quarta-feira, 26 de setembro de 2012

‘Por causa do marketing, a eleição virou uma competição de produtos’

Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação  do CORREIO DA CIDADANIA

Mais uma vez o calendário eleitoral girou e volta a se fazer presente. Saturados por praticamente duas décadas de tucanato no estado, com forte hegemonia também na capital, os paulistanos irão às urnas em 7 de outubro eleger vereadores e votar o primeiro turno da disputa pela prefeitura.

Em entrevista ao Correio da Cidadania, Ivan Valente, deputado federal pelo PSOL (a bancada mais bem avaliada da Câmara Federal), qualificou os atuais processos eleitorais como “uma competição artificial de propostas, sem aquelas que seriam mais elaboradas e situadas numa realidade concreta”.

Para ele, obviamente por conta dos milionários financiamentos privados que comprometem quaisquer campanhas e mandatos, “a eleição virou, em muitos casos, uma competição de produtos. Os candidatos inventam produtos, como esses vales, bilhetes únicos, apresentam números, um conjunto de promessas e anúncios que não discutem com rigor qual seria a proposta para a cidade”.

Valente lamenta ainda a capitalização do vazio político pelo conservadorismo de Celso Russomano (“uma candidatura avulsa, sem nenhuma movimentação real da sociedade civil, mas com destaque na mídia”), ainda que acredite numa reviravolta de um de seus dois prováveis adversários no segundo turno, Serra ou Haddad, por conta do poder econômico de suas campanhas.

Por fim, critica o monopólio do mensalão nas discussões da mídia, que em sua opinião “deforma o processo eleitoral”, por ser “monopólica, concentrada, com uma visão de pensamento único”. Mesmo assim, Ivan Valente não acredita que o julgamento do escândalo que abalou o PT em 2005 tenha valor preponderante. Mas espera que mais adiante seja capitalizado à esquerda no eleitorado nacional.

Correio da Cidadania: Como você tem visto o atual processo eleitoral em nosso país, no que diz respeito às campanhas municipais, seu conteúdo e as propostas mais repercutidas? Acredita que tem despertado real interesse na população?

Ivan Valente: O processo eleitoral brasileiro só gera um grande interesse público na reta final, o que novamente acontece em 2012. Mas neste ano há um agravante, pois a grande mídia brasileira está tratando de forma bastante monopolista o julgamento do mensalão, transmitido ao vivo e ocupando grande parte do noticiário com o assunto. Isso está causando uma interferência grande nas atenções do momento. Não sei qual vai ser o impacto geral do processo julgado pelo STF. Algum impacto terá, mas não sei o quanto. De toda forma, ocupa um espaço político grande demais. E de resto, o povo costuma se interessar pelas eleições mais na reta final.

Correio da Cidadania: O que o conteúdo programático dessas campanhas, no geral, diz a respeito de nosso momento político? Os temas mais urgentes da vida das cidades estão sendo realmente contemplados?

Ivan Valente: Acho que a eleição virou, em muitos casos, por causa da marketagem política, uma competição de produtos. Os candidatos inventam produtos, como esses vales, bilhetes únicos, apresentam números, como “triplicar a guarda municipal”, um conjunto de promessas e anúncios que não discute com rigor qual seria a proposta para a cidade. A dívida pública municipal seria pauta importante, assim como a publicidade da arrecadação real, também em termos de sonegação e evasão fiscal. E aí sim as prioridades poderiam ser definidas, baseadas na realidade da cidade, tratando assuntos como transportes e educação, por exemplo, e recebendo mais recursos e iniciativas. Mas, da forma atual, fica uma grande competição marketeira pra conquistar o voto do eleitor, ainda mais em relação aos partidos que têm muito tempo na televisão. Uma competição artificial de propostas, sem aquelas que seriam mais elaboradas e situadas numa realidade concreta.

Correio da Cidadania: Como analisa especificamente o processo eleitoral na cidade de São Paulo?

Ivan Valente: Em São Paulo sofremos com a realidade específica da cidade, que concentra a sede, o núcleo duro dos maiores partidos que têm competido nacionalmente, PT e PSDB. De fato, há uma disputa cansativa nesse contexto. O PSDB é um partido que já “enjoou”, pois há uma grande rejeição a seu candidato, Serra, com os tucanos há 18 anos governando o estado nessa supremacia neoliberal. E as propostas petistas perderam apelo.

Infelizmente, esse fato não é explorado pela esquerda, mas exatamente por alguém que se apresenta como novo sem ser novo. O Russomanno é uma candidatura quase avulsa, de certa forma uma aventura que a cidade está se dispondo a correr, também beneficiada pelo cansaço das propostas apresentadas pelos outros. O povo de São Paulo não acredita nas propostas, pois vê que a moradia não se resolve, o trânsito continua entupido, entre outras questões atuais. A população é iludida com uma proposta que parece ser nova, mas não tem estrutura, não é baseada numa movimentação real da sociedade civil. Porém, conta com bastante destaque midiático.

Essa é a situação predominante, com boa chance de o Russomano se eleger, porque, ao passar pelo primeiro turno, o concorrente do PT ou PSDB que ficar de fora do segundo turno tende a despejar nele seu apoio. Mas ainda faltam 15 dias e o PT e o PSDB têm muito tempo de TV e muitos recursos, marketing. Como tem muita grana envolvida, ainda é precipitado fazer o prognóstico.

Correio da Cidadania: De modo que o fenômeno Russomano é um evidente fruto do vazio de ideias no debate político e desse “enjoo” da população.
Ivan Valente: Sim, aqui em São Paulo o vazio vem dessa hegemonia tucana somada ao desgaste do petismo. Infelizmente, nós ainda não conseguimos nos apresentar com uma opção real de esquerda. E mesmo candidaturas que podem tentar se apresentar como alternativas não tiveram poder pra alçar voos mais altos.

Correio da Cidadania: Um personagem marcante destas eleições é, sem dúvida, como você mesmo já salientou, o chamado mensalão – na cidade de São Paulo, explicitamente explorado pelo tucanato em sua disputa voto a voto com o petismo para a chegada ao segundo turno. Teria algo a dizer sobre o mensalão? Terá algum impacto nos resultados eleitorais, especificamente na corrida do PT às prefeituras?

Ivan Valente: Acredito que na reta final, com a condenação de algumas figuras públicas do PT, vai ter alguma influência, até pela forma saturada como a mídia trata a questão. Não creio que seja o elemento definidor, mas, pela mídia e por calhar justo na reta final, quando o eleitor fica mais atento aos candidatos, algum efeito vai ter. Espero que o efeito seja pelo lado da esquerda, que consigamos capitalizar, digamos, os erros do PT. Que a capitalização não seja pela direita, pela lógica que o PSDB e DEM tentam aplicar. Que o voto petista originário migre para uma condição de esquerda, nacionalmente. Mas não será simples fazer isso imediatamente. Possivelmente, o desdobramento será futuro.

Correio da Cidadania: O que pensa da campanha de Giannazi, candidato de seu partido à prefeitura de São Paulo?

Ivan Valente: É uma campanha difícil, uma vez que há uma concorrência muito forte, e não se tem conseguido romper o cerco das precariedades do PSOL, como, por exemplo, o tempo de TV. Além disso, é preciso fazer um embate mais calibrado contra os competidores que se pretende atingir. Houve algumas falhas nesse sentido. Creio que deveríamos tentar ganhar o voto mais consciente da sociedade, o voto frustrado do PT, mas, para tal, precisaria de um calibre político voltado à questão. Talvez houvesse um manancial de votos a ser explorado de forma mais substantiva. De resto, a campanha tem dificuldades naturais ao PSOL. Não conseguiu o destaque de outros locais, como Rio de Janeiro, Belém, Macapá, Fortaleza, onde o desempenho é bom.

Correio da Cidadania: Já que falamos de outras capitais, faria uma comparação entre a campanha de Giannazi por aqui e a que tem se desenrolado por parte do PSOL no Rio (capital), onde a candidatura de Freixo cresceu e se entusiasmou com uma grande adesão de camadas progressistas?

Ivan Valente: Não quero fazer comparações, pois não creio que seja o momento. Há outras questões complexas envolvidas. O que quero dizer é que a campanha do Freixo tem solidez política, entrou no vazio da direita carioca, bastando ver o Garotinho, Cesar Maia, seus correligionários, o PSDB, com desempenho bem baixo. Além disso, empolgou a intelectualidade do Rio de Janeiro, empolgou os artistas e ganhou um grande apelo na juventude carioca. É uma candidatura que pode surpreender e até chegar ao segundo turno, o que não depende só do PSOL a essa altura, mas também dos outros partidos. O desempenho do PSOL já é considerado excepcional na segunda cidade do país, até pela simbologia que carrega o Rio de Janeiro. É uma candidatura que conseguiu empolgar, tendo consistência política.

Correio da Cidadania: Como tem visto, no geral, a atuação das correntes mais à esquerda no espectro político no atual cenário eleitoral? Estão conseguindo se colocar à altura dos desafios que se esperam para iniciar um debate e postura alternativos, de forma a avançar efetivamente no enfrentamento das questões sempre negligenciadas e que, de fato, afetam a população?

Ivan Valente: Acho que onde temos um acúmulo maior tivemos condição de colocar melhor o nosso ponto de vista. Com um candidato forte, conseguimos destaque, como em Belém, onde nosso candidato já governou o estado por oito anos, ou como em Macapá, onde, além de nosso candidato estar muito bem colocado, conta com o apoio do Randolfe Rodrigues, nosso senador, que tem 80%, 90% de aceitação no estado. Em Fortaleza acontece o mesmo, com o Renato Roseno. São todas figuras que dão relevo ao partido. Onde as candidaturas são mais expressivas, é mais fácil trazer o apoio popular ao PSOL.

Fora isso, o partido tem sido ajudado pelo reconhecimento da bancada federal, pela sua atuação, pelos temas que aborda, pela ética política, o que o ajuda nacionalmente. Tem havido um reconhecimento, mas não é fácil competir com as máquinas e o marketing político nas grandes cidades. Ainda faltam maior inserção social e chapas mais fortes para vereador, apresentando pelo Brasil inteiro candidaturas que tenham presença na população.

Correio da Cidadania: E o que dizer, neste contexto, dos partidos hoje mais representativos da esquerda, além do PSOL, PSTU e PCB entre alguns mais conhecidos? O que singularizaria cada um deles no atual cenário, e qual a sua expectativa quanto ao saldo que deverão deixar?

Ivan Valente: Eu diria que esses outros partidos se destacam nas eleições em muito menor escala. A única candidatura do PSTU que ganhou destaque é, inclusive, em aliança com o PSOL, em Aracaju, onde há certo vácuo; outro exemplo é do PCB em Recife, também aliado ao PSOL. Mas não chega a ser tão relevante. Creio que, por não terem representação institucional, e também por suas posições muito doutrinárias, têm dificuldades no processo eleitoral. Mais dificuldades que o PSOL, embora também tenhamos muitas.

Correio da Cidadania: Arriscaria um palpite sobre os resultados do 1º turno: Russomano versus Serra ou versus Haddad?

Ivan Valente: Nesse momento ainda acho melhor esperar pesquisas. É muito provável que o Russomano já esteja lá, basta não cometer nenhum erro gravíssimo. Mas não há nada definitivo ainda.

Correio da Cidadania: De todo modo, considerando-se que, em um segundo turno, Serra ou Haddad disporiam de artifícios e recursos suficientes para passar à frente de Russomano, qual das duas alternativas significaria uma relação um pouco menos truculenta e insensível com a população mais periférica e desfavorecida economicamente?
Ivan Valente: Apesar de todas as críticas contundentes que temos ao PT, certamente o programa do PT tem mais consistência. Mas não quer dizer que o PSOL se definirá nessa direção no segundo turno. É bem provável que opte por um voto mais progressista, contra o neoliberalismo privatista, apesar de o PT também enveredar por tais caminhos. E o Russomano é uma incógnita, não faz parte de um partido que possui projeto, um verdadeiro programa por trás.

Se fizermos um balanço do que foi o PT no governo da Erundina e mesmo da Marta, pode-se dizer que foi melhor. Não grande coisa, mas a Erundina foi bem, sim, era da época em que o PT ainda “estava na briga”; com a Marta, foram maiores os percalços.

Correio da Cidadania: Você fez referências à mídia e ao destaque que vem dando ao chamado mensalão. O que pensa do papel que a mídia tem exercido nesse processo eleitoral?

Ivan Valente: A mídia brasileira certamente é monopólica, concentrada, com uma visão de pensamento único. De certa forma, ela deforma o processo eleitoral. As chances e espaço para os candidatos e ideias não são iguais, as informações não são fidedignas e a mídia, por fim, tem lado. Portanto, eu diria que é pouco democrática a cobertura que a mídia realiza.

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Mais uma traição da CNTE contra os trabalhadores em Educação...

Direção da CNTE decide aceitar alteração na Lei do Piso

Para ajudar os governos, a direção da CNTE abre mão de defender índice do custo aluno do FUNDEB e concorda que a Lei do Piso seja alterada
Em uma decisão burocrática, e contrária à luta dos educadores de todo o País, a direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aprovou, em reunião do Conselho Nacional de Entidades, uma proposta de alteração do índice de reajuste do Piso Nacional para negociar no Congresso Nacional. Aceitando argumentos absurdos, a CNTE admite a retirada do critério de correção que valoriza o Piso dos educadores.

Essa decisão ocorreu em uma reunião de dirigentes da Entidade, durante a realização da 8º Conferência Nacional de Educação da CNTE. A partir dessa decisão, a Conferência passou a debater centralmente esse tema. Muitos educadores presentes manifestaram a sua discordância frontal com a decisão e outros argumentaram que ela fragiliza a luta nacional contra os ataques dos governadores à Lei do Piso.

No entanto, os principais dirigentes da CNTE afirmavam que “dirigente foi eleito para decidir” e que “a luta pela manutenção do custo aluno já estava derrotada”! Os dirigentes do CPERS/Sindicato manifestaram publicamente o seu repúdio a essa atitude e afirmaram que, na verdade, essa decisão tinha relação com os vínculos que a CNTE mantém com os governos. Ou seja, mais uma vez os trabalhadores em educação poderão sofrer perdas pela postura de conivência da direção da CNTE com o governo federal.

A direção do CPERS/Sindicato apresentou, em forma de emenda ao documento da Conferência, uma crítica (ver abaixo) à resolução da CNTE. Essa emenda não foi aprovada, mas teve apoio de diversos educadores presentes ao encontro, que expressaram sua surpresa e descontentamento com os rumos da Confederação.

EM DEFESA DO PSPN – DIREITO CONQUISTADO PELOS TRABALHADORES NÃO SE NEGOCIA
Apenas alguns dias após o ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.848, movida por seis governadores contra a Lei do Piso Nacional, os trabalhadores em educação de todo o País estão sendo surpreendidos com uma decisão do Conselho Nacional de Entidades da CNTE de aceitar alterações no critério de reajuste definido pela Lei.

Consideramos essa decisão um grave erro pelos seguintes motivos:

1) A Lei 11.738/08 já foi aprovada, sancionada e sua constitucionalidade já foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal, não cabendo mais recursos aos governos. Portanto, o cumprimento do Piso Nacional é um direito dos educadores de todo o País, do qual não há qualquer razão para abrirmos mão.

2) Além de aceitar a retirada de um direito conquistado, fruto de uma luta histórica dos educadores de todo o País, a decisão da direção da CNTE fortalece o ataque promovido pelos governadores e o discurso de que é inviável o cumprimento da Lei do Piso.

3) Não cabe à CNTE e ao movimento sindical propor alterações que signifiquem retrocesso nos direitos e na vida profissional dos educadores. Ao contrário, deveria ser papel de nossa Entidade buscar ampliar as conquistas e rechaçar os ataques dos governos.

4) Por fim, consideramos antidemocrática uma decisão tomada sem a ampla participação dos trabalhadores. Essa decisão afeta um direito de centenas de milhares de educadores, que sequer tomaram conhecimento do debate feito pelos dirigentes da CNTE.
 
Fonte: 14] núcleo do CPERS

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Juremir: “Muitos comemoram a Revolução mas não conhecem sua história”


Juremir Machado da Silva publicou "História Regional da Infâmia" em 2010 | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

O jornalista e historiador Juremir Machado da Silva publicou em 2010 o livro “História Regional da Infâmia”, no qual relata, através de documentos, uma série de fatos pouco divulgados sobre a Revolução Farroupilha. Dentre eles, o de que ela foi financiada com a venda de negros.
Nesta entrevista ao Sul21, Juremir fala sobre as constatações do livro e o processo de mitificação que se deu em cima da história da revolução. “Os republicanos positivistas tinham noção de que uma identidade se constrói a partir de um mito fundador. Era preciso uma mitologia época para construir essa unidade”, explica.
Bastante criticado por expor visões “pouco gloriosas” sobre a Revolução Farroupilha – um dos principais elementos na construção da imagem do gaúcho brasileiro -, o jornalista conta que muitos historiadores deixam de pesquisar o tema por causa da repercussão negativa e hostil de seus trabalhos no Rio Grande do Sul. “Recebi e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar. Senti hostilidade em muitas situações”, comenta.
“Ninguém tinha dito que a Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai”
Sul21 – Como surgiu a ideia de escrever “A História Regional da Infâmia”?
 
Juremir Machado – Por muitas razões. Uma delas é a inconformidade com esse culto tradicionalista mal embasado em fatos históricos. Como fiz faculdade de História, tinha acompanhado desde sempre as polêmicas provocadas, primeiro, pelo Tau Golim. Em seguida, por Moacyr Flores, Mário Maestri, Décio Freitas… Todos os historiadores que mexeram com isso foram muito atacados, criticados e, às vezes, até estigmatizados. Mas em determinado momento me veio a ideia de fazer um livro, na medida em que comecei a encontrar documentos que me pareciam interessantes. Um grande amigo meu, Luiz Carlos Carneiro, que tinha sido meu professor de História no cursinho universitário, lá por 1980, tinha se tornado diretor do Arquivo Histórico do RS, que tinha todo o acervo sobre a Revolução Farroupilha. Então pude fazer a pesquisa com toda a tranquilidade. E as pessoas que trabalhavam lá me ajudaram muito fazendo transcrição de documentos.

Sul21 – Quanto tempo durou a pesquisa?
 
Juremir - Eu li toda a bibliografia existente e fui às fontes. Li mais de 15 mil documentos e trabalhei com mais de 12 pessoas. Foram três anos de pesquisa com estagiários, bolsistas de iniciação científica, pessoas que contratei em Pelotas, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Debulhamos 15 mil documentos, alguns que nunca tinham sido trabalhados.

Sul21 – Que tipo de reações o livro provocou?
 
Juremir - Meu livro provoca dois tipos de polêmica: aqueles que dizem que tudo é falso e que eu preciso estudar mais; e aqueles que dizem que o livro não traz nada de novo. Isso é falso. É claro que o livro não parte de coisas que ninguém nunca tinha examinado, mas aprofunda muitas dessas coisas e descobre coisas novas. Eu chamo de documento infame toda a documentação referente ao financiamento da Revolução Farroupilha, à compra de munição, de fardamento, de alimentação com a venda de escravos no Uruguai. Ninguém tinha dito que, em determinado momento, por obra de Domingos José de Almeida, a Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai. Em algum momento se falou que teriam vendido alguns negros para comprar uma impressora para o jornal “O Povo”. A venda de negros para financiar a revolução gerou, inclusive, um processo judicial. Depois que deixou de ser ministro da Fazenda, Domingos José de Almeida entrou na Justiça da República pedindo o ressarcimento de tudo o que tinha investido. Ele detalha, briga, insulta e polemiza. Quer de volta o dinheiro dos negros que vendeu. Ele dá os nomes e todas as informações sobre as vendas.
"Meu livro provoca dois tipos de polêmica: aqueles que dizem que tudo é falso e que eu preciso estudar mais; e aqueles que dizem que o livro não traz nada de novo. Isso é falso" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como era a relação dos líderes da revolução com os negros? Havia uma retórica pretensamente abolicionista e uma prática diferente?
 
Juremir – Todos eram proprietários de escravos e viviam em uma sociedade escravista. Então eles podiam ser escravistas, seriam simplesmente homens de seu tempo. Mas em outros lugares estavam acontecendo revoltas pela libertação dos negros, como no Maranhão. No Uruguai e na Argentina, o processo de libertação dos negros estava muito mais acelerado. Era um tempo de escravismo, mas não da mesma maneira em todos os lugares. Falamos de Rivera e de Rosas como se fossem caudilhos hediondos, mas eles eram muito mais avançados, progressistas e iluministas. Nossos fazendeiros gostavam de se aliar com eles, mas tinham medo das coisas que eles faziam, como reforma agrária e libertação de negros. Eles eram muito mais adiantados e “perigosos” nesse sentido.
“Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam ser. Só queriam usar os negros”
Sul21 – Há o mito consagrado de que os farroupilhas eram abolicionistas.
 
Juremir - Não, eles não eram. Talvez um ou dois tivessem algum ardor nesse sentido. Mas a maioria não era. Eles prometeram liberdade para os negros dos adversários que aceitassem ser incorporados como soldados. Era uma forma de atrair mão de obra militar. Mas os escravos dos próprios farroupilhas continuaram nas fazendas trabalhando para que eles pudessem fazer a guerra. Quando a Revolução acabou e eles voltaram para casa, continuaram escravistas. Quando Bento Gonçalves morre, deixa um inventário com 53 escravos aos seus herdeiros. Escravos valiam muito. Ele morreu rico, com terras, fazendas e escravos. Quando fizeram, em Alegrete, o texto da Constituição, ela não previa a libertação dos escravos. Se eles tivessem vencido e a Constituição entrado em vigor, o Rio Grande do Sul continuaria sendo uma sociedade escravista. Eles não tinham nada de abolicionistas. Claro, em determinado momento, com a mão de obra militar minguando – principalmente quando o Império começou a mandar mais gente -, tiveram de recorrer aos negros dos adversários. O Domingos José de Almeida, além de ter vendido seus negros ao Uruguai para financiar a revolução, para ele mesmo se sustentar como ministro da Fazenda e cérebro da revolução, continuava alugando outros negros no Uruguai e vivendo das rendas desse aluguel. Os negros trabalhavam no Uruguai para que ele pudesse ser o chefe revolucionário. Existem muitos exemplos de situações mais adiantadas de libertação de escravos. No Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Chile… Simón Bolivar tinha libertado os escravos. A libertação de escravos estava acontecendo com frequência. Rivera fez isso e nós não. Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam ser. Só queriam usar os negros.
"Muitos historiadores reconhecem que houve traição em Porongos, mas não demonstram como isso ocorreu. A maior parte pula essa etapa" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Teve o episódio da batalha de Porongos…
 
Juremir - É curioso… Muitos historiadores reconhecem que houve traição em Porongos, mas não demonstram como isso ocorreu. A maior parte dos historiadores que examina Porongos pula essa etapa. Em determinado momento essa traição era negada. Como os líderes farroupilhas tinham prometido liberdade aos negros dos adversários, com o fim da revolução começam a ficar preocupados e receosos de que os negros possam querer se vingar caso isso não ocorra. Era um contingente expressivo de escravos. Então os líderes farroupilhas estavam numa contradição, já que esses negros pertenciam a adeptos dos imperiais, que os queriam de volta. Foi aí que veio aquela ideia “maravilhosa” de diminuir esse contingente ao máximo e fazer um pacto para eliminá-los. A cilada de Porongos chega a ser simplória. Os negros foram realmente desarmados e dizimados. Canabarro recebeu o aviso de um possível ataque e desarmou os homens, foi tudo muito preparado. Um outro aspecto que o meu livro vai adiante é em relação ao destino dos negros farrapos. Nem todos morreram. Sobraram alguns deles. Uns escaparam, conseguiram fugir a cavalo, e muitos caíram prisioneiros. Sempre se discutiu o que teriam feito com esses negros. Os farroupilhas dizem que Caxias libertou todos, incorporou ao Exército e conferiu a eles uma condição quase de enobrecimento. E alguns diziam que eles tinham sido enviados para o Rio de Janeiro, para a fazenda imperial Santa Cruz.

Sul21 – O que aconteceu?
 
Juremir - Fui atrás e consegui documentos mostrando para onde eles foram. Eles foram entregues pelos farroupilhas e foram transportados. Consegui documentos sobre como eles foram transportados, até com o nome do navio. Eles foram para o Rio de Janeiro, para o arsenal da Marinha.
“A Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os métodos das Farc”
Sul21 – Politicamente, havia alguma unidade entre os líderes da revolução?
 
Juremir - Era um saco de gatos. Antes de 1835 havia gente que oscilava. Bento Gonçalves, por exemplo, era um monarquista, não era republicano. Neto não era republicano. Bento Gonçalves tinha pendores para fazer uma associação com o Uruguai. Ele se relacionava com o Rivera e pensava, volta e meia, em uma perspectiva de junção com o Uruguai. Mas também não era algo muito convicto. Em 1834 aconteceu a principal causa da Revolução Farroupilha: um surto de carrapatos que devorou o gado. Os fazendeiros ficaram com um prejuízo enorme e fizeram exatamente como os pecuaristas fazem hoje em dia: quiseram repassar o prejuízo ao Império. Mas essa ajuda do governo central não vinha. Por outro lado, havia um contexto de muitos militares no Rio Grande do Sul. Em 1831, quando Dom Pedro I abdicou, muitos militares foram mandados para cá, numa espécie de geladeira, porque tinham se insubordinado. Então se juntam esses militares cansados e insatisfeitos com os fazendeiros que se sentiam prejudicados pelo Império. No começo das conspirações, eles só desejam que o Império atenda às suas reivindicações. Alguns querem ver reconstituída sua dignidade militar e serem transferidos para outros lugares. Nossos fazendeiros queriam atendimento às suas reivindicações econômicas. O movimento vai ganhando vida e eles não conseguem mais recuar. Em determinado momento, surge a perspectiva da República, que nenhum dos líderes tinha em mente. No meu livro, publico uma carta que Neto enviou aos vereadores de Pelotas. Ele, que tinha proclamado a República, disse “não sou republicano”. Eles não eram republicanos, mas aos poucos foram sendo empurrados para aquela situação e acabaram proclamando uma República que o Império nunca reconheceu. Para o Império, sempre se tratou apenas de uma província rebelada.

Sul21 – E por que a guerra durou tanto tempo?
 
Juremir - Quando os liberais estavam no poder, no período regencial, eles, no fundo, gostavam dessa gente daqui. Eles não queriam mandar muito efetivo para cá e deixaram a Revolução correr. Quando finalmente Dom Pedro II ganha a maioridade e os conservadores assumem o poder e passam a ter o primeiro ministro, eles enviam muito efetivo para o Rio Grande do Sul. Então por volta de 1842 já está liquidada a fatura. A revolução se transforma em uma guerra de guerrilhas. Os farroupilhas começam a fugir para todos os lados e, de vez em quando, fazem algumas emboscadas. Quando a coisa ficava muito pesada, todo mundo se refugiava no Uruguai. Foi uma guerra de guerrilhas na qual o exército imperial ficava atrás dos rebeldes e, de vez em quando, tinha algum combate. Houve muito pouco combate e morreu pouca gente. Em dez anos de guerra, morreram 2,9 mil pessoas. Morria mais gente de gripe do que de guerra. Passava meses sem que houvesse combate. Claro que houve momentos de heroísmo e momentos de infâmia absoluta, com estupro, degola, sequestro e execução sumária. É por isso que eu digo que a Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os métodos das Farc. Do ponto de vista ideológico, eles eram a Farsul da época, com uma ideologia liberal incipiente. Eram proprietários rurais em defesa dos seus interesses. E utilizavam os métodos que hoje se condena nas Farc: sequestro, apropriação do gado e das terras alheias.
"Um dos grandes problemas da Revolução Farroupilha foi a corrupção", aponta jornalista e pesquisador gaúcho | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Em seu livro, o senhor também aponta casos de corrupção entre os líderes farroupilhas.
 
Juremir – Quando eles se reúnem em Alegrete para fazer a Constituição, estavam totalmente rompidos. Antonio Vicente da Fontoura pertencia à chamada minoria. Ele havia sido ministro da Fazenda, sucedendo Domingos José de Almeida. Quando ele assumiu o Ministério, constatou que a corrupção corria solta. Ele descreve isso fartamente em seu diálogo e os historiadores nunca quiseram dar muita atenção. Os farroupilhas pegavam a fazenda de um adversário e arrendavam e o lucro desse arrendamento desaparecia. Até Neto foi acusado por Antonio Vicente da Fontoura de ter desaparecido com dinheiro. Um dos grandes problemas da Revolução Farroupilha foi a corrupção. Eles brigaram e se separaram por causa disso. O duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires tinha na sua base acusações de corrupção.
“Os cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma espécie de carnaval a cavalo”

Sul21 – Como se pautaram as relações dos farroupilhas com as lideranças uruguaias e 
argentinas? Havia, de fato, a intenção de se criar uma república que anexasse o território do Uruguai e algumas províncias da Argentina?
 
Juremir – Quando viram que Rivera estava libertando escravos e que tinha propensões à reforma agrária, a parceria deixou de ser interessante. A Revolução Farroupilha foi uma espécie de golpe militar. Esse golpe militar sofreu muita influência platina. Houve muita influência desses caudilhos uruguaios e argentinos. Mas depois houve momentos de aproximação e de separação. Essas alianças só não prosperaram definitivamente porque os líderes farroupilhas eram muito mais conservadores que os caudilhos uruguaios e argentinos. Rivera queria uma revolução benéfica para a população uruguaia. Bento Gonçalves e sua turma só entraram em ação por causa dos seus interesses particulares.

Sul21 – Como se deu a construção dos mitos em cima da Revolução Farroupilha?
 
Juremir - São várias etapas. Uma delas é quando Julio de Castilhos e os republicanos positivistas estão trabalhando pela construção da República no Rio Grande do Sul. Julio de Castilhos vai estudar direito em São Paulo e manda uma carta dizendo que é preciso estudar aquela guerra civil, porque ela poderia servir de fundamento para o que hoje nós chamaríamos de construção de uma identidade regional. Na época, a Revolução Farroupilha era chamada de guerra civil. Esses republicanos positivistas tinham bem a noção de que uma identidade se constrói a partir de um mito fundador. Então era preciso uma mitologia épica para construir essa unidade. Isso foi fartamente explorado. Depois, historiadores como Varela e Alfredo Ferreira Rodrigues ajudaram a construir uma ideia épica de revolução, influenciados pela perspectiva histórica dominante no século XIX. Nos anos 1930, os militares ligados ao Instituto Histórico e Geográfico fazem, em plena Era Vargas, uma recuperação dos fatos com interesse cívico de engrandecimento das atitudes militares. O interessante é que a Revolução Farroupilha foi feita por militares e escrita por militares.

Sul21 – E qual o papel dos historiadores na desmistificação da revolução?
 
Juremir – Os grandes historiadores estão desmistificando a Revolução Farroupilha. Nomes como Tau Golin, Moacyr Flores, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Margeret Bakos, Décio Freitas… Moacyr Flores talvez seja aquele que trabalhou mais intensamente a Revolução Farroupilha. O livro “O Modelo Político dos Farrapos” é um marco na desmistificação. Tau Golin fez uma espécie de panfleto que teve muito impacto, questionando se Bento Gonçalves seria herói ou ladrão. Margaret Bakos trouxe muitos dados sobre a condição do negro na Revolução Farroupilha. São esses os caras que realmente têm escrito coisas importantes sobre a Revolução Farroupilha. Se fosse na França, esse pessoal estaria sendo destacado. Mas aqui é o inverso. Talvez porque o Rio Grande do Sul, como qualquer lugar, precisa de um mito fundador. E o que tem à mão é esse. A história, nesse sentido, estraga um pouco este prazer. Os fatos históricos não confirmam toda essa grandeza.

Sul21 – O que significa hoje comemorar a Revolução Farroupilha?
 
Juremir – Vale lembrar que a comemoração da Semana Farroupilha, tal qual a fazemos hoje, começa em dezembro de 1964. É uma obra da ditadura militar. O patriotismo servia muito bem nessa época. Acho muito interessante a ideia de que essas pessoas se reúnem para comemorar outra coisa. Comemoram um ideal de vida agropastoril, uma nostalgia da vida no campo, quando éramos realmente gaúchos e tínhamos estâncias. Há também o gosto de estar junto, de conviver e ter algo a compartilhar – algo que o sociólogo francês Michel Maffesoli chama de “tribalismo”. Esse fenômeno pode estar no escotismo, numa torcida de futebol, ou nesse congraçamento anual onde todos se encontram e brincam um pouco de casinha, como dizia Flávio Alcaraz Gomes. A Revolução Farroupilha surge como uma espécie de cimento para fortificar esse interesse de estar junto. Mas ela também tem um componente ideológico conservador. Muitos dos que estão comemorando a Revolução Farroupilha não conhecem grande coisa da sua história. Se for examinar no detalhe, eles não sabem. Conhecem a cartilha do Movimento Tradicionalista Gaúcho, que só destaca aquilo que exclusivamente lhes convém.
Juremir: "muitos dos que comemoram a Revolução Farroupilha não conhecem grande coisa da sua história. Conhecem a cartilha do MTG" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Qual o papel da mídia na consolidação do mito?
 
Juremir – A mídia precisa adular esse público para poder fidelizá-lo. É uma estratégia de marketing que reforça os mitos e dificulta a desconstrução feita pelos historiadores. O interesse da mídia nessa questão é meramente comercial. É uma estratégia de reforço de algo que é caro ao público. Ninguém quer brigar com boa parte do Rio Grande do Sul. É melhor dar uma adulada e deixar os universitários e acadêmicos falarem outras coisas. Se o público está feliz, por que estragar o prazer? Além de tudo, a mídia é conservadora. Muitas vezes os jornalistas compartilham esses valores e acreditam nessas histórias porque foram formados nessa matriz. Tudo isso entra no mesmo caldeirão e, ano a ano, as vozes dos historiadores ficam praticamente inaudíveis.

Sul21 – O Rio Grande do Sul tem uma relação mais intensa com seus mitos do que outras regiões do país?
 
Juremir – Talvez, até pelo tipo de construção história do Rio Grande do Sul, com tantas guerras de fronteira. Vários movimentos e situações se aproveitaram disso: a República, os anos Vargas, a ditadura militar e o crescimento do movimento tradicionalista.

Sul21 – Isso contribui para uma imagem mais arrogante do Rio Grande do Sul nos outros estados brasileiros?
 
Juremir – Isso é algo que só nós enxergamos. Os cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma espécie de carnaval a cavalo.

Sul21 – E o nosso hino? Cantamos um hino que fala em uma “ímpia e injusta guerra”.
 
Juremir – Nosso hino é racista, ainda por cima, quando diz que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. É um insulto àqueles que lutaram com os farroupilhas e foram atraídos a eles com a promessa de liberdade.

Sul21 – Até hoje, o senhor ainda recebe críticas por causa do livro?
 
Juremir – Alguns historiadores preferem se afastar desse tema. Cansam de brigar e ouvir insultos. Eu mesmo sofri todo tipo de desqualificação. Diziam que eu não sou historiador e que o meu livro só requenta outras informações. Na época que saiu o livro, a Farsul ameaçou me processar, até por um mal entendido. Acharam que eu tinha dito que a Farsul tinha os métodos das Farc. O que eu disse, na verdade, foi que os farroupilhas tinham a ideologia da Farsul e os métodos das Farc. Recebi e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar. Senti hostilidade em muitas situações. Já perdi a conta do número de insultos que recebi por e-mail, Twitter e Facebook. O maior insulto é a tentativa permanente de desqualificação do teu trabalho.

domingo, 23 de setembro de 2012

Os zapatistas – hombres de maiz

Por Elaine Tavares

Essa lenda contou o velho Antônio ao sub Marcos. Que quando os deuses decidiram criar as gentes fizeram um primeiro experimento. E fizeram homens e mulheres de ouro. Eles brilhavam muito, eram bonitos, mas não se moviam, não trabalhavam, porque eram muito pesados.
Então os deuses decidiram fazer os seres de madeira. Esses, homens e mulheres, se moviam, trabalhavam muito. Os deuses pensaram que tudo estava bem, mas, logo perceberam que os homens de ouro haviam se apropriado dos homens de madeira, fazendo com que trabalhassem para eles. Eram seus empregados.

Os deuses não gostaram disso e fizeram outros homens e mulheres, dessa vez de milho. E que esses eram bonitos, falavam a língua verdadeira, se moviam, trabalhavam e subiram as montanhas para fazer o caminho verdadeiro.
Então, disse o velho Antônio que os homens de ouro, brancos, são os ricos, os de madeira, morenos, são os pobres e os de milho são aqueles que os de ouro temem e os de madeira esperam. Então alguém perguntou ao velho de que cor eram os homens de milho.

Ele respondeu: assim como existem vários tipos de milho, os homens de milho têm muitas cores, têm todas as peles, e que ninguém poderia saber quem nem como eles eram, porque tinham como característica não ter um rosto.

É por isso que os zapatistas usam o pasamontañas (gorro preto). Porque eles são os homens e as mulheres de milho. Podem ser qualquer um. São qualquer um que fale a língua verdadeira e faça o bom caminho.


sábado, 22 de setembro de 2012

As eleições e seu impacto geopolítico

 





Sergio Ferrari

Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER

 
Tradução: ADITAL
"Nas urnas venezuelanas está em jogo também o futuro de toda América Latina”. 

Sergio Ferrari, desde Genebra, Suíça
 
Entrevista com Germán Mundaraín, embaixador de Venezuela na ONU/Genebra
 
O dilema de fundo dos próximos comícios na Venezuela, no próximo 7 de outubro, é a "consolidação dos avanços sociais ou o retrocesso em direção aos modelos econômico-sociais do passado”. Apesar desse grande desafio político que está em jogo, "respeitaremos com rigor a vontade popular expressa nas urnas”. Quem defende tais teses é Germán Mundaraín Hernández, atual representante da nação sul-americana ante as Nações Unidas, em Genebra. Entre 2000 e 2007, ele havia trabalhado como Defensor do Povo. Desde maio último, integra, juntamente com outras cinco personalidades nacionais do primeiro nível, eleitas pelo presidente Hugo Chávez Frías, o Conselho de Estado, que é o órgão superior de consulta do governo e da Administração Pública Nacional.
O que as próximas eleições presidenciais representam politicamente?
R: São a expressão de um exercício de democracia participativa que impera em meu país, que protagonizou a partir da nova Constituição de 1999 uma quinzena de eleições nacionais, parlamentares, regiões e referendum. Na Venezuela, consulta-se sistematicamente ao soberano. Existe uma grande confiança na decisão cidadã. E o número dessas consultas é a melhor evidência. Há um poder independente, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que se apresenta ante o mundo sem nenhum complexo. Com o ânimo de mostrar as fortalezas; porém, também aberto a que suas possíveis debilidades sejam assinaladas.
P: A campanha eleitoral é intensa e se confronta com uma imprensa internacional cautelosa, para não dizer crítica...
R: A sociedade venezuelana é muito tensionada devido ao próprio processo de mudança em marcha e pelos variados atores que intervêm na política nacional. De fora, as vezes, somos vistos com incerteza. Pensa-se que em qualquer momento seria possível passar das tensões da retórica própria de nossa campanha, para agressões físicas. Porém, não é assim. O povo venezuelano é pacífico e sabe resolver pacificamente suas diferenças políticas nas mesas eleitorais. Até o momento, e já faltando poucos dias para o fechamento, a campanha tem sido intensa, quente; porém, correta e sem violências.
Campanha eleitoral polarizada, mas sem violência
P: Apesar de um processo eleitoral extremamente polarizado?
R: Sim, é uma campanha polarizada. Confrontam-se dois candidatos principais: o atual presidente Hugo Chávez, que aspira a reeleição; e o da oposição, Henrique Capriles Radonski. Isso aumenta a polarização retórica, já que ambos centralizam a atenção política nacional e internacional.
P: A disputa atual se diferencia das eleições presidenciais anteriores?
R: O que muda são os atores; porém, tem um perfil global semelhante. O candidato da oposição sempre sai de grupos políticos que contam com um orçamento suficientemente amplo para suportar financeiramente uma parte da campanha. A outra parte vem do grande empresariado e de ONGs e fundações estrangeiras, principalmente estadunidenses, que recebem o apoio do Departamento de Estado norte-americano. Penso que os resultados previstos também coincidirão globalmente, no próximo dia 7, com os anteriores. Em 2000, Chávez ganhou por mais de 20 pontos de diferença sobre Francisco Arias Cárdenas. Seis anos mais tarde, em 2006, derrotou por mais de 25 pontos a Manuel Rosales.
P: O que representam o programa e/ou a visão política de cada um dos candidatos?
R: O presidente atual, candidato do Gran Polo Patriótico, encarna o processo de mudança, a revolução bolivariana em marcha. Capriles, da Mesa de Unidad Democrática, aglutina aos setores tradicionais, as eleites, que durante décadas usufruíram o poder, estreitamente vinculadas com as transnacionais.
Os novos disfarces da direita
P: Chama a atenção que o candidato da oposição tenha se autodesignado como o "Lula da Venezuela”. Apresentando-se quase como uma alternativa de esquerda democrática ao atual governo...
R: É um estilo que marca a política ibero-americana atual. Candidatos que se disfarçam. O caso mais patéticos é o da Espanha. Mariano Rajoy apresentou-se na campanha como expressão do centro político. Porém, após ganhar, não duvidou em aplicar seu verdadeiro programa de extremo corte neoliberal, com significativos recortes às conquistas sociais dos espanhois. Capriles é a mesma coisa. Se disfarça e diz que seu programa é parecido ao que Lula implementou no Brasil. Sem dúvida, no Brasil, Capriles seria um opositor radical ao Partido dos Trabalhadores, atualmente no governo. Porque Lula foi operário, é socialista e dirige um partido progressista, que nada tem que ver com a visão política de Capriles. Na realidade , a oposição venezuelana odeia Lula, seu modelo e o de sua sucessora. Porém, tentam apresentar-se mais decentemente...
P: Por que esse jogo político?
R: Para confundir. E por especulação política. Capriles está enraizado nos setores de poder econômico e com parte da classe média. Esse é seu eleitorado natural. Para tentar ganhar, deve tentar roubar votos nos setores populares. Porém, seu verdadeiro programa contempla zero presença do Estado e que o mercado se encarregue de regular a economia. O primeiro que faria em caso de ganhar seria reduzir o Estado a sua mínima expressão; deixar ao setor privado que se encarregue da saúde, da educação, da habitação. Desmantelar as conquistas sociais. Por outro lado, o centro do programa de Chávez é a atividade petroleira e o controle estatal da mesma. Sem a contribuição desse setor vital não poderia financiar a saúde, nem a educação, nem as conquistas em geral. E nem tampouco poderia atuar conforme a ativa solidariedade internacional promovida pelo processo venezuelano.
O governo respeitará a voz das urnas
P: Apesar de inúmeras pesquisas de opinião que assinalam a Chávez como claro ganhador; é possível que as pesquisas se equivoquem?
R: São tantas e tão importantes as conquistas sociais que os setores populares alcançaram nos últimos anos que um programa neoliberal e um governo de direita significariam um verdadeiro suicídio político para uma grande parte da população...
P: O governo venezuelano aceitaria uma eventual derrota nas urnas?
R: Se o governo perde as eleições vai reconhecer de imediato os resultados. Porém, gostaríamos de escutar também essa frase curta e significativa de parte da oposição. Nós estamos seguros que se perdesse, o que é absolutamente improvável, não seria a derrota da revolução, mas um simples tropeço político. Porém, não acontecerá. O povo tem plena confiança plena no processo e na revolução bolivariana.
P: Na América Latina, há aproximadamente uma década, uma maioria de governos e processos democráticos, abertos, progressistas. A Venezuela está estreitamente implicada em iniciativas de integração regional. Que repercussão tem as atuais eleições presidenciais no contexto continental?
R: Pergunta chave. O próximo 7 de outubro, não se decide somente o futuro da Venezuela, mas o da América Latina inteira. Um triunfo da oposição significaria a liquidação da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas – Tratado de Comércio dos Povos), que reúne a Bolívia, a Nicarágua, o Equador, a Cuba, a Venezuela e os Estados caribenhos Antigua e Barbados, Dominica e San Vicente e Granadinas. Colocaria em cheque a estratégia de Petrocaribe que reúne a maioria das nações caribenhas. Significaria o debilitamento real da Unasul e também da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) que, com tanto sacrifício, foi criado em 2010 e que hoje reúne a quase 30 nações do continente, com cerca de 600 milhões de habitantes. Poderia, inclusive, significar a saída da Venezuela do Mercosul, mercado integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e pelo nosso país.
Adicionalmente, havia uma mudança nas relações e no comportamento do continente em espaços internacionais, como a Organização de Estados Americanos (OEA) e as Nações Unidas. Insisto: além da contenda eleitoral entre Chávez e Capriles, hoje, nas eleições venezuelanas está em jogo essa nova relações de forças em âmbito regional que, com tanto esforço, foi possível construir na última década.
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Um acompanhamento eleitoral que não viole a soberania
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano convidou a 214 personalidades do mundo inteiro para acompanhar os comícios de 7 de outubro de 2012. 110 são da América Latina; 65 da Europa; 29 da América do Norte; 6 da Ásia e 4 da África, sem contar os representantes da União Africana, que confirmou sua presença.
Entre os convidados, 18 organismos eleitorais e quatro especialistas. Segundo o CNE, entre os convites enviados, 81 correspondem a parlamentares e personalidades políticas; 22 ao mundo acadêmico; 34 a jornalistas; e outros a ONGs, intelectuais, artistas e agrupações sociais e gremiais.
Até meados de setembro, 157 convidados haviam confirmado sua presença. Na terceira semana do mesmo mês, o ex-vice-presidente argentino, Carlos Álvarez, chegou à Venezuela para instalar a delegação de acompanhamento eleitoral da Unasul, enquanto responsável desse setor de atividade no organismo de integração.
"Acompanhamento não significa observação eleitoral”, assinala Germán Mundaraín, embaixador da Venezuela nas Nações Unidas, em Genebra. "O voto é o principal exercício cidadão em nossa democracia e ninguém pode controlar nossa própria soberania nacional”. O acompanhante, explica, é "uma testemunha importante de que o processo transcorre com normalidade e profissionalismo”. E deve, além disso, "informar a seus concidadãos o que viu nessa pequena nação sul-americana”. Sem subestimar o papel de "indicar ao CNE as correções a serem incorporadas em âmbito eleitoral para melhorá-lo no futuro”.
De Suíça, viajarão para assistir aos comícios seis personalidades políticas e um comunicador social. Entre os primeiros, o senador nacional Luc Recordon e os deputados nacionais Ada Marra, Antonio Hodgers e Mathias Reynard; bem como o ex-deputado nacional Franco Cavalli e o ex-embaixador suíço na Venezuela, Walter Suter.
"Uma delegação muito significativa quanto à quantidade e qualidade dos participantes”, ressalta Mundaraín. Ele vê nessa presença "um reconhecimento do Poder Eleitoral Venezuelano à neutralidade e longa história de participação democrática eleitoral suíça, como também à colaboração que, há anos, a Suíça tem oferecido a esse poder do Estado”. (Sergio Ferrari).

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Araújo Vianna, o retorno...

Após sete anos e muita polêmica, o Auditório Araújo Vianna volta à ativa

A concha acústica original. Ao fundo, à direita, o Theatro São Pedro. (Clique para ampliar).

Milton Ribeiro no SUL21

O Auditório Araújo Vianna tem uma história longa e acidentada. O primeiro Araújo foi uma concha acústica localizada na esquina ao lado da Praça da Matriz com a rua Duque de Caxias, local onde hoje está a Assembleia Legislativa. Tinha capacidade para 1.200 pessoas. Tratava-se de uma bela construção de estilo neoclássico que contava com bancos rodeados por caramanchões.
A ideia de sua construção surgiu em 1920 e materializou-se num projeto de inspiração alemã elaborado por José Wiedersphan e Arnaldo Boni. Seu nome é uma homenagem ao compositor gaúcho Araújo Vianna (1871-1916). O projeto foi considerado revolucionário na época, pois nunca tinha sido construída uma estrutura de tal porte em concreto armado. A construção teve início em 1925 e a inauguração ocorreu no dia 19 de novembro de 1927. O antigo Araújo Vianna teve enorme participação na vida cultural de Porto Alegre. Localizava-se bem no centro da cidade e dava oportunidade a que pessoas de todas as classes assistissem a apresentações musicais. Jamais um espetáculo levado no velho Araújo teve cobrança de ingresso.
A fotografia acima, de 1928, mostra o velho auditório alguns meses após sua inauguração. As pérgolas ainda estavam sem a vegetação. Foto reproduzida do blog Porto Alegre, uma História Fotográfica. (Clique para ampliar).

Grande público costumava ir à Praça da Matriz para assistir a famosas “retretas” que ocorriam nas quartas e domingos. Nos dias de inverno, os espetáculos se davam no meio da tarde e no verão, ao anoitecer. As apresentações incluíam não apenas a Banda Municipal como também corais, grupos folclóricos e teatrais. O palco servia para ensaio de óperas que se apresentariam no Theatro São Pedro e que eram assistidas pelo público. Em meados da década de 50, cresceu a necessidade de um novo prédio para abrigar a Assembleia Legislativa. Ela deveria ficar próxima às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. E lá se foi um pedaço peculiaríssimo de nossa cidade. O próprio poder público tratou de eliminar aquele que seria um belo recanto do Centro Histórico da cidade.
A antiga estrutura foi demolida e a nova sede foi projetada pelos arquitetos Moacir Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet. Em 1959, o Município e o Estado negociaram que o último construiria um novo auditório em troca da cessão, pelo município, da área ao lado da Praça da Matriz. Já no mês de outubro de 1960 foram retirados todos os bancos do velho Araújo Vianna e em sequência, iniciou-se a demolição da concha acústica.
A nova sede teria a capacidade quatro vezes maior do que a original e foi inaugurada em 12 de março de 1964 com capacidade para 4500 pessoas. Dias depois, já com o golpe de 64 em curso, o arquiteto Carlos Maximiliano Fayet teria sido questionado por uma comissão militar que alegava um suposto envolvimento do arquiteto com os comunistas. A razão teria sido o fato de que o Araújo Vianna, quando visto do alto, teria a forma de uma foice e um martelo. A partir dos anos 70, ele passou a abrigar grandes shows da MPB, mas nos anos 80 passou a ter sua utilização diminuída devido a falta de reformas.
Maquete de apresentação do novo Araújo Vianna: não localizamos a foice e o martelo. (Clique para ampliar).

A chuva e o frio do inverno gaúcho começaram a preocupar os utilizadores do auditório. Muitos shows eram transferidos ou cancelados por causa do mau tempo.  Surgiu a ideia de uma cobertura, a qual foi debatida durante 30 anos. Em meados dos anos 90, nas reuniões do Orçamento Participativo no bairro Bom Fim, foi decidida a construção da cobertura. Para estudar o projeto, foram contratados os arquitetos responsáveis pela construção do auditório em 1964.
Na verdade, o Araújo aberto era um espaço adequado às necessidades da época de sua construção. O auditório foi feito para ser aberto, com concha acústica e sem cobertura, em substituição ao antigo da praça da Matriz. E, afinal, qual é a idéia de uma concha acústica? Obviamente shows acústicos. Era um projeto perfeito para  apresentações de orquestras, bandas, óperas, de pequenos conjuntos de choro e samba – ou shows com pouca amplificação. Era um belo projeto, mas inadequado  às “necessidades” de som muito amplificado e grave, exigidos por nossa cultura atual.
Quando da ocorrência dos primeiros shows com som amplificadíssimo, estes passaram a perturbar o sossego dos moradores do Bonfim, o que acabou por inviabilizar a utilização do auditório em horários noturnos. Fez-se a a nova cobertura, que foi inaugurada em 4 de outubro de 1996, com um histórico show de João Gilberto. A capacidade passou a ser de três mil pessoas sentadas. A técnica utilizada na cobertura foi a utilização de lona tensionada, o que já fazia prever uma futura reforma, devido a sua durabilidade limitada.
A polêmica cobertura, em 2006, durante a interdição | Foto: Google Maps

Mas o pior é que, em razão do esticamento da lona e de seu formato de meia parábola invertida, ela tornou-se acusticamente inviável. Internamente, a cobertura refletia o som em todas as direções. Além disso, o auditório continuava inevitavelmente redondo e, portanto, devolvia o som da traseira da plateia para o palco. O palco, em concha, projetava o som para a platéia, mas ele retornava de forma caótica. Quando chovia, o ruído interno era insuportável.
Em 1997, o Parque Farroupilha foi tombado como Patrimônio Histórico e Cultural do Município. Como parte integrante do Parque, o auditório passou a ter sua preservação garantida. A lona que cobria o Araújo Vianna, segundo laudo técnico da SMOV, perdeu sua validade em julho de 2002. O risco era de que, em caso de chuva mais persistente, a pressão sobre a lona rompesse os cabos, que teriam um efeito de chicote sobre o público. No início de 2005, o auditório foi interditado pela Prefeitura de Porto Alegre. A lona passou a servir apenas aos pombos do parque.
Da nova cobertura do velho Araújo dependerá o isolamento e a acústica | Foto: Opus Promoções / Divulgação

Hoje foi construída uma nova cobertura com um sanduíche de materiais que provê o isolamento acústico para os shows de volume sonoro mais alto. Também foram tratadas as reflexões da cobertura curva e o retorno de som para o palco. Dentre os requisitos para a reforma do auditório, estavam a reforma interna — incluindo palco e cadeiras, assim como banheiros, camarins e áreas de apoio — e externa, com cobertura acusticamente tratada para evitar transtornos aos moradores, além de melhorias no entorno do auditório.  A nova cobertura acústica é fixa, feita em madeira, poliuretano expandido e resina impermeável. O local tem capacidade para 3 mil pessoas (cerca de 4300 quando for misto, composto por cadeiras e pista), 2 bares, novos camarins, novos banheiros e acessibilidade para cadeirantes numa área de 5000 m².
O palco do novo Araújo dias antes da reabertura | Foto: Opus Promoções / Divulgação

O diretor da Opus Promoções, Carlos Konrath, citou que esta é a primeira parceria público-privada do setor cultural da cidade. A Opus dividirá o espaço com a Prefeitura, ficando com 75% do calendário anual do Araújo pelo período de dez anos. Haverá também um conselho gestor com participação paritária dos dois parceiros. Como atrações trazidas pela Prefeitura, já estão confirmados o show de inauguração, com os artistas citados abaixo, e mais Tom Zé no dia 3 de outubro. A programação da Opus abre no dia 22 de setembro com Maria Rita cantando Elis Regina, e segue com nomes como Paulinho da Viola, Roupa Nova e outros.
O concerto de inauguração desta quinta-feira, 20 de setembro, às 18h, envolverá nomes marcantes da cena musical gaúcha, muitos deles com biografia ligada ao auditório. São eles: Carlinhos Carneiro, Edu K, Wander Wildner, Hermes Aquino, Gelson Oliveira, Nico Nicolaiewsky, Nei Van Soria, Gloria Oliveira, Raul Elwanger, Charles Máster, Nelson Coelho de Castro, Zé Caradípia e Elisa, Júlio Reny, King Jim, Tonho Crocco, Cláudio Heinz e Júlia Barth (Replicantes), Elaine Geissler, Tiago Ferraz, Hique Gómez, Antônio Villeroy e Bebeto Alves.
O parque Farroupilha (Redenção) e o novo Araújo com seu aspecto de disco voador | Foto: Bernardo Ribeiro / Sul21

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA FALANDO SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES POR JUSTO PISO - CARREIRA DIGNA E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE!

Maiakovsky - grande poeta russo - humanista 
 A partir de uma conhecida poesia de Eduardo Costa, em homenagem ao poeta russo Vladimir Maiakovsky e ao dever de sempre resistir, lutar por direitos, exercer a cidadania e ser protagonista de sua história social... utilizando a mesma bela estrutura da poesia de Eduardo Costa, com influência de outros grandes gênios, como Brecht, fiz uma poesia em homenagem à luta dos professores. Importante dizer que em muitos Estados e municípios os professores estão silentes, calados,  enquanto a traça da violação corrói todos os seus direitos. Atualmente, a luta dos profissionais da educação básica no Brasil  é uma verdadeira cruzada em defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, do justo piso, da carreira digna e da educação de qualidade como direito humano universal e fundamental contra a corrupção, contra os inimigos da educação, contra o clientelismo, contra o atraso, contra o patrimonialismo...    Leia então o poema:
                                                            
                                                                                    De: Valdecy Alves
Vós bem sabeis
Conheceis melhor que eu
É a mesma velha história
Na primeira noite eles se aproximam
E roubam 2%  da Vossa Carreira
E vós, professores não dizeis nada...

Na segunda noite já não se escondem
Negam o reajuste anual do piso
Escondem todos os dados do FUNDEB
E matam vossa motivação
Colocam a educação na UTI e
Já não sois tratados 
Como dignos profissionais da educação...

Até que um dia
O mais frágil e sonso dos gestores
Sozinho...
Rasga a lei do piso
Lança no lixo a Constituição
Espezinhando todos os vossos direitos
Rouba-vos a coragem do presente
Condena-vos ao fracasso no futuro
De tudo faz para aniquilar vosso sindicato
Incinera vosso direito de greve
Persegue vossas lideranças sindicais
Arranca-vos a voz da garganta
E já não podeis dizer ou fazer mais nada!

Professores cearenses protestando contra violação aos seus direitos e ao direito à educação


Nos dias que correm
Deveis erguer a cabeça
Enfrentar os senhores da corrupção
Para que não caleis para sempre
Para que não coloquem em vós novos grilhões
Pois se ao educador restar a escravidão
Que destino terão os pobres educandos?
No silêncio do meu sonhar
Só vejo esperança na radical reação
O vento diz que só encontrareis certeza da vitória na luta!
Que o temor não vos cale
Que a hesitação do Judiciário não vos faça fraquejar
Que a omissão do Legislativo não vos desmotive...
Que a alienação da sociedade não vos permita claudicar
Espernear sempre... ainda que seja contra mil!
Que além das palavras, que demonstram vossos sonhos
Sejam inúmeros vossos atos praticados
Que serão os tijolos da construção da justiça sonhada ...
No meu interior
Com a potência de palavras de ordem em coro
Gritadas por milhões de professores
Ecoa a sempre mesma palavra: RESISTÊNCIA!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os riscos de “reversão colonial” da América Latina


Economistas participantes de debate na USP alertaram para a ameaça de os países da região retomarem sua condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais. Para os especialistas, a América Latina não está imune à crise econômica global – apenas estaria aplicando uma política de contenção.

 
São Paulo - A crise econômica deflagrada em 2008, que apresenta seus desdobramentos até hoje, tem sido motivo de cortes orçamentários, aumento do desemprego e manifestações, principalmente nos países da chamada “Zona do Euro”. No entanto, sua influência sobre a América Latina ainda aparece incerta. Para esclarecer essa questão, formou-se a mesa “América Latina: imune à crise?”, no Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, que ocorreu entre os últimos dias 11 e 13 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

Para Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como o capitalismo funciona de maneira sistêmica em todo o mundo, os problemas de que sofre são globais e, dessa forma, a América Latina não está imune à atual crise. Leda Paulani, professora de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), concorda. Para ela, depois de duas décadas – 1980 e 1990 – de subordinação aos interesses dos credores, a economia dos países da região foi se financeirizando – o Brasil, por exemplo, transformou-se em uma plataforma internacional de valorização financeira e, apesar de a dívida externa ter deixado de ser um “problema”, outro muito mais grave passou a figurar: a operação de uma quantidade muito grande de capital externo, de não residentes, principalmente em portfólio, com fins especulativos.

Ramón Peña Castro, doutor em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscou, chamou a atenção para a situação da América Latina como fonte estratégica de recursos para os países desenvolvidos, em seu avanço sob o capitalismo. Leda também destacou esse ponto, classificando-o como uma “reversão neocolonial”, em que os países da região estariam retomando a condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais.

Essa reversão estaria associada, como apontado por Plínio, à incapacidade dos Estados Nacionais de desenvolverem de uma maneira construtiva e racional o enfrentamento à crise. Segundo ele, ocorre uma “política de administração da crise”, em que nenhuma de suas causas são tocadas, apesar de impedir que apareçam seus maiores efeitos. Essa política, afirma, leva a uma “socialização dos prejuízos”, por meio da qual “o capital vem aprofundando cada vez mais seu controle sobre o Estado”.

O maior controle do capital sobre o Estado foi também destacado por Ramón, que apontou uma “virada privatista” no governo de Dilma Rousseff. José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), lembrou, nesse sentido, a forte presença dos fundos de pensão, que, segundo ele, representam um peso enorme à dívida interna e auxiliam na criação da “ilusão do neodesenvolvimentismo”. Gomes defendeu a realização de uma campanha pública para esclarecer a população sobre a questão da seguridade social e previdência, e outra pelo não pagamento da dívida pública.

Quanto à “ilusão” de que o continente latino-americano está imune à crise, Plínio afirmou que o atual crescimento econômico na região ajuda a construir essa ideia – segundo ele, porém, esse dado é efêmero. “O dinheiro vem e estimula o crescimento, pois afasta, em um primeiro momento, o risco de crise cambial, eleva o preço das commodities, melhora as exportações, abre espaço para política de redução de juros – no entanto, é um crescimento empurrado pela bolha especulativa.” Nesse sentido, o professor da Unicamp enfatizou a necessidade de a América Latina sair desse mar turbulento, rompendo com a globalização. Para isso, afirmou, “o primeiro passo é centralizar o câmbio para que a reserva imensa seja capaz de financiar nossa saída desse mar especulativo”.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

As Pussy Riot da Primavera Árabe

no OPERAMUNDI

Banda punk russa inspira, de maneira indireta, a luta pelos direitos das mulheres no Oriente Médio
Um grupo de mulheres vestidas de burca deixou seus trajes e véus por vestidos de cores vivas e balaclavas (gorros de lã), e fizeram seu caminho para a Masjid al Haram (a mesquita sagrada de Meca). Em num gesto que desafiou o sistema estabelecido na Arábia Saudita e a hierarquia clérico-patriarcal, as mulheres explodiram em um coro de nasheeds (canção de louvor religiosa típica do islamismo), invocando a Virgem Maria para abençoar sua cruzada feminista e amaldiçoar a elite religiosa do país por estar em conluio com o príncipe herdeiro Abdullah.
O firme controle da ortodoxia religiosa exclui a possibilidade de qualquer repetição das Pussy Riot em solo árabe. Mesmo murmúrios de um golpe de inspiração feminista encenando um espetáculo provocador em um local santo levaria a mutaween (polícia religiosa da Arábia Saudita) e a Gestapo religiosa a agir, e provavelmente representaria a sentença de morte para os direitos das mulheres.
Mas para as socialmente imóveis e culturalmente policiadas mulheres do mundo árabe, a histeria em torno do Pussy Riot pode ser uma lição na política da dissidência. A rápida emergência do mundo para os árabes já sugere que os tradicionais pontos de vista sobre as mulheres não condizem mais com os fatos. Se as Pussy Riot foram a prova de que uma performance amadora feita por um grupo feminista entusiasmado pode assumir rapidamente dimensões internacionais, o que impede um pequeno grupo de feministas árabes de fazer algo semelhante?

[Ao lado, charge do cartunista brasileiro Carlos Latuff em apoio ao movimento Women2Drive]
Claro, há perigo em exagerar no otimismo. O rascunho constitucional da Tunísia é um caso recente no qual as definições da condição feminina permanecem fixas, a julgar pelo texto que diz que as mulheres seriam “complementares” aos homens. No Egito, a luta das mulheres para participar na proposta da Constituição ressalta a complicada interação entre política, gênero e religião.

Os avanços que as mulheres tiveram nos últimos anos retrocederam. As legislaturas recém-eleitas nesses países são ambíguas quanto à possibilidade de ascensão social das mulheres no cenário pós-revolução. Portanto, a visão de que as liberdades adquiridas são, por excelência, garantidoras dos direitos das mulheres, está repleta de falhas.
Mas o canto entusiasmado e vívido das mulheres árabes sobre um novo futuro será inspirado pelo episódio da banda Pussy Riot, assim como os manifestantes da Praça Tahrir serviram de modelo para a revolução. Ao energicamente redesenhar as linhas de batalha e garantir que o futuro dos direitos das mulheres não seja limitado pela inércia, elas também podem aproveitar a dinâmica das recentes fissuras políticas obtidas em seu país.

Tanto na sociedade russa quanto na árabe, as mulheres lamentam o estrangulamento da sociedade civil e como os seus direitos foram tornados reféns de um grupo político tirânico, trazendo pequenos, mas totalitários estragos em seu rastro. As frustrações de muitas dessas mulheres dialogam diretamente com uma consciência política que busca minar um ethos condescendente masculino que domina as relações de poder atuais e colocar o engajamento cívico das mulheres na linha de frente.
Ao abrir um precedente para as mulheres russas exporem as irracionalidades do status quo, as manifestantes do Pussy Riot podem ter involuntariamente se juntado a uma classe simbólica a qual pertencem as amarguradas mulheres árabes, cujo desejo de derrubar totalmente o discurso de gênero predominante compartilha a mesma lógica e causalidade. As Pussy Riot desafiaram a tirania política das elites e podem materializar um contágio cultural em redutos árabes. 

O encanto por trás da revolta do trio do Pussy Riot é que ele transcende os limites estreitos da inquietação feminista e ressoa com o drama das mulheres árabes, a quem é dado pouco espaço de manobra para agir no contexto da revolução. Para aquelas injustamente forçadas a engolir as armadilhas da sua feminilidade, renegociar o campo de jogo religioso usando reivindicações de gênero como uma moeda de troca poderia passar um sentimento de euforia aos marginalizados pelo Estado.

Se você é uma mulher líbia sonhando com cargos públicos, uma saudita pressionando por sufrágio ou, como uma Pussy Riot clamando para desafiar o discurso totalitário de um estado opressor, é difícil não ser romanticamente conquistado pelo feito notável das russas. O mais difícil é os governos suprimirem uma ideia cujo tempo chegou e novas formas de dissidência que rapidamente são difundidas.

A conjuntura do mundo árabe está madura para esse tipo de política não-conformista. O estrangulamento de Putin sobre as liberdades democráticas espelha a sufocante natureza tirana dos governos árabes. O conluio entre a Igreja Ortodoxa Russa e o Kremlin ecoa a aparentemente inquebrável relação Estado-clero em países como o Egito, onde o governo bajulador dos imãs da Universidade Al Azhar, a sede intelectual do islã sunita, preserva a política do privilégio.
Excede no mundo muçulmano uma burocracia religiosa avarenta que sustenta uma administração fragilizada e as mulheres são frequentemente as primeiras a sofrerem nesse cenário, no qual centros clericais financiados pelo Estado são propagadores de sexismo e fazem apologia à regressão das conquistas feministas.
A possibilidade das meninas árabes serem as primeiras beneficiadas pela tendência iniciada pelas Pussy Riots e demonstrarem que a sua autoridade deriva não de aderir a tradições, mas de expandir os limites de sua aceitação, pode acrescentar uma nova força à Primavera Árabe. Aproxima-se uma época na qual vozes marginais contribuirão para a agitação política e pontos de vista sobre a dissidência se tornarão menos uniformes e padronizados, gerando um cenário propício para a luta-chave pelo poder.
Em sociedades onde a dissidência feminina se originou da raiva contra o tipo de patrimonialismo que brutaliza as mulheres, tentativas de oprimir outras pessoas sob o jugo da tradição serão percebidas como uma expressão anormal de individualidade. Contudo, a Primavera Árabe e as Pussy Riot revelam desvantagens comuns entre as mulheres e provocam perguntas incômodas sobre gritos agudos de uma comunidade sem voz que busca nada mais que um justo fim da dominação.
 
Hasnet Laís é escritora e colunista do Muslim Post. Texto original do Open Democracy e publicado em português pelo blog Outras Palavras. Tradução de Natália Mazotte.