sábado, 22 de setembro de 2012

As eleições e seu impacto geopolítico

 





Sergio Ferrari

Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER

 
Tradução: ADITAL
"Nas urnas venezuelanas está em jogo também o futuro de toda América Latina”. 

Sergio Ferrari, desde Genebra, Suíça
 
Entrevista com Germán Mundaraín, embaixador de Venezuela na ONU/Genebra
 
O dilema de fundo dos próximos comícios na Venezuela, no próximo 7 de outubro, é a "consolidação dos avanços sociais ou o retrocesso em direção aos modelos econômico-sociais do passado”. Apesar desse grande desafio político que está em jogo, "respeitaremos com rigor a vontade popular expressa nas urnas”. Quem defende tais teses é Germán Mundaraín Hernández, atual representante da nação sul-americana ante as Nações Unidas, em Genebra. Entre 2000 e 2007, ele havia trabalhado como Defensor do Povo. Desde maio último, integra, juntamente com outras cinco personalidades nacionais do primeiro nível, eleitas pelo presidente Hugo Chávez Frías, o Conselho de Estado, que é o órgão superior de consulta do governo e da Administração Pública Nacional.
O que as próximas eleições presidenciais representam politicamente?
R: São a expressão de um exercício de democracia participativa que impera em meu país, que protagonizou a partir da nova Constituição de 1999 uma quinzena de eleições nacionais, parlamentares, regiões e referendum. Na Venezuela, consulta-se sistematicamente ao soberano. Existe uma grande confiança na decisão cidadã. E o número dessas consultas é a melhor evidência. Há um poder independente, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que se apresenta ante o mundo sem nenhum complexo. Com o ânimo de mostrar as fortalezas; porém, também aberto a que suas possíveis debilidades sejam assinaladas.
P: A campanha eleitoral é intensa e se confronta com uma imprensa internacional cautelosa, para não dizer crítica...
R: A sociedade venezuelana é muito tensionada devido ao próprio processo de mudança em marcha e pelos variados atores que intervêm na política nacional. De fora, as vezes, somos vistos com incerteza. Pensa-se que em qualquer momento seria possível passar das tensões da retórica própria de nossa campanha, para agressões físicas. Porém, não é assim. O povo venezuelano é pacífico e sabe resolver pacificamente suas diferenças políticas nas mesas eleitorais. Até o momento, e já faltando poucos dias para o fechamento, a campanha tem sido intensa, quente; porém, correta e sem violências.
Campanha eleitoral polarizada, mas sem violência
P: Apesar de um processo eleitoral extremamente polarizado?
R: Sim, é uma campanha polarizada. Confrontam-se dois candidatos principais: o atual presidente Hugo Chávez, que aspira a reeleição; e o da oposição, Henrique Capriles Radonski. Isso aumenta a polarização retórica, já que ambos centralizam a atenção política nacional e internacional.
P: A disputa atual se diferencia das eleições presidenciais anteriores?
R: O que muda são os atores; porém, tem um perfil global semelhante. O candidato da oposição sempre sai de grupos políticos que contam com um orçamento suficientemente amplo para suportar financeiramente uma parte da campanha. A outra parte vem do grande empresariado e de ONGs e fundações estrangeiras, principalmente estadunidenses, que recebem o apoio do Departamento de Estado norte-americano. Penso que os resultados previstos também coincidirão globalmente, no próximo dia 7, com os anteriores. Em 2000, Chávez ganhou por mais de 20 pontos de diferença sobre Francisco Arias Cárdenas. Seis anos mais tarde, em 2006, derrotou por mais de 25 pontos a Manuel Rosales.
P: O que representam o programa e/ou a visão política de cada um dos candidatos?
R: O presidente atual, candidato do Gran Polo Patriótico, encarna o processo de mudança, a revolução bolivariana em marcha. Capriles, da Mesa de Unidad Democrática, aglutina aos setores tradicionais, as eleites, que durante décadas usufruíram o poder, estreitamente vinculadas com as transnacionais.
Os novos disfarces da direita
P: Chama a atenção que o candidato da oposição tenha se autodesignado como o "Lula da Venezuela”. Apresentando-se quase como uma alternativa de esquerda democrática ao atual governo...
R: É um estilo que marca a política ibero-americana atual. Candidatos que se disfarçam. O caso mais patéticos é o da Espanha. Mariano Rajoy apresentou-se na campanha como expressão do centro político. Porém, após ganhar, não duvidou em aplicar seu verdadeiro programa de extremo corte neoliberal, com significativos recortes às conquistas sociais dos espanhois. Capriles é a mesma coisa. Se disfarça e diz que seu programa é parecido ao que Lula implementou no Brasil. Sem dúvida, no Brasil, Capriles seria um opositor radical ao Partido dos Trabalhadores, atualmente no governo. Porque Lula foi operário, é socialista e dirige um partido progressista, que nada tem que ver com a visão política de Capriles. Na realidade , a oposição venezuelana odeia Lula, seu modelo e o de sua sucessora. Porém, tentam apresentar-se mais decentemente...
P: Por que esse jogo político?
R: Para confundir. E por especulação política. Capriles está enraizado nos setores de poder econômico e com parte da classe média. Esse é seu eleitorado natural. Para tentar ganhar, deve tentar roubar votos nos setores populares. Porém, seu verdadeiro programa contempla zero presença do Estado e que o mercado se encarregue de regular a economia. O primeiro que faria em caso de ganhar seria reduzir o Estado a sua mínima expressão; deixar ao setor privado que se encarregue da saúde, da educação, da habitação. Desmantelar as conquistas sociais. Por outro lado, o centro do programa de Chávez é a atividade petroleira e o controle estatal da mesma. Sem a contribuição desse setor vital não poderia financiar a saúde, nem a educação, nem as conquistas em geral. E nem tampouco poderia atuar conforme a ativa solidariedade internacional promovida pelo processo venezuelano.
O governo respeitará a voz das urnas
P: Apesar de inúmeras pesquisas de opinião que assinalam a Chávez como claro ganhador; é possível que as pesquisas se equivoquem?
R: São tantas e tão importantes as conquistas sociais que os setores populares alcançaram nos últimos anos que um programa neoliberal e um governo de direita significariam um verdadeiro suicídio político para uma grande parte da população...
P: O governo venezuelano aceitaria uma eventual derrota nas urnas?
R: Se o governo perde as eleições vai reconhecer de imediato os resultados. Porém, gostaríamos de escutar também essa frase curta e significativa de parte da oposição. Nós estamos seguros que se perdesse, o que é absolutamente improvável, não seria a derrota da revolução, mas um simples tropeço político. Porém, não acontecerá. O povo tem plena confiança plena no processo e na revolução bolivariana.
P: Na América Latina, há aproximadamente uma década, uma maioria de governos e processos democráticos, abertos, progressistas. A Venezuela está estreitamente implicada em iniciativas de integração regional. Que repercussão tem as atuais eleições presidenciais no contexto continental?
R: Pergunta chave. O próximo 7 de outubro, não se decide somente o futuro da Venezuela, mas o da América Latina inteira. Um triunfo da oposição significaria a liquidação da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas – Tratado de Comércio dos Povos), que reúne a Bolívia, a Nicarágua, o Equador, a Cuba, a Venezuela e os Estados caribenhos Antigua e Barbados, Dominica e San Vicente e Granadinas. Colocaria em cheque a estratégia de Petrocaribe que reúne a maioria das nações caribenhas. Significaria o debilitamento real da Unasul e também da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) que, com tanto sacrifício, foi criado em 2010 e que hoje reúne a quase 30 nações do continente, com cerca de 600 milhões de habitantes. Poderia, inclusive, significar a saída da Venezuela do Mercosul, mercado integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e pelo nosso país.
Adicionalmente, havia uma mudança nas relações e no comportamento do continente em espaços internacionais, como a Organização de Estados Americanos (OEA) e as Nações Unidas. Insisto: além da contenda eleitoral entre Chávez e Capriles, hoje, nas eleições venezuelanas está em jogo essa nova relações de forças em âmbito regional que, com tanto esforço, foi possível construir na última década.
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Um acompanhamento eleitoral que não viole a soberania
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano convidou a 214 personalidades do mundo inteiro para acompanhar os comícios de 7 de outubro de 2012. 110 são da América Latina; 65 da Europa; 29 da América do Norte; 6 da Ásia e 4 da África, sem contar os representantes da União Africana, que confirmou sua presença.
Entre os convidados, 18 organismos eleitorais e quatro especialistas. Segundo o CNE, entre os convites enviados, 81 correspondem a parlamentares e personalidades políticas; 22 ao mundo acadêmico; 34 a jornalistas; e outros a ONGs, intelectuais, artistas e agrupações sociais e gremiais.
Até meados de setembro, 157 convidados haviam confirmado sua presença. Na terceira semana do mesmo mês, o ex-vice-presidente argentino, Carlos Álvarez, chegou à Venezuela para instalar a delegação de acompanhamento eleitoral da Unasul, enquanto responsável desse setor de atividade no organismo de integração.
"Acompanhamento não significa observação eleitoral”, assinala Germán Mundaraín, embaixador da Venezuela nas Nações Unidas, em Genebra. "O voto é o principal exercício cidadão em nossa democracia e ninguém pode controlar nossa própria soberania nacional”. O acompanhante, explica, é "uma testemunha importante de que o processo transcorre com normalidade e profissionalismo”. E deve, além disso, "informar a seus concidadãos o que viu nessa pequena nação sul-americana”. Sem subestimar o papel de "indicar ao CNE as correções a serem incorporadas em âmbito eleitoral para melhorá-lo no futuro”.
De Suíça, viajarão para assistir aos comícios seis personalidades políticas e um comunicador social. Entre os primeiros, o senador nacional Luc Recordon e os deputados nacionais Ada Marra, Antonio Hodgers e Mathias Reynard; bem como o ex-deputado nacional Franco Cavalli e o ex-embaixador suíço na Venezuela, Walter Suter.
"Uma delegação muito significativa quanto à quantidade e qualidade dos participantes”, ressalta Mundaraín. Ele vê nessa presença "um reconhecimento do Poder Eleitoral Venezuelano à neutralidade e longa história de participação democrática eleitoral suíça, como também à colaboração que, há anos, a Suíça tem oferecido a esse poder do Estado”. (Sergio Ferrari).

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Araújo Vianna, o retorno...

Após sete anos e muita polêmica, o Auditório Araújo Vianna volta à ativa

A concha acústica original. Ao fundo, à direita, o Theatro São Pedro. (Clique para ampliar).

Milton Ribeiro no SUL21

O Auditório Araújo Vianna tem uma história longa e acidentada. O primeiro Araújo foi uma concha acústica localizada na esquina ao lado da Praça da Matriz com a rua Duque de Caxias, local onde hoje está a Assembleia Legislativa. Tinha capacidade para 1.200 pessoas. Tratava-se de uma bela construção de estilo neoclássico que contava com bancos rodeados por caramanchões.
A ideia de sua construção surgiu em 1920 e materializou-se num projeto de inspiração alemã elaborado por José Wiedersphan e Arnaldo Boni. Seu nome é uma homenagem ao compositor gaúcho Araújo Vianna (1871-1916). O projeto foi considerado revolucionário na época, pois nunca tinha sido construída uma estrutura de tal porte em concreto armado. A construção teve início em 1925 e a inauguração ocorreu no dia 19 de novembro de 1927. O antigo Araújo Vianna teve enorme participação na vida cultural de Porto Alegre. Localizava-se bem no centro da cidade e dava oportunidade a que pessoas de todas as classes assistissem a apresentações musicais. Jamais um espetáculo levado no velho Araújo teve cobrança de ingresso.
A fotografia acima, de 1928, mostra o velho auditório alguns meses após sua inauguração. As pérgolas ainda estavam sem a vegetação. Foto reproduzida do blog Porto Alegre, uma História Fotográfica. (Clique para ampliar).

Grande público costumava ir à Praça da Matriz para assistir a famosas “retretas” que ocorriam nas quartas e domingos. Nos dias de inverno, os espetáculos se davam no meio da tarde e no verão, ao anoitecer. As apresentações incluíam não apenas a Banda Municipal como também corais, grupos folclóricos e teatrais. O palco servia para ensaio de óperas que se apresentariam no Theatro São Pedro e que eram assistidas pelo público. Em meados da década de 50, cresceu a necessidade de um novo prédio para abrigar a Assembleia Legislativa. Ela deveria ficar próxima às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. E lá se foi um pedaço peculiaríssimo de nossa cidade. O próprio poder público tratou de eliminar aquele que seria um belo recanto do Centro Histórico da cidade.
A antiga estrutura foi demolida e a nova sede foi projetada pelos arquitetos Moacir Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet. Em 1959, o Município e o Estado negociaram que o último construiria um novo auditório em troca da cessão, pelo município, da área ao lado da Praça da Matriz. Já no mês de outubro de 1960 foram retirados todos os bancos do velho Araújo Vianna e em sequência, iniciou-se a demolição da concha acústica.
A nova sede teria a capacidade quatro vezes maior do que a original e foi inaugurada em 12 de março de 1964 com capacidade para 4500 pessoas. Dias depois, já com o golpe de 64 em curso, o arquiteto Carlos Maximiliano Fayet teria sido questionado por uma comissão militar que alegava um suposto envolvimento do arquiteto com os comunistas. A razão teria sido o fato de que o Araújo Vianna, quando visto do alto, teria a forma de uma foice e um martelo. A partir dos anos 70, ele passou a abrigar grandes shows da MPB, mas nos anos 80 passou a ter sua utilização diminuída devido a falta de reformas.
Maquete de apresentação do novo Araújo Vianna: não localizamos a foice e o martelo. (Clique para ampliar).

A chuva e o frio do inverno gaúcho começaram a preocupar os utilizadores do auditório. Muitos shows eram transferidos ou cancelados por causa do mau tempo.  Surgiu a ideia de uma cobertura, a qual foi debatida durante 30 anos. Em meados dos anos 90, nas reuniões do Orçamento Participativo no bairro Bom Fim, foi decidida a construção da cobertura. Para estudar o projeto, foram contratados os arquitetos responsáveis pela construção do auditório em 1964.
Na verdade, o Araújo aberto era um espaço adequado às necessidades da época de sua construção. O auditório foi feito para ser aberto, com concha acústica e sem cobertura, em substituição ao antigo da praça da Matriz. E, afinal, qual é a idéia de uma concha acústica? Obviamente shows acústicos. Era um projeto perfeito para  apresentações de orquestras, bandas, óperas, de pequenos conjuntos de choro e samba – ou shows com pouca amplificação. Era um belo projeto, mas inadequado  às “necessidades” de som muito amplificado e grave, exigidos por nossa cultura atual.
Quando da ocorrência dos primeiros shows com som amplificadíssimo, estes passaram a perturbar o sossego dos moradores do Bonfim, o que acabou por inviabilizar a utilização do auditório em horários noturnos. Fez-se a a nova cobertura, que foi inaugurada em 4 de outubro de 1996, com um histórico show de João Gilberto. A capacidade passou a ser de três mil pessoas sentadas. A técnica utilizada na cobertura foi a utilização de lona tensionada, o que já fazia prever uma futura reforma, devido a sua durabilidade limitada.
A polêmica cobertura, em 2006, durante a interdição | Foto: Google Maps

Mas o pior é que, em razão do esticamento da lona e de seu formato de meia parábola invertida, ela tornou-se acusticamente inviável. Internamente, a cobertura refletia o som em todas as direções. Além disso, o auditório continuava inevitavelmente redondo e, portanto, devolvia o som da traseira da plateia para o palco. O palco, em concha, projetava o som para a platéia, mas ele retornava de forma caótica. Quando chovia, o ruído interno era insuportável.
Em 1997, o Parque Farroupilha foi tombado como Patrimônio Histórico e Cultural do Município. Como parte integrante do Parque, o auditório passou a ter sua preservação garantida. A lona que cobria o Araújo Vianna, segundo laudo técnico da SMOV, perdeu sua validade em julho de 2002. O risco era de que, em caso de chuva mais persistente, a pressão sobre a lona rompesse os cabos, que teriam um efeito de chicote sobre o público. No início de 2005, o auditório foi interditado pela Prefeitura de Porto Alegre. A lona passou a servir apenas aos pombos do parque.
Da nova cobertura do velho Araújo dependerá o isolamento e a acústica | Foto: Opus Promoções / Divulgação

Hoje foi construída uma nova cobertura com um sanduíche de materiais que provê o isolamento acústico para os shows de volume sonoro mais alto. Também foram tratadas as reflexões da cobertura curva e o retorno de som para o palco. Dentre os requisitos para a reforma do auditório, estavam a reforma interna — incluindo palco e cadeiras, assim como banheiros, camarins e áreas de apoio — e externa, com cobertura acusticamente tratada para evitar transtornos aos moradores, além de melhorias no entorno do auditório.  A nova cobertura acústica é fixa, feita em madeira, poliuretano expandido e resina impermeável. O local tem capacidade para 3 mil pessoas (cerca de 4300 quando for misto, composto por cadeiras e pista), 2 bares, novos camarins, novos banheiros e acessibilidade para cadeirantes numa área de 5000 m².
O palco do novo Araújo dias antes da reabertura | Foto: Opus Promoções / Divulgação

O diretor da Opus Promoções, Carlos Konrath, citou que esta é a primeira parceria público-privada do setor cultural da cidade. A Opus dividirá o espaço com a Prefeitura, ficando com 75% do calendário anual do Araújo pelo período de dez anos. Haverá também um conselho gestor com participação paritária dos dois parceiros. Como atrações trazidas pela Prefeitura, já estão confirmados o show de inauguração, com os artistas citados abaixo, e mais Tom Zé no dia 3 de outubro. A programação da Opus abre no dia 22 de setembro com Maria Rita cantando Elis Regina, e segue com nomes como Paulinho da Viola, Roupa Nova e outros.
O concerto de inauguração desta quinta-feira, 20 de setembro, às 18h, envolverá nomes marcantes da cena musical gaúcha, muitos deles com biografia ligada ao auditório. São eles: Carlinhos Carneiro, Edu K, Wander Wildner, Hermes Aquino, Gelson Oliveira, Nico Nicolaiewsky, Nei Van Soria, Gloria Oliveira, Raul Elwanger, Charles Máster, Nelson Coelho de Castro, Zé Caradípia e Elisa, Júlio Reny, King Jim, Tonho Crocco, Cláudio Heinz e Júlia Barth (Replicantes), Elaine Geissler, Tiago Ferraz, Hique Gómez, Antônio Villeroy e Bebeto Alves.
O parque Farroupilha (Redenção) e o novo Araújo com seu aspecto de disco voador | Foto: Bernardo Ribeiro / Sul21

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA FALANDO SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES POR JUSTO PISO - CARREIRA DIGNA E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE!

Maiakovsky - grande poeta russo - humanista 
 A partir de uma conhecida poesia de Eduardo Costa, em homenagem ao poeta russo Vladimir Maiakovsky e ao dever de sempre resistir, lutar por direitos, exercer a cidadania e ser protagonista de sua história social... utilizando a mesma bela estrutura da poesia de Eduardo Costa, com influência de outros grandes gênios, como Brecht, fiz uma poesia em homenagem à luta dos professores. Importante dizer que em muitos Estados e municípios os professores estão silentes, calados,  enquanto a traça da violação corrói todos os seus direitos. Atualmente, a luta dos profissionais da educação básica no Brasil  é uma verdadeira cruzada em defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, do justo piso, da carreira digna e da educação de qualidade como direito humano universal e fundamental contra a corrupção, contra os inimigos da educação, contra o clientelismo, contra o atraso, contra o patrimonialismo...    Leia então o poema:
                                                            
                                                                                    De: Valdecy Alves
Vós bem sabeis
Conheceis melhor que eu
É a mesma velha história
Na primeira noite eles se aproximam
E roubam 2%  da Vossa Carreira
E vós, professores não dizeis nada...

Na segunda noite já não se escondem
Negam o reajuste anual do piso
Escondem todos os dados do FUNDEB
E matam vossa motivação
Colocam a educação na UTI e
Já não sois tratados 
Como dignos profissionais da educação...

Até que um dia
O mais frágil e sonso dos gestores
Sozinho...
Rasga a lei do piso
Lança no lixo a Constituição
Espezinhando todos os vossos direitos
Rouba-vos a coragem do presente
Condena-vos ao fracasso no futuro
De tudo faz para aniquilar vosso sindicato
Incinera vosso direito de greve
Persegue vossas lideranças sindicais
Arranca-vos a voz da garganta
E já não podeis dizer ou fazer mais nada!

Professores cearenses protestando contra violação aos seus direitos e ao direito à educação


Nos dias que correm
Deveis erguer a cabeça
Enfrentar os senhores da corrupção
Para que não caleis para sempre
Para que não coloquem em vós novos grilhões
Pois se ao educador restar a escravidão
Que destino terão os pobres educandos?
No silêncio do meu sonhar
Só vejo esperança na radical reação
O vento diz que só encontrareis certeza da vitória na luta!
Que o temor não vos cale
Que a hesitação do Judiciário não vos faça fraquejar
Que a omissão do Legislativo não vos desmotive...
Que a alienação da sociedade não vos permita claudicar
Espernear sempre... ainda que seja contra mil!
Que além das palavras, que demonstram vossos sonhos
Sejam inúmeros vossos atos praticados
Que serão os tijolos da construção da justiça sonhada ...
No meu interior
Com a potência de palavras de ordem em coro
Gritadas por milhões de professores
Ecoa a sempre mesma palavra: RESISTÊNCIA!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os riscos de “reversão colonial” da América Latina


Economistas participantes de debate na USP alertaram para a ameaça de os países da região retomarem sua condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais. Para os especialistas, a América Latina não está imune à crise econômica global – apenas estaria aplicando uma política de contenção.

 
São Paulo - A crise econômica deflagrada em 2008, que apresenta seus desdobramentos até hoje, tem sido motivo de cortes orçamentários, aumento do desemprego e manifestações, principalmente nos países da chamada “Zona do Euro”. No entanto, sua influência sobre a América Latina ainda aparece incerta. Para esclarecer essa questão, formou-se a mesa “América Latina: imune à crise?”, no Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, que ocorreu entre os últimos dias 11 e 13 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

Para Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como o capitalismo funciona de maneira sistêmica em todo o mundo, os problemas de que sofre são globais e, dessa forma, a América Latina não está imune à atual crise. Leda Paulani, professora de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), concorda. Para ela, depois de duas décadas – 1980 e 1990 – de subordinação aos interesses dos credores, a economia dos países da região foi se financeirizando – o Brasil, por exemplo, transformou-se em uma plataforma internacional de valorização financeira e, apesar de a dívida externa ter deixado de ser um “problema”, outro muito mais grave passou a figurar: a operação de uma quantidade muito grande de capital externo, de não residentes, principalmente em portfólio, com fins especulativos.

Ramón Peña Castro, doutor em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscou, chamou a atenção para a situação da América Latina como fonte estratégica de recursos para os países desenvolvidos, em seu avanço sob o capitalismo. Leda também destacou esse ponto, classificando-o como uma “reversão neocolonial”, em que os países da região estariam retomando a condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais.

Essa reversão estaria associada, como apontado por Plínio, à incapacidade dos Estados Nacionais de desenvolverem de uma maneira construtiva e racional o enfrentamento à crise. Segundo ele, ocorre uma “política de administração da crise”, em que nenhuma de suas causas são tocadas, apesar de impedir que apareçam seus maiores efeitos. Essa política, afirma, leva a uma “socialização dos prejuízos”, por meio da qual “o capital vem aprofundando cada vez mais seu controle sobre o Estado”.

O maior controle do capital sobre o Estado foi também destacado por Ramón, que apontou uma “virada privatista” no governo de Dilma Rousseff. José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), lembrou, nesse sentido, a forte presença dos fundos de pensão, que, segundo ele, representam um peso enorme à dívida interna e auxiliam na criação da “ilusão do neodesenvolvimentismo”. Gomes defendeu a realização de uma campanha pública para esclarecer a população sobre a questão da seguridade social e previdência, e outra pelo não pagamento da dívida pública.

Quanto à “ilusão” de que o continente latino-americano está imune à crise, Plínio afirmou que o atual crescimento econômico na região ajuda a construir essa ideia – segundo ele, porém, esse dado é efêmero. “O dinheiro vem e estimula o crescimento, pois afasta, em um primeiro momento, o risco de crise cambial, eleva o preço das commodities, melhora as exportações, abre espaço para política de redução de juros – no entanto, é um crescimento empurrado pela bolha especulativa.” Nesse sentido, o professor da Unicamp enfatizou a necessidade de a América Latina sair desse mar turbulento, rompendo com a globalização. Para isso, afirmou, “o primeiro passo é centralizar o câmbio para que a reserva imensa seja capaz de financiar nossa saída desse mar especulativo”.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

As Pussy Riot da Primavera Árabe

no OPERAMUNDI

Banda punk russa inspira, de maneira indireta, a luta pelos direitos das mulheres no Oriente Médio
Um grupo de mulheres vestidas de burca deixou seus trajes e véus por vestidos de cores vivas e balaclavas (gorros de lã), e fizeram seu caminho para a Masjid al Haram (a mesquita sagrada de Meca). Em num gesto que desafiou o sistema estabelecido na Arábia Saudita e a hierarquia clérico-patriarcal, as mulheres explodiram em um coro de nasheeds (canção de louvor religiosa típica do islamismo), invocando a Virgem Maria para abençoar sua cruzada feminista e amaldiçoar a elite religiosa do país por estar em conluio com o príncipe herdeiro Abdullah.
O firme controle da ortodoxia religiosa exclui a possibilidade de qualquer repetição das Pussy Riot em solo árabe. Mesmo murmúrios de um golpe de inspiração feminista encenando um espetáculo provocador em um local santo levaria a mutaween (polícia religiosa da Arábia Saudita) e a Gestapo religiosa a agir, e provavelmente representaria a sentença de morte para os direitos das mulheres.
Mas para as socialmente imóveis e culturalmente policiadas mulheres do mundo árabe, a histeria em torno do Pussy Riot pode ser uma lição na política da dissidência. A rápida emergência do mundo para os árabes já sugere que os tradicionais pontos de vista sobre as mulheres não condizem mais com os fatos. Se as Pussy Riot foram a prova de que uma performance amadora feita por um grupo feminista entusiasmado pode assumir rapidamente dimensões internacionais, o que impede um pequeno grupo de feministas árabes de fazer algo semelhante?

[Ao lado, charge do cartunista brasileiro Carlos Latuff em apoio ao movimento Women2Drive]
Claro, há perigo em exagerar no otimismo. O rascunho constitucional da Tunísia é um caso recente no qual as definições da condição feminina permanecem fixas, a julgar pelo texto que diz que as mulheres seriam “complementares” aos homens. No Egito, a luta das mulheres para participar na proposta da Constituição ressalta a complicada interação entre política, gênero e religião.

Os avanços que as mulheres tiveram nos últimos anos retrocederam. As legislaturas recém-eleitas nesses países são ambíguas quanto à possibilidade de ascensão social das mulheres no cenário pós-revolução. Portanto, a visão de que as liberdades adquiridas são, por excelência, garantidoras dos direitos das mulheres, está repleta de falhas.
Mas o canto entusiasmado e vívido das mulheres árabes sobre um novo futuro será inspirado pelo episódio da banda Pussy Riot, assim como os manifestantes da Praça Tahrir serviram de modelo para a revolução. Ao energicamente redesenhar as linhas de batalha e garantir que o futuro dos direitos das mulheres não seja limitado pela inércia, elas também podem aproveitar a dinâmica das recentes fissuras políticas obtidas em seu país.

Tanto na sociedade russa quanto na árabe, as mulheres lamentam o estrangulamento da sociedade civil e como os seus direitos foram tornados reféns de um grupo político tirânico, trazendo pequenos, mas totalitários estragos em seu rastro. As frustrações de muitas dessas mulheres dialogam diretamente com uma consciência política que busca minar um ethos condescendente masculino que domina as relações de poder atuais e colocar o engajamento cívico das mulheres na linha de frente.
Ao abrir um precedente para as mulheres russas exporem as irracionalidades do status quo, as manifestantes do Pussy Riot podem ter involuntariamente se juntado a uma classe simbólica a qual pertencem as amarguradas mulheres árabes, cujo desejo de derrubar totalmente o discurso de gênero predominante compartilha a mesma lógica e causalidade. As Pussy Riot desafiaram a tirania política das elites e podem materializar um contágio cultural em redutos árabes. 

O encanto por trás da revolta do trio do Pussy Riot é que ele transcende os limites estreitos da inquietação feminista e ressoa com o drama das mulheres árabes, a quem é dado pouco espaço de manobra para agir no contexto da revolução. Para aquelas injustamente forçadas a engolir as armadilhas da sua feminilidade, renegociar o campo de jogo religioso usando reivindicações de gênero como uma moeda de troca poderia passar um sentimento de euforia aos marginalizados pelo Estado.

Se você é uma mulher líbia sonhando com cargos públicos, uma saudita pressionando por sufrágio ou, como uma Pussy Riot clamando para desafiar o discurso totalitário de um estado opressor, é difícil não ser romanticamente conquistado pelo feito notável das russas. O mais difícil é os governos suprimirem uma ideia cujo tempo chegou e novas formas de dissidência que rapidamente são difundidas.

A conjuntura do mundo árabe está madura para esse tipo de política não-conformista. O estrangulamento de Putin sobre as liberdades democráticas espelha a sufocante natureza tirana dos governos árabes. O conluio entre a Igreja Ortodoxa Russa e o Kremlin ecoa a aparentemente inquebrável relação Estado-clero em países como o Egito, onde o governo bajulador dos imãs da Universidade Al Azhar, a sede intelectual do islã sunita, preserva a política do privilégio.
Excede no mundo muçulmano uma burocracia religiosa avarenta que sustenta uma administração fragilizada e as mulheres são frequentemente as primeiras a sofrerem nesse cenário, no qual centros clericais financiados pelo Estado são propagadores de sexismo e fazem apologia à regressão das conquistas feministas.
A possibilidade das meninas árabes serem as primeiras beneficiadas pela tendência iniciada pelas Pussy Riots e demonstrarem que a sua autoridade deriva não de aderir a tradições, mas de expandir os limites de sua aceitação, pode acrescentar uma nova força à Primavera Árabe. Aproxima-se uma época na qual vozes marginais contribuirão para a agitação política e pontos de vista sobre a dissidência se tornarão menos uniformes e padronizados, gerando um cenário propício para a luta-chave pelo poder.
Em sociedades onde a dissidência feminina se originou da raiva contra o tipo de patrimonialismo que brutaliza as mulheres, tentativas de oprimir outras pessoas sob o jugo da tradição serão percebidas como uma expressão anormal de individualidade. Contudo, a Primavera Árabe e as Pussy Riot revelam desvantagens comuns entre as mulheres e provocam perguntas incômodas sobre gritos agudos de uma comunidade sem voz que busca nada mais que um justo fim da dominação.
 
Hasnet Laís é escritora e colunista do Muslim Post. Texto original do Open Democracy e publicado em português pelo blog Outras Palavras. Tradução de Natália Mazotte.

domingo, 16 de setembro de 2012

Quem vai dar o golpe no Brasil?





Agora vocês entendem porque eu ataco tão violentamente a tese de que é possível governar sem base legislativa, sem força política? Essa é uma tese perigosíssima, sobretudo para a esquerda, que não tem apoio da mídia, e que apenas conta com apoio do empresariado enquanto a economia for bem. Há um setor do empresariado progressista, ligado à produção, mas há também um setor financeiro reacionário, corrupto, profundamente insatisfeito, por exemplo, com a concorrência dos bancos públicos e a determinação do governo de reduzir spread e juros.
Um país de economia diversificada como o Brasil, e com tantos recursos naturais, encontrará financiadores para qualquer aventura golpista, sendo que a estratégia pós-moderna é o golpe branco, por dentro da lei, baseado na manipulação da informação.
A guerra do Iraque, por exemplo, foi um golpe branco, um conluio entre a indústria bélica, mídia e setores do governo, para arrancar do contribuinte americano alguns trilhões de dólares. Conseguiram. A guerra pode ter sido um fiasco, e a mídia depois confessou que mentiu, mas o dinheiro foi embolsado pelos barões das armas. Do ponto-de-vista financeiro, portanto, a guerra foi um sucesso absoluto.
Recentemente, testemunhamos na América Latina dois golpes brancos: em Honduras e no Paraguai.
O do Paraguai, mais recente, chocou a opinião pública brasileira, mas contou com apoio da mídia (a nossa, e a deles também, claro) e de setores da direita (a nossa e a deles).
E agora vemos o Supremo Tribunal Federal realizando um julgamento não ortodoxo do mensalão, condenando sem provas, encarnando um estarrecedor tribunal de exceção. Confiram a entrevista com Wanderley Guilherme dos Santos para a Carta Capital.
No que toca à mídia, não faltará disposição. Esta é a razão do título do post, que é uma citação de um livro publicado por Wanderley em 1962, no qual ele analisa a situação política e prevê o que irá acontecer.  Não quero acreditar em golpe no Brasil. Acho que não chegaremos a tanto, mas golpe é golpe justamente por ser uma surpresa. Ninguém contava com o golpe de 64, assim como não contavam em Honduras ou Paraguai. Um pouco de paranóia, se dosada com bom senso, não faz mal a ninguém.
A Veja desta semana traz uma reportagem bombástica de capa. Depois do julgamento sem provas, dos grampos sem áudio, agora temos uma entrevista sem entrevistado. A revista traz revelações dadas por Marcos Valério que não foram ditas por Marcos Valério, mas colhidas em depoimentos de parentes, amigos e associados. Ou seja, a velha e boa fofoca ganhou status de entrevista e matéria jornalística. PS: Marcos Valério não apenas não deu a entrevista como não confirmou as informações nela contida.
Sabe o que é pior? As pessoas acreditam. Lembro que uma vez eu li uma matéria sobre uma pesquisa de cientistas ingleses, que descobriram que as pessoas tendem a acreditar mais em fofocas do que em seus desmentidos.
A reportagem ataca, obviamente, Lula, que é uma espécie de vilão-mor da Veja. Ela ocorre na mesma edição em que se publica uma resenha do último livro do blogueiro da revista, Reinaldo Azevedo, intitulada, muito criativamente, País dos Petralhas II.
O objetivo da matéria é criar um fato bombástico para repercutir nas primeiras páginas dos jornais de domingo, constará do Fantástico, e pautará os grandes órgãos de imprensa, aliados nessa estratégia. Faltando pouco mais de 20 dias para a eleição municipal, a Veja tenta levar Serra, candidato à prefeitura de São Paulo, para o segundo turno.
Não se trata de considerar Lula um intocável. Mas não se pode pautar a agenda política de um país com base em fofocas. Se Marcos Valério tem alguma coisa a dizer, que o diga de sua própria boca, e prove.
Nesse momento em que a direita se vê cada vez mais enfraquecida, não podemos baixar a guarda, porque o bicho se torna mais feroz quando está acuado. A esquerda tem de se fortalecer, ampliar sua base legislativa, aprimorar as instituições, e construir, paulatinamente, um sistema de comunicação mais democrático. O Brasil se tornou grande demais para ficar à mercê de meia dúzia de barões da mídia.
Para isso, o governo tem de fazer um PAC da Internet, investindo o que for necessário, urgentemente, para elevar a banda em todo país, porque somente a internet pode nos libertar do risco de um golpe branco midiático. Este PAC deveria conter os seguintes pontos:
  1. Consolidar, de uma vez por todas, uma banda larga de alta potência em todo país, ao custo menor possível para o usuário.
  2. Incentivar a criação de canais de TV exclusivos de internet.
  3. Incentivar a criação de websites, blogs e portais  jornalísticos e culturais, que sejam independentes de corporações. Sei que já existem milhares de websites e blogs independentes, mas quase nenhum é profissional. Para isso, entrará o investimento do poder público. Temos de fazer leis que obriguem municípios, estados e União a patrocinarem a mídia independente – a partir de critérios republicanos, evidentemente.
O Leviatã midiático está mais desesperado – e por isso perigoso – do que nunca. O novo lance da Veja deve nos preparar para o que virá em 2014. Em 2010, sofremos na pele o risco de um retrocesso brutal por conta da aliança entre grande mídia e oposição conservadora. Essa é a razão pela qual eu não acredito em aventureiros solitários. A guerra política não é para adolescentes mimados. Governos de esquerda, ou aliados à esquerda, tem de ser fortes, com base legislativa sólida e confiável, ancorados em processos consolidados de articulação política entre partidos, sindicatos, movimentos sociais, empresariado e sociedade civil. Se não for assim, se não agirmos com inteligência e coesão, estaremos expondo nosso povo a um risco que ele não merece correr.
Lula foi um grande estadista, mas o importante não é o indivíduo. É o projeto político. Esse projeto deve ser assegurado, porque a democracia, em si, não muda muita coisa, o que muda é a luta política no interior da democracia. A luta para assegurar crescimento econômico, empregos, juros baixos, mais investimentos em infra-estrutura, e aprimoramento constante dos serviços de educação e saúde oferecidos pelo poder público.

sábado, 15 de setembro de 2012

Os palestinos nos livros escolares de Israel (Como se faz a desumanização de um povo)

Neste documentário, Nurit Peled-Elhanan fala de sua pesquisa relacionada com o conteúdo dos livros didáticos de Israel. Ela expõe em detalhes como estes livros são elaborados com o objetivo de desumanizar o povo palestino e fomentar nos jovens estudantes israelenses a base de preconceitos que lhes permitirá atuar de forma cruel e insensível com o mesmo durante o serviço militar. Conforme explica Nurit Peled-Elhanan, a construção de mundo feita a partir dos livros didáticos, por serem as primeiras a se sedimentarem na mente das crianças, são muito difíceis de serem erradicadas. Daí a importância que o establishment israelense dedica à ideologia a ser transmitida nos livros didáticos. Neles, os palestinos nunca são apresentados como seres humanos comuns. Nunca aparecem em condições que possam ser consideradas normais. Segundo Nurit Peled-Elhanan, não há nesses livros nem sequer uma fotografia de um palestino que mostre seu rosto. Eles são sempre apresentados como constituindo uma ameaça para os judeus.
 

Ativistas de direitos humanos pretendem boicotar lei sobre ONGs

 
As duas entidades de defesa dos direitos humanos mais antigas da Rússia, o Grupo Helsinque de Moscou e o Memorial, anunciaram a intenção de boicotar a discutível lei sobre “agentes estrangeiros”. Os deputados da Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo) afirmaram que a desobediência à norma poderá resultar no encerramento das atividades da organização.

Ativistas de direitos humanos pretendem boicotar lei sobre ONGs
Aleksandr Cherkássov (à dir.) e Liudmila Alekséeva (à esq.). Foto: Kommersant
 
Várias entidades de defesa dos direitos humanos declararam que não vão cumprir a lei sobre “agentes estrangeiros” destinada às organizações não governamentais, segundo informações dos líderes do Grupo Helsinque de Moscou e do Memorial.

A norma obriga as ONGs que desenvolvem atividades políticas com financiamento exterior a se identificarem como agentes estrangeiros.

O líder do Memorial, Aleksandr Cherkássov, foi contundente ao contestar a medida. “Em primeiro lugar, não nos consideramos ‘agentes estrangeiros’. O termo se refere a agentes que cumprem missões por dinheiro, e esse não é o caso”, disse em entrevista ao jornal Izvéstia.

Afinal, o que muda?


As emendas à lei sobre as organizações sem fins lucrativos foram promulgadas pelo presidente Vladímir Pútin em julho deste ano e se referem apenas às estruturas engajadas em atividades políticas e financiadas por capital estrangeiro.

Pela novas regras, essas organizações devem ser registradas no Ministério da Justiça como “agentes estrangeiros” e utilizar esse termo na assinatura de todos os materiais veiculados pela entidade.

Em caso de violação da lei, os líderes da entidade infratora podem ser receber uma multa ou sentença de até quatro anos de prisão.
“Nossos legisladores fazem coisas tolas em vez de cuidar dos problemas reais. Não vamos cumprir decisões absurdas”, completou.

As organizações sem fins lucrativos também declararam que se recusarão a pagar as multas estipuladas pela lei. “A multa pode ser aplicada, mas isso não significa que ela será paga”, afirmou o líder do Memorial, ao criticar os conceitos de agente e de atividade política.

A chefe do Grupo Helsinque de Moscou, Liudmila Alekséeva, compartilha a mesma opinião e, por esse motivo, também assumirá uma postura semelhante. “Somos honestos com o país e com nosso povo. É uma ofensa alguém nos chamar de agentes estrangeiros e nos ameaçar com multas”, declarou Alekséeva.

Portas fechadas
 
O deputado Aleksandr Sidiákin, autor das polêmicas emendas à lei sobre ONGs, afirma que a sabotagem por parte do Memorial e do Grupo Helsinque pode ter como consequência o  encerramento de suas respectivas atividades.

“Os ativistas de direitos humanos devem compreender que trata-se de uma lei federal e, logo, deverão cumpri-la”, afirma o deputado. As multas podem chegar a 1,5 milhões de rublos (cerca de US$ 50 mil). “Se a desobediência for perpetuada depois de pagar as multas, tais ações poderão ser qualificadas como desrespeito a uma lei federal, levando ao encerramento da organização.”

A diretora do Grupo Helsinque lembra que as doações recebidas do exterior são gastas com atividades para a defesa dos direitos humanos, cujo único objetivo é ajudar as pessoas.

“Podemos renunciar à ajuda estrangeira se estivermos sob ameaça de encerramento. Nesse caso, iremos funcionar com o auxílio financeiro russo que, no entanto, é muito insignificante”, rebate Alekséeva.

O Grupo Helsinque de Moscou e o Memorial são as maiores e mais antigas entidades de defesa dos direitos humanos da Rússia, constituídas na época da União Soviética.

Originalmente publicado pelo jornal Izvéstia

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A linguagem da verdade na luta de massas


Miguel Urbano Rodrigues


 
Em situações históricas como a actual os responsáveis pelas crises optam pelo auto elogio, enquanto se preparam para responder com a repressão ao protesto popular. Os Passos, Relvas e Companhia Lda esquecem que no movimento de fluxo e refluxo da História as grandes crises desembocam quase sempre numa contestação torrencial quando os povos, atingido um limite, não podem mais suportar a opressão da classe dominante e se mobilizam para lhe por termo.

As medidas anunciadas pelo primeiro-ministro no dia 7 de Setembro - ostensivamente inconstitucionais - assinalaram uma vertiginosa galopada para a direita do governo mais reaccionário do País desde a Revolução de 1974.
Passos Coelho pelo que disse, pela hipocrisia e até pelo tom, fez-me recordar falas de ministros de Salazar. Deles se diferencia não pelo conteúdo ideológico da «mensagem», mas porque alguns eram inteligentes e porque o que resta da herança de Abril não lhe permite ir tão longe quanto desejaria na destruição de conquistas históricas dos trabalhadores e na ofensiva contra direitos e liberdades.
Os novos impostos e a descida da taxa social única (800 milhões oferecidos na prática às grandes empresas) inserem-se numa estratégia dita de «austeridade», mas que transcende as próprias exigências da troika. Foi concebida para favorecer o grande capital e atingir brutalmente os trabalhadores.
O complemento da agressão fiscal tornado público pelo ministro Vítor Gaspar, tutor ideológico de Passos, amplia os contornos do pesadelo.
O fracasso do projecto em desenvolvimento é, porém, tão transparente – o défice não desceu, o desemprego disparou, o PIB caiu – que pela sua irracionalidade e consequências desastrosas ao levar o pais à ruína abriu fissuras nas forças da direita que inicialmente o apoiaram maciçamente.
Destacadas personalidades políticas do sistema, tradicionalmente vinculadas ao imperialismo, como Adriano Moreira, Freitas do Amaral, Alberto João Jardim, Bagão Félix, Mário Soares, Pacheco Pereira criticaram com maior ou menor clareza o pacote fiscal do governo. Até Catroga se distanciou.
O Presidente da República, esse, permaneceu mudo até ao momento em que escrevo.
Na hierarquia da Igreja levantam-se vozes condenando aquilo em que identificam o arrogante desprezo do governo pelo povo.
A Saúde e a Educação serão brutalmente golpeadas. Entre os reformados a maré da revolta cresce. Não há mentira oficial que possa ocultar a evidência: o governo pretende destruir a Previdência, arrasar a Segurança Social.
O indigitado secretário-geral da UGT apelou à denúncia dos compromissos assumidos pela sua organização com o governo e o patronato e agora exige a rejeição das medidas anunciadas.
A própria CIP desaprova a estratégia do Executivo, e Belmiro de Azevedo, o patrão da SONAE (que vai poupar muitos milhões de euros com a descida da taxa social única), demarcou-se do governo. Foi categórico ao afirmar que o brutal aumento da carga fiscal sobre o trabalho, longe de atingir os objectivos fixados, vai contribuir para o agravamento da crise.
Influentes «analistas» da burguesia, como Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares, habitualmente prudentes nas críticas ao governo, desancaram agora Passos Coelho e a cruel farsa da «austeridade».
Não esperava o Primeiro-ministro que o seu medonho pacote fiscal fosse mal recebido por parlamentares e dirigentes do PSD e do CDS. Mas teve uma surpresa.
«Sinto uma grande revolta no PSD - declarou ao jornal «Publico» um deputado desse partido - porque o Primeiro-ministro foi longe demais».
No CDS o mal-estar aumenta a cada dia e alguns «barões» falam abertamente da necessidade de por termo à coligação, cimento da maioria parlamentar.

GRANDES LUTAS NO HORIZONTE

A presente crise – é uma certeza – vai aprofundar-se muito. Inseparável da crise global do capitalismo, a actual, que lançou milhões de portugueses no desemprego, na pobreza e na miséria, difere de todas as anteriores não apenas pelas seus efeitos sociais e económicos, mas pela ideologia e projecto dos representantes do capital que controlam o governo e o Parlamento.
É significativo que o ministro Relvas, envolvido numa cadeia de escândalos sórdidos, tenha aproveitado a sua visita ao Brasil para fazer no Rio declarações provocatórias, de elogio irrestrito à devastadora e criminosa política fiscal de Passos Coelho. Insolente, maltratando inclusive o idioma, sugere aos que dela discordam a apresentar uma alternativa, para concluir que ela não existe e proclamar que a recusa da estratégia do governo seria o caos.
Não é inédito o seu arrogante desafio. Em situações históricas como a actual, os responsáveis pelas crises optam pelo auto elogio, enquanto se preparam para responder com a repressão ao protesto popular.
Os Passos, Relvas e Companhia Lda esquecem que no movimento de fluxo e refluxo da História as grandes crises desembocam quase sempre numa contestação torrencial quando os povos, atingido um limite, não podem mais suportar a opressão da classe dominante e se mobilizam para lhe por termo.
Não há dois processos iguais. As revoluções e as transições marcadas por reformas revolucionárias diferem de sociedade para sociedade, evoluindo em função de factores que não cabe analisar num artigo como este.
Isso ocorreu no 25 de Abril.
Transcorridos 38 anos, frustradas as grandes esperanças da Revolução Democrática e Nacional, uma grande burguesia dependente, mais sofisticada do que a anterior, e mais intimamente ligada ao imperialismo, encontra-se novamente instalada no Poder.
Sob alguns aspectos a luta contra o sistema é hoje mais difícil do que na época de Salazar e Caetano porque as condições subjectivas são menos favoráveis.
As instituições existentes (deformadas por sucessivas reformas da Constituição) levam milhões de portugueses, a maioria da cidadania, a crer que o regime português é democrático.
Ora, na prática vivemos sob uma ditadura da burguesia de fachada democrática. Mas somente uma pequena minoria de portugueses tem consciência dessa realidade.
Em Portugal, a resistência dos trabalhadores a políticas neoliberais de sucessivos governos do PSD e do PS tem sido uma constante. Sobretudo nos últimos anos. Expressou-se em gigantescas manifestações de protesto, em greves gerais e sectoriais realizadas com êxito, em lutas de numerosas categorias profissionais, com destaque para as dos professores.
Mas o controle dos media pelo capital e a influência hegemónica do imperialismo na Internet dificultam extraordinariamente a compreensão pela maioria dos portugueses da complexidade da crise mundial e dos desafios que se colocam ao povo português. Os mecanismos da alienação são uma fonte de ilusões, favorecendo a direita (na qual incluo os dirigentes do PS).
A ilusão de que é possível às forças progressistas chegar ao governo através de eleições está muito difundida. Tal convicção é utópica.
A engrenagem montada pelas forças do capital foi concebida e funciona de modo a que alternadamente obtenham maioria parlamentar e cheguem ao governo, exibindo uma falsa representatividade popular, ora o PSD (levando a reboque o CDS), ora o PS.
A ruptura com essa engrenagem, para produzir efeitos, para ser real, não pode consumar-se dentro do sistema, tendente à sua democratização. Terá de ser uma ruptura contra o sistema. Por outras palavras, é imprescindível deixar transparente que o inimigo é o capitalismo e que este é irreformável pela sua natureza desumana. É possível em Portugal um governo menos reaccionário, mas não um governo progressista.
A linguagem da verdade é uma exigência política e ética no diálogo com as massas.
A ideia de uma volta a Abril é também romântica. A História não se repete. Seria negativo confundir os valores de Abril e o respeito que inspiram com a aspiração ilusória de uma nova Revolução Democrática e Nacional, no actual contexto.
Qual então o carácter da resposta popular, qual o rumo que a contestação ao Poder da burguesia e ao protectorado imperial devem assumir?
A pergunta é formulada com frequência por aqueles a quem são dirigidos apelos para a dinamização da luta de massas. E é pertinente porque a relação de forças na sociedade portuguesa não abre a porta a uma conjuntura pré-revolucionária.
A menos que se produza a nível mundial uma situação revolucionária envolvendo os EUA e a União Europeia, o que não está para breve, uma Revolução social vitoriosa em Portugal é uma impossibilidade.
A luta intensa e permanente contra este governo, que assume já no discurso e na prática matizes neofascistas, não vai desembocar numa Revolução progressista. A serena consciência dessa realidade não justifica uma atitude de pessimismo, de passividade alienante. Em Portugal a participação nas lutas contra o sistema é transversal, abrange já segmentos da pequena e média burguesias, camadas sociais que ainda há poucos anos afirmavam não se ‘interessar pela politica’.
Ao longo da História, muitas gerações bateram-se por transformações revolucionárias que não se produziram durante as suas breves existências. Mas o seu compromisso era com as ideias e não com o calendário. Revoluções tão importantes para o progresso da Humanidade como a Francesa de 1789 e a Russa de 1917 não teriam sido vitoriosas sem a luta, a dedicação, o debate de ideias de uma extensa, maravilhosa cadeia de revolucionários que as imaginaram e para elas viveram.
Afirmar sem rodeios, frontalmente, que a ruptura em Portugal deve ser com o sistema capitalista, rumo ao socialismo distante, esfumado num horizonte de brumas, é seguir o exemplo desses revolucionários, caminhar pelas alamedas que eles abriram combatendo.
Acredito que a luta de massas vai adquirir um ímpeto novo, que a repressão será incapaz de travar, um ímpeto vocacionado para abalar os alicerces do Poder ultramontano.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Talvez duas crianças tenham morrido para você ter o seu celular"

   


         


     
     

    congoRepública Democrática do Congo - Brasil de Fato - [Inês Benitez] Consumidores de telefones celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo

    Os consumidores de telefones celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.
    "Pode ser que duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular", disse Jean- Bertin, um congolense de 34 anos que denuncia o "silêncio absoluto" sobre os crimes cometidos em seu país pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan (columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos 64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
    Da tantalita se extrai o tântalo, metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros. "A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas metem o nariz ali", lamenta Jean-Bertin, que chegou há oito anos à cidade espanhola de Málaga, procedente de Kinshasa, onde vivem seus pais e dois irmãos.
    A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do "vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo". Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.
    A exploração de coltan em dezenas de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças, segundo o documentário de 2010 Blood in the Mobile (Sangue no Celular), do diretor dinamarquês Frank Piasecki.
    No entanto, fontes da indústria, como o Tantalum- Niobium International Study Center (TIC), alertam que as jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.
    A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro, cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais. Na Espanha, a Rede de Entidades para a República Democrática do Congo - uma coalizão de organizações não governamentais e centros de pesquisa - lançou em fevereiro a campanha Não com o meu Celular, para exigir dos fabricantes o compromisso de não usarem coltan de origem ilegal.
    O surgimento de novas fontes de tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros, contou ao Terramérica a coordenadora da campanha na Entreculturas, Ester Sanguino.
    Entretanto, fundações e empresas dedicadas à reciclagem, ouvidas pelo Terramérica, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não daria conta, disse ao Terramérica uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento das aplicações atuais do tântalo.
    Apple e Intel anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga. Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais "não contenham materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente". Na verdade, os códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.
    O esforço maior é o das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.
    "Os grupos rebeldes proliferam pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro", disse ao Terramérica o coordenador da organização humanitária Farmamundi na RDC, Raimundo Rivas. Os governos vizinhos são "cúmplices" e "até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas", ressaltou. "Há muitos interesses econômicos em torno do negócio do coltan", alertou Jean-Bertin. Enquanto isso, na RDC "as matanças são reais. O sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse".
    Por isso gera expectativas a decisão da Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC), que, no dia 22 de agosto, regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e Reforma de Wall Street, referente aos "minerais de conflitos". A Lei 1.502 estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo, tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a análise da cadeia de fornecimento.
    Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de uma missão de paz da ONU. Com o olhar dominado pela raiva e sua filha de seis meses nos braços, o congolense Jean- Bertin insiste que os grupos armados "dão armas a muitas crianças e as obrigam a entrar para um ou outro bando". Para Rivas, "a única solução é um governo forte na RDC, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito".