sábado, 11 de agosto de 2012

Publicado Censo 2010: Brasil tem 900 mil indígenas de 305 etnias, que falam 274 idiomas

110812 indigenas brasilBrasil - IBGE - Reproduzimos o comunicado difundido polo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que resume o mais recente censo, correspondente a 2010.

No Censo 2010, o IBGE aprimorou a investigação sobre a população indígena no país, investigando o pertencimento étnico e introduzindo critérios de identificação internacionalmente reconhecidos, como a língua falada no domicílio e a localização geográfica. Foram coletadas informações tanto da população residente nas terras indígenas (fossem indígenas declarados ou não) quanto indígenas declarados fora delas. Ao todo, foram registrados 896,9 mil indígenas, 36,2% em área urbana e 63,8% na área rural. O total inclui os 817,9 mil indígenas declarados no quesito cor ou raça do Censo 2010 (e que servem de base de comparações com os Censos de 1991 e 2000) e também as 78,9 mil pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça (principalmente pardos, 67,5%), mas se consideravam "indígenas" de acordo com aspectos como tradições, costumes, cultura e antepassados.
Também foram identificadas 505 terras indígenas, cujo processo de identificação teve a parceria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no aperfeiçoamento da cartografia.
Essas terras representam 12,5% do território brasileiro (106,7 milhões de hectares), onde residiam 517,4 mil indígenas (57,7% do total). Apenas seis terras tinham mais de 10 mil indígenas, 107 tinham entre mais de mil e 10 mil, 291 tinham entre mais de cem e mil e em 83 residiam até cem indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami, no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas.
Foi observado equilíbrio entre os sexos para o total de indígenas (100,5 homens para cada 100 mulheres), com mais mulheres nas áreas urbanas e mais homens nas rurais. Porém, percebe-se um declínio no predomínio masculino nas áreas rurais entre 1991 e 2010, especialmente no Sudeste (de 117,5 para 106,9) Norte (de 113,2 para 108,1) e Centro-Oeste (de 107,4 para 103,4).
A pirâmide etária indígena tem a base larga e vai se reduzindo com a idade, em um padrão que reflete suas altas taxas de fecundidade e mortalidade, bastante influenciadas pela população rural. Em 2010, havia 71,8 indígenas menores de 15 anos ou de 65 anos ou mais de idade para cada 100 ativos. Já para os não indígenas, essa relação correspondia a 45,8 inativos para cada 100 em idade provável de atividade.
Na área rural, a proporção de indígenas na faixa etária de 0 a 14 anos (45,0%) era o dobro da área urbana (22,1%), com o inverso acontecendo na faixa de 65 anos ou mais (4,3% na rural e 7,0% na urbana). A pirâmide etária dos indígenas residentes fora das terras indígenas indica baixa fecundidade e mortalidade. Já para os indígenas residentes nas terras, a pirâmide etária ainda é resultante de uma alta natalidade e mortalidade. Metade da população indígena tinha até 22,1 anos de idade. Nas terras indígenas, o índice foi de 17,4 anos e, fora delas, 29,2 anos.
O Censo 2010 investigou pela primeira vez o número de etnias indígenas (comunidades definidas por afinidades linguísticas, culturais e sociais), encontrando 305 etnias, das quais a maior é a Tikúna, com 6,8% da população indígena. Também foram identificadas 274 línguas indígenas. Dos indígenas com 5 anos ou mais de idade 37,4% falavam uma língua indígena e 76,9% falavam português.
Mesmo com uma taxa de alfabetização mais alta que em 2000, a população indígena ainda tem nível educacional mais baixo que o da população não indígena, especialmente na área rural. Nas terras indígenas, nos grupos etários acima dos 50 anos, a taxa de analfabetismo é superior à de alfabetização.
Entre os indígenas, 6,2% não tinham nenhum tipo de registro de nascimento, mas 67,8% eram registrados em cartório. Entre as crianças indígenas nas áreas urbanas, as taxas são próximas às da população em geral, ambas acima dos 90%.
A análise de rendimentos comprovou a necessidade de se ter um olhar diferenciado sobre os indígenas: 52,9% deles não tinham qualquer tipo de rendimento, proporção ainda maior nas áreas rurais (65,7%); porém, vários fatores dificultam a obtenção de informações sobre o rendimento dos trabalhadores indígenas: muitos trabalhos são feitos coletivamente, lazer e trabalho não são facilmente separáveis e a relação com a terra tem enorme significado, sem a noção de propriedade privada.
Em 2010, 83,0% das pessoas indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo ou não tinham rendimentos, sendo o maior percentual encontrado na região Norte (92,6%), onde 25,7% ganhavam até um salário mínimo e 66,9% eram sem rendimento. Em todo o país, 1,5% da população indígena com 10 anos ou mais de idade ganhava mais de cinco salários mínimos, percentual que caía para 0,2% nas terras indígenas.
Somente 12,6% dos domicílios eram do tipo "oca ou maloca", enquanto que, no restante, predominava o tipo "casa". Mesmo nas terras indígenas, ocas e malocas não eram muito comuns: em apenas 2,9% das terras, todos os domicílios eram desse tipo e, em 58,7% das terras, elas não foram observadas.
Essas e outras informações podem ser vistas na publicação "Censo 2010: Características Gerais dos Indígenas – Resultados do Universo", que pode ser acessada no link:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_gerais_indigenas/default_caracteristicas_gerais_indigenas.shtm

Terras indígenas em 2010 correspondiam a 12,5% do território nacional

No âmbito do Censo 2010, as 505 terras indígenas reconhecidas compreendiam 12,5% do território brasileiro (106.739.926 hectares), com significativa concentração na Amazônia Legal. Foram consideradas "terras indígenas" as que estavam em uma de quatro situações: declaradas (com Portaria Declaratória e aguardando demarcação), homologadas (já demarcadas com limites homologados), regularizadas (que, após a homologação, foram registradas em cartório) e as reservas indígenas (terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União). No momento do Censo, o processo de demarcação encontrava-se ainda em curso para 182 terras.
Em 2010, o Brasil tinha seis terras indígenas com mais de 10 mil indígenas, 107 entre mais de mil e 10 mil, 291 entre mais de cem e mil e 83 com até cem indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami, localizada no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas, 5% do total.
Cartograma – Número de terras indígenas e superfície, segundo a situação fundiária
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78,9 mil pessoas se declararam de outra cor ou raça, mas se consideravam indígenas

A população indígena residente no Brasil contabilizada pelo quesito cor ou raça foi de 817,9 mil pessoas. Esse é o número usado pelo IBGE para comparações com os Censos 1991 e 2000. Além delas, foram também agregadas ao grupo as pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça, mas se consideravam indígenas de acordo com tradições, costumes, cultura e antepassados, entre outros aspectos. Esse contingente somou 78,9 mil pessoas (um acréscimo de 9,7% sobre o total de indígenas do quesito cor ou raça), resultando em um total de 896,9 mil indígenas em todo o país, dos quais 36,2% residiam em área urbana e 63,8% na área rural. Entre as regiões, o maior contingente ficava na região Norte, 342,8 mil indígenas e o menor no Sul, 78,8 mil. Um total de 517,4 mil (57,7% do total nacional) residiam em terras indígenas, dos quais 251,9 mil (48,7%) estavam na região Norte. Considerando a população indígena residente fora das terras, a maior concentração foi encontrada no Nordeste, 126,6 mil.
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Pardos eram 67,5% das pessoas de outra cor ou raça que se consideravam indígenas

Nas 488 terras indígenas onde foi captada informação sobre a população residente, as pessoas que se declararam como indígena no quesito cor ou raça, 438,4 mil, correspondiam a 77,2%. As que não se declararam, mas se consideravam indígenas, eram 78,9 mil (13,9%). Também havia 8,8% de pessoas residentes nas terras que não se declararam e não consideravam indígenas e sem declaração. Entre as regiões, o Nordeste apresentou a maior proporção de pessoas que não se declararam, mas se consideravam indígenas, 22,7%. No Ceará, esse percentual chegou a 45,5%.
A maior proporção da população residente em terras indígenas que se declarou de outra cor ou raça, mas se considerava indígena, foi de pardos (67,5%). A proporção se repetiu em quase todas as regiões e chegou a 74,6% no Norte. Só no Centro-Oeste os pardos ficaram em segundo lugar, com 33,0%, enquanto os brancos concentravam 60,4%.

População indígena na área rural tem predomínio masculino, mas observa-se declínio

Em 2010, a razão de sexo (número de homens para cada 100 mulheres) da população indígena se manteve estável em relação a 2000 (100,5 e 99,0, respectivamente), indicando equilíbrio entre os sexos. Na análise por situação de domicílio, a razão de sexo segue o padrão da população não indígena: mais mulheres nas áreas urbanas e mais homens nas áreas rurais. A área urbana da região Norte foi a única que apresentou tendência de crescimento masculino (de 89,4 homens para cada 100 mulheres em 1991 para 95,9 em 2010). Já na área rural percebe-se um declínio no predomínio masculino, especialmente no Sudeste (de 117,5 para 106,9) Norte (de 113,2 para 108,1) e Centro-Oeste (de 107,4 para 103,4). Na comparação das terras indígenas com outras áreas, observou-se predomínio masculino em 341 terras (70% do total). A TI Paraná do Paricá (AM) apresentou a menor razão de sexo: apenas 52,9 homens para cada 100 mulheres.

Indígenas nas áreas rurais e em terras indígenas são predominantemente jovens

A pirâmide etária indígena tem a base larga e vai se reduzindo com a idade. Esse padrão reflete suas altas taxas de fecundidade e mortalidade, influenciadas pela população rural. Entre 2000 e 2010, a proporção de indígenas entre 0 a 14 anos de idade passou de 32,6% para 36,2%, enquanto o grupo etário de 15 a 64 anos de idade foi de 61,6% para 58,2%.
A razão de dependência (quociente entre as populações inativas, de 0 a 14 anos e com 65 ou mais anos de idade, e a população em idade ativa, entre 15 e 64 anos) mostrou que, em 2010, havia 71,8 inativos para cada 100 ativos. Para os não indígenas, essa relação era de 45,8 inativos para cada 100 ativos. O índice de envelhecimento populacional indígena (quantidade de pessoas de 65 anos ou mais para cada 100 de 0 a 14 anos) de 15,5 idosos para cada 100 jovens, corresponde à metade do da população não indígena (30,8).
Na área rural, a proporção de indígenas na faixa etária de 0 a 14 anos (45,0%) era o dobro da área urbana (22,1%), com o inverso acontecendo na faixa de 65 anos ou mais (4,3% na rural e 7,7% na urbana). Entre as regiões, a tendência e as proporções foram as mesmas para as crianças e adolescentes na área rural. Já na área urbana, no Sudeste, o contingente de 0 a 14 anos foi de 14,6%, menos da metade da região Norte (33,2%).
Os indígenas residentes fora das terras indígenas acompanhavam o padrão da estrutura por sexo e idade da população não indígena, com baixa fecundidade e mortalidade, e, também, uma razão de dependência baixa e com idade mediana alta. Em 93,6% das terras, a população até 24 anos ultrapassava os 50%. Em seis terras, não foram encontrados indígenas com mais de 50 anos de idade: Itatinga (RJ), Maraã Urubaxi (AM), Sepoti (AM), Batovi (MT), Baía do Guató (MT) e Mundo Verde/Cachoeirinha (MG). A maior proporção de indígenas de 50 anos ou mais (42,9%) foi encontrada na TI Mapari (AM). Metade da população indígena total tinha até 22,1 anos. Nas terras indígenas, esse índice foi de 17,4 anos e, fora delas, 29,2 anos. Na comparação entre homens e mulheres, a população total e a que residia fora das terras indígenas repetiram o padrão dos não indígenas, com a idade mediana das mulheres ligeiramente mais alta do que a dos homens (21,8 anos para eles e 22,3 para elas no geral, 28,3 anos para eles e 30,2 para elas fora das terras); nas terras, foram 17,7 anos para eles e 17,0 para elas.

Analfabetismo chega a 33,4% para os indígenas de 15 anos ou mais em áreas rurais

Entre 2000 e 2010, a taxa de alfabetização dos indígenas com 15 anos ou mais de idade (em português e/ou no idioma indígena) passou de 73,9% para 76,7%, aumento semelhante ao dos não indígenas (de 87,1% para 90,4%). Porém, entre os indígenas, em 2010, a taxa de alfabetização masculina (78,4%) era superior à feminina (75,0%). Na área rural, a taxa de analfabetismo chegou a 33,4%, sendo 30,4% para os homens e 36,5% para as mulheres. Já nas terras indígenas, 67,7% dos indígenas de 15 anos ou mais de idade eram alfabetizados. Para os indígenas residentes fora das terras, a taxa de alfabetização foi 85,5%. Tanto dentro das terras quanto fora delas os homens tinham taxas de alfabetização superiores às das mulheres. Nas terras, as gerações mais jovens eram mais alfabetizadas que a população acima dos 50 anos, cujas taxas de analfabetismo (52,3% para o grupo entre 50 e 59 anos e 72,2% para 60 ou mais anos) eram maiores que as de alfabetização (47,7% e 27,8%, respectivamente).

Na área rural, 38,4% das crianças indígenas não tinham certidão de nascimento

A proporção de indígenas com registro de nascimento (67,8%) era menor que a de não indígenas (98,4%), 27,8% dos indígenas tinham Registro Administrativo de Nascimento e Óbito de Índios (RANI), feito pela FUNAI, e 7,4% deles não tinham qualquer tipo de registro. As crianças indígenas residentes nas áreas urbanas tinham proporções de registro em cartório (90,6%) mais próximas às dos não indígenas (98,5%). Mas, o número de crianças residentes na área rural é 3,5 vezes maior do que na área urbana e a proporção de registrados é significativamente menor (61,6%). Na área rural, 7,6% das crianças indígenas de até 10 anos não tinha qualquer tipo de registro. Nas terras indígenas, 63,0% dos indígenas com até 10 anos eram registrados em cartório e, fora delas, eram 87,5%. O percentual de crianças com o RANI dentro das terras (27,8%) era três vezes superior ao das crianças residentes fora (8,7%). Já o percentual de crianças não indígenas residentes nas terras, registradas em cartório, chegou a 96,2%. Os indígenas que não tinham nenhum tipo de registro nas terras indígenas correspondiam a 7,4% e os não indígenas, 2,4%.

Censo 2010 contou 305 etnias indígenas

O Censo 2010 investigou, pela primeira vez, o pertencimento étnico, sendo “etnia” a comunidade definida por afinidades linguísticas, culturais e sociais. Foram identificadas 305 etnias a partir das pessoas que se declararam ou se consideraram indígenas. Dentro das terras indígenas, foram contadas 250 e, fora delas, 300.
A maior concentração de etnias fora das terras indígenas ocorreu para etnias com até 50 pessoas e não se observou etnia com população acima de 10 mil indígenas. Já dentro das terras o maior agrupamento foi na classe de população entre 251 e 500 indígenas. Do total de indígenas declarados ou considerados, 672,5 mil (75%) declararam o nome da etnia, 147,2 mil (16,4%) não sabiam e 53,8 mil (6,0%) não declararam. Dentro das terras, 463,1 mil (89,5%) declararam etnia e 53,4 mil (10,3%) não responderam. Para os indígenas residentes fora das terras, 209,5 mil (55,2%) declararam etnia e 146,5 mil (38,6%) não sabiam.
A etnia Tikúna tinha o maior número de indígenas (46,1 mil), resultado influenciado por 85,5% deles que residiam em terras indígenas. Os indígenas da etnia Terena estavam em maior número fora das terras (9,6 mil). Nas terras indígenas, as etnias Yanomámi, Xavante, Sateré-Mawé, Kayapó, Wapixana, Xacriabá e Mundurukú não estavam presentes nas 15 mais enumeradas fora das terras. Já fora das terras, as não coincidentes eram Baré, Múra, Guarani, Pataxó, Kokama, Tupinambá e Atikum.
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Em 2010, 293,9 mil indígenas falavam 274 idiomas

No Brasil, foram contabilizadas 274 línguas indígenas faladas, excluindo as originárias dos outros países, denominações genéricas de troncos e famílias linguísticas, dentre outras, sendo a Tikúna a mais falada (34,1 mil pessoas). Nas terras, foram declaradas 214 línguas e 249 foram contabilizadas tanto nas áreas urbanas quanto rurais localizadas fora das terras.
Dos 786,7 mil indígenas de 5 anos ou mais de idade, 293,9 mil (37,4%) falavam uma língua indígena, 57,3% dentro das terras e 12,7% fora delas. O português era falado por 605,2 mil (76,9%) e era falado por praticamente todos os indígenas fora das terras (96,5%).
A proporção de indígenas entre 5 e 14 anos que falavam língua indígena era de 45,9%, 59,1% dentro das terras e 16,2% fora delas. Na faixa entre 15 e 49 anos e para aqueles com 50 anos ou mais, o percentual de falantes declinava com o aumento da idade (35,8% e 28,5%). Dentro desses três grupos etários, nas terras indígenas, quase todos os falantes de língua indígena não falavam português, sendo o maior percentual para os indígenas de 50 anos ou mais (97,3%), enquanto que, fora das terras, nessa mesma faixa etária, o Censo 2010 revelou o menor percentual, 40,7% de falantes somente de língua indígena.
Dentro das terras, 97,9% dos indígenas que recebiam até um salário mínimo falavam língua indígena e não falavam português, enquanto fora das terras o percentual declinou para 50,6%. Entre os sem rendimento, 96,6% dos residentes nas terras indígenas falavam apenas língua indígena. Fora das terras, a proporção era de 68,7%.

Análise de rendimentos indica relações diferenciadas dos indígenas com o trabalho

O Censo 2010 indicou que 52,9% dos indígenas não tinham qualquer tipo de rendimento, proporção ainda maior nas áreas rurais (65,7%). Porém, vários fatores dificultam a obtenção de informações sobre o rendimento dos trabalhadores indígenas: muitos trabalhos são feitos coletivamente, lazer e trabalho não são facilmente separáveis e a relação com a terra tem enorme significado, sem a noção de propriedade privada.
Na categoria “sem rendimento”, as diferenças entre homens indígenas e não indígenas (51,9% contra 30,7%, respectivamente) são maiores do que entre as mulheres (53,9% contra 43,0%). Entre as mulheres indígenas e não indígenas da área urbana, praticamente não há diferença (41,6% e 41,9%); a variação entre os homens é um pouco maior (31,6% e 28,8%). Na área rural, a proporção de mulheres indígenas sem rendimento (64,5%) é um pouco menor que a dos homens (66,7%), diferente da comparação dos não indígenas (50,4% para mulheres e 40,4% para homens). Ocorre que muitas das mulheres indígenas, juntamente com seus filhos, desenvolvem atividades rentáveis ligadas ao artesanato.
Em 2010, 83,0% dos indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo ou não tinham rendimentos, percentual concentrado na região Norte (92,6%, sendo 66,9% sem rendimento). Já o Sudeste apresentou a menor proporção, tanto de pessoas que recebiam até um salário mínimo (25,9%) quanto das sem rendimentos (34,7%). Para os não indígenas, a proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento foi de 37,0% e das que recebiam até um salário mínimo, de 27,5%.
Em todo o país, 1,5% da população indígena com 10 anos ou mais de idade ganhava mais de cinco salários mínimos, percentual que caía para 0,2% nas terras indígenas, onde 65,8% dos indígenas não tinham rendimentos, enquanto, entre os indígenas residentes fora das terras, a proporção caiu para 39,5%. Nas terras, predominam atividades agrícolas de subsistência e os rendimentos monetários nem sempre são a melhor forma de aferir remuneração.
Nas unidades da Federação, variaram bastante as proporções de indígenas sem rendimentos e com até um salário mínimo, dentro e fora das terras. Nas terras, os dois estados com maiores números de indígenas com rendimentos acima de um salário mínimo foram Espírito Santo (19,3%) e Santa Catarina (16,8%). Fora das terras, o rendimento, de modo geral, era melhor, sendo menos favorável no Acre (11,2%), Amazonas (10,7%) e Ceará (14,6%).
Em 85,4% das terras, mais de 50% dos indígenas não tinham rendimento em dinheiro, nem benefício. Em 96,1% das terras, 50% dos indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo mensal e, em cinco delas, nenhum indígena recebia qualquer rendimento: Zo’E (PA), Sagarana (RO), Rio Omerê (RO), Batovi (MT) e Ava Canoeiro (GO).

Maior parte dos domicílios indígenas é ocupada por um só núcleo familiar

Os domicílios particulares permanentes cujo responsável se declarou indígena correspondem a 0,4% do total de domicílios do país; o percentual nas áreas rurais (1,2%) é seis vezes maior que o das áreas urbanas (0,2%).
Segundo o Censo 2010, 63,3% dos domicílios indígenas tinham unidades domésticas nucleares (responsável, cônjuge e filhos solteiros). Para as unidades domésticas estendidas (nuclear acrescida de outros parentes), o percentual correspondeu a 19,1% e, para as compostas (estendidas acrescidas de não parentes), a proporção foi de 2,5%. A maior responsabilidade pelos domicílios indígenas é masculina, com um excedente de 82%. Entre não indígenas, a prevalência da responsabilidade masculina fica em torno de 58%.

Ocas ou malocas são apenas 12,6% do total de domicílios indígenas

O Censo introduziu um novo tipo de domicílio particular permanente, a “oca ou maloca”, aplicada só às terras indígenas. Estas habitações, usadas por várias famílias, podem ou não ter paredes, variam de tamanho e geralmente são cobertas de folhas, palhas ou outras matérias vegetais. Apenas 12,6% dos domicílios eram do tipo “oca ou maloca”; no restante, predominavam casas. Só em 2,9% das terras, todos os domicílios foram classificados como “oca ou maloca” e, em 58,7% das terras, essas moradias não foram observadas.

Na região Norte, 70,9% dos domicílios indígenas não têm banheiro

Em 2010, 36,1% dos domicílios indígenas não tinham banheiro. Nas áreas urbanas, 91,7% dos domicílios indígenas tinham um ou mais banheiros e apenas 8,3%, nenhum. Essa situação se inverte nos domicílios rurais: 31,2% com um ou mais banheiros e 68,8% sem banheiro. Entre as regiões, o Norte se destacou, com 70,9% dos domicílios sem banheiro.
Os domicílios indígenas, principalmente nas áreas rurais, apresentaram os maiores déficits em esgotamento sanitário, com predominância do uso da fossa rudimentar (65,7%). Nas áreas urbanas, a rede geral de esgoto ou pluvial associado com fossa séptica lidera os percentuais, com 67,5%. Nesse quesito, em todas as regiões brasileiras, a situação era desfavorável em relação aos não indígenas e foi pior no Norte: 29,3% dos domicílios indígenas e 40,5% dos não indígenas não tinham o serviço. No país, foram 57,8% dos domicílios com responsáveis indígenas com esgotamento sanitário.
Apenas em 2,2% das terras indígenas todos os domicílios estavam ligados à rede de esgoto ou fluvial ou tinham fossa séptica; em 52,3%, nenhum domicílio era atendido por esses sistemas. Em 84,1% das terras, numa faixa de 75% a 99% dos domicílios, o tipo de esgotamento era fossa rudimentar, vala, rio, lago ou mar ou outro tipo. Do conjunto de domicílios que tinham algum tipo de esgotamento, a fossa rudimentar tinha as maiores proporções, principalmente no Sul (60,9%), Centro-Oeste (55,5%) e Nordeste (55,0%).
No Brasil, 60,3% dos domicílios indígenas contavam com rede geral de abastecimento de água, contra 82,9% dos não indígenas. No Norte, só 27,3% tinham rede geral. A região liderava na categoria “outra forma de abastecimento”, com 44,6%. Desse contingente, 85,1% vinham de rios, açudes, lagos e igarapés. Aqui também havia uma categoria específica, de “poço ou nascente na aldeia e fora da aldeia”, só pesquisada nas terras.
Nas terras, 33,6% dos domicílios tinham rede de abastecimento de água; a maioria usava poço ou nascente, dentro ou fora da propriedade. Em 57,1% das terras, nenhum domicílio estava ligado à rede, presente na totalidade dos domicílios apenas em 3,3% das terras.
Poucos domicílios das terras indígenas eram atendidos por coleta de lixo (16,4%), que não chegou a nenhum domicílio em 325 terras indígenas (66,7%) e apenas em 1,8% das terras abrangia todos os domicílios. Em 18,3% das terras, todos os domicílios queimavam o lixo na propriedade. O lixo de todos os domicílios era jogado em terreno baldio ou logradouro em seis terras: Areões (MT), Zo’E (PA), Aripuanã (MT), Badjonkore (PA), Riozinho do Alto Envira (AC) e Mundo Verde/Cachoeirinha (MG).
A energia elétrica, proveniente de companhia distribuidora ou outras fontes, dentro das terras, foi contabilizada em 70,1% dos domicílios, Do total de terras indígenas, 10,3% não tinham qualquer tipo de energia elétrica e em 10,9% todos os domicílios tinham algum tipo.

Brasil pode ter sido mais decisivo que EUA nos golpes latino-americanos


Documentos ultrassecretos provam que a ditadura brasileira chegou a exportar técnicas de tortura à militares da região

The National Security Archive/Reprodução
O Brasil pode ter tido um papel mais importante que os EUA nas ditaduras latino-americanas, embora a articulação estreita entre Brasília e Washington para perseguir militantes de esquerda nos anos 60 e 70 seja ainda quase desconhecida para a história oficial.
A missão de desvendar os meandros dessa cooperação e o verdadeiro papel que militares e civis brasileiros desempenharam em ditaduras como as do Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia caberá à recém-instaurada Comissão da Verdade, diz o pesquisador norte-americano Peter Kornbluh em entrevista ao Opera Mundi.
[O ditador brasileiro Emílio Garrastazu Médici e o presidente dos EUA Richard Nixon]

Segundo Kornbluh – que esteve em maio em Brasília para reunir-se com membros da Comissão –, existem papéis ultrassecretos que provam que o Brasil exportou técnicas de tortura para os países vizinhos, além de fornecer respaldo político, ajuda financeira e suporte material para ditadores militares da região.
Leia mais:
"Comissão da Verdade brasileira tem de ser agressiva nas buscas", diz Peter Kornbluh

Nós sabemos, por exemplo, que o presidente (brasileiro Emílio Garrastazu) Médici e o presidente (dos EUA Richard) Nixon mantiveram um canal de comunicação ultrassecreto sobre a intervenção brasileira no Chile e, possivelmente, em outros países do Cone Sul no início dos anos 70”, diz Kornbluh, que é diretor dos Arquivos da Segurança Nacional. A organização de Washington, fundada em 1985, é especializada no requerimento, interpretação e publicação de documentos secretos norte-americanos liberados para consulta pública sobre os golpes na América Latina.

Documentos secretos obtidos pela organização de Kornbluh em agosto de 2009 revelam a cooperação estreita entre Nixon e Médici. Num dos memorandos revelados, o presidente norte-americano diz a seu colega brasileiro: "espero que possamos ter uma colaboração estreita, uma vez que há muitas coisas que o Brasil pode fazer, como país sul-americano, e nós, dos EUA, não podemos. A relação entre ambos era tão importante, diz a análise feita na época pela National Secutiry Archives, que ambos estabeleceram um canal privilegiado de contato, "como forma de manter a comunicação direta sem usar os canais diplomáticos formais".

Médici tinha como canal seu assessor direto, o chanceler Gibson Barbosa, mas "para assuntos extremamente privados e delicados", indicou o coronel Manso Netto. Do lado norte-americano, o contato era Henry Kissinger, conselheiro e confidente de Nixon. Toda a comunicação estabelecida por meio desse canal secreto permanece desconhecida.

Kornbluh começou a lidar com arquivos secretos na década de 60, quando investigou papéis do governo norte-americano sobre a crise dos mísseis em Cuba. Na época, a então União Soviética transportou para a ilha mísseis capazes de alcançar o território dos EUA em plena Guerra Fria. Kornbluh também mergulhou em arquivos do episódio que ficou conhecido como Irã Contras quando, em 1986, durante o mandato do então presidente Ronal Regan, figurões da CIA foram flagrados traficando armas para o Teerã, mesmo com o regime sob embargo. Ele publicou dois livros sobre o tema, além de um terceiro, mais tarde, sobre a ditadura no Chile, que recebeu do jornal americano Los Angeles Times a classificação de “livro do ano” de 1998.

O pesquisador norte-americano é figurinha fácil em programas de reportagem investigativa como o 60 Minutes, da rede CBS, e congêneres da CNN. Sua informações e análises sobre o papel dos EUA são conhecidas, mas o envolvimento com os arquivos brasileiros será algo novo, que pode revelar detalhes ainda desconhecidos – e desagradáveis – sobre o real papel brasileiro na história latino-americana.

Acusação direta

Em maio, o Opera Mundi publicou reportagem especial na qual fontes brasileiras e chilenas acusam a Embaixada do Brasil em Santiago do Chile de ter sediado as reuniões prévias ao golpe liderado pelo general Augusto Pinochet, além de ter facilitado o envio da primeira linha de crédito à ditadura chilena por empresários brasileiros, no valor US$ 100 milhões.

Arquivo pessoal

Peter Kornbluh: relutância das fontes militares brasileiras em liberar papéis é obstáculo para Comissão da Verdade do país

“O único brasileiro presente na noite em que a Junta Militar chilena prestou juramento, no dia 11 de setembro (dia do golpe), foi o então embaixador do Brasil no Chile (Antonio Castro do Alcântara Canto), em cuja residência foram feitas as reuniões-chave para que Pinochet se juntasse ao golpe", disse a jornalista e escritora chilena Mónica Gonzalez, autora do livro La Conjura – Os Mil e Um Dias do Golpe.

"Empresários de São Paulo financiaram o grupo de ultra-direita Patria y Libertad que perpetrou atividades terroristas para desestabilizar o governo [de Salvador] Allende. Torturadores brasileiros vieram ao Chile após o golpe para ensinar técnicas de tortura, interrogar e levar de volta ao Brasil ativistas brasileiros exilados no Chile", completou um dos assessores diretos de Allende, o atual diretor do PNUD (Programa da ONU para o Desenvolvimento), Heraldo Muñoz.

Para Kornbluh, declarações como as de Mónica e Muñoz podem ser provadas por documentos ainda desconhecidos. O pesquisador é um grande conhecedor do poder de certos papéis empoeirados. Em 1998, quando o democrata Bill Clinton era presidente, ele conseguiu a liberação de 24 mil documentos secretos da CIA, do Departamento de Defesa, do Departamento de Estado, do Conselho de Segurança Nacional e do FBI sobre a participação dos EUA no golpe de 11 de setembro de 1973, no Chile. Pouco tempo depois, Kornbluh aplicou o mesmo modelo de busca para o caso argentino, onde conseguiu acesso a mais de 5 mil informações até então reservadas da ditadura militar.

“A ironia poética do envolvimento dos EUA na América Latina é que isso criou um rico acervo que pôde ser usado para revelar quais violações dos direitos humanos foram cometidas no passado e quem as cometeu. Esperamos conseguir informações semelhantes no Brasil nos próximos meses”, disse.

Jogo duro

Kornbluh diz que um dos obstáculos ao trabalho da Comissão da Verdade no Brasil ainda é a relutância das fontes militares em liberar papéis, por exemplo, sobre a Guerrilha do Araguaia – movimento de resistência armada à ditadura que foi aniquilado pelo Exército Brasileiro em seguidas investidas, entre 1972 e 1975, na região norte.

Roberto Stuckert Filho/PR

Presidente Dilma Rousseff durante cerimônia de instalação da Comissão Nacional da Verdade, no Palácio do Planalto, em Brasília

Os documentos relativos à operação nunca foram revelados pelos militares, mesmo depois da condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em dezembro de 2010, pela “detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região” do Araguaia. Eles dizem que os papéis foram todos destruídos.

Kornbluh diz que o argumento é comum e já foi usado em outras ditaduras da região. "Na Guatemala, a Comissão transformou num assunto o fato de os militares negarem informações, esconderem documentos. A publicidade disso fez com que alguns militares guatemaltecos dessem passos significantes adiante, liberando mais documentos sobre o papel do alto comando nas atrocidades massivas”, conta. “A Comissão de Verdade do Brasil deveria ser agressiva na busca por registros militares e, se os militares não cooperarem, deveria então estar preparada para dar publicidade geral, responsabilizando os que obstruírem os registros desta história negra.”

A sugestão foi, aparentemente, feita por Kornbluh aos membros da Comissão da Verdade no Brasil, embora o pesquisador tenha se negado a dar detalhes sobre o encontro realizado em Brasília, em junho.

Não há tempo a perder*


Rui Paz
Rui Paz 
Os EUA procuram a todo o custo uma saída militar para a crise do capitalismo. O hipócrita Obama confirma-se como um inimigo da paz e um criminoso ainda pior do que Bush. A ambição de domínio mundial e a agressividade do imperialismo levam a guerra a zonas cada vez mais alargadas do planeta, e colocam a humanidade perante a ameaça de uma tragédia global sem precedentes.

Nas últimas semanas temos vindo a assistir ao agravamento da tragédia da guerra contra a Síria. A aliança entre o imperialismo norte-americano, sionistas, ditaduras monárquicas do Golfo e brigadas de mercenários terroristas pretende destruir mais um Estado e um regime, activo apoiante da luta do povo palestiniano. Exactamente no momento em que o carácter sanguinário desta santa aliança é cada vez mais evidente, Obama autoriza que se torne público a existência de directivas secretas à CIA para o seu envolvimento em operações encobertas contra a Síria. Agora é oficial. Os norte-americanos «missionários da democracia» e os déspotas reaccionários da península Arábica são os organizadores daquilo que durante mais de um ano os media nos venderam como sendo actos de resistência da oposição interna ao regime de Damasco.
Entretanto famílias sunitas são atraídas com pacotes de prendas enviados pelo Emir do Qatar a abandonar os seus lares onde vivem em paz e a deslocarem-se para outras regiões e campos de refugiados na Turquia. O objectivo é a paralisação da actividade na Síria e a intensificação do processo de desestabilização. Mesmo assim Obama e Hillary Clinton estão furiosos. Durante a chamada conferência dos «amigos da Síria» que se realizou no início de Julho em Paris, Clinton proferiu ameaças contra a Rússia e a China por aqueles dois membros permanentes do Conselho de Segurança recusarem dar o aval a mais uma agressão militar, respeitarem a Carta da ONU e as normas do direito internacional. Washington já se esqueceu que no caso da Resolução contra a Líbia, Obama, Sarkozy e Cameron ludibriaram não só Moscovo e Pequim mas o mundo inteiro ao fazer crer que queriam proteger as populações civis, tendo, afinal, a NATO acabado por assassinar aqueles que apregoava querer proteger.
O especialista da Aliança Atlântica, Rainer Rupp, relembra que o então comandante das forças militares da NATO, mais tarde candidato à presidência dos Estados Unidos, General Wesley Clark, numa intervenção no Commonwealth Club of California (03.10.2007) revelou que a administração do presidente George Bush (2001-2009) tinha planeado substituir os regimes no Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Irão (JW. 03.08.2012). O objectivo não é só o controlo pelos Estados Unidos de uma zona energética e geográfica da maior importância estratégica, mas o prosseguimento de um plano de penetração na Ásia desenvolvido pelo actual conselheiro de Obama, Zbigniew Brzezinski, com vista ao domínio mundial do imperialismo norte-americano. Nesse plano, exposto já em 1997 numa publicação intitulada «O Grande Tabuleiro de Xadrez» (The Great Chessboard), o iniciador no Afeganistão da aliança entre o Pentágono e o antigo chefe da Al-Qaeda, Bin Laden, que Obama acaba de assassinar, prevê o controlo pelos Estados Unidos da região do Mar Cáspio, a segunda mais rica do mundo em fontes de energia, e o desmembramento da Rússia em três repúblicas: «uma Rússia Europeia, uma Rússia Siberiana e uma Rússia do Extremo-Oriente». Como demonstram as provocações constantes contra Pequim a propósito do Tibete, os planos de Washington para criação do caos na China não são diferentes.
O imperialismo não tem as mãos inteiramente livres para consumar todos os seus planos de opressão mundial. Há forças suficientes para travar e fazer retroceder esta marcha sanguinária. Mas não há tempo a perder. É tempo de os povos tomarem consciência e agirem, antes que seja demasiado tarde.
Aqueles que foram ludibriados pelas pregações de Obama e não se aperceberam de que o actual presidente foi eleito para lavar a cara ao imperialismo norte-americano completamente desacreditado pelos mandatos de Georg Bush, ainda estão a tempo de compreender que os Estados Unidos procuram a todo o custo uma saída militar para a crise do capitalismo. Saída que não sendo travada atempadamente poderá representar grandes perigos para a Humanidade.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2019, 9.08.2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Classe trabalhadora reage ao avanço no desmonte dos direitos sociais

Escrito por Osvaldo Coggiola   


Na greve do funcionalismo público federal (Andes, Fasubra, Sinasefe, principalmente) se concentram todas as contradições da política brasileira. Em inícios de agosto, até os servidores (funcionários) da Polícia Federal votaram sua entrada em greve. A oferta de “reajustes” salariais do governo Dilma não cobre sequer as perdas dos anos em que os salários permaneceram congelados, sem falar na destruição da carreira funcional. Uma vez descontada a inflação, mesmo usando índices modestos e otimistas, os reajustes médios propostos pelo governo até 2015 variam entre 0,36% e 5,52% negativos. A “economia de caixa” que o governo pretende com o arrocho salarial federal está a serviço de uma política de subsídios ao grande capital. Não se trata apenas do pagamento da dívida pública, que compromete cerca de 50% do orçamento da União, mas também, entre outras coisas, da utilização do endividamento público para repasse direto de recursos a empresas privadas, subsidiadas pelo BNDES (que acaba de comemorar o destino do montante de R$ 342 milhões a um dos maiores conglomerados industriais do mundo - a Volkswagen).

Desde 2008, o governo (então Lula) abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para a indústria automotiva: cada carteira assinada pelos monopólios do automóvel custou um milhão de reais ao país. O resultado? A remessa, por essas empresas, de quase R$ 15 bilhões ao exterior, na forma de lucros e dividendos, para cobrir os buracos de caixa das matrizes “em casa” (EUA, Europa, Japão) e a onda de demissões que ora se desenvolve no setor automobilístico.  A crise mundial não perdoou o Brasil, como irresponsavelmente Lula insistiu em dizer ao longo de anos. A produção industrial recuou por três meses consecutivos, e o investimento por três trimestres consecutivos, em que pese os generosos créditos ao capital do BNDES com taxas subsidiadas, configurando um panorama de recessão. Isto em que pese o pacote de estímulos industriais, que perfaz a soma de R$ 60 bilhões (desoneração fiscal, ampliação e barateamento do crédito, redução de 30% do IPI, subsídios para as tarifas elétricas etc.). Em energia, houve 10% de redução para as grandes empresas; os grandes empresários já pagam por uma energia subsidiada, mas continuam pressionando o governo para uma redução da carga tributária. Não bastasse todos os incentivos já oferecidos, como as reduções tributárias para estimular a venda de veículos e reduzir o estoque das montadoras nos pátios, agora o BNDES também oferece recursos para elas brincarem de “inovação tecnológica”.

A crise mundial bate diretamente à porta do país: o saldo comercial favorável de US$ 31,3 bilhões de novembro de 2011 (quando as exportações brasileiras bateram recordes históricos) recuou para US$ 23,9 bilhões em junho deste ano. A desaceleração do PIB já bate as previsões mais pessimistas. A taxa de juros de longo prazo foi reduzida de 6% para 5,5%, e o governo anunciou compras (máquinas, caminhões, ônibus) por valor de R$ 6,6 bilhões. O resultado? Menos de 1% de investimento no PIB, que não compensa nem metade da queda do investimento durante o primeiro trimestre de 2012. E novas demissões no setor automotivo, começando pela GM de São José dos Campos, que anunciou 1.500 demissões e um plano de deslocalizações (o processo de demissões também vem afetando outras montadoras: Volkswagen, Mercedes, Volvo).

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 prioriza o superávit primário e não assegura reajuste para o funcionalismo público além do que for negociado até 31 de agosto, proporcionando a garantia do superávit primário para remuneração dos parasitas financeiros (em 2012, a parcela do Orçamento Geral da União destinada aos juros e amortizações da dívida já supera os 47%) e criando todo tipo de obstáculo para a recuperação das perdas salariais dos servidores públicos. Desde o Plano Real (1994), enquanto os gastos governamentais ficaram congelados, a LDO garantiu atualização da dívida de forma automática, mensalmente, e por índices calculados por uma instituição privada, índices que tiveram variação muito superior ao índice oficial de inflação, o IPCA. Sobre essa robusta atualização ainda incidem elevados juros reais (a Lei de Responsabilidade Fiscal limita gastos e investimentos sociais, mas não estabelece limite algum para o custo da política monetária), por isso a dívida brasileira é a mais cara do mundo, uma política que foi acentuada pelos governos do PT. A dívida federal tem sido atualizada automaticamente, mensalmente, pelo IGP-M. A dívida dos estados (com a União) tem sido atualizada automaticamente, mensalmente pelo IGP-DI. Ambos são calculados pela FGV e suas variações no período foram muito superiores ao IPCA.


A dívida pública brasileira já supera R$ 3,2 trilhões (em valores de novembro de 2011), ou 78% do PIB, e consome quase metade dos recursos da Federação. Tudo é bom para pagá-la, até o imposto de renda das pessoas físicas, modificado sob a justificativa de simplificação: diversas deduções foram abolidas, e o trabalhador está cada vez mais onerado; enquanto desde 1996 as “pessoas jurídicas” (empresas) podem deduzir juros calculados sobre o capital próprio, despesa não efetivamente paga, fictícia, que beneficia empresas altamente capitalizadas, como os bancos. Houve fechamento de postos de trabalho em grandes bancos, principalmente Itaú e Banco do Brasil. A rotatividade de mão de obra continua alta nas instituições financeiras e é utilizada para reduzir a massa salarial. O salário médio dos trabalhadores contratados, em número menor às demissões, foi 38,2% inferior ao dos desligados.
O arrocho salarial público e privado é, nesse quadro, o primeiro patamar para um ataque histórico com vistas a que “os trabalhadores paguem pela crise”. O corte de salário dos grevistas das universidades, por exemplo, é uma medida inconstitucional, pois desrespeita o preceito pétreo da autonomia universitária. A resposta do funcionalismo (especialmente docentes e funcionários educacionais) não se fez esperar: em tempo recorde foram paralisadas 58 das 59 universidades federais, e foram organizadas massivas marchas e jornadas de luta em Brasília. Isto pese a forte atuação de um pseudo sindicalismo pelego (Proifes) favorecido e subsidiado pelo governo (e a CUT) nas universidades. Os auditores fiscais empreenderam medidas de luta em todo o país, por um reajuste salarial de 30%, que chegaram a paralisar o polo industrial de Manaus. Os professores estaduais da Bahia já completaram quatro meses de greve com assembleias multitudinárias. Nos servidores do Ministério da Saúde (ex-INAMPS) e do TEM, a proposta de greve por tempo indeterminado não foi aprovada, mas está se realizando um dia de paralisação por semana.

E os trabalhadores do setor privado também começaram a reagir, com o corte da Via Dutra pelos trabalhadores da GM, contra as demissões e o “banco de horas” (flexibilização trabalhista); em São José há um processo de reação dos metalúrgicos, com uma passeata com 2.500 trabalhadores e duas paralisações de duas horas (foi votado o “estado de greve”), além de outras greves, por enquanto localizadas. E teremos agora a entrada em cena de categorias fundamentais como correios, petroleiros, bancários e metalúrgicos com suas campanhas salariais no segundo semestre. Fundamental, após mais de vinte anos sem realizar greve, os trabalhadores eletricitários das empresas do grupo Eletrobrás – Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul e outras 10 empresas – paralisaram a partir de 16 de julho. A decisão pela greve foi tomada em assembleias realizadas em todo país. Os trabalhadores não aceitaram a contraproposta da empresa referente ao reajuste salarial, reivindicando 10,73% (a Eletrobrás ofereceu apenas 5,1%). A categoria tem cerca de 30 mil trabalhadores; a greve atinge 14 empresas, sendo oito são geradoras de energia. Os petroleiros (FUP) também discutem a possibilidade de greve.

A revolta crescente dos trabalhadores é a revolta das forças produtivas contra a decomposição do capital e a submissão nacional. A postura do governo Dilma frente à greve nacional dos docentes e, mais recentemente, dos técnicos e administrativos das universidades federais não é uma simples “contenda trabalhista”, embora a greve possua pauta precisa e objetiva: carreira, malha salarial e condições de trabalho (mais concursos e recursos para as instituições). Em 13 de julho, quando a greve dos professores das universidades federais já estava a ponto de completar dois meses, o governo finalmente ofereceu à categoria uma proposta, rejeitada pelas assembleias de base da categoria. A partir dos dados do ICV/Dieese e de uma projeção futura, o Andes estimou o reajuste necessário em, pelo menos, 35%. Para a maior parte dos docentes, a proposta do governo significará, em 2015, um salário real menor que o recebido em 2000. A tendência é a greve continuar: na rodada nacional de assembleias gerais, entre os dias 16 e 20 de julho, para avaliar a proposta apresentada pelo governo, os professores rejeitaram a proposta de modo categórico; as 58 AGs realizadas rejeitaram a proposta, a maioria por unanimidade.

Depois de agradar o capital (financeiro, industrial, comercial e agrário) com todo tipo de “bondades”, ao longo da última década, acentuadas no governo de Dilma Roussef, garantindo o total apoio político daquele, o governo define agora a agenda de um ataque histórico ao trabalho, mediante as “novas regras do INSS” (destruição da previdência social pública e fator 85/95: concessão de aposentadoria quando a soma da idade e do tempo de contribuição for de 85 anos para as mulheres e de 95 anos para os homens; sem falar que, desde a implantação do “fator previdenciário”, o governo “economizou” R$ 21 bilhões, dinheiro roubado dos trabalhadores) e a “flexibilização do mercado de trabalho” (adequação de legislação trabalhista às necessidades do capital em crise). “Reforma da previdência, flexibilização das leis trabalhistas e privatizações são temas da velha Agenda Perdida, elaborada por economistas quando da primeira eleição de Lula, em 2002”, de acordo com um comentarista do capital, com vistas a “desobstruir os investimentos produtivos e cuidar do crescimento da economia pelo lado da oferta”. O que quer dizer este enigmático enunciado?

Segundo Valor Econômico, “a presidente Dilma Rousseff prepara para depois das eleições municipais a negociação com o Congresso de duas reformas: a da previdência do INSS, em troca do fim do fator previdenciário, e a que flexibiliza a legislação trabalhista, cujo anteprojeto está na Casa Civil e que deverá dar primazia ao que for negociado entre as partes sobre o legislado, ampliando a autonomia de empresas e sindicatos”. Seriam tomadas “medidas de concessão do serviço público ao setor privado, redução dos encargos da conta de energia elétrica, reforma do PIS/Cofins e incorporação de mais setores na desoneração da folha de salários”. Dilma realizaria o “trabalho sujo” que o governo Lula deixou pendente.

Porque agora?  Pelo impacto da crise (mundial): só no estado de São Paulo, nas plantas de São José dos Campos e São Caetano do Sul, a GM já demitiu em quinze meses mais de dois mil operários, 1.400 só em São José dos Campos. Entre outras coisas, a idade mínima de aposentadoria seria elevada (acabando com a aposentadoria por contribuição e instituindo a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para as mulheres) e a desoneração da folha salarial, já implementada, seria acrescida da facilitação para demitir e contratar precariamente, ou “Contrato Coletivo Especial”. O governo propõe o “Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico” (ACE), que regulamentaria a criação de Comitês Sindicais de Empresa (CSE), ignorando a legislação trabalhista e os próprios sindicatos por categoria. É um ataque histórico às conquistas dos trabalhadores.

E há um recrudescimento do processo de criminalização das lutas e organizações dos trabalhadores e da violência contra os pobres que se manifesta nos assassinatos de dezenas de jovens pobres e negros pela polícia na periferia de São Paulo; na violenta repressão às greves dos operários da construção civil (há operários presos até hoje em Rondônia, devido à greve que ocorreu em Jirau, em abril); na violência da desocupação do Pinheirinho; nas ameaças de morte a dirigentes e ativistas de movimentos populares da cidade e do campo. Diante disso, também há um crescimento das lutas populares, tanto no campo quanto na cidade, como se expressou na resistência do Pinheirinho, em diversas outras ocupações urbanas, na luta quilombola (como no Quilombo do Rio dos Macacos, na Bahia).

A reação operária e sindical provocou que, surpreendentemente, “a Central Única dos Trabalhadores (CUT) repudia(e) veementemente a publicação do decreto governamental 7777 que prevê a substituição dos servidores públicos federais em greve por servidores estaduais e municipais” (isto sem falar no corte de ponto do funcionalismo ordenado por Dilma). E até que uma fração do PT, até aqui caracterizada pela obsequencia, manifestasse que “no governo Dilma os salários foram congelados no primeiro ano de governo e as reposições inflacionárias passaram a ser promessas, feitas de forma parcelada e após o período de apuração”, o que é menos do que uma parte da verdade (os salários foram congelados bem antes). Ora, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT) encaminhou ao governo e ao Congresso Nacional um Anteprojeto de Lei que modifica a CLT e cria o Acordo Coletivo Especial, cujo conteúdo essencial é “fazer prevalecer o negociado sobre o legislado” nas relações de trabalho. Certamente, a CUT nada faz para unificar as lutas, e menos ainda para organizar um plano de lutas de toda a classe trabalhadora, mas essas manifestações públicas anunciam uma crise na base política histórica do governo petista.

Está colocada, portanto, a luta por uma frente sindical e política pela defesa da classe trabalhadora, pela unificação das greves e das lutas do setor público e privada e pela independência de classe. Depois de uma década, a base política do governo está rachando: sobre a base da mobilização, e das plenárias de base estaduais e nacionais, devemos propor a frente única das organizações operárias e populares, por um Plano Unificado de Lutas para fazer com que os capitalistas, não os trabalhadores e a nação, paguem pela crise.

Osvaldo Coggiola, historiador e economista, é professor do departamento de História da USP.
 
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- O homem com uma câmera (Chelovek s kinoapparatom) – URSS (1929)




Direção: Dziga Vertov
Roteiro: Dziga Vertov
Um experimento cinematográfico que foi considerado inovador para a sua época por utilizar várias técnicas até então pouco ou nada vistas. É um documentário que mostra um dia normal, totalmente típico, na cidade de Moscou.
Sem dúvida, um dos filmes mais importantes da história do cinema. A inquietação e teorias de Vertov o levou a criar uma obra mestra para a linguagem cinematográfica.
Em O Homem com uma câmera (ou O Homem com uma câmera na mão, ou O Homem com uma câmera de filmar), o diretor experimenta diversos recursos, como movimentos de câmera, sobreposição de imagens, velocidade (aceleração e slowmotion), planos, enquadramentos e, sobretudo, uma montagem original para a época.
Todos esses elementos respaldavam as suas teorias sobre a função da câmera e do próprio cinema – a câmera-olho, num processo de “humanização” da câmera, com as lentes funcionando como múltiplas retinas que enxergam os acontecimentos ao seu redor, unindo e sobrepondo pontos de vista.
Apesar de captar imagens do cotidiano soviético, com seus lugares, pessoas, movimentos e objetos, o filme radicaliza o conceito de “documentário”, pois une os registros documentais à manipulação feroz do diretor, resultado em uma obra artística, poética e autoral.
Enfim, esse não é apenas um filme, mas uma fonte teórica riquíssima, para se explorar a linguagem cinematográfica. Certamente, muitos cineastas do século passado beberam dessa fonte e ainda há o que beber.


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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Raça, pra que te quero?

Discussão sobre cotas trouxe petistas e tucanos brandindo barbaridades científicas

O Senado aprovou, na terça-feira 7, um projeto de lei que prevê a destinação de 50% das vagas em universidades e escolas técnicas federais para quem cursou o ensino médio integralmente em escolas públicas. Universidades e escolas técnicas terão de levar em conta critérios "raciais".
Veja bem: os vocábulos "critérios raciais" foram verberados pelos quatro maiores jornais brasileiros. Em sua primeira página, O Estado de S. Paulo chegou a surdir, como se a inverossimilhança fosse tolerável, frase do tucano Aloysio Nunes Ferreira, para quem "sou contra essa diferenciação pro raça e não tenho medo dessas movimentos. O branco pobre não é filho de senhor de escravos".
Essa bobagem de atribuir valor ao vocábulo "raça" não é nova. Os jornais que se dizem tão moderninhos o vocábulo "raça" como se este fosse cientificamente tolerável. Só para lembrar, em 1998, em sua coluna à página A2 da Folha de S.Paulo, o ex-presidente José Sarney chegou a escrever que cientistas brasileiros já haviam encontrado o DNA que validava "uma raça tipicamente brasileira". Nessa mediania de desinformação, ainda existe por aí uma revista da comunidade negra, vulgo afrodescendente, intitulada Raça.
O vocábulo "raça" deveria ter sido banido do dicionário desde o começo da década de 50: que foi quando Watson e Crick, ao conjecturarem sobre a dupla hélice do DNA, notaram que tais hélices eram compostas por decágonos – figuras de dez lados que, sabe-se em geometria, são as que mais concentram a energia. E que se você comparar o índice de crescimento desses decágonos seja num judeu, alemão, russo, esquimó ou argentino, ou branco, ou negro, ou circassiano, ou pardavasco, verá que as medidas são iguais. Ou seja, desde o começo da década de 50 os cientistas sabem que não existe conceito científico de raça. Somos todos rigorosamente iguais apesar das flamantes mentiras que volta e meia os racistas tendem a vender por aí.
Qualquer beletrista de Engenharia, Artes Plásticas ou Ciências sabe que toda vida viva cresce na mesma proporção: é o chamado número áureo ou golden mean, representado por raiz de 5 mais 1 sobre 2. Toda vida viva cresce nessa proporção. Com as hélices do DNA não é diferente.
Quem emprega, portanto, o vocábulo "raça", cujo uso fez o valor racista do termo quase invisível de tão habitual são os egressos de um antigo determinismo biológico segundo o qual poderíamos nós, humanos, sermos diferentes em essência – se esquecendo de que geneticamente somos todos substantivos apesar das variações culturais, e de classe, adjetivas.
Foi a partir de 1846 que Gustav Klemm publicou os dez volumes do seu "História cultural e geral da humanidade", pelo qual estabeleceu os conceitos básicos de que éramos divididos em raças, e isso bastou para que o conde de Gobineau inventasse a cascata de que no norte da Índia havia vivido uma raça superior chamada Arya (cuja tradução quer dizer homem honrado). E que essa raça superior teria passado o seu bastão evolutivo de pureza para os vikings e teutogermânicos. O nazismo e o racismo costuraram suas bandeiras a partir desses retalhos.
Seja petistas ou tucanos, todos falaram em raça desde essa terça-feira. Todos se curvaram ante o determinismo biológico e se esqueceram, ou simplesmente nunca souberam, o que é mais provável, que os maiores especialistas do mundo em pedras preciosas foram roubados da África pelos portugueses, escravizados – e já no Brasil passaram a ensinar aos cutrucos de Lisboa a arte alquímica da extração e transformação de gemas.
O determinismo biológico continua vigindo no nosso país que se pretende tão moderninho, e mesmo entre as esquerdas nessa questão das cotas foi deixado de lado a tão louvada vulgara marxista de exploradores e explorados em prol da ideia de que uns são mais apequenados que outros porque pertencem a uma outra raça.
O pensador marxista alemão Ernst Bloch (1885-1977) gostava de apontar o que chamava de "a contemporaneidade do não-coetâneo (em alemão, "Gleichzeitigkeit der Ungleichzeitigkeit"). Ou seja: você vive no século 21, mas pode estar dividindo o seu espaço, lado a lado, com quem ainda mantenha valores medievais. Ou simplesmente com quem ache que a ida do homem à lua não passa de uma montagem de video. O que ainda existem "raças". É a esta categoria que pertencem os tucanos e petistas que empregaram o vocábulo "raça" para discutir a questão da quota. São todos, noto, nacionalistas do século 17.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Argumentos contra o aumento de recursos para a educação manipulam e desinformam

  Otaviano Helene   no CORREIO DA CIDADANIA

O Plano Nacional de Educação (PNE), recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, prevê investimentos crescentes em educação pública, os quais devem atingir 7% do PIB até o quinto ano de sua vigência e 10% até o décimo ano. Esses investimentos são absolutamente necessários se queremos, realmente, atingir as metas educacionais previstas no PNE. Sem os necessários recursos, o país repetirá o que ocorreu com o PNE que se encerrou no início de 2011: as metas não foram cumpridas, e até nos afastamos ainda mais de muitas das mais importantes, simplesmente porque não havia recursos para executá-las.

Como o projeto de PNE ora em discussão deverá ainda ser apreciado pelo Senado e promulgado pela presidência da República, que tem o poder de veto, as elites nacionais têm feito uma grande campanha contra o aumento de recursos para a educação pública usando, inclusive, argumentos falsos. Vamos examinar alguns deles.

1) Com a intenção de desqualificar a proposta, o velho e desgastado argumento “dinheiro tem, o problema é que ele é mal administrado” foi ressuscitado. Com investimentos da ordem de R$ 200,00 a R$ 250,00 por mês e por estudante na educação básica, como ocorre atualmente na enorme maioria das redes estaduais e municipais, por melhor que seja a administração, tudo o que se consegue é oferecer essa educação que temos.

A elite, que usa esse argumento, jamais colocaria suas crianças e seus jovens em escolas tão mal financiadas. Apenas as mensalidades escolares pagas por ela são da ordem de cinco a dez vezes superiores àqueles valores. Além disso, é muito comum nos segmentos mais abastados – e cujos representantes repetem o refrão “dinheiro tem” – complementos educacionais de vários tipos (atividades esportivas, cursos de línguas e músicas, acompanhamento psicológico, aulas particulares, viagens culturais etc.), o que faz com que os investimentos em educação por criança ou jovem distanciem ainda mais dos investimentos em favor dos mais desfavorecidos.

Além disso, o número de anos de permanência no sistema escolar também é muito maior entre os jovens e crianças dos segmentos mais favorecidos: a terça parte das nossas crianças, basicamente concentrada entre os mais pobres, sequer completa o ensino fundamental. Assim, quando calculamos os investimentos acumulados ao longo de toda a vida, a diferença entre os investimentos educacionais feitos em favor dos mais pobres e dos mais ricos torna-se gritante.

O argumento “dinheiro tem” é falso e cínico.

2) Argumenta-se, também, que há exemplos de boas escolas públicas com recursos limitados e que esses exemplos poderiam ser seguidos por todas elas. Será?

O Brasil tem perto de duzentas mil escolas públicas, com dezenas de milhões de estudantes, e elas apresentam um desempenho médio que é esse que vemos. Mas entre um número tão grande de escolas, encontraremos o padrão médio e, também, suas variações: como qualquer média, em especial de indicadores sociais, encontraremos um grande número daquelas que estão muito abaixo da média como daquelas que estão muito acima dela. Não é surpreendente, portanto, que encontremos algumas escolas que tenham, casualmente e em um determinado período, condições particularmente favoráveis (por causa daqueles que nelas trabalham naquele período, de seus alunos e pais de alunos e do seu entorno), que lhes permitam ter um bom desempenho.

Entretanto, essas são as exceções, não as regras, e assim como existem exceções para um lado, existem, também, exceções para o outro lado. Podemos aprender com ambas, descobrindo formas de aproveitar melhor as exceções positivas e reduzir as negativas. Mas não se fazem políticas públicas com as exceções, sim com as regras. É absolutamente impossível, com os atuais recursos, termos, como regra, um bom sistema educacional.

3) Outro argumento usado contra os recursos públicos para a educação é que seu aumento poderá ter consequências econômicas negativas. Ora, primeiro, investimentos em educação têm impactos econômicos positivos, não negativos. Diversos trabalhos acadêmicos têm calculado o retorno econômico (positivo) dos investimentos em educação, mostrando que eles são, frequentemente, até mesmo maiores do que investimentos diretos no setor produtivo.

É a ausência de investimentos em educação que tem consequências econômicas negativas, como ilustram bem as atuais dificuldades de aumento da produção do Brasil pela falta de trabalhadores altamente qualificados.

Nunca se ouviu falar de um país que tenha tido problemas econômicos por ter investido em educação; o contrário disso, sim, já ocorreu. Jamais se ouviu falar de algum país que tenha tido dificuldades econômicas por ter uma população bem escolarizada; o contrário, já. Investir em educação jamais provocaria ou intensificaria uma crise econômica.

Crises econômicas são provocadas ou intensificadas por catástrofes, naturais ou não, de grande escala, guerras, epidemias graves e, como o mundo está vivendo hoje, por um sistema liberal desregrado; jamais por investimentos em educação.

4) Muitas vezes, as argumentações contra o aumento dos recursos para a educação pública até atingir os 10% do PIB parecem usar uma ideia implícita de que os investimentos sairão do PIB, no sentido de reduzi-lo. Ou seja, se aumentarmos em 5% do PIB os investimentos em educação, o PIB será reduzido em 5%. Evidentemente, não é isso. Se aumentarmos os investimentos em educação, a construção civil será aquecida, como o seria por qualquer outro investimento que dela demandasse, mas mais intensamente na forma de prédios e equipamentos escolares; mais empregos serão gerados, mas mais concentradamente para professores e demais trabalhadores do setor educacional. Haverá, também, maior demanda por veículos e eletricidade, maior consumo de equipamentos elétricos e eletrônicos, de papel, de produtos gráficos etc., enfim, de tudo aquilo do qual o PIB é feito, mas beneficiando mais concentradamente a área educacional.

Portanto, no curto prazo, o PIB não diminuirá por causa de um aumento dos investimentos em educação e crescerá ou não independentemente deles; mas as condições sociais do país melhorarão. No médio e longo prazo, um melhor padrão educacional da população certamente terá um impacto positivo no PIB.

5) O previsto no PNE é que os investimentos cresceriam ao longo de dez anos, atingindo os 10% apenas no décimo ano. Isso significa aumentar a destinação de recursos para a educação em cerca de 0,5% do PIB ao ano, uma pequena parte do crescimento econômico médio anual desde 2004. Como investimentos em educação têm impacto positivo no crescimento do PIB, no fim do período de dez anos, o PIB já estaria crescendo por causa dos investimentos feitos nos primeiros anos e o aumento dos recursos para a educação já estaria sendo financiado pela própria melhoria na educação.

6) Hoje, o Brasil investe cerca ou menos de 15% da renda per capita anual por estudante e por ano no ensino básico. Investimentos, por estudante e por ano, em diversos países, pobres ou ricos, mas que cuidam da educação de suas crianças e de seus jovens são da ordem de 25% da renda per capita. Se reduzirmos a evasão escolar, aumentarmos o número de estudantes no ensino médio e ampliarmos a educação infantil, como previsto no PNE, teremos um aumento do contingente de estudantes que, com os mesmos recursos totais, faria com que o recurso por aluno fosse ainda mais reduzido.

Portanto, precisamos aumentar os recursos tanto para aumentar os investimentos por estudante como para incorporar novos alunos.

O que as elites querem ao fazer discursos, editoriais e artigos contra mais recursos para a educação pública? Que o Brasil continue a excluir do sistema educacional muitas crianças e jovens e a atender os que insistem em permanecer de forma tão precária?

7) O atual piso salarial (salário bruto) dos professores, por 40 horas semanais de trabalho, é inferior a R$ 1.500 por mês. Será que as elites poriam seus jovens e suas crianças em escolas cujo piso fosse igual a esse? Aqueles que atacam o aumento dos recursos para a educação pública estão querendo que essa situação perdure.

8) Nenhum país superou atrasos escolares tão grandes como os nossos sem investir percentuais do PIB próximos ou mesmo superiores a 10%. Nós precisamos fazer o mesmo e apenas quando os atrasos educacionais tiverem sido superados e o sistema estiver consolidado podemos reduzir os investimentos. Evidentemente, articulistas e editorialistas dos grandes jornais e outros que multiplicam a campanha contra o aumento de recursos para a educação sabem disso. Assim, ao fazerem tal campanha, estão, de fato, defendendo que o país permaneça atrasado no que diz respeito à educação. Se nenhum país conseguiu construir um sistema educacional aceitável e superar os atrasos acumulados sem investir os recursos necessários, alguém acredita que o Brasil conseguiria?

9) A proposta de aumentar os investimentos públicos em educação foi acusada de populista pelo editorialista de um jornal. Certamente o editorialista sabe muito bem o significado da palavra populismo e, portanto, sabe que a proposta, de fato popular, nada tem de populista. Ao fazer tal acusação, o editorialista se aproveita do fato de que, provavelmente, seus leitores não sabem o que significa aquela palavra, mas repetirão seu “argumento”. Até mesmo para evitar que aquele tipo de acusação vazia tenha alguma consequência, precisamos de mais e melhor educação pública.

10) Em um artigo de jornal, usou-se o fato de que o aumento de recursos para a educação é dez vezes maior do que para a bolsa-família. Que sentido tem essa comparação? A bolsa-família é um referencial econômico padrão, a ser usado como referência para outras políticas públicas?

Provavelmente, o autor do argumento pressupõe que seus leitores são preconceituosos em relação a programas do tipo bolsa-família e a comparação, ao mesmo tempo em que reforça esse preconceito, provoca uma aversão do leitor ao aumento dos recursos públicos para a educação.

11) O editorial de um jornal de grande circulação acusou aqueles que defendem o aumento dos recursos para a educação pública de corporativista. Na falta de argumentos, a estratégia pode funcionar, pois não analisa a proposta, mas desqualifica aqueles que a defendem. Tal acusação não tem nenhum sentido. A defesa de mais recursos para a educação pública está na pauta de muitas entidades científicas, profissionais, acadêmicas, religiosas, sindicais etc.

Obviamente, entidades de professores e estudantes – às quais, presume-se, caberiam a acusação de corporativismo – também têm se manifestado na defesa da educação pública, não por questões corporativas, mas por compromissos com o desenvolvimento social do país. Seria um total absurdo achar que exatamente essas entidades, que melhor conhecem os nossos problemas educacionais, se omitissem.

Será que aquele editorialista acusaria de corporativos médicos, secretários de saúde ou dirigentes de hospitais que participassem de discussões sobre saúde pública no Brasil, defendendo, por exemplo, o aumento dos recursos para o SUS? Ou sindicalistas, industriais e entidades que congregam engenheiros, por exemplo, que discutissem a política industrial do país? Ou editores e jornalistas que manifestassem opiniões sobre nossa política para o setor de comunicações?

12) Há, ainda, o argumento de que um aumento dos recursos para a educação pública pressionaria, de forma muito intensa, as contas da União, dos estados e dos municípios. Esse argumento também não está correto. Para responder a ele é necessário comparar os investimentos públicos brasileiros com os de outros países. (A comparação mostra que os investimentos sociais públicos no Brasil são bem menores do que se observa nos países organizados, não necessariamente apenas naqueles mais industrializados.)

Há, inclusive, um documento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que mostra que o aumento dos recursos para a educação poderia ser conseguido apenas reduzindo-se o encargo da dívida e aproximando muitos dos nossos impostos daquilo que é praticado nos demais países capitalistas.

Esse último tema será desenvolvido em um próximo artigo.

Leia também:

Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

TV e o reino da mediocridade

Por Washington Araújo, no blog Cidadão do Mundo:

O que está acontecendo com nossos fins de semana? Temos a semana para ganhar o sustento pessoal e familiar, trabalhamos o horário nobre dos dias: todas aquelas horas em que o sol está firme no horizonte. Os restos do dia são dedicados ao repouso, tão necessário para refazer as energias a serem canalizadas para a jornada seguinte. E os vestígios do dia, essas poucas horas e momentos que sobram, passamos com quem amamos, nossos familiares, nossos amigos.


Chega então o fim de semana. Sábado e domingo, boa parte da população que ainda pode desfrutar do luxo de ter emprego, profissão ou apenas um meio de ganhar a vida finalmente pode desfrutar de dois dias para descansar e dar atenção aos que amamos. E o que fazemos, então? Boa parte desse “descanso” se passa diante da telinha mágica chamada televisão.

É da telinha que recebemos o passaporte para atravessar o mundo, ver suas guerras e revoluções, ser testemunha ocular de enchentes amazônicas, furacões norte-americanos, vulcões e tsunamis asiáticos. Da mesma telinha acompanhamos o jogo da vida real em que alguns assaltam bancos, sequestram pedestres, furtam idosos, incendeiam índios e mendigos na periferia das grandes cidades do mundo.

Será isso… descanso?

Gincanas culturais

Resta a opção da passividade absoluta, da leniência habitual com nossos valores pessoais, do arrastão da mais completa e torpe imbecilidade. Temos os programas dos canais abertos da tevê. E com eles todo o apelo pelo ridículo, pelo insano, pelo anseio de ridicularizar outras pessoas, gente como a gente. São os programas de auditório: Luciano Huck e Fausto Silva ocupando as tardes de sábado e domingo e contando com um arremedo de concorrência formada por programas do mesmo naipe, com um agravante: conseguem ser ainda mais ridículos que os que ocupam o pódio das maiores audiências do Ibope vespertino.

Todos, sem exceção, usam e abusam das chamadas ‘pegadinhas’, que são aqueles vídeos, alguns pura armação e outros nem tanto, em que pessoas simples protagonizam situações do mais completo ridículo, abordadas em praças e ruas, fazendo literalmente o papel que a mídia televisiva lhes impõe – o de ser ridículo o suficiente para fazer outros rirem de seus desatinos e ações muito pouco inteligentes. E se um cidadão mediano nacional tem altura regular de 1,65m a 1,80m, nessas pegadinhas são reduzidos a pouco mais de dois ou três centímetros de altura. Altura ética, bem entendido.

Parte expressiva da população brasileira desperdiçará seu bem mais precioso – o tempo – observando Fausto Silva fazer caras e caretas para seu cameraman, passar pela milésima vez pesadas descomposturas e anunciar seu circo de horrores de bolso, do tamanho exato para preencher as 3, 4 ou 5 horas em que o programa irá durar. Por outro lado, Huck encenará seu papel preferido – o de boneco de ventríloquo – com voz quase sempre empostada e fazendo o que mais gosta: posar de mecenas dos pobres e miseráveis, distribuindo casas e carros inteiramente reformados, tudo tinindo de novo, e focando ora a lágrima do pai de família que transformou o quarto e sala (sempre em péssimas condições de habitabilidade) onde vivia em uma casa classe média, ora em todos os eletrodomésticos e tevês de LCD. É em meio aos eufóricos agradecimentos de quem ganhou algo que os pontos de audiência sobem e a dignidade humana é aviltada, de maneira enviesada, mas é.

Como seria interessante que os programas fossem nivelados ao menos ao meio, nem tão baixo e nem tão alto. Entendo que dificilmente a população trocaria de bom grado um canal exibindo Michel Teló por outro em que a atração fosse a Orquestra Filarmônica de Berlim apresentando a Nona Sinfonia de Beethoven. E não trocaria por uma razão muito simples: tempo demais se investiu no apreço dos canais de televisão por números musicais em que o artista parece participar de maratona circense – levanta os braços, corre e salta, volta a levantar os braços à direita e à esquerda – e as letras das músicas trazem sempre apelos explícitos e com alto teor erótico. Bem pouco tempo se investiu na educação do ouvido popular para apreciar e se deixar levar pelos belos acordes, sons e arranjos que somente as Bachianas do genial Villa-Lobos ousariam ter.

Os programas poderiam reviver gincanas culturais bem ao estilo anos 1970, como O céu é o limite, apresentado na extinta TV Tupi por J. Silvestre, programas em que um tema central era objeto de perguntas e respostas e os temas variavam de eventos do Antigo Egito até a vida de Mozart, Galileu ou Carmem Miranda.

Goela abaixo

Faltam na tevê aberta programas que possam despertar na audiência jovem a descoberta de vocação para levar avante a vida adulta: quais os encantos da física e da medicina, da química e da astronomia? Quais os depoimentos de arquitetos, professores, filósofos e advogados bem sucedidos a compartilhar com milhões de jovens em idade de escolher uma vocação, uma profissão? Temos absoluta carência de programas que façam exclamar um jovem de 16 ou 18 anos: “Eu daria certo nisso!” ou “É isso que farei na vida!” Ao contrário do que muitos pensam, seriam programas com baixo custo de produção.

Já paramos para pensar quão interessante seria assistir numa mesma tarde de sábado ou domingo a entrevistas de quinze a vinte minutos com profissionais “bem sucedidos” em sua área de atuação”, como Adélia Prado, Ivo Pitanguy, Alberto Dines, Dráuzio Varella, Marina Colasanti, Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Leonardo Boff, Elio Gaspari, Fernando Meirelles. E poderiam investir na produção de vídeos ilustrativos com a biografia de cada entrevistado.

Alguém já imaginou um quadro como o “Arquivo Confidencial”, em vez de ser pela enésima vez com Susana Vieira ou com o Cauã Raymond, fosse com Oscar Niemeyer ou com Affonso Romano de Sant’Anna? Ou com essa prenda maior da baianidade, Dona Canô? E se não com ela, por que não com seu filho-pavão Caetano Veloso? Ou, então, por que não uma entrevista com esta que é uma das mais emblemáticas cantoras da música popular brasileira, Maria Bethânia?

Dificilmente serei convencido que a indigência mental que habita nossa telinha mágica no fim de semana é devido à falta de opções. É mais fácil que o seja por falta de cultura, cidadania e/ou bom caráter por parte dos que têm a última palavra na hora em que se fecha a grade programação de nossa tevê aberta – que, a rigor, é uma concessão do Estado, embora não pareça, dada à tradicional leniência com o lixo televisivo que fazem descer goela abaixo de uma população que ousa sonhar com novas utopias e redobrada esperança no futuro.

A sensação que tenho, depois de passar um fim de semana assistindo à televisão brasileira, é a de ter ficado mais pobre espiritualmente, diminuído em minha condição de humano.

Não será a hora de dar um chega pra lá nessa mediocridade toda?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O outro lado da Olimpíada de Londres em cinco protestos


Nem tudo é festa na capital britânica: ativistas denunciam ações obscuras de alguns patrocinadores e são reprimidos por autoridades

Na contramão dos furores patrióticos por medalhas, manifestantes britânicos realizaram protestos contra a Olimpíada de Londres. Sem o mesmo holofote de Usain Bolt, Michael Phelps e Andy Murray, cinco ações anti-Jogos questionaram seus polêmicos patrocinadores, colocando em xeque a lógica dos “benefícios” do megaevento e a controversa reformulação da região leste da capital britânica para construção do Parque Olímpico.

Poucas linhas de jornal contaram sobre as prisões em uma bicicletada pacífica e outras detenções em um protesto bem-humorado com creme de baunilha na Trafalgar Square, centro de Londres.

Manifestantes também jogaram badminton em frente à principal loja da Adidas na cidade e fizeram um bem sucedido abaixo-assinado contra a isenção fiscal de patrocinadores.

Divulgação (Greenwash Gold)
Uma das principais intervenções aconteceu logo antes da cerimônia de abertura, no dia 27 de julho.

Um grupo de ativistas conseguiu autorização do comitê olímpico local – a única para o dia da abertura – e realizou um die-in (tipo de protesto pelos mortos de uma tragédia realizado por simulações) homenageando as vítimas da catástrofe de Bhopal, na Índia. Enquanto isso, na cidade de Bhopal, crianças deficientes realizaram uma “Olimpíada paralela”.

As manifestações, mesmo que à sombra do megaevento, mostraram que o modelo de negócios da Olimpíada de Londres está longe de ser unanimidade. Ele é, acima de tudo, controverso, e deixa diversas lições para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, daqui a quatro anos.

Veja quem foi às ruas (ou às redes sociais) e por quê.

Die-in

Há 28 anos, a cidade de Bhopal, norte da Índia, foi vítima de uma das maiores catástrofes ambientais da história. Em 1984, falhas em uma fábrica de pesticidas, de propriedade da Union Carbide, lançaram 27 toneladas de um gás tóxico, o isocianato de metila, e contaminaram 120 mil pessoas. A área nunca foi descontaminada e há indícios de que há grandes quantidades de mercúrio em seus lençóis freáticos.

Em 2001, a Dow Chemical Company, gigante do setor químico, comprou a Union Carbide, mas não assumiu total responsabilidade pela tragédia. Os efeitos foram devastadores. Os chamados “filhos de Bhopal” nasceram com deformidades. A empresa afirma que as indenizações pagas são suficientes para apagar a mancha da catástrofe, mas a área continua contaminada.

O caso raramente volta às páginas dos jornais. No dia 27 de julho, data da cerimônia de abertura, manifestantes mobilizados pela ONG DropDowNow foram às proximidades do Parque Olímpico e realizaram um die-in. Qual a relação disso com a Olimpíada?

A Dow Chemical, que também fabricou napalm para a Guerra do Vietnã, aportou 7 milhões de libras esterlinas (cerca de 21 milhões de reais) para ser patrocinadora dos Jogos Olímpicos. O acerto com o Comitê Olímpico Internacional, levou à renúncia ao vivo, na rede estatal BBC, de Meredith Alexander, ex-agente da Comissão para uma Londres Sustentável 2012.

O premiê conservador David Cameron saiu em defesa da multinacional e disse que a Olimpíada de Londres seria a mais verde da história. Segundo o contrato com o Comitê Olímpico Internacional, a Dow Chemical já é patrocinadora da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

Contra a isenção

“Stratford [região do Parque Olímpico] será um paraíso fiscal”, escreveu Tim Hunt, da revista Ethical Consumer. A frase apontou o dedo para atletas e patrocinadores da Olimpíada, como McDonald’s e Visa, ambos com monopólio sobre suas respectivas áreas. Enquanto toda comida “de marca” vendida em Stratford é necessariamente do McDonald’s, a bandeira de cartões Visa está em todas as compras de bilhetes para os Jogos.

A isenção fiscal, segundo Hunt, foi preponderante para que os Jogos fossem sediados em Londres neste ano, com anuência do comitê olímpico local, chefiado por Sebastian Coe, do Partido Conservador. A legislação britânica sofreu mudanças para que isso acontecesse, em operação conjunta com o Tesouro.

A irritação de ativistas era questão de tempo. Eles rapidamente sublinharam a contradição entre isenção fiscal a multinacionais e políticas de austeridade do governo britânico, que enfrenta o mais longo período de recessão em 50 anos. A ONG 38 Degrees fez um abaixo-assinado virtual pedindo a todas as empresas patrocinadoras dos Jogos Olímpicos que paguem seus impostos sobre a exploração do megaevento.

Divulgação

Protestos na frente de uma loja da Adidas contra a exploração de trabalhadores

Houve uma enxurrada nas redes sociais e deu certo. Em duas semanas, 14 multinacionais enviaram comunicados à ONG informando que concordavam em pagar as taxas.

Bicicletada pacífica

Toda última sexta-feira do mês, ciclistas do grupo Critical Mass (ou Massa Crítica) saem pedalando por Londres. Desde 1994, eles se encontram no South Bank, perto da ponte Waterloo, e passeiam sem itinerário pela capital britânica como uma celebração do “andar de bicicleta”.

A última sexta-feira de julho caiu no dia 27, data da cerimônia de abertura da Olimpíada. Cerca de 500 ciclistas se reuniram para pedalar, mas não conseguiram cruzar a ponte Waterloo. O acesso à margem norte do rio Tâmisa estava fechado.
 

Motocicletas policiais com sirenes altíssimas escoltavam vans e ônibus que levavam os atletas ao Parque Olímpico, bloqueando ruas de toda a região central e leste de Londres. Segundo a polícia, era proibido pedalar na capital britânica naquela noite. Ciclistas disseram ter sido empurrados pela polícia para deixar o astro do futebol David Beckham passar e tiveram suas bicicletas confiscadas.

Ao todo, segundo dados oficiais da polícia britânica, 182 ciclistas foram presos durante a bicicletada, que contou com uso de spray de pimenta e da tática de contenção de manifestantes conhecida como “kettling”. Os policiais, unidos, formaram círculos em torno dos ciclistas, mantendo-os “presos” na rua.

Dos 182 detidos, 178 saíram no dia seguinte e quatro foram acusados de diversos crimes. “As pessoas não têm o direito de realizar um protesto que atrapalhe o direito de outras pessoas de seguir com suas vidas – atletas que treinaram durante anos por uma chance de competir, milhões de portadores de ingressos que queriam ver o maior evento esportivo do mundo e todo mundo em Londres que queria se locomover”, afirmou a polícia britânica em nota.

Creme de baunilha

Ativistas da Greenwash Gold 2012, campanha contra os patrocinadores “verdes” dos Jogos Olímpicos, foram até a Trafalgar Square, centro de Londres, para um pódio de mentirinha. Três pessoas, representando Rio Tinto, Dow Chemical e British Petroleum, posariam em frente ao relógio da contagem regressiva da Olimpíada e então jogariam um creme de baunilha com corante verde na cabeça, simulando lixo tóxico. Seis acabaram presos.

“Greenwash” é o termo usado por ativistas para empresas que fazem “lavagem verde de dinheiro”, ou seja, usam parte de seus lucros em patrocínios e projetos direcionados ao meio-ambiente, mas o destroem em suas atividades principais. A performance do grupo durou cerca de 15 minutos, tempo suficiente para que a polícia prendesse seis pessoas por “dano criminal” ao piso da Trafalgar Square – tudo isso porque caiu um pouco de creme de baunilha no chão.

“Era um protesto pacífico e legítimo contra patrocinadores terríveis, e os manifestantes acabaram presos por derrubar creme de baunilha”, disse o diretor da Bhopal Medical Appeal, Colin Toogood.

Além da norte-americana Dow Chemical, acusada como a responsável legal pela tragédia de Bhopal, a British Petroleum foi responsável pelo vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010. E a Rio Tinto, especialista em mineração, é duramente criticada por sua atuação em países como Indonésia e Papua Nova Guiné.

Badminton

Duas reportagens de jornal, uma do Daily Telegraph, mais à direita, e outra do The Independent, mais à esquerda, mostraram que a Adidas estava fabricando material esportivo para a Olimpíada à custa de trabalhadores em regimes desumanos, pagando salários baixíssimos e com carga horária de até 65 horas por semana. Os esforços foram grandes para revelar a história. O Telegraph foi até Camboja, enquanto o Independent viajou à Indonésia em busca de informações sobre a fabricação das roupas.



A ONG War on Want, de combate à pobreza, foi às ruas contra a Adidas e realizou um protesto em frente à principal loja da marca, em Oxford Street, e projetou um enorme logo da companhia em um prédio vizinho ao Parque Olímpico com os dizeres: “Exploitation. Not OK here, not OK anywhere. (Exploração. Não é OK aqui nem em qualquer outro lugar)”.

Todos os atletas do time olímpico do Reino Unido vestem Adidas e seus agasalhos estavam entre os mais vendidos. O design é de Stella McCartney, estrela mundial da moda. A empresa nega utilizar trabalhadores em regime de escravidão, cujos salários/hora não chegariam a um real.