da América Central; e em um exército com sentido de serviço à nação, provado em situações de desastres e do qual não se pode esperar um golpe de Estado, como o vivido em Honduras, em 2009.
Uma das chaves que explicam o triunfo sandinista e sua capacidade de resistência a uma cruel guerra de agressão financiada pela administração Reagan é nutrir-se de valores culturais que tinham força no coração do povo. Por exemplo, a vertente do cristianismo libertador, que se bem, organicamente, é minoritário, tem expressão em muitas práticas de partilha solidária exercidas nas comunidades rurais e em grupos cristãos: como festas religiosas nas quais, em nome de Deus, de Maria ou de algum santo, entregam comida entre os mais necessitados ou organizam iniciativas para atender emergências entre os mais pobres da comunidade. Porém, a principal força dessa visão cristã no seio do povo pode ser identificada na indignação ética ante os crimes da ditadura, que foi gerando uma corrente cada dia mais caudalosa de vontades que colaboraram com a causa de enfrentar a ditadura e que, ante a agressão desta, principalmente aos jovens, decidiam incorporar-se à luta dirigida nacionalmente pela Fsln.
Como já é conhecido, o avanço do povo nicaraguense em revolução provocou, por um lado, uma guerra constante e criminosa por parte das forças mais conservadoras dos Estados Unidos, organizando, financiando, assessorando e respaldando com sofisticados recursos tecnológicos a terrível "guerra de baixa intensidade”, que produziu centenas de mortos, mutilados e enfermos crônicos, além da destruição de muitas cooperativas de produção agropecuária, de escolas, de centros de saúde e, inclusive, de um dos terminais portuários por onde era feito o abastecimento de petróleo. Essa situação obrigou a concentrar todos os recursos na defesa militar; a reduzir os serviços de saúde, educação e os recursos para o abastecimento básico; a impor um estilo militar, reduzindo os espaços de debate e de educação popular; a inviabilizar o desenvolvimento econômico do país devido ao bloqueio econômico por parte dos EUA e a destruição causada na base produtiva do país.

Por outro lado, a consistente defesa do povo nicaraguense gerou um amplo movimento de solidariedade internacional em vários países da América Latina, da Europa, do Canadá e de Estados Unidos. Tal movimento de solidariedade ajudou também a dinamizar a discussão política nos países onde esta se gerava. E provocou encontros de diferentes setores da esquerda que não se juntavam e, inclusive, eram adversários em seus países de origem.
Em 1990, em meio a uma gravíssima crise econômica, do desgaste político gerado pela guerra, dos erros políticos internos, produziu-se a derrota eleitoral da Fsln. Os erros, como sabemos, foram destacados desmedidamente pela grande imprensa; foram apresentados como uma grande débâcle moral casos de corrupção dificilmente controláveis em uma situação de transição, falta de saídas e ante a avassaladora imposição de políticas e práticas neoliberais que impeliam ao individualismo, à fragmentação e estimulavam a corrupção. Criticou-se até a saciedade a chamada "piñata sandinista”(*); porém, não se informou como, na orgia neoliberal, todas as empresas estatais rentáveis do povo nicaraguense foram entregues a empresários privados, em sua maioria estrangeiros, por menos de 10% de seu valor real. Exemplo emblemático é o Hotel Montelimar, entregue a uma cadeia turística espanhola (Meliá) por 4 milhões de dólares, a ser pagos a largo prazo, quando o Estado nicaraguense havia investido em suas instalações mais de 40 milhões de dólares.
Voltando à singularidade dos processos vividos na Nicarágua, queremos ressaltar que sendo a última revolução latino-americana armada triunfante do século XX, foi a, primeira a entregar o governo, em 1990, aceitando os resultados eleitorais adversos. Porém, além disso, a Frente Sandinista é a primeira força política que regressa ao governo (em 2007; desta vez pela via eleitoral), apesar da permanente desqualificação de sucessivos governos dos EUA; e, imediatamente, ingressa a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), fortalecendo com sua experiência de luta essa aliança e sendo fortalecida e apoiada por ela.

Um dos elementos constantes e duradouros da política da Fsln tem sido sua consequente posição anti-imperialista, expressa, entre outros casos, na exigência do retorno à ordem constitucional em Honduras, em 2009, e o reclamo de que os governos dos EUA cumpram de alguma forma a sentença do Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas (Haia, Holanda) que, em 1987, declarou aos Estados Unidos como Estado agressor contra a Nicarágua; mandou parar a agressão; e a pagar a indenização de 17 bilhões de dólares ao Estado nicaraguense pelos danos provocados. Apesar de que o governo dos EUA não aceitou a jurisdição da Corte, o peso moral de dita sentença sentou um precedente e não pode ser ignorado.
A Frente Sandinista, em meio de complexas alianças políticas, retornou ao poder em 2007. A grande imprensa internacional a acusa de ter perdido o rumo e não representar uma boa opção para o povo nicaraguense. No entanto, o povo nicaraguense referendou seu mandato em 2011, outorgando-lhe mais de 60% da votação para presidente e deputados. O presidente Daniel Ortega e sua equipe tem sido artífice de uma hábil política de alianças internas que têm permitido o crescimento do apoio popular à Fsln e o fortalecimento do projeto de país.

Por outro lado, diz-se que a Fsln, após a derrota eleitoral de 1990, renunciou a seus princípios. No entanto, a ênfase de suas políticas atuais está em melhorar e ampliar os serviços de saúde e educação; programas sociais de crédito para os pequenos e médios produtores. Programa Fome Zero e de geração de empregos.
Afirma-se também que está dentro da lógica capitalista. Porém, pode-se ter iniciativas econômicas fora das regras do jogo capitalista? Trata-se, nessa fase, de ir abrindo espaços para iniciativas de economia solidária e fortalecendo o papel do Estado na orientação geral da economia, na aplicação das leis trabalhistas e em políticas redistributivas dos lucros produtivos. Trata-se de buscar caminhos para enfrentar as manobras dos capitais especulativos, o que não é fácil de realizar.
Um eixo que define o atual processo sandinista é sua permanência, atuação e crescimento na Alba, na dinâmica de afirmar caminhos de autodeterminação, de prevalência dos direitos e interesses das maiorias empobrecidas; de criar espaços efetivos de vida digna para a presente e as futuras gerações, não somente no âmbito de um pequeno país como a Nicarágua, mas em uma perspectiva regional, que torne viável o cuidado ecológico e o desenvolvimento de uma economia solidária consequente com a satisfação das necessidades das grandes maiorias.

Outro elemento significativo é a promoção da liderança das mulheres e dos jovens, convidando-os a organizar-se efetivamente na Frente; comprometendo-os na organização popular e em trabalhos voluntários de serviço social; propondo, por exemplo, anteprojetos de lei que garantam a paridade de gênero na apresentação de candidaturas a cargos eletivos.
Atualmente, há um esforço político significativo em marcha para fomentar formas de democracia direta, a organização do poder cidadão e a ampliação da representação da população nos Conselhos Municipais. Tudo isso é um desafio que exige muita reflexão a partir da prática e ser aprofundado, para realizar um efetivo exercício de democracia direta.

O destacado pensador, fundador do Fórum Social Mundial, François Houtart, expressa claramente: "a Alba é o único projeto, não somente na América Latina, mas no mundo, onde se verifica um passo realmente pós-capitalista, onde se prevê orientar a economia não em função da competitividade, como no mundo capitalista, mas em função da complementaridade e da solidariedade. E isso é totalmente novo; é totalmente anticapitalista. E conta com a participação dos movimentos sociais...” (...); "…o projeto é associar a expressão organizada dos povos a essa construção; tudo isso é realmente um projeto totalmente pós-capitalista. Isto é, um projeto socialista”.
Para terminar, nossa homenagem aos milhares de lutadoras/res e combatentes heroicos que, na Nicarágua e na América Central, lutaram e deram suas vidas em defesa e pela permanência do projeto latino-americano e anti-imperialista de Sandino e de Carlos Fonseca; aos lutadores que em toda América Central trabalham cotidianamente na construção de uma sociedade fraterna.
 
[(*) "piñata sandinista”: Nos aniversários de criança, um boneco de barro recheado com bombons é pendurado; as crianças batem nele para que se rompa e os bombons caiam; então, cada um procura pegar o maior número de bombons... Daí a analogia com o que dizem que aconteceu após a derrota sandinista, em 1990.].

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Maurício Caleiro: A greve dos professores das federais e os truques do governo

por Maurício Caleiro, no blog Cinema e Outras Artes

À medida que vêm à tona análises mais detalhadas da proposta do governo Dilma aos professores em greve, fica cada vez mais evidente que se trata não apenas de uma resposta insatisfatória em termos salariais e de estruturação da carreira. Depreendem-se do episódio aspectos preocupantes quanto às estratégias comunicacionais adotadas pelo governo no episódio, no modo como ele concebe e se relaciona com o professor universitário no Brasil e, sobretudo, no que toca à posição da Educação ante a área econômica do governo, tendo em vista seu planejamento e perspectivas futuras.

Ilusionismo financeiro

Quanto aos aspectos propriamente salariais, claro está que a proposta do governo é de tal ordem sujeita a variações de dados macroeconômicos futuros e à definição exata de datas de reajuste – deixadas em aberto – que não se pode falar categoricamente em aumento. Pois, a depender da inflação de 2012, 2013 e 2014 e de como o governo dividirá percentualmente entre tais anos os reajustes salariais, estes podem ser anulados ou mesmo superados pelo aumento do custo de vida.
Aumentos trienais sem garantia de percentual acima da inflação não significam a priori aumento real, mas uma aposta.

Plano de carreira

A atual greve dos professores prioriza duas reivindicações: plano de carreira e melhoria salarial. Se esta, como vimos, depende de uma aposta, o plano de carreira delineado pelo MEC – que, embora protocolado em abril de 2011, recende a improvisação – apresenta, infelizmente, aspectos que não apenas pioram as condições atuais como traem, de forma indubitável, a priorização das demandas da área econômica do governo em detrimento do planejamento sério e consequente do que deva ser a evolução profissional de um professor universitário.
Em meio a brechas e indefinições potencialmente danosas, o mais contraditório desses aspectos é a determinação de que mesmo mestres e doutores devem ingressar no magistério superior como Professor Auxiliar, e que só podem evoluir após os três anos de estágio probatório. Ora, isso, além de não fazer o menor sentido, é uma afronta à própria expectativa de direito anteriormente assegurada àqueles que ora cursam mestrado ou doutorado, para os quais ingressaram, em sua imensa maioria, justamente para ascender à (ou ingressar na) classe referente à sua titulação.

Papo reto

Se o governo realmente estivesse bem-intencionado e prezasse os professores das federais, não apresentaria uma aposta, mas uma proposta concreta de aumento salarial, superior à inflação projetada para este ano, e efetiva a partir de março de 2013 (pois um ano após o aumento de 2011). Simples assim.
Tivesse tomado essa medida trivial e apresentado um plano de carreira decente – obrigações básicas de qualquer governo, ainda mais de um que diz privilegiar a educação –, a greve já teria há tempos se encerrado.
Ao invés disso, após quase um mês de paralisação, rompe o silêncio e monta uma verdadeira operação de marketing para divulgar sua proposta – incluindo um texto em que dá destaque aos aumentos maiores, relativos à ínfima minoria dos professores titulares,e tabelas comparativas sui generis, que, numa manipulação injustificada e claramente mal-intencionada, contrapõem os salários de 2010 aos que os professores poderão vir a receber em 2015. Convém lembrar que estamos em 2012.

Marketing e mídia

Com estratagemas tais, e contando com a colaboração preciosa da mídia – que tantos alegam ser implacavelmente contrária à administração Dilma -, o governo tem sido parcialmente bem-sucedido em sua estratégia de jogar o público contra a greve. Basta ler os jornais e portais – e, neles, os comentários – para se ter a impressão de que os professores universitários estariam prestes a virar os novos marajás: “45% de aumento!”, “R$17 mil reais”, “Maior aumento da história”.
(Como se vê, a cobertura que a mídia destina à greve fornece mais um exemplo claro de que a oposição simplista entre PIG (Partido da Mídia Golpista) e governo Dilma não é efetiva, como querem alguns. E que havendo afinidade de interesses entre mídia corporativa e governo, a imprensa não se furta a se posicionar ao lado deste. Deixa de ser o malvado PIG e vira jornalismo amigo.)
Porém, a realidade fria dos números é bem outra. Para se aprofundar sobre os meandros da cobertura midiática, vale a pena ler os textos de Joana Tavares (no Viomundo), os de Sylvia Debassan Moretzsohn, “A lamentável cobertura da greve nas federais e “O jornalismo cego às armadilhas do discurso oficial” (no Observatório da Imprensa).

Equívocos e autoritarismo

Ao apresentar aos professores universitários uma proposta que mal disfarça o seu caráter de peça de ilusionismo monetário, o governo Dilma denota possuir uma visão estreita e subvalorizada do que seja o professor universitário, esse ente público que fatalmente tem e terá uma função essencial na formação das novas gerações de brasileiros e no redesenho futuro do país.
A impressão que fica é que o governo os toma por tolos, incapazes de fazerem contas financeiras ou de desvelarem truques de marketing de massas. Isso evidencia a existência de um erro de postura da administração Dilma, certamente menos decisivo e efetivo, na prática, do que as propostas que apresenta podem ser, mas denotadores, por um lado, de uma incompreensão profunda do que seja o professor universitário enquanto categoria profissional do Estado e, por outro, uma vez mais, da tendência a evitar o diálogo e a negociação ou a exercê-los em bases mínimas e restritas – a um passo do autoritarismo, como a autorização para o corte de ponto dos grevistas evidencia.

Contradições óbvias

É altamente significante da posição subalterna e desprestigiada que tanto o servidor público federal como a educação como um todo ocupam atualmente no país o fato de que o Ministério do Planejamento foi quem efetivamente comandou e deu a palavra final aos termos da inaceitável proposta apresentada aos professores. Mercadante, se digladiando entre sua passividade conservadora e sua ânsia por holofotes características, limitou-se, se tanto, a barganhar, enquanto o ministro do Trabalho sequer foi chamado à mesa se negociações.
Mais: o mesmo governo que faz de tudo para irrigar a economia através da ampliação do crédito – portanto, de capital advindo de endividamento junto ao sistema financeiro, que acaba por se traduzir em lucro para os bancos – parece não querer irrigá-la com salário – capital originário das relações sociais do trabalho, que teoricamente beneficiaria o assalariado (e, ainda mais, quem o emprega), mas que, na visão economicista predominante, prejudica o governo por aumentar seus gastos.

Tire suas conclusões

Assim, no final das contas, apesar das inegáveis conquistas sociais representadas pela redução da pobreza no país, mesmo o investimento em áreas fundamentais como saúde e educação mantém-se submetido aos ditames ditados pelo setor financeiro, que tem na área econômica do governo o seu representante no Estado. Os bancos brasileiros são, atualmente, os que mais lucram no mundo. Já a educação oferecida no país ocupa posições vergonhosas em comparação com o contexto internacional. Diga o leitor qual é a prioridade do governo.

Dona Europa e suas filhas

Frei Betto no CORREIO DA CIDADANIA  

Dona Europa livrou-se, há séculos, da tutela do Senhor Feudal, ao qual esteve submetida ao longo de mil anos. Cabeça feita por Copérnico, Galileu e Descartes, casou-se com o Senhor Moderno Liberal e montou casa no bairro da Democracia.

Dona Europa puxou o tapete dos nobres, deu um chega pra lá no papa e elegeu governos constitucionais que trocaram a permuta pela moeda, evitaram fazer uso de mão de obra escrava, transformaram antigos camponeses em operários merecedores de salários.

Dona Europa passou a nutrir ambições desmedidas. Fitou com olho gordo no imenso mapa-múndi que enfeitava a sala de sua casa. Quantas riquezas naquelas terras habitadas por nativos ignorantes! Quantas áreas cultiváveis cobertas pela exuberância paradisíaca da natureza!

Dona Europa lançou ao mar sua frota em busca de ricas prendas situadas em terras alheias. Os navegantes invadiram territórios, saquearam aldeias, disseminaram epidemias, extraíram minerais preciosos, estenderam cercas onde tudo, até então, era de uso comum.

Dona Europa praticou, em outros povos, o que se negava a fazer na própria casa: impôs impérios, reinados e ditadores; inibiu o acesso à cultura letrada; implantou o trabalho escravo; proibiu a industrialização; internacionalizou normas econômicas que lhes eram favoráveis, em detrimento dos povos alhures.

Um dos povos de além-mar dominados por Dona Europa ousou rebelar-se em 1776, emancipou-se da tutela e se tornou mais poderoso do que ela – o Tio Sam.

O professor Maquiavel ensinou à Dona Europa que, quando não se pode vencer o inimigo, é melhor aliar-se a ele. Assim, ela associou-se a Tio Sam para exercer domínio sobre o mundo.

Dona Europa e Tio Sam acumularam tão espantosa riqueza que cederam à ilusão de que seriam eternos o luxo e a ostentação em que viviam. Tudo em suas casas era maravilhoso. E suas moedas reluziam acima de todas as outras.

Ora, não há casa sem alicerce, árvore sem raiz, riqueza sem lastro. Para manter o estilo de vida a que se acostumaram, Dona Europa e Tio Sam gastavam mais do que podiam. E, de repente, constataram que se encontravam esmagados sob dívidas astronômicas. O que fazer?

A primeira medida foi a adotada em turbulência de viagem de avião: apertar os cintos. Não deles, óbvio. Mas de seus empregados: despediram alguns, reduziram os salários de outros, deixaram de consumir produtos importados. Assim, a crise da dupla se alastrou mundo afora.

Dona Europa e Tio Sam não são burros. Sabem onde mora o dinheiro: nos bancos. Tio Sam, ao ver o rombo em sua economia, tratou de rodar a maquininha da Casa da Moeda e socorreu os bancos com pelo menos US$ 18 trilhões.

Dona Europa tem várias filhas. Segundo ela, algumas não souberam administrar bem suas fortunas. A formosa Grécia parece ter perdido a sabedoria. Gastou muito mais do que podia. O mesmo aconteceu com a sedutora Itália, a encantadora Espanha e a inibida Irlanda.

Como o cofre da família é de uso comum, Dona Europa se cobriu de aflições. Puniu as filhas gastadoras e apelou à mais rica de todas, a severa Alemanha, para ajudá-la a socorrer as endividadas.

A Alemanha é manhosa. Disse que só socorre as irmãs se puder controlar os gastos delas. O que significa cortar as asinhas das moças – o que em política equivale a anular a soberania.

Soberana hoje, na casa de Dona Europa, só a pudica Alemanha. O resto da família é dependente e está de castigo. A mais cheirosa das filhas, a França, anda rebelde. Após aparecer de mãos dadas com a Alemanha, agora que arrumou namorado novo encara a irmã com desconfiança.

Nós, aqui do sul do mundo, que ainda não cortamos o cordão umbilical com Tio Sam e Dona Europa, corremos o risco de ficar gripados se Dona Europa continuar a espirrar tanto, alérgica ao espectro de um futuro tenebroso: a agonia e morte do deus Mercado, cujos fiéis devotos mergulharam em profunda crise de descrença.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
Twitter: @freibetto.

Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Eleições. Mas pode chamar de Contrarreforma




Retomo um tema que continua me entalando a garganta. No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões impostos.
Centenas de milhares queimaram até as cinzas.
Albert Einstein, Sigmund Freud, Thomas Mann, entre outros, foram perseguidos por ousarem pensar diferente da maioria. A Alemanha “purificou pelo fogo” as idéias imundas deles, da mesma forma que, durante a Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram não concordar com seu ponto de vista sobre o mundo. A opinião pública e parte dos intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu nazista, levado a cabo por estudantes que apoiavam o regime. Deu no que deu.
Amigos jornalistas contam que membros de igrejas e templos pediram a fiéis que destruam escritos que tratassem de direitos humanos. Que se livrassem de tudo o que não tenha a ver com a visão violenta e, portanto, errada que eles têm do que seja amor. O pessoal que sente saudades da Idade Média saiu do armário. Armados por muitos de nós, da imprensa, que conseguimos cristalizar a imagem deturpada de que “direitos humanos” é coisa de defender bandido, matar crianças e proibir as pessoas de terem fé.
Direitos humanos tratam exatamente do contrário. Considerando que todas as pessoas nasçam iguais e livres, por todas compartilharem da raça humana, merecem ser tratadas com o mesmo quinhão de Justiça e dignidade.
Direitos humanos, portanto, incluem liberdade religiosa e de associação, direito à saude, à educação, à cultura, a ter uma identidade, a andar livremente, a falar e defender posições sem ser agredido, a não ter medo de passar fome ou de viver na miséria, poder participar do processo político, de eleger e ser eleito, do direito a não ser expulso de sua casa e ter uma moradia, do direito à segurança, à integridade do seu corpo, a um julgamento justo, de ser tratado com respeito.
De ser visto pelo outro como um semelhante e ser tratado como tal.
Mas também de ser amado por quem quisermos, de decidir o destino de nosso próprio corpo e de nossa vida, de não ter medo da opressão da maioria.
Nesta eleições municipais, não importa em quem você vote, não importa quem você queira no poder.
Mas não deixe os mesmos ventos que sopraram em 1933 continuarem a se espalhar pelo Brasil do início do século 21. Em 2010, estratégias eleitorais equivocadas alimentaram um monstro, a Intolerância, que continua sendo incentivado a cada dia, pelo ódio, pelo irracional. Pelo medo.
O problema é que, dependendo de como forem as campanhas eleitorais, ele não vai parar nos dias 7 ou 28 de outubro. Vai seguir crescendo. E quando tiver devorado o pouco de dignidade que conseguimos garantir às minorias, não se dará por satisfeito. Virá atrás das míseras liberdades individuais que não corresponderem às crenças e opiniões de parte da população.
Se assim for, que este período não seja chamado de eleições, mas de Contra-Reforma. Agora com a participação de protestantes e grupos católicos que foram perseguidos séculos atrás.

Analfabetismo funcional atinge 38% dos estudantes universitários


Pesquisa aponta que alunos não conseguem interpretar e associar informações

Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. O indicador reflete o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade. Criado em 2001, o Inaf é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado em uma amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos. Elas respondem a 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como, por exemplo, sobre o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto. O indicador classifica os avaliados em quatro níveis diferentes de alfabetização: plena, básica, rudimentar e analfabetismo.

Aqueles que não atingem o nível pleno são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever, mas não conseguem interpretar e associar informações. Segundo a diretora executiva do IPM, Ana Lúcia Lima, os dados da pesquisa reforçam a necessidade de investimentos na qualidade do ensino, pois o aumento da escolarização não foi suficiente para assegurar aos alunos o domínio de habilidades básicas de leitura e escrita. "A primeira preocupação foi com a quantidade, com a inclusão de mais alunos nas escolas", diz. "Porém, o relatório mostra que já passou da hora de se investir em qualidade", afirma.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre 2000 e 2009. Para a diretora do IPM, o aumento foi bom, pois possibilitou a difusão da educação em vários estratos da sociedade. No entanto, a qualidade do ensino caiu por conta do crescimento acelerado."Algumas universidades só pegam a nata e as outras se adaptaram ao público menos qualificado por uma questão de sobrevivência", comenta. "Se houvesse demanda por conteúdos mais sofisticados, elas se adaptariam da mesma forma", fala.

Para a coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão, o indicativo reflete a "popularização" do ensino superior sem qualidade: "No mundo ideal, qualquer pessoa com uma boa 8ª série deveria ser capaz de ler e entender um texto ou fazer problemas com porcentagem, mas no Brasil ainda estamos longe disso." Segundo ela, o número de analfabetos só vai diminuir quando houver programas que estimulem a educação como trampolim para uma maior geração de renda e crescimento profissional. "Existem muitos empregos em que o adulto passa a maior parte da vida sem ler nem escrever, e isso prejudica a procura pela alfabetização", afirma.

Entre as pessoas de 50 a 64 anos, o índice de analfabetismo funcional é ainda maior, atingindo 52%. De acordo com o cientista social Bruno Santa Clara Novelli, consultor da organização Alfabetização Solidária (AlfaSol), isso ocorre porque, quando essas pessoas estavam em idade escolar, a oferta de ensino era ainda menor. "Essa faixa etária não esteve na escola e, depois, a oportunidade e o estímulo para voltar e completar escolaridade não ocorreram na amplitude necessária", diz. Ele observa que a solução para esse grupo, que seria a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda tem uma oferta baixa no País.

Novelli cita que, levando em conta os 60 milhões de brasileiros que deixaram de completar o ensino fundamental de acordo com dados do Censo 2010, a oferta de vagas em EJA não chega a 5% da necessidade nacional. "A EJA tem papel fundamental. É uma modalidade de ensino que precisa ser garantida na medida em que os indicadores revelam essa necessidade", conta. Ele destaca que o investimento deve ser não só na ampliação das vagas, mas no estímulo para que esse público volte a estudar.

Segundo o cientista social, atualmente só as pessoas "que querem muito e têm muita força de vontade" acabam retornando para a escola. Ele cita como conquista da EJA nos últimos dez anos o fato de ela ter passado a ser reconhecida e financiada pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). "Considerar que a EJA está contemplada no fundo que compõe o orçamento para a educação é uma grande conquista", ressalta. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

“Uma quadrilha está prestes a assaltar o povo paraguaio”, afirma líder de frente pró-Lugo


Canese, ao lado direito de Lugo, disparou contra latifundiários, como o brasiguaio Tranquilo Favero | Foto: Fernando Lugo/Flickr

Felipe Prestes no SUL21

Subsídios aos grandes produtores de soja, manutenção de terras nas mãos de grileiros, acordo com uma multinacional do alumínio e privatizações. Assim, Ricardo Canese resumiu os primeiros passos do governo de Federico Franco. Secretário-geral da Frente Guasú, que reúne mais de dez partidos de esquerda do Paraguai, Canese não mediu as palavras para qualificar os liberais e colorados oviedistas que hoje estão no poder: “É uma quadrilha que está prestes a assaltar o povo paraguaio”, disparou.
O dirigente partidário atendeu o Sul21, por telefone, na última quinta-feira (12). Revelou que a atual ação de inconstitucionalidade da destituição de Lugo, que tramita na Justiça paraguaia, é mera formalidade para que se possa recorrer a organismos internacionais. “A Corte está comprometida com os golpistas”.
Canese conversou por mais de meia hora com a reportagem e também falou sobre as estratégias da esquerda para as eleições presidenciais do ano que vem, bem como as ações de resistência. O secretário-geral da Frente Guasú (guasú, em guarani, quer dizer “ampla”) também rechaçou que houvesse má relação entre o Governo Lugo e os brasiguaios e disparou contra o latifundiário catarinense, naturalizado paraguaio, Tranquilo Favero, a quem definiu como “amigo de Stroessner”.
Canese: "O informe do senhor Insulza foi rechaçado pela assembleia da OEA" | Foto: Itaipu.gov.py

Sul21 – Como o senhor avalia o informe do secretário-geral da OEA (José Miguel Insulza), que considerou constitucional a destituição de Lugo?

Ricardo Canese – Na prática, o informe do senhor Insulza foi rechaçado pela assembleia da OEA. A organização não aprovou este informe. Ao contrário, a assembleia disse que as chancelarias vão aprofundar os estudos sobre o Paraguai. Então, diplomaticamente se entende que há um rechaço do informe de Insulza, por ser absolutamente insuficiente, por não refletir o que Mercosul, Unasul e SICA (Sistema de Integração Centro-Americana) assinalaram como uma quebra do Estado de Direito, um atentado contra a Constituição, uma destruição da democracia. São três blocos da América Latina que se manifestaram muito claramente. A OEA deixou de lado o informe de Insulza e instou as chancelarias analisem com mais profundidade o tema.

Sul21 – O senhor ainda crê que é possível reverter a destituição de Lugo?

Ricardo Canese – É o mais sensato revertê-la. A democracia se constrói com democracia, não com golpes de estado. Por isto é que é chamativo que alguns setores da OEA e, particularmente, Estados Unidos e Canadá, que têm interesses muito fortes pela América Latina, estejam tratando de minimizar o golpe de estado. É lamentável que alguns países que se dizem democráticos queiram avalizar um golpe de estado. Não houve apresentação de provas. Os próprios parlamentares que acusaram disseram que não apresentariam provas. Eu não sei como se pode julgar alguém sem apresentar provas. Como se pode julgar alguém se não há um devido processo? Se elaborou o regulamento do julgamento depois da acusação. Nossa Constituição é muito clara: a lei tem que ser prévia à acusação, não se pode acusar uma pessoa e fazer uma lei especial para a pessoa acusada. Isto é gravíssimo, é um atentado contra os direitos humanos e aos direitos constitucionais. Ademais, não se permitiu direito à defesa. Enfim, tudo foi ilegal e inconstitucional.

Sul21 – O senhor tem esperança de que a Corte Constitucional reverta a destituição?

Ricardo Canese – A Corte está comprometida com os golpistas, não temos nenhuma esperança. Mas apresentamos a ação de inconstitucionalidade para que, se rechaçarem, como é previsível, possamos recorrer a instâncias internacionais. É uma Corte que não apenas avalizou o golpe de estado, mas avalizou o roubo de terras mal havidas. Quando nosso governo e governos anteriores, inclusive, quiseram recuperar as terras roubadas do Estado, roubadas do povo paraguaio, disseram que o Estado deveria receber apenas as custas judiciais. Esta é a Corte Suprema que temos. Uma Corte que protege os ladrões de terras públicos, os grandes narcotraficantes, os grandes sonegadores de impostos. O Governo Lugo tentou mudar esta situação e o golpe de estado vem justamente para, como disse o presidente uruguaio José Mujica, que o narco-coloradismo volte a imperar como imperou durante setenta anos. Esta é a essência deste golpe de estado que foi gestado pelo Partido Colorado com a participação dos liberais.

Sul21 – O stronismo ainda está muito arraigado nas estruturas do Estado paraguaio?

Ricardo Canese – Está na sociedade paraguaia. Os grandes negócios seguem nas mãos de stronistas. Quase a totalidade dos meios de imprensa é propriedade de pessoas que roubaram com Stroessner, que enriqueceram com Stroessner. Por isto, não é casualidade que a imprensa esteja a favor deste golpe de estado. Ademais, as grandes fortunas do Paraguai são de amigos e cúmplices do Alfredo Stroessner. Obviamente há algumas exceções, mas em sua grande maioria o grande empresariado paraguaio não é honesto, forjado com seu esforço, com negócios limpos como há em outros países da América Latina. Aqui, o grande empresariado roubou ao Estado, roubou ao povo paraguaio, faz negócios ilícitos, narcotráfico, roubo de terras. O Governo Lugo buscou democratizar, dar participação ao povo, potencializar empresários honestos. Este grupo golpista não quer justamente ceder estes privilégios.
"Governo Franco deu luz verde às sementes transgênicas", afirma secretário-geral da Frente Guasú | Foto: Itaipu.gov.py

Sul21 – Como o senhor analisa os primeiros passos de Governo Franco?

Ricardo Canese – Uma de suas primeiras medidas é dizer que não vai haver imposto para a soja. Há uma pessoa que fatura US$ 1,5 bilhão: o senhor Tranquilo Favero, que é um brasiguaio, amigo do ditador Alfredo Stroessner, que possui um milhão de hectares. Uma das primeiras medidas do Governo Franco é não cobrar imposto a estes grandes produtores de soja. Os sojeiros também querem subsídios que viam nos governos anteriores, colorados, para não somente deixar de pagar impostos, mas também receber do governo. Outra medida tomada por Franco é a de permitir as sementes transgênicas, algo a que nos opúnhamos. Imediatamente, o Governo Franco deu luz verde às sementes transgênicas. Uma terceira medida é abrir negociação — dizem que há já um decreto em elaboração e um contrato que vai ser aprovado pelo Congresso golpista em 90 dias – para dar à Rio Tinto Alcan (empresa canadense, líder mundial em produção de alumínio) US$ 14 bilhões em subsídios de energia elétrica que vão sair do consumidor paraguaio. A ditadura militar do Brasil também fez concessões de subsídios a empresas eletro-intensivas, como as de alumínio, o que faz com que hoje as tarifas de energia elétrica sejam muito caras, porque alguém tem que pagar por este subsídio. Nós, como governo, nunca abrimos negociação com Rio Tinto Alcan, apesar de três anos de pressão. Agora, Franco abriu negociação imediatamente e vai concretizar tudo em menos de 90 dias. Está anunciando também que vai fazer uma privatização massiva de nada menos que o sistema elétrico paraguaio. Também telefonia, água corrente, cimentos, todas as empresas públicas (na semana passada o ministro da Fazenda, Manuel Brusquetti, anunciou que será elaborado um marco regulatório de concessões públicas). É uma quadrilha que está prestes a assaltar o povo paraguaio.

Sul21 – Se pode dizer que, para o senhor, o novo governo atende aos interesses dos latifundiários e de multinacionais, ou há outros grupos interessados?

Ricardo Canese – Fundamentalmente, são latifundiários e transnacionais, além das cúpulas corruptas dos partidos tradicionais, que vão receber enormes benefícios. Para ter sustentação política estão começando uma campanha de ataque massivo a todo aquele que não seja golpista. Se acusa de ser esquerdista, subversivo, todo este tipo de coisa, como na época de Stroessner, quando todo aquele que não estava com o ditador era um antipatriota, um comunista. Já temos na administração pública centenas de despedidos pelo fato de serem simpatizantes de Fernando Lugo, ou não serem golpistas. Estamos apresentando estas denúncias a organizações internacionais: violações de direitos trabalhistas, constitucionais e, inclusive, direitos humanos.

Sul21 – Que papel tiveram os brasiguaios na deposição de Lugo?

Ricardo Canese – Os brasiguaios que estão em um nível popular, que têm alguns poucos hectares de terra, estão integrados com a população paraguaia. Estes apoiam a democracia e o governo constitucional de Fernando Lugo. Com eles não há problema, mas sim com brasiguaios como o senhor Favero, amigos do ditador Alfredo Stroessner, que roubaram com ele, que possuem grandes quantidades de terra, que expulsam não só o camponês paraguaio, mas o pequeno agricultor brasiguaio. Não é uma questão entre brasiguaios e camponeses paraguaios. É uma questão entre os latifundiários, como o senhor Favero e como o senhor (Blas) Riquelme (em cujas terras houve morte de camponeses e policiais que foi o estopim do golpe de estado), que é muito paraguaio, e os camponeses pobres, que são tanto paraguaios como brasiguaios, que são os que estão sofrendo as consequências deste modelo excludente.
Canese é taxativo sobre perseguição de Lugo a brasiguaios: "Totalmente falso" | Foto: Itaipu.gov.py

Sul21 – Costuma-se dizer na imprensa brasileira que o Governo Lugo perseguia os brasiguaios. Como o senhor vê isto?

Ricardo Canese – Totalmente falso. O senhor Favero dizia que o perseguiam. Ele é um conhecido stronista e é ele um dos que levantava isto com outros latifundiários brasiguaios, não são muitos. Favero disse que é preciso que tratar o camponês como “mulher de malandro”, fazendo apologia à violência contra o camponês e contra a mulher. Nenhum juiz da República lhe condenou por esta apologia à violência que está publicada extensamente na imprensa há uns meses. Eles são impunes. Não só não havia perseguição, como conta com toda a proteção do Judiciário e da imprensa. Fernando Lugo não expropriou um só hectare do senhor Favero ou de outro latifundiário. É de inteira falsidade que tenha havido a mais mínima perseguição aos brasiguaios, nem sequer aos proprietários de terra, porque não houve nenhuma expropriação ou confisco de terras.

Sul21 – Por que, então, os latifundiários se incomodavam com o Governo Lugo?

Ricardo Canese – Porque queriam seguir ostentando suas terras mal havidas, roubadas; queriam seguir sem pagar imposto, como eu assinalei. O Governo Lugo apresentou uma proposta para que os grandes produtores de soja paguem imposto. Aqui em nosso país, um industrial, um comerciante, uma empresa que presta serviços paga 100 mil vezes mais imposto que um produtor de soja. Então, este foi um dos focos principais. Também o movimento campesino exigiu durante muito tempo a recuperação de terras mal havidas e o Governo Lugo acionou várias vezes a Justiça para que estas terras voltem ao Estado. Os proprietários de terra se opuseram e obtiveram a cumplicidade do Poder Judiciário. Agora, os proprietários de terra tinham o profundo temor de que finalmente pudesse haver uma decisão diferente do Judiciário, ou uma maioria no Congresso que pudesse fazer com que estas terras voltem ao Estado e que a produção de soja tenha que pagar imposto. A nove meses das eleições, a popularidade de Fernando Lugo era alta. Havia uma grande possibilidade de que triunfássemos nas eleições. Então, estas foram as motivações, para justamente manipular, impedir eleições livres e limpas.

Sul21 – O senhor, então, não crê que serão livres as próximas eleições.

Ricardo Canese – Estamos preocupados, porque os golpistas estão buscando, por um lado, inabilitar algumas candidaturas, como a própria candidatura de Fernando Lugo, que tem uma popularidade enorme. Também querem inabilitar outras personalidades, como o governador de San Pedro, José Gregório Ledesma, e os senadores Sixto Pereira e Carlos Filizzola. Tudo isto aponta que buscam eliminar como candidatos nossas principais figuras. Buscam ter eleições condicionadas, porque sabem que com eleições livres vão perder. Por isto, denunciamos à opinião pública internacional que é importante que, se não se quer prolongar este golpe de estado, haja garantias para que as eleições se desenvolvam com inteira normalidade e que não haja um cerceamento às liberdades públicas.

Sul21 – Qual deve ser a estratégia da esquerda nas eleições?

Ricardo Canese – Não é uma questão de esquerda e direita, mas de democracia versus ditadura, democracia versus golpe de estado. Estamos tendo o apoio neste momento de setores democráticos do Partido Colorado e do Partido Liberal. Então, pensamos em não somente unir as forças de esquerda, que já estão reunidas na Frente Guasu, mas uma frente muito mais ampla, a Frente em Defesa da Democracia – ainda se analisará se este nome será mantido. Será uma frente abarcando partidos de centro, ou até de direita, mas democráticos.
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"Acreditamos que as forças democráticas farão maioria aplastante nas próximas eleições" | Foto: Paraguay.com

Sul21 – É surpreende que Lugo tenha sido eleito e, ao mesmo tempo, o Congresso tenha tão poucos parlamentares de esquerda. Por que isto ocorreu?

Ricardo Canese – Todos os partidos progressistas foram em distintas listas. Toda a esquerda e centro-esquerda teve 12% dos votos, o que poderia ter permitido uma bancada interessante. Lugo foi eleito pela Aliança Patriótica, que era formada também pelos liberais, que tiveram 28%. Já nas eleições municipais tivemos mais de 15%. As pesquisas antes do golpe davam a esquerda e centro-esquerda com20 a 25%. Por isto veio o golpe, porque a esquerda estava crescendo muito forte e unida. Ademais, setores democráticos e populares do Partido Liberal e do Partido Colorado estavam coincidindo com os partidos que estão na Frente Guasu. Isto é o que está acontecendo agora também. Domingo Laino, que é praticamente o fundador do Partido Liberal, várias vezes candidato à presidência, está conosco. Também estão o governador de San Pedro, um dos departamentos mais populares do país; e o deputado Victor Rios (ambos liberais). Dentro do Partido Colorado também ocorre o mesmo. Estamos ampliando enormemente as perspectivas da esquerda e da centro-esquerda. Neste momento, estamos com possibilidade de ganhar as eleições de 2013, se forem limpas e democráticas, com um espectro democrático amplo. Volto a dizer: a alternativa é golpe x democracia. Acreditamos que as forças democráticas do país vão fazer maioria aplastante nas eleições.

Sul21 – Como está a resistência popular agora? Que ações estão sendo realizadas?

Ricardo Canese – Começamos com 25 mil pessoas na rua em uns 40 lugares nas primeiras semanas. Agora estamos planificando uma campanha de resistência de 20 de julho a 15 de agosto, que termine neste dia com um grande ato de resistência, de repúdio ao golpe, nacional e internacional, mobilizando os paraguaios que estão em todo o mundo. Hoje (quinta-feira, 12), havia um ato em Londres, por exemplo. Diariamente, temos tido manifestações em Assunção e distintos pontos da República. No sábado, temos uma grande conversação do presidente Lugo com o povo no Bañado Sur, uma zona popular de Assunção, na próxima semana teremos outros acontecimentos mais. Mas, como te disse, vamos ter um plano bastante bem estruturado de mobilização, de difusão, de intervenção em distintos âmbitos. Incluirá um julgamento ético ao juicio político, ao golpe de estado. Vamos julgar os golpistas. Inclusive, queremos fazer na sala bicameral do Congresso. Depois de 15 de agosto, provavelmente vamos dar ênfase à preparação para as eleições.

domingo, 15 de julho de 2012

Sabra e Chatila: a linha do tempo da barbárie


Através de um acordo mediado pelos EUA, a OLP aceitou deixar o Líbano, se asilando na Síria e na Argélia. Para trás ficaram milhares de refugiados civis. Receberam garantia de israelenses e do próprio governo americano de que não seriam atacados. Vamos esquecer aquele junho de 1982?


Trinta anos depois, é preciso indagar novamente. Vamos esquecer aquele junho de 1982, em que Beguin e Sharon não pestanejaram ao perpetrar o genocídio? Ao mesmo tempo em que massacravam as populações palestina e libanesa, restringiam ao máximo a manifestação de quaisquer segmentos contra a guerra, acabando com a ilusão de vários setores da sociedade israelense que acreditavam nas maravilhas de viver na "única sociedade democrática do Oriente Médio".

Desta forma, paralelamente a uma ação de pinças visando estabelecer no Líbano um estado títere – chefiado por um grupo fascista cristão, aliado incondicional de Israel – que assinasse a "pax beginnis” (como fez o Egito em Camp David) isolando a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), foi deflagrado um processo que terminaria numa ocupação com a tomada da capital Beirute.

Num primeiro momento, a ação de Beguin alcançou seus resultados. A OLP e a população libanesa foram totalmente abandonadas por seus “aliados”. Síria e Jordânia, entre outros, saíram de cena, deixando que todo o peso da ação militar fosse sustentado por palestinos e libaneses. Com total proteção de Washington, o exército sionista cometeu toda sorte de atrocidades. Milhares de mortos, desaparecidos ou feridos. Um milhão de pessoas sem teto. Foram varridos da face da Terra: três cidades, 32 povoados libaneses e 14 acampamentos de palestinos. Contra cidades foram lançadas bombas de fragmentação: fosfóricas, de napalm e bengalas.

Para matar crianças, os invasores, armados e manobrados por Ronald Reagan, usaram as chamadas "minas e armadilha" e "minas-surpresa", que explodiam ao leve toque da mão infantil. O Líbano, palco de tragédias de colonialismos e neocolonialismos, guerra fria e lutas internas com intervenção de potências externas, seria o último solo das vítimas de uma solução final para o "problema palestino".

Frente à barbárie, os estados árabes recusaram-se até mesmo a receber os militantes palestinos, com medo do impacto de sua organização e nível de consciência em suas próprias populações – como ocorreu na Jordânia em 1970.

A pressão sobre a OLP foi, então, enorme. Enquanto sua direção buscava um recuo organizado que lhe permitisse conservar a unidade territorial dos combatentes palestinos, evitando um banho de sangue maior, os "aliados" pressionavam para uma "solução diplomática" que espalhasse os palestinos por vários países e destruísse sua direção.

Estava claro que a nova diáspora era carta jogada não só para os países árabes como para os dirigentes sionistas. Beguin e Sharon não aceitariam, na verdade, qualquer solução que preservasse um mínimo de organização do movimento palestino, que mantivesse intactas as possibilidades de unificação de um movimento anti-imperialista em toda a região. Os novos kaisers de Israel sabiam que a destruição total obedecia a uma estratégia geopolítica de domínio pleno.

Através de um acordo mediado pelos EUA, a OLP aceitou deixar o Líbano, se asilando na Síria e na Argélia. Para trás ficaram milhares de refugiados civis. Receberam garantia de israelenses e do próprio governo americano de que não seriam atacados. Como relembrou o jornalista Diego Cruz, em artigo sobre os 24 anos do massacre:

"No entanto, na madrugada de 16 de setembro, a Falange, milícia libanesa cristã aliada de Israel, sob o comando direto do então Ministro da Defesa judeu, Ariel Sharon, invadiu os campos de refugiados de Sabra e Chatila, no subúrbio de Beirute, protagonizando um verdadeiro genocídio. Cerca de 3.500 mulheres, crianças e idosos foram cruelmente mortos com tiros e facadas."

A sorte estava lançada. Beguin quis destruir a OLP como foco de organização e polarização das forças revolucionárias. Ao destampar essa garrafa, o líder israelense liberou um vinho que, se num primeiro momento, produziu o que lhe pareceu um excelente perfume, liberou poderosos gases, forças sociais com as quais Israel terá que se haver até que o direito à existência soberana seja reconhecido. Enquanto isso não ocorrer, a democracia israelense será uma ficção preservada por muros e pela proteção estadunidense.

Não é sobre corpos de mulheres, crianças e idosos que se constrói um país democrático. Israel deveria, pela linha do tempo da memória coletiva, saber disso há mais de 60 anos.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Werner Herzog - God's Angry Man (1980)

Créditos: MakingOff
 
God's Angry Man
(Glaube und Wärhung – Dr. Gene Scott, Fernsehprediger)
Werner Herzog - God's Angry Man (1980)
Poster
Sinopse
Documentário para TV a respeito do pregador Gene Scott.
(maiores informações na crítica abaixo)
LEGENDAS EXCLUSIVAS!!!
Screenshots (clique na imagem para ver em tamanho real)

Elenco
Informações sobre o filme
Informações sobre o release
Gene ScottGênero: Documentário
Diretor: Werner Herzog
Duração: 44 minutos
Ano de Lançamento: 1983
País de Origem: Alemanha / EUA
Idioma do Áudio: Alemão / Inglês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0080796/
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: XviD
Vídeo Bitrate: 1.936 Kbps
Áudio Codec: MPEG1/2 L3
Áudio Bitrate: 135 kbps 48 KHz
Resolução: 576 x 432
Aspect Ratio: 1.333
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 23.976 FPS
Tamanho: 652.5 MiB
Legendas: No torrent
Crítica

Enquanto esperava o período de pré-produção transcorrer para as filmagens de Fitzcarraldo no Peru, Werner Herzog não perdeu tempo, investindo na realização de dois filmes irmãos sobre desdobramentos da religiosidade americana. God's Angry Man e o posterior O Sermão de Huie, ambos de 1980, são frutos de um estado de espírito muito particular dentro do momento vivido pelo diretor em sua carreira, justamente o da realização de seu mais ambicioso projeto artístico, a ser lançado somente dois anos depois sob um véu de obstáculos como raramente o cinema terá enfrentado. Ainda que ambos os médias tenham sido relegados a um patamar próximo ao esquecimento, justificado inclusive pelo barulho que Fitzcarraldo gerou da gestação à estréia, não é possível ignorar a relevância que ambos os trabalhos possuem, mesmo após três décadas, de iluminar alguns dos interesses centrais e correntes no legado de Herzog.

God's Angry Man, filme sobre a comercialização da fé — e por isso muito próximo ao que atualmente se intensifica no Brasil —, coloca em foco a controversa personalidade de Gene Scott (1929-2005), pastor protestante que, entre os anos 70 e 80, tornou-se um ícone da comunicação através de um programa (Festival da Fé) que liderava a audiência e convencia seu público, por meio de um discurso emotivo e ironicamente raivoso, a ofertar generosas quantias financeiras em nome de Deus. O curioso é que, ao invés de organizar seu material (arquivos found footage do programa, entrevistas exclusivas com Scott, registro de bastidores da TV) em tom de denúncia ou crítica direta aos questionáveis atos de quem observava, Herzog optou por aproximar-se do homem que se escondia atrás da imagem midiática evidenciando uma ambigüidade que ora se compadece, ora abomina, ora simpatiza com aquele que finalmente deixa sua máscara cair.

Ao nos mostrar a rotina de um homem que vive para as câmeras — à época, os programas de Scott duravam entre 6 e 8 horas diárias e ininterruptas — e que, por isso, já diluíra sua identidade num conjunto de expectativas e códigos de conduta indiferentes à sua vontade, Herzog desconstruiu todo um conceito fílmico baseado no desequilíbrio que a realidade e a ficção sempre nele tensionam. O que seu filme faz com Gene Scott é o que nenhuma das incontáveis horas de TV poderiam extrair dele e, em contrapartida, o que ele jamais revelaria para alguém não mediado por uma câmera. Consciente de sobreviver num 'mundo de celulóide', de ocultar uma profunda tristeza sob a fachada do estrelato, finalmente Scott encontrará a possibilidade de uma imagem que não se preocupe em vesti-lo de sentidos e significados exteriores, pois ao contrário, vem dela o mais pleno desnudamento, o desejo simples e puro de ser. E se procurarmos identificar o tempo da restituição, aquele momento em que Scott é brevemente devolvido para si mesmo, este não poderá estar em outro movimento senão o do incisivo close-up dedicado por Herzog ao entrevistado, durante vários e longos minutos.

Certamente o mais belo e funcional — sim, Herzog consegue fundir opostos — close já efetuado pelo diretor, eis uma proximidade que recupera todo o caráter trágico (chapliniano) do referido movimento técnico: há uma eterna dor na face que se deixa tocar pela lente, naquilo que da pele pulsa, dos vincos e rugas, de cada contorno. São nestas cenas que God's Angry Man deixa de ser um filme sobre o mercado da religião para tornar-se um retrato do desamparo humano, do corpo que, abandonado solitariamente num mundo esquecido por Deus, agoniza uma espiritualidade impossível. Parece desnecessário apontar a relação entre Gene Scott e o protagonista de Fitzcarraldo, megalomaníacos que precisaram ultrapassar os limites da razão para sobreviver num domínio simbólico da existência. Desnecessário procurar neles um reflexo de Herzog, que otimizando a espera pelo seu próximo filme, comprovou ser o movimento cinemático uma conseqüência do saber aguardar.

Nandodijesus (Multiplot)