sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Escolas não estão preparadas para questões sobre orientação sexual, gerando preconceito e bullyng


Natasha Pitts
Jornalista da Adital

Nos meses de junho e julho, o Movimento de Integração e Liberação Homossexual (Movilh) do Chile fez uma pesquisa com 250 estudantes secundaristas de dez colégios e liceus da região metropolitana. A pesquisa deu origem a um estudo com informações específicas sobre bullying, discriminação homofóbica e transfóbica nas aulas e abordagem da diversidade sexual nos colégios. Movilh crê que conhecer a realidade sobre estes temas é fundamental para implantar políticas públicas.
O objetivo da pesquisa foi saber se os estabelecimentos oferecem aulas sobre sexualidade com enfoque nas minorias sexuais, se existem regulamentos que discriminem estudantes em virtude de sua orientação sexual, conhecer os eventuais preconceitos e também os níveis de aceitação dos estudantes em torno dos direitos das minorias sexuais nos campos do matrimônio e das relações sociais.
Entre os resultados encontrados e registrados no documento "Educação sexual e discriminação”, o Movimento revela que apenas 22,8% das aulas sobre sexualidade abordam a realidade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Movilh aponta que é necessário implementar medidas para corrigir esta deficiência, pois "toda vez que se traduz ou potencializa os preconceitos ou ignorância entre os/as alunos/as, isto alimenta o bullying e a discriminação”.
60,1% dos/as estudantes também disseram que em sua instituição de ensino há práticas ou regulamentos que barram as relações sociais entre pessoas do mesmo sexo. Com relação a esta situação, o Movimento aponta que é imprescindível avançar em orientações para acabar com essa problemática, que afeta de forma negativa a compreensão que um setor da população tem de si com relação ao meio.
Os/as estudantes também informaram que apenas 49,6% dos/as professores/as oferecem "sempre ou às vezes” aulas sobre sexualidade, sendo que nestes momentos são escassas as referências a lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Ainda com relação aos docentes, 21,2% dos estudantes escutaram "sempre ou às vezes” comentários discriminatórios por parte destes profissionais.
39% dos entrevistados também revelaram ter conhecimento de casos concretos de discriminação com relação à diversidade sexual. Já 33,2% afirmaram que "sempre (12%) ou às vezes (21,2%)” se pune aos responsáveis pelos atos discriminatórios.
Com relação aos conceitos pré-concebidos pelos/as alunos/as, a pesquisa revela que 38% disseram crer que lésbicas, gays, bissexuais ou transexuais estão mais predispostos a contrair doenças sexualmente transmissíveis. Apesar disso, um dado que segue na contramão do preconceito diz respeito à quantidade de entrevistados que se declarou a favor do matrimônio igualitário: 78%. Além disso, 83,6% falaram que entenderiam se um amigo/a fosse lésbica, gay, bissexual ou transexual.
"A pesar da ignorância dos estudantes em torno de alguns tópicos vinculados à diversidade sexual, existem maiores níveis de discriminação a lésbicas, gays, bissexuais ou transexuais, em práticas ou regulamentos das direções dos liceus ou de seus docentes que nos próprios companheiros”, arremata a organização.
A partir destes resultados, o Movimento concluiu que a educação sexual necessita ser oferecida aos estudantes com maior frequência e melhor qualidade, e também estar vinculada ao entendimento de direitos humanos, pois só assim será possível mostrar que as pessoas discriminadas merecem respeito e devem ser tratadas com igualdade social.

“Processo de paz entre Israel e Palestina não está indo bem”, diz comissário da ONU em Porto Alegre


Filippo Grandi se reuniu com o governador Tarso Genro na manhã desta quinta-feira (16) | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro

Samir Oliveira no SUL21

O comissário geral da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente Próximo (UNRWA), Filippo Grandi, está em visita oficial a Porto Alegre nesta quinta-feira (16). Após reunião com o governador Tarso Genro (PT) às 9h30 no Palácio Piratini, ele conversou com jornalistas e disse que as negociações de paz entre Israel e a Palestina não estão num bom momento.
“Temo que o processo de paz entre Israel e a Palestina não está indo bem. Até que esse processo reinicie e o problema dos refugiados seja discutido, será difícil encontrar uma solução”, disse o comissário geral da UNRWA. Ele ressaltou que a agência para refugiados se limita a dar assistência humanitária e oportunidades aos palestinos que vivem em assentamentos. “A solução para os conflitos é política e não somos uma agência política. Não participamos diretamente das negociações, mas observamos com cuidado”, explicou.
Desde que assumiu o comando da UNRWA em 2010, essa é a primeira vez que Filippo Grandi vem ao Brasil. A agência depende de doações internacionais e vem enfrentando sérios problemas financeiros, com um déficit de 69,4 milhões de dólares até abril de 2012.
Na reunião desta quarta-feira (15) com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, o comissário geral da ONU para refugiados palestinos solicitou que o governo brasileiro torne permanentes e fixas as doações para a UNRWA. “Vim agradecer ao governo brasileiro pelas contribuições financeiras, que têm aumentado nos últimos dois anos. Discuti com o governo a possibilidade de tornar essas doações estáveis e previsíveis, para que o Brasil possa trazer seus recursos e sua voz no debate sobre os refugiados palestinos”, comentou Filippo Grandi.
Atualmente, os maiores doadores para a agência são os Estados Unidos, que injetaram 239 milhões de dólares em 2011. Em maio deste ano, o governo brasileiro já havia se comprometido a aumentar suas dações em 700% para o ano que vem, passando a contribuir com 7,5 milhões de dólares. A UNRWA auxilia cerca de 5 milhões de refugiados palestinos com programas de saúde, educação e assistência social. A maioria vive em assentamentos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano.
“O Brasil é um bom lugar para os refugiados”, diz Filippo Grandi
Chefe da UNRWA elogiou acolhimento brasileiro a refugiados | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro
Em conversa com jornalistas, o comissário geral da UNRWA disse que considera o Brasil um bom país para receber refugiados. “O Brasil é uma terra de imigrantes, é natural que seja um país aberto a pessoas que buscam refúgio e isso se aplica também aos palestinos. Estou confiante de que o Brasil é um bom lugar para os refugiados”, elogiou.
Durante o encontro com Filippo Grandi, o governador Tarso Genro se comprometeu a interceder junto à presidente Dilma Rousseff (PT) no apoio aos refugiados palestinos no Brasil. “Pode contar com o meu apoio pessoal e político, inclusive com uma declaração junto à presidente Dilma”, garantiu o governador. Tarso aproveitou a ocasião para anunciar que fará uma visita oficial a Israel no primeiro semestre de 2013 e que irá visitar, também, os líderes da Autoridade Nacional Palestina. “Fazemos questão de ir aos assentamentos para que não haja qualquer dúvida sobre a nossa posição e os nossos compromissos para a paz naquela região”, disse o petista.
Durante a reunião, o governador ainda assinou um decreto para a formação de um comitê que irá unificar a assistência dada pelo governo do Estado aos refugiados palestinos. De acordo com a embaixada da Autoridade Nacional Palestina em Brasília, cerca de 40 mil palestinos – a maioria, imigrante –vivem no Brasil. E dados do governo gaúcho apontam que o Rio Grande do Sul possui cerca de 250 refugiados colombianos e palestinos espalhados por 13 cidades.
Ainda durante a quinta-feira (16), Filippo Grandi se reúne com o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), no final da manhã e se encontra à tarde com líderes da Federação Árabe-Palestina do Brasil (FEPAL) e com organizadores do fórum Palestina Livre.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A mídia e a criminalização da política

http://www.cartoonmovement.com
Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:

Política para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população resume-se a eleições.

Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o "ano da política", fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país, do qual não escapa um ensino alheio ao tema.

Nação de base escravocrata, às camadas subalternas brasileiras sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político.

Como concessão permite-se o exercício do voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para perpetuação das elites tradicionais no poder.

O descompasso entre presidentes da República eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas têm sido uma constante da política brasileira desde a metade do século passado.

O suicídio de Vargas e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a presidência da República legalmente ocupada pelo presidente João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual enquadra-se até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros. Cabem aí também as chantagens exercidas por grupos parlamentares contra os governos Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.

Diferentemente da eleição majoritária, onde os candidatos a chefe do executivo falam às grandes massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apóiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros que são do velho coronelismo eleitoral.

E no Congresso, sem compromisso ideológico com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos do campo e da cidade, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas.

São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala. No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Por pertencerem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos), a existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses.

Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizado-a sempre que possível.

As raízes da tensão histórica existente entre o executivo e o legislativo brasileiros não fazem parte da pauta da mídia nacional.

Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política.

Entre elas, por exemplo, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes Estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.

O dever social da mídia seria o de ampliar esse debate, levando-o à toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política nacional. Mas ela não presta esse serviço.

Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os "bate-bocas" nas CPIs. São temas que caem como uma luva nas linhas editoriais dos grandes veículos, movidas por escândalos e tragédias espetaculares, sempre tratadas como "fait-divers", sem causas ou consequências, apenas como show.

O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos.

A definição de uso corrente de que "são todos iguais" reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.

No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave.

O Brasil é a única grande democracia do mundo onde não existem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas.

Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições.

Ao exercerem no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com o fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A medíocre elite social brasileira


Ignorante e presunçosa, ela lê pouco, ostenta, cultiva o consumismo e tem profundo preconceito em relação às maiorias 

 Henrique Abel, no Observatório da Imprensa

Um dos preconceitos mais firmemente bem estabelecidos no Brasil é aquele que afirma que a culpa de todos os problemas do país decorre da “ignorância do povo”. A elite social da população brasileira, formada pelas classes A e B, em linhas gerais, está profundamente convencida de que o seu status de elite social lhe concede – como um bônus – também o título de “elite intelectual” do país.
Dentro desse raciocínio, a elite brasileira “chegou lá” não apenas economicamente, mas também no que diz respeito às esferas intelectuais e morais – talvez até espirituais. O país só não vai pra frente, portanto, por causa dessa massa de ignóbeis das classes inferiores. Embora essa ideia preconcebida seja confortável para o ego dos que a sustentam, os fatos insistem em negar a tese do “povo ignorante versus elite inteligente”.
O motivo é simples de entender: em nenhum lugar do mundo, a figura genericamente considerada do “povo” se destaca como iluminada ou genial. Por definição, uma autêntica elite intelectual de um país se destaca, precisamente, por seu contraste com a mediocridade (aí entendida como “relativa ao que é mediano”). Ou seja, não é “o povo” que tem obrigações intelectuais para com a elite social, e sim, justamente o contrário: é preferencialmente entre a elite social e econômica que se espera que surja, como consequência das melhores condições de vida desfrutadas, uma elite intelectual digna do nome.
Analfabetos funcionais
Uma elite social que, intelectualmente, faça jus ao espaço que ocupa na sociedade, não apenas cumpre com o seu papel social de dar algum retorno ao meio que lhe deu as condições para uma vida melhor como, ainda, cumpre o seu papel de servir como exemplo – um exemplo do tipo “estude você também”, e não um exemplo do tipo “lute para poder comprar um automóvel tão caro quanto o meu”.
Tendo isso em mente, torna-se fácil perceber que o problema do Brasil não é que o nosso povo seja “mais ignorante”, pela média, do que a população dos Estados Unidos ou das maiores economias europeias. O problema, isso sim, é que o nosso país ostenta aquela que é talvez a elite social mais ignorante, presunçosa e intelectualmente preguiçosa do mundo, que repele qualquer espécie de intelectualidade autêntica precisamente porque acredita que seu status social lhe confere, automaticamente, o decorrente status de membro da elite intelectual pátria, como se isso fosse uma espécie de título aristocrático.
Nenhum país do mundo tem um povo cujo cidadão médio é extremamente culto e devorador de livros. O problema se dá quando um país tem uma elite social que é extremamente inculta e lê/escreve num nível digno de analfabetismo funcional. Pesquisas recentemente divulgadas dão por conta que apenas 25% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, e que o número de analfabetos funcionais entre estudantes universitários é de 38%. A elite social brasileira possivelmente acredita que a totalidade desses 75% de deficientes intelectuais encontra-se abrangida pelas classes C, D e E.
Sem diferença
Será mesmo? Outra pesquisa recentemente divulgada noticiava que o brasileiro lê uma média de cerca de quatro livros por ano. Enquanto os integrantes da Classe C afirmavam ter lido 1,79 livro no último ano, os integrantes da Classe A disseram ter lido 3,6. O número é maior, como naturalmente seria de se esperar, mas a diferença é muita pequena dado o abismo de condições econômicas entre uma classe e outra. Qual é o dado grave que se constata aí? Será que o problema real da formação intelectual do nosso país está no fato de que o cidadão médio lê apenas dois livros por ano? Ou está no fato de que a autodenominada elite intelectual do país lê apenas quatro livros por ano? Vou encerrar o argumento ficando apenas no dado quantitativo, sem adentrar a provocação qualitativa de questionar se, entre esses quatro livros anuais, consta alguma coisa que não sejam os últimos e rasos best-sellers de vitrine, a literatura infanto-juvenil e os livros de dieta e autoajuda.
O que importa é ter a consciência de que o descalabro intelectual brasileiro não reside no fato de que o típico cidadão médio demonstra desinteresse pela vida intelectual e gosta mais de assistir televisão do que de ler livros. Ora, este é o retrato do cidadão médio de qualquer país do mundo, inclusive das economias mais desenvolvidas.
O que é digno de causar espanto é, por exemplo, ver Merval Pereira sendo eleito um imortal da Academia Brasileira de Letras em virtude do “incrível” mérito literário de ter reunido, na forma de livro, uma série de artigos jornalísticos de opinião, escritos por ele ao longo dos anos. Ou seja: dependendo dos círculos sociais que você frequenta, hoje é possível ingressar na Academia Brasileira de Letras meramente escrevendo colunas de opinião em jornais. Podemos sobreviver ao cidadão médio que lê dois livros por ano, mas não estou convencido de que podemos sobreviver a uma suposta elite intelectual que não vê diferença literária entre Moacyr Scliar e Merval Pereira.
“Vão ter que me engolir”
Apenas para referir mais um exemplo (entre tantos) das invejáveis capacidades intelectuais da elite social brasileira: na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que uma celebridade global havia perdido a compostura no Twitter após sofrer algumas críticas em virtude de um comentário que havia feito na rede social. A vedete, longe de ser uma estrelinha de quinta categoria, é casada com um dos diretores da toda-poderosa Rede Globo.
Bem, imagina-se que uma pessoa tão gloriosamente assentada no topo da cadeia alimentar brasileira certamente daria um excelente exemplo de boa formação intelectual ao se manifestar em público por escrito, não é mesmo? Pois bem, vamos dar uma lida nas sua singelas postagens, conforme referidas na reportagem mencionada:
“Almas penadas, consumidas pela a inveja, o ódio e a maledicência, que se escondem atrás de pseudônimos para destilarem seus venenos. Morram!”
“Só mais uma coisinha! Vão ter que me engolir, também f…-se, vocês são minurias [sic] e minuria [sic] não conta.”
Em quem se espelhar?
Não vou nem entrar no mérito da completa falta de educação dessa pessoa, que parece menos uma rica atriz global do que um valentão de boteco. Vou me ater apenas a dois detalhes. Primeiro: a intelectual do horário nobre da Globo escreve “minoria” com “u”, atestando para além de qualquer dúvida razoável que se encontra fora do grupo dos 25% dos brasileiros plenamente alfabetizados (ela comete o erro duas vezes, descartando qualquer possibilidade de desculpa do tipo “foi erro de digitação”).
Segundo: ela acha que “minorias não contam”, demonstrando, portanto, que ignora completamente as noções mais elementares do que vem a ser um Estado democrático de Direito, ou mesmo o simples conceito de “democracia” na sua acepção contemporânea. Do ponto de vista da consciência de direitos políticos, sociais e de cidadania é, portanto, analfabeta dos pés à cabeça.
Com os ricos e famosos que temos no Brasil, em quem o mítico e achincalhado “homem-médio” poderia mesmo se espelhar?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O que esperar dos vereadores





por Silvio Caccia Bava
No dia 7 de outubro serão eleitos cerca de 70 mil vereadores em todo o Brasil, 18,8 mil a mais que na última eleição, em 2008. Isso se deve basicamente ao aumento da população e a uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que resolveu elevar para nove o número de vereadores nos municípios com até 15 mil habitantes.
São 437.924 candidatos a vereador registrados no TSE este ano, número 25% maior que em 2008. Se cada candidato conseguir mobilizar pelo menos cinco pessoas para ajudá-lo, teremos mais de 2 milhões de militantes ativos nesta campanha eleitoral para eleger vereadores. Isso sem contar a mobilização social para a eleição dos prefeitos.
Esse número maior de vereadores quer dizer que a democracia se ampliou em nosso país? Temos mais parlamentares com a atribuição legal de fiscalizar o Executivo e de propor leis que, em princípio, devem defender o interesse público, buscar a melhoria da qualidade de vida dos munícipes, propor políticas públicas para assegurar direitos a todos os cidadãos. Mas, mesmo com mais parlamentares, ainda é difícil responder a essa pergunta.
Importa também avaliar quanto esses vereadores têm se mostrado efetivos no exercício do que as leis prescrevem como atribuições de seu mandato: as medidas de fiscalização do Executivo que propõem; os projetos de lei que apresentam; como participam da discussão e aprovação do orçamento público municipal, dos planos plurianuais.
O perfil dos vereadores eleitos nas legislaturas anteriores mostra um predomínio masculino − cerca de 88% são homens − e um grau de escolaridade que retrata o mundo das desigualdades em nosso país. Dos vereadores eleitos em 2004, por exemplo, quase a metade (48%) só tem o ensino fundamental completo e 77% têm o ensino médio completo.
Esses vereadores precisam se haver com os regimentos internos das câmaras municipais, com as formalidades e procedimentos da atuação legislativa, com o desafio de promover a fiscalização do Executivo, que por sua vez não apresenta transparência em seus processos e decisões e normalmente resiste a qualquer tipo de fiscalização.
É muito comum que as ofensivas das prefeituras para assegurar a maioria nas câmaras municipais, elemento importante da governabilidade, encontrem esses vereadores dispostos a negociar seu apoio, seja em troca de benfeitorias nas regiões que concentram seu eleitorado, seja em benefício próprio. É o velho clientelismo, que combina com a perpetuação das elites no poder. Os partidos políticos contam pouco nessa esfera municipal e, na verdade, pouco se diferenciam uns dos outros. E assim se formam maiorias nas câmaras municipais, seduzidas pelos executivos, que relegam suas funções atribuídas pela Constituição e pelas leis orgânicas municipais e passam a integrar a base de apoio do governo. Um governo, na grande maioria dos casos, que governa para poucos. Os vereadores que se mantêm independentes e críticos ficam confinados a uma atuação de minorias, com pouca capacidade para mudar procedimentos e essa lógica de balcão, a face visível da defesa de interesses privados.
Há uma combinação perversa que articula a precária formação da maioria dos vereadores com a ausência de projetos partidários para atender ao interesse público na sua cidade. Para não ser injusto com algumas importantes iniciativas, vamos dizer que essa é a realidade da grande maioria das cidades. Elas continuam gerando desigualdade, pobreza e exclusão. E os governos ou não querem, ou não podem mudar essa lógica.
Essas minorias que resistiram e se mantêm comprometidas com a defesa do interesse público são o que há de melhor nas câmaras municipais. É com elas que as entidades e os movimentos da sociedade civil que integram um campo político popular e democrático precisam se articular, dar força a esses mandatos e utilizá-los como canal de expressão política das demandas sociais e das pressões pela participação popular na gestão pública.
As câmaras municipais são um espaço de disputa de poder. Elas aprovam o orçamento municipal, definem políticas. A mudança no zoneamento urbano cria incríveis oportunidades de negócios para o mercado imobiliário, por exemplo. Mas algumas câmaras também aprovaram as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que definem favelas que, por projeto de lei, se tornam prioritárias para o investimento público.
Muitos dos problemas das cidades podem ser resolvidos se houver uma pressão efetiva por parte das entidades da sociedade civil que se organizam na defesa de direitos. É assim, tradicionalmente, que as políticas mudam: por pressão. Mas é preciso ter, dentro do parlamento, bancadas de parlamentares comprometidas com as demandas sociais e com os movimentos de pressão por mudanças. É aí que cresce a importância do vereador, que passa a ser um verdadeiro representante do interesse público e dos agentes de transformação social.

Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

“É estelionato”, diz Miguelina Vecchio sobre candidatas laranjas


Vice-presidente de Mulheres da Internacional Socialista diz que nova legislação sobre aborto legal não dá autonomia às mulheres | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

Mulher de personalidade, forte na fala e na defesa de suas ideias, Miguelina Vecchio luta pelas causas feministas há 30 anos no Brasil e na América Latina. Vice-presidente de Mulheres da Internacional Socialista, a socióloga vê uma necessidade de avanço na política brasileira para qualificar a participação dos quadros femininos.  “Eu fiz uma solicitação de audiência com a ministra Carmem Lúcia (TSE). Eu quero saber qual a punição que as laranjas vão ter ao final desta eleição, quando dois terços das candidatas serão laranjas. Isto é estelionato”, acentuou, durante entrevista de quase duas horas na sede do Sul21.
Dirigente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e presidente da Ação Mulher Trabalhista (AMT), Miguelina está disposta a comprar briga com os dirigentes trabalhistas para punir as laranjas do seu partido. Esta não será a primeira vez em que ela fará algo de acordo com as próprias convicções, mesmo que eventualmente contra os interesses de alguns setores do PDT. “Eu não votei na Yeda Crusius (PSDB), que é contra a licença-maternidade. Eu votei no Olívio Dutra, que fez a Coordenadoria Estadual da Mulher”, admitiu.
Favorável ao aborto amplo, Miguelina diz que, mesmo com a aprovação do Novo Código Penal, a legislação sobre o aborto legal no Brasil não contempla a autonomia das mulheres. “O ideal seria poder decidir até a 14ª semana, sem criminalização para as mulheres, como ocorre na Espanha”, compara. Ela lamenta que no Brasil, as mulheres pobres e negras sejam as vítimas da criminalização por interrupção da gravidez. “Se as pessoas entendessem que nenhuma feminista quer o aborto como prática seria um ganho. O que queremos é não precisar fazê-lo”, diz. Durante a entrevista, ela acentuou a necessidade de investir em educação, como forma de promover mudanças sociais e combater problemas como a gravidez precoce e a violência contra mulheres.
“A violência aumenta com a impunidade. Se o Estado não enfrenta a questão da violência contra mulheres, as crianças vão aprendendo que é normal a mãe apanhar”
Sul21 – Em seis anos da Lei Maria da Penha, as denúncias de violências contra mulheres aumentaram no país. O que por um lado é positivo, por revelar que mais mulheres estão denunciando os agressores. Porém, o sistema de proteção ainda é falho. Muitas seguem morrendo mesmo com a existência de medidas protetivas. Como avançar mais para a efetividade da lei?
Miguelina Vecchio – Se compararmos com o período anterior à Lei Maria da Penha, em que éramos “protegidas” pela Lei 9.099, que na verdade não nos protegia, pelo menos já temos uma lei efetiva. Anteriormente, a legislação tipificava os crimes contra mulheres como de menor potencial ofensivo, ou seja, matar mulheres não era algo tão importante. Mas eu não sou ufanista em relação à Lei Maria da Penha como a maioria das feministas. Eu acredito que é uma norma que ajuda. O fato da não compulsoriedade também. Antes acontecia como no estado do Pará, que criou uma lei para notificação compulsória. Ao atender uma mulher agredida, o Hospital de Pronto Socorro informava a Delegacia. O delegado entregava a notificação para a vítima denunciar o agressor e ela tomava mais um pau por ter tentado denunciar o marido. Há uma série de fatores que precisam ser levados em conta para acabar com a violência contra mulheres. Fundamentalmente, tratar o agressor. O homem que agride uma mulher é doente. Infelizmente esta compreensão veio tardia. Faz apenas alguns anos que se começou a pensar as políticas de forma multidisciplinar para conseguir alcançar o todo e não tratar o tema como caso de polícia que se resolve com medida protetiva e cadeia. Este método criava um círculo que, às vezes, acabava com a única fonte de renda da casa, que é o pai preso, gerando novos problemas ou novas violências sem tratar o agressor.
Sul21 – O governo gaúcho vai estrear uma patrulha da polícia para acompanhar agressor e vítima. A senhora acredita ser uma medida eficiente?
Miguelina Vecchio – Ajuda. Eu fui presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher no Rio Grande do Sul, há quatro mandatos. Em uma visita ao conselho do Rio de Janeiro, eu me deparei com uma roda de homens na reunião. Perguntei o que faziam tantos homens no Conselho da Mulher e fui informada de que eram agressores em tratamento terapêutico. A agressividade não é para ser o natural de um ser humano. O problema é que tratá-la significa ter que mexer em causas profundas. Um fator que contribui para o aumento da violência é a impunidade. Se o Estado não enfrenta a questão, as crianças vão aprendendo que é normal a mãe apanhar. E na minha prática eu ouvi histórias de agressões por motivos mais inimagináveis, como não servir a comida na hora certa ou não esperar o marido com o chimarrão. O vínculo afetivo das mulheres com o agressor também é algo que não pode ser desconsiderado. Então, são várias coisas que precisam ser tratadas. Eu acho que a Patrulha Maria da Penha vai ajudar. Mas o estado tem que estar preparado para reagir de forma enfática. Eu comecei a elaborar um projeto, de âmbito federal, para identificar os agressores no mercado de trabalho. É uma forma de fazer com que as empresas não sejam coniventes com funcionários agressores e consigam propor tratamento para eles. Existem inúmeras formas de enfrentar a violência e tratar o problema — o que não pode é banalizar a violência.
"Costumo lembrar os alunos que acham legal jogar bola quando a professora não veio dar aula no sistema público que este dia fará falta quando ele perder vaga da universidade pública para o filho do burguês" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Em que aspecto? A banalização envolve vários atores.
Miguelina Vecchio – Sim. E com o passar do tempo, a violência está sendo encarada de forma muito banal em vários setores. Atualmente se fala no desejo de uma cultura de paz, mas compramos para nossos filhos armas de brinquedo cada vez mais realistas. Ou seja, estamos fazendo campanha para desarmar os adultos e estamos armando as crianças. Os jogos eletrônicos não poderiam ser mais violentos. O ganhador é quem matar mais pessoas. Não podemos achar que isto não afeta o subconsciente das crianças. Como ele crescerá achando que bater é algo ruim, se quanto mais ele for cruel nos games, mais ele é vencedor? Na escola, ele reproduz a violência na convivência com os outros colegas porque ele quer ser reconhecido como o poderoso. O poderoso é o que bate. Nas unidades de privação de liberdade de jovens é a mesma coisa. O mais drogado não é a referência, a referência é o que mais matou. Eles saem e um quer matar mais que o outro para quando voltar para a FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo) ou para um presídio ele ser reconhecido como melhor que os outros. Estes jovens estão em alta vulnerabilidade, o atendimento tem que ser humanizado. A lógica não é enfrentar a violência matando o bandido, é impedindo que ele nasça. Ou seja, o Estado tem que investir em educação.
Sul21 – Educação é apontada como solução para muitos problemas sociais. No caso da violência contra as mulheres, uma solução também passa por mais educação?
Miguelina Vecchio – Com certeza. Não defendo a educação apenas pela minha militância no PDT, que tem o berço de Leonel Brizola e sua bandeira da educação, mas por ter atuado em escola também. Se não resolver o problema na escola, dificilmente será depois que o cidadão já largou os estudos ou nem entrou na escola que o Estado conseguirá mudar alguma coisa. Eu digo sempre isso quando faço palestra nas escolas. Eu costumo lembrar os alunos que acham legal jogar bola quando a professora não veio dar aula no sistema público que este dia fará falta quando ele perder a vaga da universidade pública para o filho do burguês que não perdeu de ter um conteúdo e pegará uma vaga que deveria ser dele na universidade federal. Não há estímulo para os alunos quererem ser competitivos, no sentido da boa competição, de aproveitar oportunidades para ser o melhor que puderem na vida. Certa vez, eu estive palestrando em uma escola de periferia e havia um aluno com camiseta da Nike. Eu perguntei sobre a marca ele disse que conhecia. Mas quando eu disse que a Nike explora a mão de obra dos trabalhadores para confecção das roupas, ele desconhecia. Eu disse que ele usava porque não tinha orgulho de ser brasileiro e me disseram que eu estava chocando os alunos. Mas eles têm que se chocar mesmo. Há jovens que vestem uma manta da Palestina e desconhecem completamente o que estão usando. E a escola de hoje só reforça esses conceitos. Tudo que não é brasileiro é legal. O que tem de legal nisso? Ser oprimido pelos gringos? Eu sou presidente da Internacional Socialista de Mulheres para América Latina. Não tenho nenhum carimbo americano e tenho orgulho disso.
“Se com dez anos as crianças já têm noção de sexo, é aí que temos que entrar com este tema. Estamos apresentando métodos contraceptivos no Ensino Médio e elas estão engravidando no Ensino Fundamental”
Sul21 – Qual era a escola de Leonel Brizola?
Miguelina Vecchio – A escola que emancipa. O turno integral é o caminho para evitar a exploração do trabalho infantil. Se não for para escola em dois turnos, sabemos que em um deles ele vai para a sinaleira. Há críticas de que o contraturno não oferece políticas públicas elaboradas, mas mesmo que seja apenas para bater tambor na escola, já é melhor do que fumar crack. Tem coisas simples que podem ser feitas nas escolas que já conseguem resgatar a juventude. Hoje em dia com menos de 15 anos as meninas estão transando quando não estão na escola, porque não têm opções para complementar a formação. Não é que não possa fazer o que quiser com o corpo; é não fazer isso como regra por falta de educação e de ocupação. Se o Brizola tivesse sido presidente o Brasil não teríamos a realidade que há hoje, em que pese que Lula foi um grande presidente e fez muito pelo país.
Sul21 – Como mudar o currículo escolar para adequar a educação sexual à realidade de crianças e jovens iniciados e expostos ao sexo cada vez mais cedo?
Miguelina Vecchio – Eu fiz uma palestra em Palmeira das Missões e a professora que me convidou achou que eu seria linchada. Eu perguntei para os pais presentes de quem era a culpa das adolescentes grávidas e disse que não era da infeliz da professora, que recebe o mísero salário dela: é dos pais. Eles não querem que a professora apresente o pênis em uma aula de biologia ou de ciências, mas muitas vezes as filhas deles já viram um ao vivo atrás da igreja. E a culpa é da professora que não tem nem condições de pagar uma pós-graduação? As professoras estão deixando as salas de aula. Não é uma profissão valorizada e desejada como foi em épocas passadas. Nós estamos apresentando métodos contraceptivos no Ensino Médio e elas estão engravidando no Ensino Fundamental. Se com dez anos elas já têm noção, é nesta fase que vamos ter que entrar com este tema. Com a minha filha eu falei sobre isso quando ela tinha seis anos. Ela me perguntou com essa idade e é isso que eu digo para os pais: falem. E só respondam o que ela pergunta. Basta falar o que elas perguntam. Para minha filha eu contei tudo. No ano seguinte foi inclusive curioso porque na conversa com um coleguinha ela contestou que ele não tinha nascido da sementinha porque não tinha galhos e foi para o quadro e desenhou o espermatozóide que eu tinha desenhado para ela. A professora me chamou na escola dizendo que o coleguinha não queria mais sentar ao lado dela. Mas eu sugeri que chamasse o outro pai, que fica contando essas bobagens. Eu até exagerei, mas o melhor é não mentir para a criança. Quando eles descobrirem (que não era verdade), vão hesitar em perguntar para os pais outra vez.
"Os pais não querem que a professora apresente o pênis em uma aula de biologia ou de ciências, mas muitas vezes as filhas deles já viram um ao vivo atrás da igreja" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O quanto ainda existe de pudor e conservadorismo diante destes assuntos?
Miguelina Vecchio - Diminuiu muito. Avançamos bastante. Mas, o que a escola apresenta hoje para romper o preconceito? Na verdade, nada. A escola burguesa ensina a dominar e a escola proletária a aceitar a dominação. As pessoas têm que ter as mesmas oportunidades. Não podem estar condenadas porque nasceram em determinada condição social ou com determinada raça. Aliás, falar em etnia no Brasil, se tivéssemos um pingo de vergonha na cara, diríamos que todos nós somos negros. O problema é que nossa sociedade nega sua negritude e quer ser branca a qualquer custo. Nem que seja taxado de nazista, mas tem que ser branco. Outra coisa é afirmar que existe uma raça ‘parda’. Não existe isso. Nós todos somos descendentes da miscigenação.
Sul21 – As próprias mulheres se submetendo a determinados papéis não acabam contribuindo para a reprodução do machismo?
Miguelina Vecchio – As mulheres têm sua parcela, mas também foram educadas na cultura machista. Elas foram criadas na cultura que dança na boquinha da garrafa e a mãe e o pai batem palma. Sem falar na reprodução de valores que se transmitem nestes programas de relações superficiais. Uma fica com o namorado da outra como se fosse algo legal. Sabemos que a televisão é extremamente erotizada, as músicas de alguns grupos, enfim, muito do que os jovens consomem. Eu costumo citar a letra do Raimundos (na musica “Selim”), que fala em ser um banquinho de bicicleta para estar próximo à vagina como referência. Para estar próximo tem que ser muito mais do que um banquinho de bicicleta, é minha mensagem. Nós aprendemos a setorizar o corpo do outro. Se tiver alguma coisa que achamos atraente está bom. Não, tem que ter intelecto, investir em outras relações. Ainda temos uma cultura dentro da escola que a mulher “avançada” é aquela que engravida enquanto as outras ainda não transam. Tem que transar com segurança. Isso é que tem que ser ensinado. E escola não enfrenta estas coisas.
“Eu não voto em mulher por ser mulher. Sou contra essa lógica. Votei na Dilma pelo que ela representa com uma caneta na mão, não porque ela usa saia”
Sul21 – A senhora acredita que o aumento no número de mulheres nos partidos e na política, garantiu uma participação qualificada?
Miguelina Vecchio – Eu não voto em mulher por ser mulher. Sou contra essa lógica, que acaba colando muito em época eleitoral. Eu não votei na Yeda Crusius (PSDB), que é contra a licença-maternidade. E votei na Dilma Rousseff pelo que ela representa com uma caneta na mão. Por tudo que ela passou e a trajetória que ela construiu. Não votei nela porque ela usa saia.
Sul21 – E por ela ter sido do teu partido, o PDT.
Miguelina Vecchio – Não posso dizer que isso não teve nada a ver. Mas ela ter sido do PDT contribuiu para que eu a conhecesse. Meu voto é fruto de uma convivência. Eu trabalhei 15 anos com o marido dela (Carlos Araújo). Frequentava a casa deles. Isso me fez conhecê-la bem. Ela tem um temperamento terrível, mas é extremamente solidária. Eu sei que ela jamais trairia a causa das mulheres e dos trabalhadores. Eu dei meu voto consciente. O meu partido mandou eu votar na Yeda e eu votei no Olívio Dutra (PT). Claro que eu não fui para a televisão fazer campanha contrária. Mesmo porque sou dirigente nacional do PDT, na época era secretária geral do partido no Rio Grande do Sul. Mas fui lá, quietinha, votei no 13 e fui para minha casa. O meu voto é meu. Partido tira suas orientações, mas eu tinha as minhas razões. O Olívio fez a Coordenadoria Estadual da Mulher, reativado ainda na gestão do Alceu Collares (PDT). O meu voto foi de gênero. Mas não adianta votar em mulher para ampliar o número de mulheres no Congresso Nacional, se não fazem nenhuma política pública de gênero.
"Vão constituir um laranjal", diz Miguelina Vecchio sobre cota de candidatas mulheres nas eleições de 2012 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – A senhora considera equilibrado o espaço de mulheres nos governos federal e gaúcho?
Miguelina Vecchio – No caso do governo Tarso, ele ofereceu três secretarias para o PDT e o meu partido preencheu todas com homens. Do PT tem mais de uma mulher. O PCdoB preencheu as duas vagas no primeiro escalão com mulheres. A discussão deve ser feita dentro dos partidos. Porque o PDT escolheu apenas homens. Neste caso, o governador está isento desta discussão. A Dilma Rousseff também tem que ser isenta desta discussão, porque honrou a indicação de gênero. O núcleo central do governo é comandado por mulheres e os partidos também apresentaram mulheres. O PT apresentou várias. O PDT acabou apresentando só um homem, porque era apenas um ministério. Já o PMDB tem sete pastas e não colocou nenhuma mulher. Mas é importante salientar que as mulheres não querem o lugar que é dos homens, nós queremos o lugar que também pode ser ocupado por mulheres. A maioria dos homens é que não sabe conviver com esta ideia. Nós somos maioria no Brasil, queremos o lugar que é nosso. A população é metade de um gênero e metade de outro.
Sul21 – Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta eleição a participação feminina no pleito para as câmaras municipais pode ser alcançada conforme exigência da lei. Mas sabemos que existem dificuldades no preenchimento destas vagas, devido a utilização de candidatas laranjas. A senhora é a favor das cotas para mulheres?
Miguelina Vecchio – Vão cumprir e constituir um laranjal dos mais profissionais. Falarei sobre esta questão apenas dentro do escopo do meu partido, não quero arranjar conflito, mesmo porque eu não ensino ninguém a fazer nada. Dentro do PDT nós temos uma posição retirada de um processo de ampla discussão com as mulheres, que é quem deve resolver este assunto, de que nós mesmas vamos denunciar a laranjas. Enquanto nós aceitarmos as laranjas, nós não vamos forçar os homens a qualificar os quadros femininos a concorrer. Nem mesmo dar visibilidade para que os quadros possam concorrer daqui quatro anos. Eles sempre vão se valer das laranjas. Eu fiz uma solicitação de audiência com a ministra Carmem Lúcia (TSE). Eu quero saber qual a punição que as laranjas vão ter. Se existe estelionatária, sabendo que não vão são candidatas e vão fazer cinco votos, tem que ser responsabilizada penalmente por isso. O partido tem que qualificar os quadros femininos. Eles que dividam as estruturas do partido em meio a meio para habilitar as mulheres a concorrer. Queremos combater este tipo de prática (candidaturas laranjas) no meu partido. Sabemos que este enfrentamento será horrível na relação com os dirigentes homens, mas não tem problema. O pior é ver mulheres candidatas suando a camiseta porque acreditam que conseguirão alcançar um mandato, e do outro lado ver outras dizendo que estão ali porque o fulano de tal mandou, para não reduzir a cota dos homens. Pois que diminuam. Não tem mulher, diminua o número de homens. Ou será que vamos ter que continuar enchendo lista para eles elegerem?
Sul21 – Então, o problema não é a lei, é como o ambiente majoritariamente masculino dos partidos a aplica?
Miguelina Vecchio – O problema é que tem mulher que se presta a este papel. Não vou nem qualificar como “prostituta eleitoral” porque seria uma ofensa às profissionais do sexo. Então eu vou insistir na audiência com a ministra Carmem Lúcia, que eu imagino que esteja bastante ocupada agora, mas eu vou aguardar para que ela me diga o que o TSE vai fazer quando abrir as urnas e ver que dois terços das listas são compostos por um laranjal. Se ela irá sugerir que se faça uma fábrica de suco ou fazer algo com isso. Não é possível não fazer nada. Isto é estelionato. É por estas e outras que eu sou a favor do voto em lista. Tem que se votar no partido. O partido que trabalhe para diversificar a lista de candidatos.
“Se as pessoas entendessem que nenhuma feminista quer o aborto como prática já seria um ganho. O que queremos é não precisar fazê-lo”
Sul21 – No Novo Código Penal será possível a interrupção da gravidez até a 12ª semana mediante incapacidade emocional ou psicológica. Para as feministas, ainda não é o ideal porque não traz a autonomia da mulher como princípio e ainda dependerá da autorização de terceiros. Qual a sua opinião?
Miguelina Vecchio – No Congresso Nacional fizeram uma CPI do Aborto. Agora, há notícia de algum caso de mulher famosa ou com sobrenome importante que praticou aborto em um hospital e depois viajou para Paris? Não. Ninguém sabe se essas pessoas fazem aborto. Eu quero saber como fica a situação das mulheres brasileiras que não têm condições de pagar clínicas ou hospitais e se introjetam agulhas de tricô ou fazem outros métodos para interromper a gravidez. Com essa CPI só vão prender pobres e negras. O país tem que parar com a hipocrisia. Eu fui excomungada na República Dominicana quando defendi o artigo 30 da Constituição dominicana. A organização de mulheres dominicanas convidou três mulheres no mundo para fazer a defesa, eu fui uma. A igreja dominicana é dez vezes mais reacionária que a nossa, se é que isso é possível, mas eu disse: ‘Os padres que cuidem dos seus pedófilos e deixem que o nosso útero a gente cuida’.
"Eu quero saber como fica a situação das mulheres brasileiras que não têm condições de pagar clínicas ou hospitais e se introjetam agulhas de tricô" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21- Em termos de América Latina, como está avançando o tema do aborto?
Miguelina Vecchio – Há um processo latino-americano de recuo no tema do aborto. O Tabaré Vasquez, que foi eleito pela Frente Ampla, que era do campo da esquerda e meu colega na Internacional Socialista, vetou a proposta aprovada no Congresso. A pior parte, que é passar pelo Congresso, foi vencida — e ele vetou. Já o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, revoga o aborto terapêutico. Pela primeira vez no Brasil, aqui em Porto Alegre, mostrei um estudo sobre a redução da mortalidade materna no mundo nos países onde o aborto é descriminalizado ou legalizado. Reduz a quase zero. E no final ainda exibi um filme em que os homens se emocionaram. Eu quis mudar como é dura a realidade que eles (homens) decidem sobre os nossos corpos. Se o aborto fosse no corpo do homem este assunto estava resolvido há anos. Na verdade, se as pessoas entendessem que nenhuma feminista quer o aborto como prática já seria um ganho. O que queremos é não precisar fazê-lo. É uma agressão para quem faz. O problema é quando já se fez. O que fazer? Deixar morrendo no fundo do quintal?
Sul21 – A senhora é a favor de descriminalização ou legalização do aborto?
Miguelina Vecchio – Eu sou a favor do aborto amplo. Até a 14ª semana a mulher pode ter o direito de optar em manter ou não a gravidez. Eu sou uma pessoa que defende isso em qualquer palanque. Quando eu fui candidata a deputada federal eu defendi o aborto durante a campanha. Me orientaram que eu perderia votos. Eu disse: lamento. Não vou defender algo que não acredito ou prometer algo que não foi fazer depois, como muitos fazem. Nas eleições municipais este assunto não é pautado. Mas a minha orientação dentro do PDT é que as candidatas mulheres tenham no mínimo coerência de defender ao menos a descriminalização. Mas a minha opinião eu compartilho, que é ser a favor do aborto amplo.
Sul21 – Como mudar a influência da igreja no Estado para vivermos o estado laico de fato?
Miguelina Vecchio – É complicado. Há uma série de contradições. Eu sou totalmente contra esta imposição da igreja e com este argumento de religiosidade para encarar este tema. Eu não digo isso porque não acredito em Deus. Mas eu não concordo em sustentar a instituição igreja. Sou a favor da fé e da religiosidade, com tolerância e respeito. Agora, a interferência da igreja no estado é retrocesso.
De acordo com Miguelina, é preciso educar até mulheres para combater preconceitos e violência: "não são apenas homens que dizem que o estupro ocorreu porque a mulher estava de saia e andando sozinha à noite" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O Código Penal de 1940, ainda em vigor, determina “categorias de mulheres” que podem sofrer crimes sexuais, o que foi adequado agora na reforma do Novo Código. Começamos a reparar alguns desequilíbrios do sistema judiciário para garantia dos direitos que contribuam para igualdade de gênero?
Miguelina Vecchio – Isso era absurdo. Ainda existe outro absurdo no Código Penal, que na reforma proposta pelos juristas vai mudar, que é não considerar sexo anal e oral como estupro. No texto antigo, penetração no ânus é atentado violento ao pudor. Mas o novo texto ainda passará por aprovação. Apesar de a pena ser a mesma, a densidade do fato social não é. Não podemos desconsiderar o trauma psicológico da vítima. Quando tira-se a palavra estupro, há uma diminuição do que foi feito. Foi estupro igual. Quando começou a surgir as delegacias de mulheres, as feministas imaginaram que estas compreensões começariam a ser assimiladas, mas não foi bem assim. Imaginávamos, quando lutávamos por mais delegacias, que o fato de termos delegadas mulheres resolveria os problemas. Mas não, é preciso capacitação até para as profissionais do nosso gênero para não que não reproduzam preconceito. Não são apenas os homens que dizem que o estupro ocorreu porque a mulher estava de saia e andando sozinha à noite. Mas a emancipação da mulher tem um binômio: educação e trabalho. Ninguém pode se dizer emancipada se pede dinheiro para o homem até para o absorvente. Então, a busca pelo ensino é fundamental para conquistar trabalho. E sem trabalho, é difícil de emancipar-se. A falta de oportunidade acaba contribuindo para a mulher se anular. A responsabilidade com os filhos e tudo mais. Não importa quantos anos as mulheres têm, elas devem buscar motivação para estudar e ter alguma formação. Pode levar 20 anos de curso, não tem problema. Pode ser uma técnica em serviços gerais. Não importa. As pessoas têm que compreender que a escola é o lugar ideal para se viver. É lá que desconstituímos preconceitos e que olhamos para os diferentes como iguais. Só que, para alcançarmos esta compreensão, precisamos trabalhar muito na mudança de cultura da sociedade brasileira. Uma sociedade que é velha e quer ser jovem, que é gorda e quer ser magra e é negra e quer ser branca.

domingo, 12 de agosto de 2012

Veja e Cachoeira mantinham esquema criminoso, denuncia Carta Capital

Policarpo Junior
A Veja, sob o comando do jornalista Policarpo Júnior, e a quadrilha do bicheiro Cachoeira estão ligados na reportagem da revista Carta Capital dessa semana

A revista semanal de ultradireita Veja e o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, desenvolveram, ao longo de metade da década passada, um esquema rentável para a promoção de uma lista de crimes que a Polícia Federal (PF) investigou nas operações Monte Carlo e Vegas. Ambas já resultaram na prisão do contraventor e na cassação do mandato de senador de Demóstenes Torres (ex-DEM-GO). Os fatos foram demonstrados em reportagem da revista semanal de esquerda Carta Capital, aqui reproduzida no blog Limpinho & Cheiroso, do jornalista Miguel Baia Bargas.

A revista traz, em minúcias, a relação do diretor da sucursal de Veja com a quadrilha de Cachoeira. Assinado pelo jornalista Leandro Fortes, o texto  mostra quão profundo era o pântano em que se meteram.
Nesta quarta-feira, o deputado Dr. Rosinha (PT/PR) irá ao plenário da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira para denunciar esta faceta adjacente da quadrilha. Com base em um documento construído com base no material enviado à comissão pela PF, o parlamentar apresentará um requerimento de convocação do jornalista Policarpo Jr., diretor da revista Veja em Brasília.
“O parlamentar tem em mãos um quadro completo das ligações escusas do jornalista e da semanal da Editora Abril com a quadrilha do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Um relicário de quase uma centena de interceptações telefônicas feitas pela PF nas operações Vegas (2009) e Monte Carlo, realizada em 29 de fevereiro deste ano. A conclusão é devastadora. Da encomenda de um grampo ilegal contra um deputado federal à subordinação da sucursal de Veja ao esquema criminoso de Cachoeira, as informações repassadas à CPI revelam uma ligação pessoal ostensiva entre o repórter e o bicheiro. A avaliação de mais de 100 páginas preparada para o deputado, à qual Carta Capital teve acesso, demonstra como Cachoeira fornecia fotos, vídeos, grampos e informações privilegiadas do mundo político e empresarial ao jornalista. O bicheiro usava, sem nenhum escrúpulo, a relação íntima que mantinha com Policarpo Jr. para plantar notícias contra inimigos. Em contrapartida, a revista protegia políticos ligados a ele e deixava, simplesmente, de publicar denúncias que poderiam prejudicar os interesses da quadrilha”, afirma a reportagem de Leandro Fortes.
Leia, daqui em diante, a íntegra da matéria de Carta Capital
As interceptações da PF provam o que a revista nega desde o primeiro momento em que teve seu nome ligado ao bicheiro. Não se trata simplesmente do ecumênico trabalho jornalístico em busca da notícia que obriga repórteres a se relacionarem com anjos e bandidos, gregos e troianos. É algo muito mais profundo, uma ligação na qual os interesses “comerciais” do contraventor estavam umbilicalmente ligados aos interesses políticos da revista, a ponto de estimular uma cobertura seletiva e levar a publicação a promover ostensivamente um político, o senador Demóstenes Torres, que colocou seu mandato a serviço da bandidagem.
Cachoeira costumava escalar a dupla de arapongas Jairo Martins e Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, para levantar informações e negociá-las com a Veja. O jornalista, por sua vez, mantinha encontros periódicos com o bicheiro e alguns de seus capangas, a fim de confirmar, encomendar e reunir informações para reportagens da revista. As informações da PF com histórico de textos publicados pelo semanário demonstram que Policarpo Jr. tinha conhecimento do funcionamento da quadrilha e usufruía dos métodos ilegais de captação de informações.
Policarpo JuniorO objetivo básico dessa relação para a revista contra alvos específicos. Em troca, Policarpo Jr. informava o grupo de Cachoeira sobre o que seria publicado, uma sinergia viciante iniciada em 2004 e, ao longo dos últimos oito anos, transformada numa relação de dependência mútua sem a qual esse inédito esquema de crime organizado não teria se concretizado. Nem Cachoeira teria o poder que chegou a ter nem Veja teria as informações, quase nunca embasadas em provas reais, para produzir escândalos.
Há um momento crucial em que a participação de Policarpo Jr. no esquema criminoso tornou-se inquestionável, impossível de ser interpretada como mera relação entre um jornalista e sua fonte. Em 26 de julho de 2011, uma terça-feira, uma interceptação telefônica flagrou uma conversa entre o repórter e o bicheiro. Sem mais delongas, o jornalista pede ao contraventor para grampear um parlamentar da base governista.
Policarpo – É o seguinte, não, eu queria te pedir uma dica, você pode falar?
Carlinhos – Pode falar.
Policarpo – Como é que eu levanto aí uma ligações do Jovair Arantes, deputado?
Carlinhos – Vamos ver, uai. Pra quando, que dia?
Policarpo – De imediato, com a turma da Conab.
Carlinhos – O Neguinho.
Policarpo – Hã?
Carlinhos – Deixa eu ver com ele, o Neguinho, vou falar para ele te procurar aí.
Em suma, o diretor da sucursal da Veja queria saber com quem o deputado Jovair Arantes (PTB/GO) andava conversando ao telefone entre os dirigentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura. Para tal missão, segundo a íntegra do áudio, Cachoeira avisou que iria destacar “Neguinho”, apelido do delegado da Polícia Federal Deuselino Valadares, informante da quadrilha preso durante a Operação Monte Carlo. Ou seja, Policarpo Jr. não apenas sabia das atividades de arapongagem clandestina do bicheiro com fazia encomendas específicas para alimentar o noticiário da Veja.
Três dias depois, em 29 de julho de 2011, outro grampo detectou uma conversa entre um certo “Paulo Abreu” e Jairo Martins. Como jamais apareceu outra interceptação, “Paulo” deve ser Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta Construções no Centro-Oeste. No áudio, o araponga avisa a Abreu que, naquela semana, a revista da Abril iria sair com uma reportagem da Conab. Diz ainda que Veja iria “bater” em seis diretores do órgão. Informação realmente de primeira: no mesmo dia, a revista estampou uma entrevista com Oscar Jucá Neto, o Jucazinho, irmão do senador Romero Jucá (PMDB/RR), então líder do governo no Senado.
Ex-diretor-financeiro da Conab, Jucá Neto havia sido demitido na semana anterior por supostamente ter autorizado o pagamento de R$8 milhões a uma empresa fantasma, segundo denúncia veiculada pela própria Veja. Na nova edição da revista, Jucazinho destilou seu fel contra a Conab e acusou o então ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB, de comandar um esquema de corrupção na pasta. Rossi seria demitido um mês depois.
Só no meio da reportagem é possível compreender o interesse de Policarpo Jr. no deputado Jovair Arantes, então líder do PTB na Câmara. O parlamentar aparece como beneficiário do dinheiro de campanha doado pela Caramuru, de Goiás, uma das maiores empresas de armazenagem de grãos do País. A companhia estaria negociando o recebimento irregular de uma dívida de R$20 milhões por parte da Conab, em troca de distribuir R$5 milhões em propinas entre os diretores do órgão, segundo Jucazinho.
A reportagem da revista não trouxe, porém, uma única prova para sustentar as declarações do ex-diretor da Conab, muito menos para incluir Arantes como das supostas negociações de propina com a Caramuru. Ao que parece, ou a encomenda de Policarpo Jr. não foi entregue a tempo ou o delegado Deuselino Valadares não fez o dever de casa. O deputado do PTB goiano acabou envolvido na Operação Monte Carlo por outro caminho. Arantes foi flagrado em grampos da PF quando negociava dinheiro de campanha com Cachoeira em troca de apoio ao projeto de legalização do jogo no Brasil.
O marco inicial da relação do bicheiro e o jornalista, a quem Cachoeira e alguns capangas chamavam eventualmente de “Poli”, “PJ” ou “Júnior”, pode ser determinado em 22 de fevereiro de 2005. Naquela data, Policarpo Jr. foi depor de forma voluntária ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e defendeu Cachoeira. O depoimento serviu para vitimizar e inocentar o bicheiro de suas ligações espúrias com o Congresso Nacional. À época, o contraventor alegou ter sido chantageado pelo ex-deputado André Luiz (PMDB/RJ). O parlamentar teria exigido propina para não incluí-lo no relatório final da CPI da Loterj, a conturbada estatal de loterias do Rio de Janeiro.
Segundo Cachoeira, André Luiz havia pedido R$4 milhões, mas queria um adiantamento de R$200 mil para pagar dívidas de campanha de um filho. O bicheiro gravou a conversa, pegou um laudo do perito paulista Ricardo Molina e deu para Policarpo Jr. produzir uma reportagem. A reportagem de Veja, intitulada “Vende-se uma CPI”, foi publicada em 27 de outubro de 2004.
No depoimento que deu á Comissão de Ética da Câmara, Policarpo Jr. afirmou ter sido procurado por Cachoeira porque este, segundo ele, tinha interesse em conversar com um veículo “independente” e um jornalista de “boas referências”.
A gratidão do bicheiro não tardaria a se manifestar. Em maio de 2005, por meio de um trabalho de arapongagem de Jairo Martins, viria à tona o vídeo onde Maurício Marinho, então diretor dos Correios indicado pelo PTB, recebia propina para facilitar licitações na estatal. A denúncia levaria o deputado Roberto Jefferson a denunciar a existência do chamado “mensalão”.
Em 22 de março deste ano, em entrevista à mídia, o ex-prefeito de Anápolis (GO) Ernani de Paula jogou um pouco de luz nessa trama. Segundo ele, em 2003, Demóstenes Torres, senador cassado recentemente, era cotado para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Para tal, precisaria migrar do DEM para o PMDB, partido da base aliada. O movimento iria permitir ainda que a ex-mulher de Ernani de Paula, suplente de Demóstenes, ganhasse um mandato no Senado. O ex-prefeito diz ter convicção de que o flagrante a Marinho nos Correios foi armado por Cachoeira e Demóstenes para atingir o então ministro José Dirceu.
Hoje se sabe que os planos de Cachoeira dependiam da construção da imagem de Demóstenes, proposto da quadrilha no Senado, como paladino da moralidade pública. A partir desse personagem, falso como uma nota de R$3,00, o bicheiro conseguiu agregar apoio na mídia. A participação de Veja foi fundamental. “Não há dúvidas de que o mito de Demóstenes foi construído na Veja e replicado pelo resto da mídia”, avalia Dr. Rosinha.
Aos poucos, foi possível à PF mapear, desde 2009, por meio da Operação Vegas, como se construir a curiosa disputa entre Cachoeira e Demóstenes pela atenção e a amizade de Policarpo Jr. Estrategicamente, a revista cuidou de consolidar a relação com o bicheiro por meio de reportagens laudatórias sobre o senador do DEM.
A mais marcante foi publicada em 4 de julho de 2007. Intitulada “Os mosqueteiros da ética”, trazia uma série de parlamentares que supostamente representariam a defesa de valores republicanos e democráticos no Congresso contra as torpezas e a corrupção. Demóstenes era um dos destaques. O ex-senador ainda iria brilhar em uma entrevista nas páginas amarelas da revista, na qual foi vendido como o escolhido do povo brasileiro na luta contra a corrupção.
As informações passadas à CPI demonstram que Cachoeira e Demóstenes eram consultados antes de as notícias serem publicadas, não se sabe se com ou sem a autorização da redação de Veja em São Paulo. Também atuavam para impedir a publicação de notícias consideradas prejudiciais à quadrilha.
Em uma conversa gravada em 13 de maio de 2009, Demóstenes pede a Cachoeira para convencer Policarpo Jr. a entrevistar o delegado Aredes Correia Pires, então corregedor-geral de Segurança Pública de Goiás no governo de Marconi Perilo, do PSDB. Pires havia sido subordinado do ex-senador do DEM na Secretaria de Segurança Pública. “Ele [Policarpo] é de confiança, você sabe que ele nunca furou com a gente”, insiste Demóstenes. O bicheiro promete resolver o problema.
Em outro grampo, de 19 de maio de 2009, Demóstenes se desespera com a possibilidade de Policarpo Jr., por ter desprezado o delegado, se voltar contra a quadrilha. “Poli me ligou dizendo que vai estourar o diretor-geral aí [corregedor-geral Aredes Pires]”, choraminga o ex-senador a Cachoeira. Em seguida, pede para o bicheiro conseguir “umas fotos” para calar a boca do jornalista. “Mas pelo menos as fotos vê se consegue, senão [Policarpo] acaba arrancando a cabeça do Aredes e fica a pior situação do mundo.” A PF não identificou de quais fotos o ex-senador e o bicheiro falavam, mas a estratégia deu certo. Veja nunca publicou qualquer denúncia contra o delegado Pires, mas tarde apontado pela Monte Carlo como informante da quadrilha.
Entre os dias 9 e 16 de maio de 2011, a PF flagrou outro conjunto de conversas que revelam a articulação de Cachoeira e Cláudio Abreu para evitar a publicação de reportagem sobre a suposta ligação da Delta com o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Obviamente, para preservar a empreiteira de Fernando Cavendish. Como pode ser verificado na interceptação de 9 de maio, Abreu conta a Cachoeira que Cavendish “já tem um discurso” para resolver a crise e revela que estão todos satisfeitos com a atuação de Demóstenes no Senado. O bicheiro avisa que vai encontrar o diretor de Veja em “20 minutinhos” no prédio da empreiteira para resolver a questão.
Em um grampo de 10 de maio de 2011, Cachoeira conversa com Abreu sobre um almoço que teve com Policarpo Jr. para tratar de um suposto encontro, em Itajubá (MG), de José Dirceu com Cavendish. O encontro teria sido intermediado pelo ex-governador do DF José Roberto Arruda, defenestrado do cargo por denúncias de corrupção.
Cachoeira diz a Abreu que a fonte é “furada” e garante que o assunto vai morrer na revista. “O Policarpo confia muito em mim”, diz o bicheiro. “Vou te mostrar a mensagem que ele passou pra mim antes, 10 horas da manhã, pra eu me encontrar com ele aqui em Brasília.” A confiança de Policarpo Jr., neste caso, mostrou-se mesmo inabalável. Nada saiu a respeito do suposto encontro.
Em conversa interceptada em 16 de maio de 2011, Demóstenes comemora aliviado o recuo de Policarpo Jr. em relação ao tem. “Morreu o assunto, né? Tranquilo. Então, beleza, isso aí resolveu, então, 100% resolvido”, diz Cachoeira. O bicheiro esclarece: “Foi a conversa que eu e o Cláudio [Abreu] tivemos lá com o Policarpo. Foi bom demais, valeu.”
Em outra conversa, ainda em 10 de maio de 2011, Cachoeira conta a Abreu, em linguagem chula, como fez para convencer o jornalista a não publicar nada contra a Delta. “Enfiei tudo no rabo do Pagot! Aquela hora, Policarpo estava na minha frente.”
Em seguida, dá a dica definitiva ao diretor da Delta de como se comportar nesses casos: “Você me fala, então, depois, porque por fora eu posso ajudar demais plantando em cima dele [Policarpo], igual plantei do Pagot naquela hora. Ele anotou tudo, viu? Uma beleza. Pagot tá fodido com ele.”
E estava mesmo. Luiz Antônio Pagot, ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, foi demitido dois meses depois da conversa entre o bicheiro e o repórter. Exatos 26 dias após o almoço, Veja denunciaria um suposto esquema de cobrança de propinas para beneficiar o Partido da República (PR) nos contratos do Dnit.
A partir da Monte Carlo e das revelações nos diálogos entre Cachoeira e Policarpo Jr. foi possível descobrir o que realmente ocorreu. Pagot pode não ser um beato, mas sua queda tem mais a ver com o fato de ele ter contrariado interesses da Delta e da quadrilha. O ex-diretor cometeu o erro de criar problemas para a construtora em licitações. Em uma delas, por exemplo, a Delta foi investigada pelo Dnit por ter subcontratado uma empresa para obras de recuperação de um trecho de 18 quilômetros da BR116, no Ceará, sem autorização pra tal. Em uma conversa captada pela PF em 20 de março de 2011, Cachoeira revela a Demóstenes que Policarpo Jr. teria censurado uma entrevista feita em setembro de 2010, véspera das eleições, por Diego Escosteguy, então repórter da sucursal de Brasília. Na entrevista, Arruda, ex-governador cassado por corrupção, envolvia figurões nacionais do DEM e do PSDB no esquema de propinas no Distrito Federal. A entrevista só seria publicada em 18 de março de 2011, mas pela concorrente Época, para onde Escosteguy se transferira (clique aqui).
Ainda assim, o diretor de Veja tentou dar uma rasteira no ex-subordinado. Na quinta-feira anterior à publicação da entrevista em Época, Policarpo Jr. vazou diversos trechos da entrevista para o site da semanal da Abril na internet. Uma tentativa pueril de atingir a concorrência e, principalmente, de tentar camuflar a censura anterior. “O Policarpo ajudou também, viu? Ia foder todo mundo. Mas você viu que ele ficou com medo e recuou. Tenho certeza que recuou por causa de seu nome”, revelou o bicheiro, para a satisfação do ex-senador do DEM.
Dono da situação, Cachoeira passou a pautar todo tipo de reportagem, a fim de favorecer os negócios da Delta. Em um grampo de 29 de junho de 2011, o bicheiro conversa sobre uma notícia encomendada a Veja por Abreu. Tratava-se de uma reunião de 70 construtoras da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) para encaminhar a licitação de uma obra na BR280, em Santa Catarina. A reunião, marcada para acontecer em Curitiba, segundo Cachoeira, seria em 1º de julho de 2011.
O evento era um prato cheio. Naquela mesma semana, a sucursal de Brasília preparava uma reportagem sobre supostos esquemas de corrupção no Ministério dos Transportes. Os alvos eram o então titular da pasta, Alfredo Nascimento, presidente do PR, e Pagot. Em uma conversa captada pela PF, Cachoeira e Abreu combinam a infiltração de alguém da revista na reunião e a retirada estratégica dos representantes da Delta do evento. O bicheiro e o diretor da empreiteira mal conseguem se segurar de tanta excitação:
Carlinhos Cachoeira – Teve com Policarpo?
Cláudio Abreu – Cara, show de bola, achei que ele ia beijar minha boca.
Em seguida, traçam a estratégia de infiltração de um repórter, de preferência Policarpo Jr.
Cláudio Abreu – Já mandei o pessoal da Delta sair, né? Que nós não vamos participar da obra. Então falei para eles ir (sic) lá. Ele [Policarpo] vai lá. Falou: “Tem jeito de entrar?”. Falei:”Tem, cara, você infiltra lá e grava a conversa, o sorteio, vão sortear duas obras.” Ele tem de falar que é de uma empreiteira. Talvez, dar caução.
Carlinhos Cachoeira – Ele vai fazer o trem? Vai tá lá?
Cláudio Abreu – falou que ia mandar gente.
No dia seguinte, 30de junho, Cachoeira apressa-se em ligar para Demóstenes para contar sobre a reunião da Aneor, em Curitiba. “Passei um trem para o Policarpo aí hoje, que ele vai bamburrar, viu?”, conta o bicheiro ao ex-senador do DEM. “Só guarde para nós aí, que ele vai infiltrar lá.” Demóstenes não se contém: “Show de bola, show de bola! Aí vai ser de derruba.” Cachoeira dá os últimos detalhes e pede sigilo sobre a operação: “Não conta pra ninguém, ele vai com filmadora e tudo.”
A reportagem “O mensalão do PR” gerou uma crise imediata na cúpula do Ministério dos Transportes, mas não conseguiu derrubar o ministro Alfredo Nascimento. Um dia depois, em 2 de julho de 2011, Cachoeira voltou a conversar com Abreu para falar da repercussão.
Cláudio Abreu – Rapaz, o [Policarpo] Junior, o amigo nosso em Brasília, é mais forte que Aldrin 40 (agrotóxico inseticida). Você chegou a ler a matéria dele hoje, não é?
Carlinhos Cachoeira – Não. O que ele falou? Foi boa?
Cláudio Abreu – “Agora, às 15 horas e 12 minutos, a presidente Dilma Rousseff convoca o ministro dos Transportes e manda afastar todos os citados na reportagem da Veja.” Entra no site do UOL que você vai ver. A matéria ficou boa pra caralho, ele citou a reunião [da Aneor, em Curitiba], cara.
Carlinhos Cachoeira – Você é forte também, hein, Cláudio!
Cláudio Abreu – Você que é forte, amigo. Ainda bem que sou seu amigo. Eu já mandei uma mensagem pra ele [Policarpo], manda uma pra ele. Ele tem um Viber [aplicativo de mensagens para celular], manda um Viber pra ele. Eu botei assim: “Sua matéria já deu repercussão, você é mais forte que Aldrin 40.” Ele respondeu: “Já? Já teve repercussão?” Falei: “Veja o site do UOL.” Falou: “Vou ver, abraço.”
Um dia após a saída de Nascimento dos Transportes, em 7 de julho de 2011, Cachoeira falava como se fosse chefe de Policarpo Jr. Naquele dia, o bicheiro iniciou um forte lobby para promover um apadrinhamento político instalado no governo Perilo, o secretário estadual de Educação, Thiago Peixoto. Em mais uma conversa interceptada pela PF, Cachoeira diz para Abreu: “Você está com Policarpo Junior? Fala para ele fazer uma reportagem aí. O Thiago tá fazendo uma revolução na educação aqui. Manda ele designar um repórter pra cobrir.”
Havia um interesse comercial. Em uma conversa de 9 de junho de 2011, Cachoeira fala com um comparsa da quadrilha, Gleyb Ferreira da Cruz, sobre um projeto de construção de escolas de baixo custo em Goiás. “Comenta com ninguém não, mas o Thiago [Peixoto, secretário de Educação] passou o modelo pra nós, tá? Vai alugar várias escolas no estado, entendeu? E vamos construir, porque na hora que sair [a licitação], tá pronta, é só fornecer”, diz o bicheiro. Em dezembro do mesmo ano, a capa da Veja seria inspirada em um projeto de educação “de qualidade e baixo custo” na China.
Não foi surpresa nenhuma para a PF e para CPI, portanto, quando a 15 dias a mulher de Cachoeira, Andressa Mendonça, tentou chantagear o juiz federal Alderico Rocha Santos com um dossiê, segundo ela produzido por Veja. Andressa teria dito, contou o juiz: “O senhor conhece Policarpo Junior? O Carlos [Cachoeira] contratou o Policarpo para fazer um dossiê contra o senhor. Se o senhor soltar o Carlos, não vamos soltar o dossiê.”
O bicheiro continua preso e Andressa teve de pagar uma fiança de R$100 mil para não acabar no xadrez (clique aqui). Policarpo Junior corre o risco de ser convocado, na qualidade de indiciado, à CPMI do Cachoeira.

"Austeridade" é péssimo argumento contra greves do funcionalismo



A presidenta Dilma Rousseff fez nesta sexta-feira (10) declarações que podem acirrar ainda mais os ânimos com o funcionalismo público em greve. Segundo ela, a prioridade do governo neste momento é manter as vagas dos trabalhadores que não têm estabilidade no emprego. Referindo-se à posição do governo de não atender as reivindicações dos grevistas, ela disse que o momento é de austeridade fiscal.

Por José Reinaldo Carvalho, editor do
Vermelho


“Estamos enfrentando uma crise no mundo e o Brasil sabe, porque tem os pés no chão, que pode e vai enfrentar a crise e passar por cima dela, assegurando emprego para todos os brasileiros”, afirmou, ressaltando que o governo tem priorizado medidas destinadas a setores capazes de incentivar a economia. “O que o meu governo vai fazer é assegurar empregos para aquela parte da população que é mais frágil, não tem direito a estabilidade, porque esteve muitas vezes desempregada”. As afirmações foram feitas em cerimônia de ampliação do Programa Brasil Sorridente, em Rio Pardo de Minas (MG).

Mais de 350 mil funcionários públicos estão em greve em todo o país. Os ânimos estão exaltados do lado das autoridades e de setores do movimento sindical. As relações entre as partes nunca estiveram tão deterioradas, ao ponto de a Central Única dos Trabalhadores e outros cinco sindicatos de servidores públicos terem decidido representar contra o governo na Organização Internacional do Trabalho (OIT). A representação acusa o governo de atitudes antissindicais.

A presidenta da República com certeza sabe o que diz e não há a menor sombra de dúvidas de que o que ela pretende assegurar é o melhor para o país. Conta com o crédito da população que a sufragou maciçamente nas eleições presidenciais e lhe confere elevados índices de aprovação.

Mas é preciso dizer que há muitos erros na postura do governo. Primeiramente, ao determinar o corte do ponto dos grevistas e decretar que os servidores públicos federais paralisados sejam substituídos por funcionários estaduais ou municipais equivalentes, o governo federal desrespeita o direito de greve e dá uma demonstração de intolerância.

É indispensável uma postura democrática e um diálogo efetivo. De nada adianta enviar ministros ou funcionários subalternos para negociar com os grevistas se eles repetem monocordicamente o argumento de que as finanças públicas não suportam o atendimento das reivindicações salariais.

Em segundo lugar, a austeridade fiscal não é argumento para ignorar as reivindicações salariais do funcionalismo. Se há um aspecto condenável na política macroeconômica vigente é precisamente o arrocho fiscal, porquanto o objetivo precípuo ao adotá-lo é assegurar os ganhos obtidos pelos credores do Estado na ciranda financeira.

Outros argumentos e outras posturas poderiam sensibilizar mais os trabalhadores em greve e o movimento sindical do setor público. Estes sabem que as defasagens salariais estão acumuladas há muitos anos e são uma herança maldita do governo neoliberal, conservador e fiscalista de Fernando Henrique Cardoso. Com certeza, terão sensibilidade e espírito  público para negociar.

sábado, 11 de agosto de 2012

Publicado Censo 2010: Brasil tem 900 mil indígenas de 305 etnias, que falam 274 idiomas

110812 indigenas brasilBrasil - IBGE - Reproduzimos o comunicado difundido polo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que resume o mais recente censo, correspondente a 2010.

No Censo 2010, o IBGE aprimorou a investigação sobre a população indígena no país, investigando o pertencimento étnico e introduzindo critérios de identificação internacionalmente reconhecidos, como a língua falada no domicílio e a localização geográfica. Foram coletadas informações tanto da população residente nas terras indígenas (fossem indígenas declarados ou não) quanto indígenas declarados fora delas. Ao todo, foram registrados 896,9 mil indígenas, 36,2% em área urbana e 63,8% na área rural. O total inclui os 817,9 mil indígenas declarados no quesito cor ou raça do Censo 2010 (e que servem de base de comparações com os Censos de 1991 e 2000) e também as 78,9 mil pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça (principalmente pardos, 67,5%), mas se consideravam "indígenas" de acordo com aspectos como tradições, costumes, cultura e antepassados.
Também foram identificadas 505 terras indígenas, cujo processo de identificação teve a parceria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no aperfeiçoamento da cartografia.
Essas terras representam 12,5% do território brasileiro (106,7 milhões de hectares), onde residiam 517,4 mil indígenas (57,7% do total). Apenas seis terras tinham mais de 10 mil indígenas, 107 tinham entre mais de mil e 10 mil, 291 tinham entre mais de cem e mil e em 83 residiam até cem indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami, no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas.
Foi observado equilíbrio entre os sexos para o total de indígenas (100,5 homens para cada 100 mulheres), com mais mulheres nas áreas urbanas e mais homens nas rurais. Porém, percebe-se um declínio no predomínio masculino nas áreas rurais entre 1991 e 2010, especialmente no Sudeste (de 117,5 para 106,9) Norte (de 113,2 para 108,1) e Centro-Oeste (de 107,4 para 103,4).
A pirâmide etária indígena tem a base larga e vai se reduzindo com a idade, em um padrão que reflete suas altas taxas de fecundidade e mortalidade, bastante influenciadas pela população rural. Em 2010, havia 71,8 indígenas menores de 15 anos ou de 65 anos ou mais de idade para cada 100 ativos. Já para os não indígenas, essa relação correspondia a 45,8 inativos para cada 100 em idade provável de atividade.
Na área rural, a proporção de indígenas na faixa etária de 0 a 14 anos (45,0%) era o dobro da área urbana (22,1%), com o inverso acontecendo na faixa de 65 anos ou mais (4,3% na rural e 7,0% na urbana). A pirâmide etária dos indígenas residentes fora das terras indígenas indica baixa fecundidade e mortalidade. Já para os indígenas residentes nas terras, a pirâmide etária ainda é resultante de uma alta natalidade e mortalidade. Metade da população indígena tinha até 22,1 anos de idade. Nas terras indígenas, o índice foi de 17,4 anos e, fora delas, 29,2 anos.
O Censo 2010 investigou pela primeira vez o número de etnias indígenas (comunidades definidas por afinidades linguísticas, culturais e sociais), encontrando 305 etnias, das quais a maior é a Tikúna, com 6,8% da população indígena. Também foram identificadas 274 línguas indígenas. Dos indígenas com 5 anos ou mais de idade 37,4% falavam uma língua indígena e 76,9% falavam português.
Mesmo com uma taxa de alfabetização mais alta que em 2000, a população indígena ainda tem nível educacional mais baixo que o da população não indígena, especialmente na área rural. Nas terras indígenas, nos grupos etários acima dos 50 anos, a taxa de analfabetismo é superior à de alfabetização.
Entre os indígenas, 6,2% não tinham nenhum tipo de registro de nascimento, mas 67,8% eram registrados em cartório. Entre as crianças indígenas nas áreas urbanas, as taxas são próximas às da população em geral, ambas acima dos 90%.
A análise de rendimentos comprovou a necessidade de se ter um olhar diferenciado sobre os indígenas: 52,9% deles não tinham qualquer tipo de rendimento, proporção ainda maior nas áreas rurais (65,7%); porém, vários fatores dificultam a obtenção de informações sobre o rendimento dos trabalhadores indígenas: muitos trabalhos são feitos coletivamente, lazer e trabalho não são facilmente separáveis e a relação com a terra tem enorme significado, sem a noção de propriedade privada.
Em 2010, 83,0% das pessoas indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo ou não tinham rendimentos, sendo o maior percentual encontrado na região Norte (92,6%), onde 25,7% ganhavam até um salário mínimo e 66,9% eram sem rendimento. Em todo o país, 1,5% da população indígena com 10 anos ou mais de idade ganhava mais de cinco salários mínimos, percentual que caía para 0,2% nas terras indígenas.
Somente 12,6% dos domicílios eram do tipo "oca ou maloca", enquanto que, no restante, predominava o tipo "casa". Mesmo nas terras indígenas, ocas e malocas não eram muito comuns: em apenas 2,9% das terras, todos os domicílios eram desse tipo e, em 58,7% das terras, elas não foram observadas.
Essas e outras informações podem ser vistas na publicação "Censo 2010: Características Gerais dos Indígenas – Resultados do Universo", que pode ser acessada no link:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_gerais_indigenas/default_caracteristicas_gerais_indigenas.shtm

Terras indígenas em 2010 correspondiam a 12,5% do território nacional

No âmbito do Censo 2010, as 505 terras indígenas reconhecidas compreendiam 12,5% do território brasileiro (106.739.926 hectares), com significativa concentração na Amazônia Legal. Foram consideradas "terras indígenas" as que estavam em uma de quatro situações: declaradas (com Portaria Declaratória e aguardando demarcação), homologadas (já demarcadas com limites homologados), regularizadas (que, após a homologação, foram registradas em cartório) e as reservas indígenas (terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União). No momento do Censo, o processo de demarcação encontrava-se ainda em curso para 182 terras.
Em 2010, o Brasil tinha seis terras indígenas com mais de 10 mil indígenas, 107 entre mais de mil e 10 mil, 291 entre mais de cem e mil e 83 com até cem indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami, localizada no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas, 5% do total.
Cartograma – Número de terras indígenas e superfície, segundo a situação fundiária
110812 mapabr

78,9 mil pessoas se declararam de outra cor ou raça, mas se consideravam indígenas

A população indígena residente no Brasil contabilizada pelo quesito cor ou raça foi de 817,9 mil pessoas. Esse é o número usado pelo IBGE para comparações com os Censos 1991 e 2000. Além delas, foram também agregadas ao grupo as pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça, mas se consideravam indígenas de acordo com tradições, costumes, cultura e antepassados, entre outros aspectos. Esse contingente somou 78,9 mil pessoas (um acréscimo de 9,7% sobre o total de indígenas do quesito cor ou raça), resultando em um total de 896,9 mil indígenas em todo o país, dos quais 36,2% residiam em área urbana e 63,8% na área rural. Entre as regiões, o maior contingente ficava na região Norte, 342,8 mil indígenas e o menor no Sul, 78,8 mil. Um total de 517,4 mil (57,7% do total nacional) residiam em terras indígenas, dos quais 251,9 mil (48,7%) estavam na região Norte. Considerando a população indígena residente fora das terras, a maior concentração foi encontrada no Nordeste, 126,6 mil.
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Pardos eram 67,5% das pessoas de outra cor ou raça que se consideravam indígenas

Nas 488 terras indígenas onde foi captada informação sobre a população residente, as pessoas que se declararam como indígena no quesito cor ou raça, 438,4 mil, correspondiam a 77,2%. As que não se declararam, mas se consideravam indígenas, eram 78,9 mil (13,9%). Também havia 8,8% de pessoas residentes nas terras que não se declararam e não consideravam indígenas e sem declaração. Entre as regiões, o Nordeste apresentou a maior proporção de pessoas que não se declararam, mas se consideravam indígenas, 22,7%. No Ceará, esse percentual chegou a 45,5%.
A maior proporção da população residente em terras indígenas que se declarou de outra cor ou raça, mas se considerava indígena, foi de pardos (67,5%). A proporção se repetiu em quase todas as regiões e chegou a 74,6% no Norte. Só no Centro-Oeste os pardos ficaram em segundo lugar, com 33,0%, enquanto os brancos concentravam 60,4%.

População indígena na área rural tem predomínio masculino, mas observa-se declínio

Em 2010, a razão de sexo (número de homens para cada 100 mulheres) da população indígena se manteve estável em relação a 2000 (100,5 e 99,0, respectivamente), indicando equilíbrio entre os sexos. Na análise por situação de domicílio, a razão de sexo segue o padrão da população não indígena: mais mulheres nas áreas urbanas e mais homens nas áreas rurais. A área urbana da região Norte foi a única que apresentou tendência de crescimento masculino (de 89,4 homens para cada 100 mulheres em 1991 para 95,9 em 2010). Já na área rural percebe-se um declínio no predomínio masculino, especialmente no Sudeste (de 117,5 para 106,9) Norte (de 113,2 para 108,1) e Centro-Oeste (de 107,4 para 103,4). Na comparação das terras indígenas com outras áreas, observou-se predomínio masculino em 341 terras (70% do total). A TI Paraná do Paricá (AM) apresentou a menor razão de sexo: apenas 52,9 homens para cada 100 mulheres.

Indígenas nas áreas rurais e em terras indígenas são predominantemente jovens

A pirâmide etária indígena tem a base larga e vai se reduzindo com a idade. Esse padrão reflete suas altas taxas de fecundidade e mortalidade, influenciadas pela população rural. Entre 2000 e 2010, a proporção de indígenas entre 0 a 14 anos de idade passou de 32,6% para 36,2%, enquanto o grupo etário de 15 a 64 anos de idade foi de 61,6% para 58,2%.
A razão de dependência (quociente entre as populações inativas, de 0 a 14 anos e com 65 ou mais anos de idade, e a população em idade ativa, entre 15 e 64 anos) mostrou que, em 2010, havia 71,8 inativos para cada 100 ativos. Para os não indígenas, essa relação era de 45,8 inativos para cada 100 ativos. O índice de envelhecimento populacional indígena (quantidade de pessoas de 65 anos ou mais para cada 100 de 0 a 14 anos) de 15,5 idosos para cada 100 jovens, corresponde à metade do da população não indígena (30,8).
Na área rural, a proporção de indígenas na faixa etária de 0 a 14 anos (45,0%) era o dobro da área urbana (22,1%), com o inverso acontecendo na faixa de 65 anos ou mais (4,3% na rural e 7,7% na urbana). Entre as regiões, a tendência e as proporções foram as mesmas para as crianças e adolescentes na área rural. Já na área urbana, no Sudeste, o contingente de 0 a 14 anos foi de 14,6%, menos da metade da região Norte (33,2%).
Os indígenas residentes fora das terras indígenas acompanhavam o padrão da estrutura por sexo e idade da população não indígena, com baixa fecundidade e mortalidade, e, também, uma razão de dependência baixa e com idade mediana alta. Em 93,6% das terras, a população até 24 anos ultrapassava os 50%. Em seis terras, não foram encontrados indígenas com mais de 50 anos de idade: Itatinga (RJ), Maraã Urubaxi (AM), Sepoti (AM), Batovi (MT), Baía do Guató (MT) e Mundo Verde/Cachoeirinha (MG). A maior proporção de indígenas de 50 anos ou mais (42,9%) foi encontrada na TI Mapari (AM). Metade da população indígena total tinha até 22,1 anos. Nas terras indígenas, esse índice foi de 17,4 anos e, fora delas, 29,2 anos. Na comparação entre homens e mulheres, a população total e a que residia fora das terras indígenas repetiram o padrão dos não indígenas, com a idade mediana das mulheres ligeiramente mais alta do que a dos homens (21,8 anos para eles e 22,3 para elas no geral, 28,3 anos para eles e 30,2 para elas fora das terras); nas terras, foram 17,7 anos para eles e 17,0 para elas.

Analfabetismo chega a 33,4% para os indígenas de 15 anos ou mais em áreas rurais

Entre 2000 e 2010, a taxa de alfabetização dos indígenas com 15 anos ou mais de idade (em português e/ou no idioma indígena) passou de 73,9% para 76,7%, aumento semelhante ao dos não indígenas (de 87,1% para 90,4%). Porém, entre os indígenas, em 2010, a taxa de alfabetização masculina (78,4%) era superior à feminina (75,0%). Na área rural, a taxa de analfabetismo chegou a 33,4%, sendo 30,4% para os homens e 36,5% para as mulheres. Já nas terras indígenas, 67,7% dos indígenas de 15 anos ou mais de idade eram alfabetizados. Para os indígenas residentes fora das terras, a taxa de alfabetização foi 85,5%. Tanto dentro das terras quanto fora delas os homens tinham taxas de alfabetização superiores às das mulheres. Nas terras, as gerações mais jovens eram mais alfabetizadas que a população acima dos 50 anos, cujas taxas de analfabetismo (52,3% para o grupo entre 50 e 59 anos e 72,2% para 60 ou mais anos) eram maiores que as de alfabetização (47,7% e 27,8%, respectivamente).

Na área rural, 38,4% das crianças indígenas não tinham certidão de nascimento

A proporção de indígenas com registro de nascimento (67,8%) era menor que a de não indígenas (98,4%), 27,8% dos indígenas tinham Registro Administrativo de Nascimento e Óbito de Índios (RANI), feito pela FUNAI, e 7,4% deles não tinham qualquer tipo de registro. As crianças indígenas residentes nas áreas urbanas tinham proporções de registro em cartório (90,6%) mais próximas às dos não indígenas (98,5%). Mas, o número de crianças residentes na área rural é 3,5 vezes maior do que na área urbana e a proporção de registrados é significativamente menor (61,6%). Na área rural, 7,6% das crianças indígenas de até 10 anos não tinha qualquer tipo de registro. Nas terras indígenas, 63,0% dos indígenas com até 10 anos eram registrados em cartório e, fora delas, eram 87,5%. O percentual de crianças com o RANI dentro das terras (27,8%) era três vezes superior ao das crianças residentes fora (8,7%). Já o percentual de crianças não indígenas residentes nas terras, registradas em cartório, chegou a 96,2%. Os indígenas que não tinham nenhum tipo de registro nas terras indígenas correspondiam a 7,4% e os não indígenas, 2,4%.

Censo 2010 contou 305 etnias indígenas

O Censo 2010 investigou, pela primeira vez, o pertencimento étnico, sendo “etnia” a comunidade definida por afinidades linguísticas, culturais e sociais. Foram identificadas 305 etnias a partir das pessoas que se declararam ou se consideraram indígenas. Dentro das terras indígenas, foram contadas 250 e, fora delas, 300.
A maior concentração de etnias fora das terras indígenas ocorreu para etnias com até 50 pessoas e não se observou etnia com população acima de 10 mil indígenas. Já dentro das terras o maior agrupamento foi na classe de população entre 251 e 500 indígenas. Do total de indígenas declarados ou considerados, 672,5 mil (75%) declararam o nome da etnia, 147,2 mil (16,4%) não sabiam e 53,8 mil (6,0%) não declararam. Dentro das terras, 463,1 mil (89,5%) declararam etnia e 53,4 mil (10,3%) não responderam. Para os indígenas residentes fora das terras, 209,5 mil (55,2%) declararam etnia e 146,5 mil (38,6%) não sabiam.
A etnia Tikúna tinha o maior número de indígenas (46,1 mil), resultado influenciado por 85,5% deles que residiam em terras indígenas. Os indígenas da etnia Terena estavam em maior número fora das terras (9,6 mil). Nas terras indígenas, as etnias Yanomámi, Xavante, Sateré-Mawé, Kayapó, Wapixana, Xacriabá e Mundurukú não estavam presentes nas 15 mais enumeradas fora das terras. Já fora das terras, as não coincidentes eram Baré, Múra, Guarani, Pataxó, Kokama, Tupinambá e Atikum.
110812 tabela2

Em 2010, 293,9 mil indígenas falavam 274 idiomas

No Brasil, foram contabilizadas 274 línguas indígenas faladas, excluindo as originárias dos outros países, denominações genéricas de troncos e famílias linguísticas, dentre outras, sendo a Tikúna a mais falada (34,1 mil pessoas). Nas terras, foram declaradas 214 línguas e 249 foram contabilizadas tanto nas áreas urbanas quanto rurais localizadas fora das terras.
Dos 786,7 mil indígenas de 5 anos ou mais de idade, 293,9 mil (37,4%) falavam uma língua indígena, 57,3% dentro das terras e 12,7% fora delas. O português era falado por 605,2 mil (76,9%) e era falado por praticamente todos os indígenas fora das terras (96,5%).
A proporção de indígenas entre 5 e 14 anos que falavam língua indígena era de 45,9%, 59,1% dentro das terras e 16,2% fora delas. Na faixa entre 15 e 49 anos e para aqueles com 50 anos ou mais, o percentual de falantes declinava com o aumento da idade (35,8% e 28,5%). Dentro desses três grupos etários, nas terras indígenas, quase todos os falantes de língua indígena não falavam português, sendo o maior percentual para os indígenas de 50 anos ou mais (97,3%), enquanto que, fora das terras, nessa mesma faixa etária, o Censo 2010 revelou o menor percentual, 40,7% de falantes somente de língua indígena.
Dentro das terras, 97,9% dos indígenas que recebiam até um salário mínimo falavam língua indígena e não falavam português, enquanto fora das terras o percentual declinou para 50,6%. Entre os sem rendimento, 96,6% dos residentes nas terras indígenas falavam apenas língua indígena. Fora das terras, a proporção era de 68,7%.

Análise de rendimentos indica relações diferenciadas dos indígenas com o trabalho

O Censo 2010 indicou que 52,9% dos indígenas não tinham qualquer tipo de rendimento, proporção ainda maior nas áreas rurais (65,7%). Porém, vários fatores dificultam a obtenção de informações sobre o rendimento dos trabalhadores indígenas: muitos trabalhos são feitos coletivamente, lazer e trabalho não são facilmente separáveis e a relação com a terra tem enorme significado, sem a noção de propriedade privada.
Na categoria “sem rendimento”, as diferenças entre homens indígenas e não indígenas (51,9% contra 30,7%, respectivamente) são maiores do que entre as mulheres (53,9% contra 43,0%). Entre as mulheres indígenas e não indígenas da área urbana, praticamente não há diferença (41,6% e 41,9%); a variação entre os homens é um pouco maior (31,6% e 28,8%). Na área rural, a proporção de mulheres indígenas sem rendimento (64,5%) é um pouco menor que a dos homens (66,7%), diferente da comparação dos não indígenas (50,4% para mulheres e 40,4% para homens). Ocorre que muitas das mulheres indígenas, juntamente com seus filhos, desenvolvem atividades rentáveis ligadas ao artesanato.
Em 2010, 83,0% dos indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo ou não tinham rendimentos, percentual concentrado na região Norte (92,6%, sendo 66,9% sem rendimento). Já o Sudeste apresentou a menor proporção, tanto de pessoas que recebiam até um salário mínimo (25,9%) quanto das sem rendimentos (34,7%). Para os não indígenas, a proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento foi de 37,0% e das que recebiam até um salário mínimo, de 27,5%.
Em todo o país, 1,5% da população indígena com 10 anos ou mais de idade ganhava mais de cinco salários mínimos, percentual que caía para 0,2% nas terras indígenas, onde 65,8% dos indígenas não tinham rendimentos, enquanto, entre os indígenas residentes fora das terras, a proporção caiu para 39,5%. Nas terras, predominam atividades agrícolas de subsistência e os rendimentos monetários nem sempre são a melhor forma de aferir remuneração.
Nas unidades da Federação, variaram bastante as proporções de indígenas sem rendimentos e com até um salário mínimo, dentro e fora das terras. Nas terras, os dois estados com maiores números de indígenas com rendimentos acima de um salário mínimo foram Espírito Santo (19,3%) e Santa Catarina (16,8%). Fora das terras, o rendimento, de modo geral, era melhor, sendo menos favorável no Acre (11,2%), Amazonas (10,7%) e Ceará (14,6%).
Em 85,4% das terras, mais de 50% dos indígenas não tinham rendimento em dinheiro, nem benefício. Em 96,1% das terras, 50% dos indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo mensal e, em cinco delas, nenhum indígena recebia qualquer rendimento: Zo’E (PA), Sagarana (RO), Rio Omerê (RO), Batovi (MT) e Ava Canoeiro (GO).

Maior parte dos domicílios indígenas é ocupada por um só núcleo familiar

Os domicílios particulares permanentes cujo responsável se declarou indígena correspondem a 0,4% do total de domicílios do país; o percentual nas áreas rurais (1,2%) é seis vezes maior que o das áreas urbanas (0,2%).
Segundo o Censo 2010, 63,3% dos domicílios indígenas tinham unidades domésticas nucleares (responsável, cônjuge e filhos solteiros). Para as unidades domésticas estendidas (nuclear acrescida de outros parentes), o percentual correspondeu a 19,1% e, para as compostas (estendidas acrescidas de não parentes), a proporção foi de 2,5%. A maior responsabilidade pelos domicílios indígenas é masculina, com um excedente de 82%. Entre não indígenas, a prevalência da responsabilidade masculina fica em torno de 58%.

Ocas ou malocas são apenas 12,6% do total de domicílios indígenas

O Censo introduziu um novo tipo de domicílio particular permanente, a “oca ou maloca”, aplicada só às terras indígenas. Estas habitações, usadas por várias famílias, podem ou não ter paredes, variam de tamanho e geralmente são cobertas de folhas, palhas ou outras matérias vegetais. Apenas 12,6% dos domicílios eram do tipo “oca ou maloca”; no restante, predominavam casas. Só em 2,9% das terras, todos os domicílios foram classificados como “oca ou maloca” e, em 58,7% das terras, essas moradias não foram observadas.

Na região Norte, 70,9% dos domicílios indígenas não têm banheiro

Em 2010, 36,1% dos domicílios indígenas não tinham banheiro. Nas áreas urbanas, 91,7% dos domicílios indígenas tinham um ou mais banheiros e apenas 8,3%, nenhum. Essa situação se inverte nos domicílios rurais: 31,2% com um ou mais banheiros e 68,8% sem banheiro. Entre as regiões, o Norte se destacou, com 70,9% dos domicílios sem banheiro.
Os domicílios indígenas, principalmente nas áreas rurais, apresentaram os maiores déficits em esgotamento sanitário, com predominância do uso da fossa rudimentar (65,7%). Nas áreas urbanas, a rede geral de esgoto ou pluvial associado com fossa séptica lidera os percentuais, com 67,5%. Nesse quesito, em todas as regiões brasileiras, a situação era desfavorável em relação aos não indígenas e foi pior no Norte: 29,3% dos domicílios indígenas e 40,5% dos não indígenas não tinham o serviço. No país, foram 57,8% dos domicílios com responsáveis indígenas com esgotamento sanitário.
Apenas em 2,2% das terras indígenas todos os domicílios estavam ligados à rede de esgoto ou fluvial ou tinham fossa séptica; em 52,3%, nenhum domicílio era atendido por esses sistemas. Em 84,1% das terras, numa faixa de 75% a 99% dos domicílios, o tipo de esgotamento era fossa rudimentar, vala, rio, lago ou mar ou outro tipo. Do conjunto de domicílios que tinham algum tipo de esgotamento, a fossa rudimentar tinha as maiores proporções, principalmente no Sul (60,9%), Centro-Oeste (55,5%) e Nordeste (55,0%).
No Brasil, 60,3% dos domicílios indígenas contavam com rede geral de abastecimento de água, contra 82,9% dos não indígenas. No Norte, só 27,3% tinham rede geral. A região liderava na categoria “outra forma de abastecimento”, com 44,6%. Desse contingente, 85,1% vinham de rios, açudes, lagos e igarapés. Aqui também havia uma categoria específica, de “poço ou nascente na aldeia e fora da aldeia”, só pesquisada nas terras.
Nas terras, 33,6% dos domicílios tinham rede de abastecimento de água; a maioria usava poço ou nascente, dentro ou fora da propriedade. Em 57,1% das terras, nenhum domicílio estava ligado à rede, presente na totalidade dos domicílios apenas em 3,3% das terras.
Poucos domicílios das terras indígenas eram atendidos por coleta de lixo (16,4%), que não chegou a nenhum domicílio em 325 terras indígenas (66,7%) e apenas em 1,8% das terras abrangia todos os domicílios. Em 18,3% das terras, todos os domicílios queimavam o lixo na propriedade. O lixo de todos os domicílios era jogado em terreno baldio ou logradouro em seis terras: Areões (MT), Zo’E (PA), Aripuanã (MT), Badjonkore (PA), Riozinho do Alto Envira (AC) e Mundo Verde/Cachoeirinha (MG).
A energia elétrica, proveniente de companhia distribuidora ou outras fontes, dentro das terras, foi contabilizada em 70,1% dos domicílios, Do total de terras indígenas, 10,3% não tinham qualquer tipo de energia elétrica e em 10,9% todos os domicílios tinham algum tipo.