terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os riscos de “reversão colonial” da América Latina


Economistas participantes de debate na USP alertaram para a ameaça de os países da região retomarem sua condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais. Para os especialistas, a América Latina não está imune à crise econômica global – apenas estaria aplicando uma política de contenção.

 
São Paulo - A crise econômica deflagrada em 2008, que apresenta seus desdobramentos até hoje, tem sido motivo de cortes orçamentários, aumento do desemprego e manifestações, principalmente nos países da chamada “Zona do Euro”. No entanto, sua influência sobre a América Latina ainda aparece incerta. Para esclarecer essa questão, formou-se a mesa “América Latina: imune à crise?”, no Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, que ocorreu entre os últimos dias 11 e 13 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

Para Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como o capitalismo funciona de maneira sistêmica em todo o mundo, os problemas de que sofre são globais e, dessa forma, a América Latina não está imune à atual crise. Leda Paulani, professora de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), concorda. Para ela, depois de duas décadas – 1980 e 1990 – de subordinação aos interesses dos credores, a economia dos países da região foi se financeirizando – o Brasil, por exemplo, transformou-se em uma plataforma internacional de valorização financeira e, apesar de a dívida externa ter deixado de ser um “problema”, outro muito mais grave passou a figurar: a operação de uma quantidade muito grande de capital externo, de não residentes, principalmente em portfólio, com fins especulativos.

Ramón Peña Castro, doutor em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscou, chamou a atenção para a situação da América Latina como fonte estratégica de recursos para os países desenvolvidos, em seu avanço sob o capitalismo. Leda também destacou esse ponto, classificando-o como uma “reversão neocolonial”, em que os países da região estariam retomando a condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais.

Essa reversão estaria associada, como apontado por Plínio, à incapacidade dos Estados Nacionais de desenvolverem de uma maneira construtiva e racional o enfrentamento à crise. Segundo ele, ocorre uma “política de administração da crise”, em que nenhuma de suas causas são tocadas, apesar de impedir que apareçam seus maiores efeitos. Essa política, afirma, leva a uma “socialização dos prejuízos”, por meio da qual “o capital vem aprofundando cada vez mais seu controle sobre o Estado”.

O maior controle do capital sobre o Estado foi também destacado por Ramón, que apontou uma “virada privatista” no governo de Dilma Rousseff. José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), lembrou, nesse sentido, a forte presença dos fundos de pensão, que, segundo ele, representam um peso enorme à dívida interna e auxiliam na criação da “ilusão do neodesenvolvimentismo”. Gomes defendeu a realização de uma campanha pública para esclarecer a população sobre a questão da seguridade social e previdência, e outra pelo não pagamento da dívida pública.

Quanto à “ilusão” de que o continente latino-americano está imune à crise, Plínio afirmou que o atual crescimento econômico na região ajuda a construir essa ideia – segundo ele, porém, esse dado é efêmero. “O dinheiro vem e estimula o crescimento, pois afasta, em um primeiro momento, o risco de crise cambial, eleva o preço das commodities, melhora as exportações, abre espaço para política de redução de juros – no entanto, é um crescimento empurrado pela bolha especulativa.” Nesse sentido, o professor da Unicamp enfatizou a necessidade de a América Latina sair desse mar turbulento, rompendo com a globalização. Para isso, afirmou, “o primeiro passo é centralizar o câmbio para que a reserva imensa seja capaz de financiar nossa saída desse mar especulativo”.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

As Pussy Riot da Primavera Árabe

no OPERAMUNDI

Banda punk russa inspira, de maneira indireta, a luta pelos direitos das mulheres no Oriente Médio
Um grupo de mulheres vestidas de burca deixou seus trajes e véus por vestidos de cores vivas e balaclavas (gorros de lã), e fizeram seu caminho para a Masjid al Haram (a mesquita sagrada de Meca). Em num gesto que desafiou o sistema estabelecido na Arábia Saudita e a hierarquia clérico-patriarcal, as mulheres explodiram em um coro de nasheeds (canção de louvor religiosa típica do islamismo), invocando a Virgem Maria para abençoar sua cruzada feminista e amaldiçoar a elite religiosa do país por estar em conluio com o príncipe herdeiro Abdullah.
O firme controle da ortodoxia religiosa exclui a possibilidade de qualquer repetição das Pussy Riot em solo árabe. Mesmo murmúrios de um golpe de inspiração feminista encenando um espetáculo provocador em um local santo levaria a mutaween (polícia religiosa da Arábia Saudita) e a Gestapo religiosa a agir, e provavelmente representaria a sentença de morte para os direitos das mulheres.
Mas para as socialmente imóveis e culturalmente policiadas mulheres do mundo árabe, a histeria em torno do Pussy Riot pode ser uma lição na política da dissidência. A rápida emergência do mundo para os árabes já sugere que os tradicionais pontos de vista sobre as mulheres não condizem mais com os fatos. Se as Pussy Riot foram a prova de que uma performance amadora feita por um grupo feminista entusiasmado pode assumir rapidamente dimensões internacionais, o que impede um pequeno grupo de feministas árabes de fazer algo semelhante?

[Ao lado, charge do cartunista brasileiro Carlos Latuff em apoio ao movimento Women2Drive]
Claro, há perigo em exagerar no otimismo. O rascunho constitucional da Tunísia é um caso recente no qual as definições da condição feminina permanecem fixas, a julgar pelo texto que diz que as mulheres seriam “complementares” aos homens. No Egito, a luta das mulheres para participar na proposta da Constituição ressalta a complicada interação entre política, gênero e religião.

Os avanços que as mulheres tiveram nos últimos anos retrocederam. As legislaturas recém-eleitas nesses países são ambíguas quanto à possibilidade de ascensão social das mulheres no cenário pós-revolução. Portanto, a visão de que as liberdades adquiridas são, por excelência, garantidoras dos direitos das mulheres, está repleta de falhas.
Mas o canto entusiasmado e vívido das mulheres árabes sobre um novo futuro será inspirado pelo episódio da banda Pussy Riot, assim como os manifestantes da Praça Tahrir serviram de modelo para a revolução. Ao energicamente redesenhar as linhas de batalha e garantir que o futuro dos direitos das mulheres não seja limitado pela inércia, elas também podem aproveitar a dinâmica das recentes fissuras políticas obtidas em seu país.

Tanto na sociedade russa quanto na árabe, as mulheres lamentam o estrangulamento da sociedade civil e como os seus direitos foram tornados reféns de um grupo político tirânico, trazendo pequenos, mas totalitários estragos em seu rastro. As frustrações de muitas dessas mulheres dialogam diretamente com uma consciência política que busca minar um ethos condescendente masculino que domina as relações de poder atuais e colocar o engajamento cívico das mulheres na linha de frente.
Ao abrir um precedente para as mulheres russas exporem as irracionalidades do status quo, as manifestantes do Pussy Riot podem ter involuntariamente se juntado a uma classe simbólica a qual pertencem as amarguradas mulheres árabes, cujo desejo de derrubar totalmente o discurso de gênero predominante compartilha a mesma lógica e causalidade. As Pussy Riot desafiaram a tirania política das elites e podem materializar um contágio cultural em redutos árabes. 

O encanto por trás da revolta do trio do Pussy Riot é que ele transcende os limites estreitos da inquietação feminista e ressoa com o drama das mulheres árabes, a quem é dado pouco espaço de manobra para agir no contexto da revolução. Para aquelas injustamente forçadas a engolir as armadilhas da sua feminilidade, renegociar o campo de jogo religioso usando reivindicações de gênero como uma moeda de troca poderia passar um sentimento de euforia aos marginalizados pelo Estado.

Se você é uma mulher líbia sonhando com cargos públicos, uma saudita pressionando por sufrágio ou, como uma Pussy Riot clamando para desafiar o discurso totalitário de um estado opressor, é difícil não ser romanticamente conquistado pelo feito notável das russas. O mais difícil é os governos suprimirem uma ideia cujo tempo chegou e novas formas de dissidência que rapidamente são difundidas.

A conjuntura do mundo árabe está madura para esse tipo de política não-conformista. O estrangulamento de Putin sobre as liberdades democráticas espelha a sufocante natureza tirana dos governos árabes. O conluio entre a Igreja Ortodoxa Russa e o Kremlin ecoa a aparentemente inquebrável relação Estado-clero em países como o Egito, onde o governo bajulador dos imãs da Universidade Al Azhar, a sede intelectual do islã sunita, preserva a política do privilégio.
Excede no mundo muçulmano uma burocracia religiosa avarenta que sustenta uma administração fragilizada e as mulheres são frequentemente as primeiras a sofrerem nesse cenário, no qual centros clericais financiados pelo Estado são propagadores de sexismo e fazem apologia à regressão das conquistas feministas.
A possibilidade das meninas árabes serem as primeiras beneficiadas pela tendência iniciada pelas Pussy Riots e demonstrarem que a sua autoridade deriva não de aderir a tradições, mas de expandir os limites de sua aceitação, pode acrescentar uma nova força à Primavera Árabe. Aproxima-se uma época na qual vozes marginais contribuirão para a agitação política e pontos de vista sobre a dissidência se tornarão menos uniformes e padronizados, gerando um cenário propício para a luta-chave pelo poder.
Em sociedades onde a dissidência feminina se originou da raiva contra o tipo de patrimonialismo que brutaliza as mulheres, tentativas de oprimir outras pessoas sob o jugo da tradição serão percebidas como uma expressão anormal de individualidade. Contudo, a Primavera Árabe e as Pussy Riot revelam desvantagens comuns entre as mulheres e provocam perguntas incômodas sobre gritos agudos de uma comunidade sem voz que busca nada mais que um justo fim da dominação.
 
Hasnet Laís é escritora e colunista do Muslim Post. Texto original do Open Democracy e publicado em português pelo blog Outras Palavras. Tradução de Natália Mazotte.

domingo, 16 de setembro de 2012

Quem vai dar o golpe no Brasil?





Agora vocês entendem porque eu ataco tão violentamente a tese de que é possível governar sem base legislativa, sem força política? Essa é uma tese perigosíssima, sobretudo para a esquerda, que não tem apoio da mídia, e que apenas conta com apoio do empresariado enquanto a economia for bem. Há um setor do empresariado progressista, ligado à produção, mas há também um setor financeiro reacionário, corrupto, profundamente insatisfeito, por exemplo, com a concorrência dos bancos públicos e a determinação do governo de reduzir spread e juros.
Um país de economia diversificada como o Brasil, e com tantos recursos naturais, encontrará financiadores para qualquer aventura golpista, sendo que a estratégia pós-moderna é o golpe branco, por dentro da lei, baseado na manipulação da informação.
A guerra do Iraque, por exemplo, foi um golpe branco, um conluio entre a indústria bélica, mídia e setores do governo, para arrancar do contribuinte americano alguns trilhões de dólares. Conseguiram. A guerra pode ter sido um fiasco, e a mídia depois confessou que mentiu, mas o dinheiro foi embolsado pelos barões das armas. Do ponto-de-vista financeiro, portanto, a guerra foi um sucesso absoluto.
Recentemente, testemunhamos na América Latina dois golpes brancos: em Honduras e no Paraguai.
O do Paraguai, mais recente, chocou a opinião pública brasileira, mas contou com apoio da mídia (a nossa, e a deles também, claro) e de setores da direita (a nossa e a deles).
E agora vemos o Supremo Tribunal Federal realizando um julgamento não ortodoxo do mensalão, condenando sem provas, encarnando um estarrecedor tribunal de exceção. Confiram a entrevista com Wanderley Guilherme dos Santos para a Carta Capital.
No que toca à mídia, não faltará disposição. Esta é a razão do título do post, que é uma citação de um livro publicado por Wanderley em 1962, no qual ele analisa a situação política e prevê o que irá acontecer.  Não quero acreditar em golpe no Brasil. Acho que não chegaremos a tanto, mas golpe é golpe justamente por ser uma surpresa. Ninguém contava com o golpe de 64, assim como não contavam em Honduras ou Paraguai. Um pouco de paranóia, se dosada com bom senso, não faz mal a ninguém.
A Veja desta semana traz uma reportagem bombástica de capa. Depois do julgamento sem provas, dos grampos sem áudio, agora temos uma entrevista sem entrevistado. A revista traz revelações dadas por Marcos Valério que não foram ditas por Marcos Valério, mas colhidas em depoimentos de parentes, amigos e associados. Ou seja, a velha e boa fofoca ganhou status de entrevista e matéria jornalística. PS: Marcos Valério não apenas não deu a entrevista como não confirmou as informações nela contida.
Sabe o que é pior? As pessoas acreditam. Lembro que uma vez eu li uma matéria sobre uma pesquisa de cientistas ingleses, que descobriram que as pessoas tendem a acreditar mais em fofocas do que em seus desmentidos.
A reportagem ataca, obviamente, Lula, que é uma espécie de vilão-mor da Veja. Ela ocorre na mesma edição em que se publica uma resenha do último livro do blogueiro da revista, Reinaldo Azevedo, intitulada, muito criativamente, País dos Petralhas II.
O objetivo da matéria é criar um fato bombástico para repercutir nas primeiras páginas dos jornais de domingo, constará do Fantástico, e pautará os grandes órgãos de imprensa, aliados nessa estratégia. Faltando pouco mais de 20 dias para a eleição municipal, a Veja tenta levar Serra, candidato à prefeitura de São Paulo, para o segundo turno.
Não se trata de considerar Lula um intocável. Mas não se pode pautar a agenda política de um país com base em fofocas. Se Marcos Valério tem alguma coisa a dizer, que o diga de sua própria boca, e prove.
Nesse momento em que a direita se vê cada vez mais enfraquecida, não podemos baixar a guarda, porque o bicho se torna mais feroz quando está acuado. A esquerda tem de se fortalecer, ampliar sua base legislativa, aprimorar as instituições, e construir, paulatinamente, um sistema de comunicação mais democrático. O Brasil se tornou grande demais para ficar à mercê de meia dúzia de barões da mídia.
Para isso, o governo tem de fazer um PAC da Internet, investindo o que for necessário, urgentemente, para elevar a banda em todo país, porque somente a internet pode nos libertar do risco de um golpe branco midiático. Este PAC deveria conter os seguintes pontos:
  1. Consolidar, de uma vez por todas, uma banda larga de alta potência em todo país, ao custo menor possível para o usuário.
  2. Incentivar a criação de canais de TV exclusivos de internet.
  3. Incentivar a criação de websites, blogs e portais  jornalísticos e culturais, que sejam independentes de corporações. Sei que já existem milhares de websites e blogs independentes, mas quase nenhum é profissional. Para isso, entrará o investimento do poder público. Temos de fazer leis que obriguem municípios, estados e União a patrocinarem a mídia independente – a partir de critérios republicanos, evidentemente.
O Leviatã midiático está mais desesperado – e por isso perigoso – do que nunca. O novo lance da Veja deve nos preparar para o que virá em 2014. Em 2010, sofremos na pele o risco de um retrocesso brutal por conta da aliança entre grande mídia e oposição conservadora. Essa é a razão pela qual eu não acredito em aventureiros solitários. A guerra política não é para adolescentes mimados. Governos de esquerda, ou aliados à esquerda, tem de ser fortes, com base legislativa sólida e confiável, ancorados em processos consolidados de articulação política entre partidos, sindicatos, movimentos sociais, empresariado e sociedade civil. Se não for assim, se não agirmos com inteligência e coesão, estaremos expondo nosso povo a um risco que ele não merece correr.
Lula foi um grande estadista, mas o importante não é o indivíduo. É o projeto político. Esse projeto deve ser assegurado, porque a democracia, em si, não muda muita coisa, o que muda é a luta política no interior da democracia. A luta para assegurar crescimento econômico, empregos, juros baixos, mais investimentos em infra-estrutura, e aprimoramento constante dos serviços de educação e saúde oferecidos pelo poder público.

sábado, 15 de setembro de 2012

Os palestinos nos livros escolares de Israel (Como se faz a desumanização de um povo)

Neste documentário, Nurit Peled-Elhanan fala de sua pesquisa relacionada com o conteúdo dos livros didáticos de Israel. Ela expõe em detalhes como estes livros são elaborados com o objetivo de desumanizar o povo palestino e fomentar nos jovens estudantes israelenses a base de preconceitos que lhes permitirá atuar de forma cruel e insensível com o mesmo durante o serviço militar. Conforme explica Nurit Peled-Elhanan, a construção de mundo feita a partir dos livros didáticos, por serem as primeiras a se sedimentarem na mente das crianças, são muito difíceis de serem erradicadas. Daí a importância que o establishment israelense dedica à ideologia a ser transmitida nos livros didáticos. Neles, os palestinos nunca são apresentados como seres humanos comuns. Nunca aparecem em condições que possam ser consideradas normais. Segundo Nurit Peled-Elhanan, não há nesses livros nem sequer uma fotografia de um palestino que mostre seu rosto. Eles são sempre apresentados como constituindo uma ameaça para os judeus.
 

Ativistas de direitos humanos pretendem boicotar lei sobre ONGs

 
As duas entidades de defesa dos direitos humanos mais antigas da Rússia, o Grupo Helsinque de Moscou e o Memorial, anunciaram a intenção de boicotar a discutível lei sobre “agentes estrangeiros”. Os deputados da Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo) afirmaram que a desobediência à norma poderá resultar no encerramento das atividades da organização.

Ativistas de direitos humanos pretendem boicotar lei sobre ONGs
Aleksandr Cherkássov (à dir.) e Liudmila Alekséeva (à esq.). Foto: Kommersant
 
Várias entidades de defesa dos direitos humanos declararam que não vão cumprir a lei sobre “agentes estrangeiros” destinada às organizações não governamentais, segundo informações dos líderes do Grupo Helsinque de Moscou e do Memorial.

A norma obriga as ONGs que desenvolvem atividades políticas com financiamento exterior a se identificarem como agentes estrangeiros.

O líder do Memorial, Aleksandr Cherkássov, foi contundente ao contestar a medida. “Em primeiro lugar, não nos consideramos ‘agentes estrangeiros’. O termo se refere a agentes que cumprem missões por dinheiro, e esse não é o caso”, disse em entrevista ao jornal Izvéstia.

Afinal, o que muda?


As emendas à lei sobre as organizações sem fins lucrativos foram promulgadas pelo presidente Vladímir Pútin em julho deste ano e se referem apenas às estruturas engajadas em atividades políticas e financiadas por capital estrangeiro.

Pela novas regras, essas organizações devem ser registradas no Ministério da Justiça como “agentes estrangeiros” e utilizar esse termo na assinatura de todos os materiais veiculados pela entidade.

Em caso de violação da lei, os líderes da entidade infratora podem ser receber uma multa ou sentença de até quatro anos de prisão.
“Nossos legisladores fazem coisas tolas em vez de cuidar dos problemas reais. Não vamos cumprir decisões absurdas”, completou.

As organizações sem fins lucrativos também declararam que se recusarão a pagar as multas estipuladas pela lei. “A multa pode ser aplicada, mas isso não significa que ela será paga”, afirmou o líder do Memorial, ao criticar os conceitos de agente e de atividade política.

A chefe do Grupo Helsinque de Moscou, Liudmila Alekséeva, compartilha a mesma opinião e, por esse motivo, também assumirá uma postura semelhante. “Somos honestos com o país e com nosso povo. É uma ofensa alguém nos chamar de agentes estrangeiros e nos ameaçar com multas”, declarou Alekséeva.

Portas fechadas
 
O deputado Aleksandr Sidiákin, autor das polêmicas emendas à lei sobre ONGs, afirma que a sabotagem por parte do Memorial e do Grupo Helsinque pode ter como consequência o  encerramento de suas respectivas atividades.

“Os ativistas de direitos humanos devem compreender que trata-se de uma lei federal e, logo, deverão cumpri-la”, afirma o deputado. As multas podem chegar a 1,5 milhões de rublos (cerca de US$ 50 mil). “Se a desobediência for perpetuada depois de pagar as multas, tais ações poderão ser qualificadas como desrespeito a uma lei federal, levando ao encerramento da organização.”

A diretora do Grupo Helsinque lembra que as doações recebidas do exterior são gastas com atividades para a defesa dos direitos humanos, cujo único objetivo é ajudar as pessoas.

“Podemos renunciar à ajuda estrangeira se estivermos sob ameaça de encerramento. Nesse caso, iremos funcionar com o auxílio financeiro russo que, no entanto, é muito insignificante”, rebate Alekséeva.

O Grupo Helsinque de Moscou e o Memorial são as maiores e mais antigas entidades de defesa dos direitos humanos da Rússia, constituídas na época da União Soviética.

Originalmente publicado pelo jornal Izvéstia

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A linguagem da verdade na luta de massas


Miguel Urbano Rodrigues


 
Em situações históricas como a actual os responsáveis pelas crises optam pelo auto elogio, enquanto se preparam para responder com a repressão ao protesto popular. Os Passos, Relvas e Companhia Lda esquecem que no movimento de fluxo e refluxo da História as grandes crises desembocam quase sempre numa contestação torrencial quando os povos, atingido um limite, não podem mais suportar a opressão da classe dominante e se mobilizam para lhe por termo.

As medidas anunciadas pelo primeiro-ministro no dia 7 de Setembro - ostensivamente inconstitucionais - assinalaram uma vertiginosa galopada para a direita do governo mais reaccionário do País desde a Revolução de 1974.
Passos Coelho pelo que disse, pela hipocrisia e até pelo tom, fez-me recordar falas de ministros de Salazar. Deles se diferencia não pelo conteúdo ideológico da «mensagem», mas porque alguns eram inteligentes e porque o que resta da herança de Abril não lhe permite ir tão longe quanto desejaria na destruição de conquistas históricas dos trabalhadores e na ofensiva contra direitos e liberdades.
Os novos impostos e a descida da taxa social única (800 milhões oferecidos na prática às grandes empresas) inserem-se numa estratégia dita de «austeridade», mas que transcende as próprias exigências da troika. Foi concebida para favorecer o grande capital e atingir brutalmente os trabalhadores.
O complemento da agressão fiscal tornado público pelo ministro Vítor Gaspar, tutor ideológico de Passos, amplia os contornos do pesadelo.
O fracasso do projecto em desenvolvimento é, porém, tão transparente – o défice não desceu, o desemprego disparou, o PIB caiu – que pela sua irracionalidade e consequências desastrosas ao levar o pais à ruína abriu fissuras nas forças da direita que inicialmente o apoiaram maciçamente.
Destacadas personalidades políticas do sistema, tradicionalmente vinculadas ao imperialismo, como Adriano Moreira, Freitas do Amaral, Alberto João Jardim, Bagão Félix, Mário Soares, Pacheco Pereira criticaram com maior ou menor clareza o pacote fiscal do governo. Até Catroga se distanciou.
O Presidente da República, esse, permaneceu mudo até ao momento em que escrevo.
Na hierarquia da Igreja levantam-se vozes condenando aquilo em que identificam o arrogante desprezo do governo pelo povo.
A Saúde e a Educação serão brutalmente golpeadas. Entre os reformados a maré da revolta cresce. Não há mentira oficial que possa ocultar a evidência: o governo pretende destruir a Previdência, arrasar a Segurança Social.
O indigitado secretário-geral da UGT apelou à denúncia dos compromissos assumidos pela sua organização com o governo e o patronato e agora exige a rejeição das medidas anunciadas.
A própria CIP desaprova a estratégia do Executivo, e Belmiro de Azevedo, o patrão da SONAE (que vai poupar muitos milhões de euros com a descida da taxa social única), demarcou-se do governo. Foi categórico ao afirmar que o brutal aumento da carga fiscal sobre o trabalho, longe de atingir os objectivos fixados, vai contribuir para o agravamento da crise.
Influentes «analistas» da burguesia, como Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares, habitualmente prudentes nas críticas ao governo, desancaram agora Passos Coelho e a cruel farsa da «austeridade».
Não esperava o Primeiro-ministro que o seu medonho pacote fiscal fosse mal recebido por parlamentares e dirigentes do PSD e do CDS. Mas teve uma surpresa.
«Sinto uma grande revolta no PSD - declarou ao jornal «Publico» um deputado desse partido - porque o Primeiro-ministro foi longe demais».
No CDS o mal-estar aumenta a cada dia e alguns «barões» falam abertamente da necessidade de por termo à coligação, cimento da maioria parlamentar.

GRANDES LUTAS NO HORIZONTE

A presente crise – é uma certeza – vai aprofundar-se muito. Inseparável da crise global do capitalismo, a actual, que lançou milhões de portugueses no desemprego, na pobreza e na miséria, difere de todas as anteriores não apenas pelas seus efeitos sociais e económicos, mas pela ideologia e projecto dos representantes do capital que controlam o governo e o Parlamento.
É significativo que o ministro Relvas, envolvido numa cadeia de escândalos sórdidos, tenha aproveitado a sua visita ao Brasil para fazer no Rio declarações provocatórias, de elogio irrestrito à devastadora e criminosa política fiscal de Passos Coelho. Insolente, maltratando inclusive o idioma, sugere aos que dela discordam a apresentar uma alternativa, para concluir que ela não existe e proclamar que a recusa da estratégia do governo seria o caos.
Não é inédito o seu arrogante desafio. Em situações históricas como a actual, os responsáveis pelas crises optam pelo auto elogio, enquanto se preparam para responder com a repressão ao protesto popular.
Os Passos, Relvas e Companhia Lda esquecem que no movimento de fluxo e refluxo da História as grandes crises desembocam quase sempre numa contestação torrencial quando os povos, atingido um limite, não podem mais suportar a opressão da classe dominante e se mobilizam para lhe por termo.
Não há dois processos iguais. As revoluções e as transições marcadas por reformas revolucionárias diferem de sociedade para sociedade, evoluindo em função de factores que não cabe analisar num artigo como este.
Isso ocorreu no 25 de Abril.
Transcorridos 38 anos, frustradas as grandes esperanças da Revolução Democrática e Nacional, uma grande burguesia dependente, mais sofisticada do que a anterior, e mais intimamente ligada ao imperialismo, encontra-se novamente instalada no Poder.
Sob alguns aspectos a luta contra o sistema é hoje mais difícil do que na época de Salazar e Caetano porque as condições subjectivas são menos favoráveis.
As instituições existentes (deformadas por sucessivas reformas da Constituição) levam milhões de portugueses, a maioria da cidadania, a crer que o regime português é democrático.
Ora, na prática vivemos sob uma ditadura da burguesia de fachada democrática. Mas somente uma pequena minoria de portugueses tem consciência dessa realidade.
Em Portugal, a resistência dos trabalhadores a políticas neoliberais de sucessivos governos do PSD e do PS tem sido uma constante. Sobretudo nos últimos anos. Expressou-se em gigantescas manifestações de protesto, em greves gerais e sectoriais realizadas com êxito, em lutas de numerosas categorias profissionais, com destaque para as dos professores.
Mas o controle dos media pelo capital e a influência hegemónica do imperialismo na Internet dificultam extraordinariamente a compreensão pela maioria dos portugueses da complexidade da crise mundial e dos desafios que se colocam ao povo português. Os mecanismos da alienação são uma fonte de ilusões, favorecendo a direita (na qual incluo os dirigentes do PS).
A ilusão de que é possível às forças progressistas chegar ao governo através de eleições está muito difundida. Tal convicção é utópica.
A engrenagem montada pelas forças do capital foi concebida e funciona de modo a que alternadamente obtenham maioria parlamentar e cheguem ao governo, exibindo uma falsa representatividade popular, ora o PSD (levando a reboque o CDS), ora o PS.
A ruptura com essa engrenagem, para produzir efeitos, para ser real, não pode consumar-se dentro do sistema, tendente à sua democratização. Terá de ser uma ruptura contra o sistema. Por outras palavras, é imprescindível deixar transparente que o inimigo é o capitalismo e que este é irreformável pela sua natureza desumana. É possível em Portugal um governo menos reaccionário, mas não um governo progressista.
A linguagem da verdade é uma exigência política e ética no diálogo com as massas.
A ideia de uma volta a Abril é também romântica. A História não se repete. Seria negativo confundir os valores de Abril e o respeito que inspiram com a aspiração ilusória de uma nova Revolução Democrática e Nacional, no actual contexto.
Qual então o carácter da resposta popular, qual o rumo que a contestação ao Poder da burguesia e ao protectorado imperial devem assumir?
A pergunta é formulada com frequência por aqueles a quem são dirigidos apelos para a dinamização da luta de massas. E é pertinente porque a relação de forças na sociedade portuguesa não abre a porta a uma conjuntura pré-revolucionária.
A menos que se produza a nível mundial uma situação revolucionária envolvendo os EUA e a União Europeia, o que não está para breve, uma Revolução social vitoriosa em Portugal é uma impossibilidade.
A luta intensa e permanente contra este governo, que assume já no discurso e na prática matizes neofascistas, não vai desembocar numa Revolução progressista. A serena consciência dessa realidade não justifica uma atitude de pessimismo, de passividade alienante. Em Portugal a participação nas lutas contra o sistema é transversal, abrange já segmentos da pequena e média burguesias, camadas sociais que ainda há poucos anos afirmavam não se ‘interessar pela politica’.
Ao longo da História, muitas gerações bateram-se por transformações revolucionárias que não se produziram durante as suas breves existências. Mas o seu compromisso era com as ideias e não com o calendário. Revoluções tão importantes para o progresso da Humanidade como a Francesa de 1789 e a Russa de 1917 não teriam sido vitoriosas sem a luta, a dedicação, o debate de ideias de uma extensa, maravilhosa cadeia de revolucionários que as imaginaram e para elas viveram.
Afirmar sem rodeios, frontalmente, que a ruptura em Portugal deve ser com o sistema capitalista, rumo ao socialismo distante, esfumado num horizonte de brumas, é seguir o exemplo desses revolucionários, caminhar pelas alamedas que eles abriram combatendo.
Acredito que a luta de massas vai adquirir um ímpeto novo, que a repressão será incapaz de travar, um ímpeto vocacionado para abalar os alicerces do Poder ultramontano.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Talvez duas crianças tenham morrido para você ter o seu celular"

   


         


     
     

    congoRepública Democrática do Congo - Brasil de Fato - [Inês Benitez] Consumidores de telefones celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo

    Os consumidores de telefones celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.
    "Pode ser que duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular", disse Jean- Bertin, um congolense de 34 anos que denuncia o "silêncio absoluto" sobre os crimes cometidos em seu país pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan (columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos 64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
    Da tantalita se extrai o tântalo, metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros. "A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas metem o nariz ali", lamenta Jean-Bertin, que chegou há oito anos à cidade espanhola de Málaga, procedente de Kinshasa, onde vivem seus pais e dois irmãos.
    A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do "vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo". Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.
    A exploração de coltan em dezenas de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças, segundo o documentário de 2010 Blood in the Mobile (Sangue no Celular), do diretor dinamarquês Frank Piasecki.
    No entanto, fontes da indústria, como o Tantalum- Niobium International Study Center (TIC), alertam que as jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.
    A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro, cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais. Na Espanha, a Rede de Entidades para a República Democrática do Congo - uma coalizão de organizações não governamentais e centros de pesquisa - lançou em fevereiro a campanha Não com o meu Celular, para exigir dos fabricantes o compromisso de não usarem coltan de origem ilegal.
    O surgimento de novas fontes de tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros, contou ao Terramérica a coordenadora da campanha na Entreculturas, Ester Sanguino.
    Entretanto, fundações e empresas dedicadas à reciclagem, ouvidas pelo Terramérica, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não daria conta, disse ao Terramérica uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento das aplicações atuais do tântalo.
    Apple e Intel anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga. Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais "não contenham materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente". Na verdade, os códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.
    O esforço maior é o das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.
    "Os grupos rebeldes proliferam pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro", disse ao Terramérica o coordenador da organização humanitária Farmamundi na RDC, Raimundo Rivas. Os governos vizinhos são "cúmplices" e "até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas", ressaltou. "Há muitos interesses econômicos em torno do negócio do coltan", alertou Jean-Bertin. Enquanto isso, na RDC "as matanças são reais. O sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse".
    Por isso gera expectativas a decisão da Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC), que, no dia 22 de agosto, regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e Reforma de Wall Street, referente aos "minerais de conflitos". A Lei 1.502 estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo, tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a análise da cadeia de fornecimento.
    Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de uma missão de paz da ONU. Com o olhar dominado pela raiva e sua filha de seis meses nos braços, o congolense Jean- Bertin insiste que os grupos armados "dão armas a muitas crianças e as obrigam a entrar para um ou outro bando". Para Rivas, "a única solução é um governo forte na RDC, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito".

    A TENTATIVA DE CALAR A BLOGOSFERA!

     





    O Escrevinhador reproduz abaixo a nota do Centro de Estudos Barão de Itararé, que denuncia: querem calar a blogosfera!
     
    A TENTATIVA DE SUFOCAR A BLOGOSFERA
     
    No mais recente atentado contra a liberdade de expressão no Brasil, o prefeito de Curitiba (PR) e candidato à reeleição Luciano Ducci processou o blogueiro Tarso Cabral Violin, apenas porque discordou de duas enquetes publicadas na página mantida pelo blogueiro. A Justiça Eleitoral, num gesto inexplicável, deu ganho de causa ao prefeito-censor e estipulou uma multa de R$ 106 mil, o que inviabiliza a continuidade do blog. No mesmo Paraná, o governador Beto Richa também persegue de forma implacável o blogueiro Esmael Morais, que já foi processado várias vezes e coleciona multas impagáveis.
    Em outros cantos do país, a mesma tática, a da judicialização da censura, tem sido aplicada visando intimidar e inviabilizar financeiramente vários blogs. Alguns processos já são mais conhecidos, como os inúmeros que tentam calar os blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif. No fim de 2010 e início de 2011, o diretor de jornalismo da poderosa TV Globo, Ali Kamel, também ingressou na Justiça contra seis blogueiros – o que prova a falsidade dos discursos dos grupos de mídia que se dizem defensores da liberdade expressão. Criticado pelos blogueiros, pelo seu papel manipulador nas eleições de 2006 e 2010, Kamel parece ter escolhido a via judicial para se vingar dos críticos.
    Se os juízes de primeira instância parecem pressionados diante de autoridades e empresas de Comunicação tão poderosas, é preciso garantir que os tribunais superiores mantenham-se atentos para garantir que a liberdade de expressão não se transforme num direito disponível apenas para meia dúzia de famílias que controlam jornais, TVs e rádios brasileiras.
    Além da judicialização da censura, também está em curso no país uma ação ainda mais violenta contra os blogueiros – com ameaças de morte e até atentados. Em 2011, o blogueiro Ednaldo Filgueira, do município de Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, foi barbaramente assassinado após questionar a prestação de contas da prefeitura. Outro blogueiro também foi morto no Maranhão. Há várias denúncias de tentativas de intimidação com o uso da violência, principalmente em cidades do interior onde a blogosfera é o único contraponto aos poderosos de plantão.

    Como se não bastassem os processos e as ameaças físicas, alguns setores retrógrados da sociedade também tentam impedir a viabilização financeira da blogosfera através de anúncios publicitários. Recentemente, o PSDB ingressou com ação na Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) questionando os poucos anúncios do governo federal em blogs e sítios de reconhecida visibilidade. A ação foi rejeitada, o que não significa que não cumpriu seu objetivo político de intimidar os anunciantes. Até o ministro Gilmar Mendes, do STF, tem atacado a publicidade nos blogs.
    Diante desses atentados à liberdade de expressão, o Centro de Estudos Barão de Itararé manifesta a sua total solidariedade aos blogueiros perseguidos e censurados. É preciso denunciar amplamente os que tentam silenciar esta nova forma de comunicação.
    É urgente acionar os poderes públicos – governo federal, Congresso Nacional e o próprio Supremo Tribunal Federal – em defesa da blogosfera. É o que faremos, em parceria com as demais entidades da sociedade civil, em especial com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), requisitando audiências junto ao STF, STJ, TSE, Congresso Nacional e Ministério da Justiça.
    Pedimos, ainda, a atenção da Secretaria Especial dos Direitos Humanos para o tema. Liberdade de expressão não é monopólio de meia dúzia de empresários. É um patrimônio do povo brasileiro, garantido na Constituição. A comunicação é um direito básico do ser humano, que precisa ser respeitado.
    (a) Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

    domingo, 9 de setembro de 2012

    Tolstói: o genial escritor que fugiu de casa aos oitenta e dois anos


    Tolstói em seu escritório (Clique para ampliar)

    Milton Ribeiro no SUL21

    Liev Tolstói foi o primeiro grande injustiçado pelo Prêmio Nobel. Nascido em 9 de setembro de 1828, o escritor russo viveu até 1910 — o prêmio começou a ser entregue em 1901 — e, em seus últimos anos de vida, já era uma figura incontornável não apenas da literatura russa, mas da mundial. Ele foi um dos primeiros a entrar numa importante lista de não ganhadores que depois ganharia outros nomes notáveis como Marcel Proust, James Joyce, Vladimir Nabokov, Franz Kafka, Jorge Luis Borges, Machado de Assis, Émile Zola, Henrik Ibsen e Paul Valéry, para citar alguns. Obviamente, alguns destes nomes apenas tornaram-se importantes post mortem ou, como Machado de Assis, escreviam em línguas menos traduzidas, mas o caso de Tolstói foi bastante estranho, pois, como dissemos, o escritor viveu grande parte de sua vida como uma indiscutível celebridade. Nada mais merecido.
    Anton Tchékhov e Tolstói em Iasnaia Poliana

    Caso semelhante ao de Dostoiévski, Tolstói foi por anos lido no Brasil em traduções de segunda mão. Isto é, como não havia no país tradutores de russo, ambos eram traduzidos do francês… Apenas nos últimos 30 anos, começaram a aparecer as traduções diretas do russo, as quais revelaram o descuido e o desrespeito com que eram tratados estes autores, além de muitos outros. O elogio mais comum feito a Tolstói era o de que se tratava de um estilista absolutamente impecável. O tradutor Rubens Figueiredo, que recentemente traduziu para a Cosac & Naify seus três principais romances — Anna Kariênina, Guerra e Paz e Ressurreição — obrigou-se a escrever uma série de explicações a respeito de certas estranhezas em seu texto. Ocorre que no original há repetições de palavras bem próximas umas das outras, procedimento que Figueiredo criteriosamente manteve, mas que os antigos tradutores não admitiam. Por exemplo, nas páginas 241-242 de Anna Kariênina (Cosac & Naify) há um parágrafo de quase uma página onde a palavra “camponeses” aparece 15 vezes. Tais repetições não devem ser confundidas com descaso.  ”Gosto daquilo que chamam de incorreção. Ou seja, daquilo que é característico”, dizia Tolstói.  Também o uso de parênteses eram corrigidos pelos tradutores do passado, assim como as frases, muitas vezes longuíssimas, acabavam particionadas.
    A famosa edição da Livraria do Globo, em dois volumes (Clique para ampliar)

    Desta forma, um dos caminhos para estarmos mais próximos do autor russo é o de procurar as traduções feitas diretamente do original e ignorar as antigas traduções da Editora Globo para Guerra e Paz e Kariênina, por exemplo, as quais traziam um autor distorcido, com maior elegância e polimento do que o original. Pois para expressar o pensamento mais simples de alguns mujiques — os camponeses russos — , Tolstói se utilizava de pouco requinte e de um vernáculo mais limitado. O escritor russo também pensava que, em alguns casos, as repetições davam mais coesão e clareza a certos trechos.
    Nestes dois grandes romances, Tolstói demonstra sua arte de forma inequívoca. Ele foi um perfeito contador de histórias polifônicas. Trabalhava com muitos personagens, as interações entre eles, suas ações e pensamentos nunca são artificiais e, de forma profundamente humana, até as paisagens descritas passam pelo filtro do estado de espírito de quem as observa. Guerra e Paz e Anna Kariênina são belíssimas sinfonias para muitas vozes.  Chama atenção o caminhão de realismo despejado pelo autor sobre seus personagens. Anna, por exemplo, está a léguas de poder aspirar a uma condição de boa pessoa do século XIX ou de qualquer tempo. Na época, ser virtuoso era o que mais contava e ela, passando por cima de Kitty e largando seu marido por pura concupiscência, renegando a filha ainda bebê e sendo suscetível a atitudes muito impulsivas, está longe do ideal virtuoso. Para completar, encontra justificativas para quase todos os seus atos, porém Tolstói não esboça o menor gesto de justificá-la assim ou assado.
    Tolstói e Gorki também em Iasnaia Poliana. Foto de 1910. 
     (Clique para ampliar).

    Já as novelas Sonata a Kreutzer e A Morte de Ivan Ilitch são o extremo contrário. Focadas, com poucos personagens e devastadora análise psicológica, a primeira fala sobre o casamento, a infidelidade e a hipocrisia social e a segunda sobre a morte. Em agosto de 1883, duas semanas antes de falecer, o escritor russo Ivan Turguêniev escreveu a Tolstói: “Faz muito tempo que não lhe escrevo porque tenho estado e estou, literalmente, em meu leito de morte. Na realidade, escrevo apenas para lhe dizer que me sinto muito feliz por ter sido seu contemporâneo, e também para expressar-lhe minha última e mais sincera súplica. Meu amigo, volte à literatura”. Tolstói era efetivamente dado a passar longos períodos sem escrever e, diante do pedido do amigo, respondeu com a angustiada consciência do irrepreensível juiz Ivan Ilitch em breves 85 páginas. No texto, é mostrado um rigoroso acerto de contas interno, revelando a inutilidade da vida de Ivan. Preso ao leito, frente à morte certa, Ivan Ilitch vê como a rotina, nosso mais pesado algoz, e a vida burguesa impediram-no de apenas… pensar.
    Se considerarmos sua obra como ficcionista, chegaremos à conclusão de que quase tudo aquilo que criou ainda é lido. Os três romances citados, mais as novelas A felicidade conjugalSonata a Kreutzer e A morte de Ivan Ilitch, além de relatos autobiográficos e de contos populares são a parte principal de sua obra. Tolstói foi romancista, novelista, contista, ensaísta e dramaturgo. Mas também foi o filósofo criador do tolstoísmo, uma forma de vida pastoral e pacifista que hoje nos parece bastante aparentada da forma de vida dos hippies dos anos 60 do século XX.
    Imagem do excelente A Última Estação, com Christopher Plummer (Tolstói) e Helen Mirren (Sônia) | Foto: Divulgação

    Atualmente, o lado filósofico e a vida pessoal de Tolstói fazem a festa de outros autores, de filmes e séries de TV. Só para citar os casos mais conhecidos: em Diário de uma Ilusão, de Philip Roth (cujo título original é The Ghost Writer, o que nos faz pensar nos critérios dos antigos tradutores de nosso retratado), há um capítulo intitulado Casado com Tolstói, que se refere ao contumaz sumiço de um dos cônjuges.  Também houve o bom filme A última estação, onde vemos as causas de uma das tais fugas. É que, para além de ser um gênio, o escritor russo era um puro. Tão puro que gerava suspeitas. Em 1856, ele, que fazia parte da nobreza russa, libertou todos os seus servos e doou-lhes as terras onde trabalhavam. Estes, porém, desconfiados, devolveram as propriedades ao ex-dono. Ele tinha, aliás, uma recorrente inclinação de desfazer-se de seus bens materiais, inclinação que não estava de acordo com a opinião de sua esposa Sônia.
    O escritor em 1848

    No final da década de 1850, preocupado com a péssima qualidade da educação no meio rural, Tolstói criou uma escola para filhos de camponeses na aldeia onde nasceu e viveu, a célebre Iasnaia Poliana. O escritor mesmo escreveu grande parte do material didático e, ao contrário da pedagogia da época, deixava os alunos estudarem quando quisessem, sem regras excessivas e, estranhamente, sem punições físicas. Educar para libertar. Esse era seu norte pedagógico. Recentemente, parte do material criado para a escola por seu fundador foi traduzido do russo.  Contos da Nova Cartilha é o resultado desta incursão. A obra é uma coletânea de textos extraídos das duas cartilhas elaboradas por Tolstói. São fábulas, histórias reais, contos folclóricos, descrições de paisagens naturais e adivinhações. O estilo é conciso, aproximando-se do ritmo da linguagem oral.
    Tolstói e uma de suas filhas 

    (Clique para ampliar)
    Em 1862, casou-se com Sônia Andreievna Bers, com quem teve 13 filhos. A qualidade do casamento seria melhor aferida por um sismógrafo. Foi neste ambiente que Tolstoi produziu seus principais romances. Guerra e Paz consumiu sete anos de trabalho e é a prova de que um mau casamento pode produzir bons frutos. O autor atormentava-se mais do que habitual em seres humanos com questões sobre o sentido da vida e, após desistir de encontrar respostas na filosofia, na religião e na ciência, deixou seduzir-se pelo estilo de vida dos camponeses. Foi o que ele chamou de sua “conversão”. Após a “conversão”, Tolstói deixou de beber e fumar, tornou-se vegetariano e passou a vestir-se como camponês. Convencido de que ninguém deveria depender do trabalho alheio para viver, passou a limpar seu quarto, a plantar a comida da qual se alimentava e a produzir as próprias roupas e botas. Suas ideias atraíram um séquito de seguidores, que se denominavam “tolstoianos”. Como resultado, Tolstói passou a ser vigiado pela polícia do czar.
    Liev Tolstói e sua esposa Sônia em 1910, ano da morte do escritor

    Porém, Sônia não o deixava alcançar a simplicidade. Ela lhe cobrava os luxos aos quais estava acostumada. Os filhos davam razão à mãe, que ameaçava matar-se quando o escritor dizia que fugiria de casa. A partir de 1883, houve uma disputa entre sua esposa e Tchértkov, um militar que gozava da confiança do autor e que se tornou um paladino de suas ideias na Rússia. Sônia foi nomeada controladora de seu patrimônio, combatendo o marido, que acreditava nos feitos purificadores da caridade. Obviamente, a bondade de Tolstói levou-o a afastar-se do governo, da justiça e da Igreja Ortodoxa russa; acabou excomungado.
    Problemas em casa

    No período final de sua vida, acentuou-se a briga entre Sônia e Tchértkov. Agora o motivo eram os direitos autoriais de seus livros. Em 1908, Tchértkov escreveu um testamento em nome de Tolstói, onde outorgava a si mesmo o direito sobre os livros após a morte do autor. O militar foi para história como um mal intencionado que se aproveitava da credulidade do autor de Guerra e Paz. Provavelmente mereceu tal má fama póstuma. O fato é que os anos próximos à morte do escritor foram um inferno familiar. O conflito com Sônia era tal que Tolstói fez o que já fizera em oportunidades anteriores: fugiu de casa. Sônia não se matou, na verdade foi mais uma vez atrás do marido fugitivo. Só que desta vez ele morreu em meio à fuga. Faleceu na aldeia de Astápovo, em 7 de novembro de 1910. Anos depois, Sônia recuperou para a família os direitos sobre a obra de seu marido.
    Tolstói em seu leito de morte

    Poema da gare de Astapovo, de Mario Quintana

    O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
    E foi morrer na gare de Astapovo!
    Com certeza sentou-se a um velho banco,
    Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
    Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
    Contra uma parede nua…
    Sentou-se …e sorriu amargamente
    Pensando que
    Em toda a sua vida
    Apenas restava de seu a Gloria,
    Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
    Coloridas
    Nas mãos esclerosadas de um caduco!
    E entao a Morte,
    Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
    Na estação deserta,
    Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
    Quando apenas sentara para descansar um pouco!
    A morte chegou na sua antiga locomotiva
    (Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
    Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
    E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu…
    Ele fugiu de casa…
    Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade…
    Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

    sábado, 8 de setembro de 2012

    A resistência hondurenha declara e intensifica a luta pelo socialismo


    Teresa Gutierrez no ODIARIO.INFO

    Teresa Gutierrez  
    Em Honduras, há três anos, o popular presidente Manuel Zelaya, democraticamente eleito, foi ilegalmente deposto num golpe de estado apoiado e instigado pelos EUA. O golpe de estado marcou o começo de um reinado de terror. Mas também fez surgir um amplo movimento de resistência, cuja base social se alarga, e que começa a formular objectivos políticos avançados.

    Algo de maravilhoso e histórico está a acontecer no pequeno país das Honduras na América Central. Apesar do terror imposto pelas classes governantes dos Estados Unidos e das Honduras, apesar dos espancamentos e dos assassinatos, apesar da pobreza de séculos e da miséria, as massas e as suas organizações estão a organizar-se, mobilizando e respondendo aos ataques.
    De facto, os acontecimentos nas Honduras trazem hoje brilhantemente à vida o velho dito “A repressão gera resistência”.
    Há três anos, em Junho de 2009, o popular presidente Manuel Zelaya democraticamente eleito foi ilegalmente deposto num golpe de estado apoiado pelos EUA. O golpe de estado marcou o começo de um reinado de terror. Mas, também deu luz à resistência.
    O golpe foi sintomático da desesperada vontade do imperialismo norte-americano e seus compinchas corruptos de fazerem retroceder a maré revolucionária que varre a América Latina e as Caraíbas.
    Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e outros países são parte de um movimento de esquerda que está a romper com o imperialismo norte-americano e tratando de construir sociedades que ponham as necessidades do povo à frente dos lucros da Wall Street.
    As Honduras não foram uma excepção. Zelaya tentou levar a cabo mudanças que permitiam aliviar a miséria das massas hondurenhas, como aumentar o salário mínimo e tomar controlo dos recursos naturais das Honduras.
    Devido à sua ação, foi levado a cabo um golpe de direita com pleno conhecimento e cumplicidade de Washington. De facto, o plano para o golpe de estado foi urdido na base aérea americana de Palmerola que Zelaya tinha tentado converter num aeroporto civil internacional.
    Foi imposto um governo bem pró-capitalista, contra os pobres, anti-laboral e a favor da elite quando, apesar da resistência popular, o presidente fraudulento Pepe Lobo assumiu ilegitimamente o governo.
    Contudo, como disse Karl Marx, a classe capitalista cria os seus próprios coveiros. É o que está a acontecer hoje nas Honduras.
    Nova etapa na luta de resistência
    O golpe de Estado abriu um novo capítulo na luta revolucionária nas Honduras. As massas despertaram e estão a tomar o assunto em suas próprias mãos. Activistas e militantes de há muito tempo uniram-se aos jovens, trabalhadores, estudantes, mulheres, camponeses, comunidade lésbica/gay/bissexual/transgénero, organizações garifunas (grupo étnico da costa do Belize e Honduras – N.T.) e indígenas e formaram organizações populares e frentes unidas.
    Isto inclui a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), formação com 3 anos que se está fortalecendo todos os dias.
    A 1 de Julho, a resistência anunciou ao mundo uma nova fase da luta. Este anúncio extraordinário resume-se com o lema da FNRP: “Vamos da Resistência para o Socialismo!”.
    Este anúncio de um apelo à construção do socialismo nas Honduras é um sinal tanto para os aliados das Honduras, como para os seus inimigos de que o movimento está preparado para assumir a luta tanto quanto for possível.
    O histórico anúncio tem importância para a luta de classes em todo o mundo. Deve ser ouvido em cada bairro, centro comunitário, sindicato ou praça do mundo. Cada jovem e trabalhador que fez ocupação no Wisconsin, no parque Zuccotti, na praça Tahrir ou no Zócalo deve conhecer o que está a acontecer nas Honduras.
    Campanha eleitoral revolucionária
    A FNRP decidiu há uns meses, através de assembleias, reuniões e debates fecundos, que a resistência participaria nas eleições presidenciais de 2013. O movimento formou um novo partido, o Partido Liberdade e Refundação (Partido Libre), que organizaria os passos necessários para entrar na disputa eleitoral.
    Os revolucionários e marxistas de todo o mundo sabem que as eleições não provocam mudanças fundamentais. São as massas os agentes reais da mudança, não as eleições. Pôr fim às relações capitalistas e expropriar os meios de produção dos patrões dos trabalhadores, é isso que é necessário para o fim da exploração. Cuba, por exemplo, teve a sua revolução completa – os cubanos expulsaram a Wall Street e Washington do seu país para sempre e começaram a organizar a sociedade em benefício de todos os trabalhadores.
    Os revolucionários sabem também que há muitos passos e processos complicados no caminho para a libertação.
    As eleições de 2013 nas Honduras podem ser o marco que estabelece um ponto de inflexão nesse caminho para a libertação.
    No dia 1 de Julho, na província de Galeras em Santa Bárbara, o Partido Libre lançou formalmente as candidaturas de Xiomara Castro de Zelaya, nomeada para presidente, e Juan Barahona, presidente da Confederação Sindical (FUTH), nomeado para vice-presidente. As massas viajaram pelos seus próprios meios mais de 130 km em terrenos difíceis desde a principal cidade Tegucigalpa e de todo o país para se reunirem em Santa Bárbara, onde Castro nasceu e se criou.
    Ambos os candidatos são bem conhecidos, não só nas Honduras, como também fora do país. Castro, chamada carinhosamente pelo seu primeiro nome Xiomara, foi a “primeira-dama” no mandato de Zelaya, ao passo que Barahona é um dirigente sindicalista de há muitos anos. Ambos são membros e dirigentes da resistência.
    Os trabalhadores que vêm de fora de Tegucigalpa sabem que devem dirigir-se ao salão do sindicato STIBYS para obterem não apenas informação sobre onde se realizará a ação seguinte, mas também alimentos, abrigo e água. Grande parte do movimento junta-se no salão do sindicato.
    A esperança na mudança atrai as massas
    O povo das Honduras é um dos mais pobres do mundo. É o segundo país mais pobre do hemisfério a seguir ao Haiti. Segundo o Banco Mundial, 65 por cento da população vive abaixo do nível de pobreza. Mais de 30 por cento da população, num país de 8 milhões, vive em extrema pobreza.
    Desta maneira, não é pouca coisa para um trabalhador viajar de uma cidade para outra por sua vontade própria para participar num evento de campanha por uma eleição a mais de um ano de distância. No entanto, vieram milhares e milhares de pessoas! O que as impeliu?
    Tive o privilégio de viajar para as Honduras não muito depois do golpe de estado e tive também o privilégio de ver o vídeo do lançamento da campanha de 1 de julho com alguns dos dirigentes da resistência nos Estados Unidos.
    É evidente pelas entrevistas com hondurenhos obtidas pelo Workers World Party (Partido do Mundo Operário) e pelas palavras dos candidatos de 1 de Julho que o que levou as massas a Santa Bárbara foi a esperança. Esperança que a vida nas Honduras não vá continuar a mesma. Esperança que a sociedade esteja mudando para algo melhor, que as centenas de camponeses, jornalistas, sindicalistas e pessoas LGBT que foram assassinadas desde 2009 não tenham morrido em vão.
    O que motivou as massas foi a perspectiva de que muitos sectores da sociedade finalmente se estão a unir sob uma unidade revolucionária sem precedentes para mudar nos seus fundamentos a sociedade hondurenha.
    Esta unidade surge no contexto dos últimos três anos quando o movimento não se deteve apesar da repressão e da brutalidade. O ponto principal da unidade entre todos os sectores sociais promulgado pela FNRP e pelo Partido Libre parece ser a não-aceitação do golpe. Não se trata de pouca coisa frente à repressão e aos soldados americanos e aos agentes da Agência Antidrogas dos EUA que estão sempre presentes.
    Sejam estudantes ou camponeses, mulheres ou desempregados, homossexuais ou heterossexuais, intelectuais ou operários, o povo das Honduras está a construir heroicamente uma ampla frente unida não apenas contra o golpe, mas também para dar um passo em frente revolucionário e radical.
    Ao ler as palavras da candidata à presidência no dia da sua nomeação, torna-se claro que um novo dia desponta nas Honduras.
    “Construamos uma sociedade socialista”
    Xiomara Castro de Zelaya disse sob o sol brilhante da manhã na plataforma rodeada por camponeses e camponesas e membros de sindicatos, com seu filho, filha e esposo (o ex-presidente Zelaya) “Vem, gente das Honduras, construamos uma sociedade socialista e democrática. Vamos derrotar o estado burguês e construir um estado socialista.”
    Xiomara evocou a luta global enquanto rendeu homenagem à resistência no Médio Oriente, ao movimento Ocupar Wall Street e aos “indignados” em Espanha.
    A intervenção, um apelo às armas, pareceu-se mais com um discurso nalguma assembleia da Cuba socialista do que a intervenção de uma candidata a presidente. Foi um exemplo de como a luta das massas hondurenhas e a unidade do movimento impulsionou uma consciência revolucionária.
    Um grupo de dirigentes nas Honduras decidiu condenar-se ao suicídio classista, romper com a elite e unir-se às massas na sua luta pela libertação. Para ajudar a garantir que os dirigentes se mantenham com as massas torna-se mais importante que nunca fazer o trabalho necessário para erguer a luta, tarefa muito difícil e arriscada, mas que a resistência está claramente empreendendo e ganhando.
    O apelo das Honduras despertará a ira da classe governante dos EUA para sempre. Para Xiomara, Barahona, Mel Zelaya, e a Frente e o Partido Libre, declarar que a luta das massas hondurenhas seja pelo socialismo é equivalente a declarar guerra contra Washington, uma guerra que os hondurenhos devem ganhar.
    A gente progressista e revolucionária quer ser parte deste momento histórico e não ficar de fora. As massas foram despertadas pelo golpe, mas foram-no igualmente outros setores da sociedade.
    Por esta razão, agora é a hora para entrar nas fileiras do movimento revolucionário nas Honduras. Construir a luta pela solidariedade e unidade com as Honduras, especialmente aqui no ventre da besta imperialista americana, ajudará a garantir que o movimento possa dar passos em frente para transformar as Honduras num país que defende os interesses dos trabalhadores e não as elites capitalistas.
     
    Viva a FNRP e o Partido Libre! Viva a resistência e viva o povo em luta nas Honduras!

    Para ler a versão completa das intervenções de Xiomara Castro e Juan Barahona, visite resistenciahonduras.net.
    Tradução: Jorge Vasconcelos