quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por que o preço das universidades dispara em todo o mundo?

Na França, o custo das universidades subiu 50% em dez anos. Entre as causas do encarecimento, está o aumento da taxa de matrícula defendido por think tanks e organizações internacionais. Nos Estados Unidos, muitos estudantes jamais conseguirão quitar os empréstimos contratados para pagar sua formação
por Isabelle Bruno no LEMONDE-BRASIL

Desde sua chegada ao Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa da França, em 2007, Valérie Pécresse se colocou um desafio: concluir a reforma neoliberal do ensino superior. “Até 2012 terei consertado os estragos de maio de 1968”, proclamou no Les Échos de 27 de setembro de 2010. Num balanço final, ela pode se orgulhar de uma bela vitória: a aprovação da lei relativa às liberdades e responsabilidades das universidades (LRU), votada em 2007.
O trecho “responsabilidades e competências ampliadas”, considerado uma libertação das universidades da coação do Estado, fez que elas começassem a conhecer as “alegrias” da busca de financiamentos próprios. Bater de porta em porta nas empresas, aumentar as taxas de matrícula, em resumo, “se vender”: é essa a nova competência adquirida pelas universidades.
No entanto, o que elas têm para negociar? Os saberes emancipadores considerados bens comuns não resultam mais em lucro; trata-se agora de transformar a pesquisa científica em produtos patenteáveis e o ensino em cursos individualizados e “profissionalizantes” que levem a diplomas rentáveis.
Empacotadas, mercantilizadas, calibradas para públicos endinheirados, certificadas por normas ISO, classificadas em listas de “as melhores”, as universidades tendem a ser concebidas como mercadorias, as mais prestigiadas como “grifes”; e todas elas já ajustadas à captação de fundos privados.
Os estudantes (e suas famílias) são dessa forma seduzidos por panfletos, eventos, encartes publicitários, guias e tabelas comparativas, incitados a decidir por meio dessa orientação, como se fizessem uma escolha de investimento. Nessa óptica, financiar os estudos é investir para ser um capital negociável no mercado de trabalho. A partir da exortação à “transparência” e à “mobilidade” do ensino superior em um espaço europeu – e até mesmo mundial – é que os estudantes-clientes, empreendedores de sua existência, são convidados a investir para se constituir como mercadoria.
Na França, os estudantes não bolsistas que entram na universidade pública pagam taxas de matrícula que têm seu montante fixado a cada ano por portaria ministerial (177 euros para bacharelado, 245 para mestrado e 372 para doutorado em 2011-2012), às quais se soma a contribuição para a previdência social (203 euros). Para a grande maioria desses estudantes, as despesas com matrícula totalizam de 380 a 575 euros.
No setor privado, pelo contrário, os estabelecimentos são livres para determinar seus preços e, nestes últimos anos, se aproveitaram muito dessa margem de manobra. Alegando a necessidade de fortalecimento perante a “competição internacional” e o “retorno do investimento” prometido aos diplomados, as escolas de comércio (business schools)não hesitaram em dobrar seus preços (cinco delas ultrapassaram a barreira dos 10 mil euros por ano) e arrastaram as escolas de engenharia por seu rastro inflacionista.
Algumas universidades públicas não ficaram para trás. Compelidas a provar sua “excelência” e “competitividade” e sendo forçadas a gerir a escassez dos recursos concedidos pelos poderes públicos, elas apostaram na possibilidade que lhes foi oferecida de receber “taxas complementares” para se distinguir por meio de tarifas mais elevadas, conferindo-se uma singularidade presumivelmente valorizada no “mercado dos conhecimentos”.
Essa escalada dos preços se baseia em dois tipos de justificativa: a comparação internacional e a crise financeira. “Os Estados Unidos são modelo para nós? Pois então, a qualidade tem um preço”, afirmam alguns. As famosas universidades da Ivy League1 custam quase US$ 60 mil por ano, ou seja, em média três vezes mais do que as instituições públicas, cujos custos, entretanto, dobraram em trinta anos.
“Sem atravessar o Atlântico, veja o que acontece cruzando o Canal da Mancha!”, dizem outros. No quadro do programa de redução dos déficits orçamentários, a coligação liberal-conservadora britânica aumentou substancialmente o limite das taxas autorizadas para compensar a baixa das subvenções públicas. De 3 mil libras, elas passaram para 6 mil e até mesmo para 9 mil “em circunstâncias especiais”.2
O mesmo ocorre na Espanha, que em abril deste ano autorizou as comunidades autônomas a aumentar as taxas de matrícula. A “contribuição dos estudantes para o financiamento de seus estudos” passou de 15% para 25%. Quanto ao Québec, a Primavera do Bordo (Printemps Érable, mobilização que em fevereiro deste ano colocou 170 mil estudantes nas ruas para denunciar o aumento das tarifas) enfrentou uma alta projetada pelo governo de Jean Charest que atingiria 75% em cinco anos.3
Com a magnitude que apresenta, o encarecimento do acesso ao ensino superior observado atualmente não poderia ser explicado por simples fatores econômicos ou miméticos. Se ele atinge um número crescente de países é porque um trabalho de fundo foi empreendido por poderosos agentes ao longo dos três últimos decênios. A maior parte dos “prestadores de serviços [educativos]” não é, ainda hoje, livre para determinar seus preços, o que, aos olhos daqueles que promovem o “mercado do conhecimento”, constitui uma aberração.
Após a virada neoliberal dos anos 1980, e de maneira intensiva com a crise financeira atual, considerada justificativa para a precarização dos serviços públicos e a “diversificação das fontes de financiamento” – isto é, sua privatização –, a ideia de eliminar a regulação das tarifas universitárias foi se consolidando. Numerosos relatórios recentes, provenientes tanto da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),4 da Comissão Europeia5 e da Conferência de Reitores Universitários6 como de entidades nacionais ou de think tanks, contribuíram para valorizar a questão das anuidades e abrir a possibilidade de seu aumento.
Debates tempestuosos
Para os que consideram que as manifestações de oposição ao aumento das anuidades trazem um tom de conservadorismo francês, as mobilizações que ocorrem do Chile ao Québec, passando pela Finlândia até a Áustria,7 mostram que os debates sobre o custo do ensino superior estão presentes na maioria dos países-membros da OCDE. Grande parte aumentou recentemente os custos de escolaridade; outros, como diversos Länder alemães, instauraram esses custos em oposição a uma tradição de gratuidade; alguns, como Dinamarca ou Irlanda, distorceram o princípio e passaram a cobrar dos estudantes estrangeiros. Em seu “Panorama 2011” das estatísticas sobre a educação, a OCDE verifica que apenas oito países8 mantiveram a gratuidade nos estabelecimentos públicos para seus alunos, enquanto em mais de um terço as despesas anuais ultrapassaram o limite de US$ 1,5 mil.
A França figura em uma categoria intermediária: as taxas de matrícula permanecem pouco elevadas, mas o sistema de bolsas e de ajuda financeira quase não se desenvolveu. Com isso, a opção de cobrar dos estudantes foi por muito tempo deixada na gaveta. É esse tabu que uma fundação “progressista” como Terra Nova,9 próxima do Partido Socialista, se propõe a romper: “A quase gratuidade dos estudos superiores – incluindo as aulas preparatórias – é fonte de fortes desigualdades e priva as universidades de recursos úteis para uma melhor formação dos estudantes.10
Se os estudos devem ser pagos, é por uma dupla preocupação com eficiência econômica e justiça social: tal é o argumento insistentemente reiterado pelos partidários do aumento das taxas de matrícula, que compensaria a concessão de bolsas e de empréstimos educativos. Essa individualização do custo dos estudos e dos auxílios concedidos negam à educação sua dimensão coletiva. Os estudantes não são mais cidadãos, mas usuários de um serviço pelo qual, cedo ou tarde, deverão pagar.
Atitude utilitarista
Para além da instrumentalização das desigualdades sociais, os defensores do aumento se baseiam em uma “ideia-força”: a “valorização” dos estudos que ele acarreta. “Pagar os estudos” responsabilizará o estudante, que, consciente de seu valor monetário, será mais comprometido e menos propenso às faltas. Um círculo virtuoso seria assim iniciado: as universidades sendo impulsionadas por “clientes” mais sérios e exigentes, que demandam a melhora constante da qualidade dos serviços prestados.
Essa relação comercial dos estudantes com a instituição universitária corre o risco de difundir uma atitude utilitarista relativa aos saberes ensinados. Já que o pagamento dos estudos pela via do endividamento será equiparado a um investimento, submetido a um imperativo de rentabilidade, o conformismo levará vantagem sobre o prazer de aprender. Obrigados a ser estratégicos e materialistas para poder pagar seus empréstimos, os estudantes ficarão mais preocupados com a conversão rápida de seus investimentos. Essa tendência já pode ser observada no Reino Unido, onde os professores da famosa London School of Economics (LSE) estão perdendo as esperanças de insuflar um espírito crítico em uma geração obcecada por poder e dinheiro.11
Ficamos então tentados a minimizar a dimensão do problema do aumento das taxas nas universidades, circunscrevendo-o à “juventude dourada”: afinal, depois de tudo, não é justo “cobrar dos ricos”? Isso seria subtrair ao debate democrático uma questão social tão fundamental quanto aquela, por exemplo, da aposentadoria. Com a alternativa entre uma “educação por capitalização” e uma “educação por repartição”,12 prolonga-se a luta por uma solidariedade intergerações que garanta a partilha dos saberes como riquezas coletivas.

Isabelle Bruno
Professora pesquisadora de Ciência Política da Universidade Lille 2/ Ceraps - França


Ilustração: Daniel Kondo


 
1 Ler Rick Fantasia, “Délits d’initiés sur le marché universitaire américain” [Inside trading no mercado universitário norte-americano], Le Monde Diplomatique, nov. 2004.
2 Ler David Nowell-Smith, “Amers lendemains électoraux pour l’université britannique” [Amargo amanhã eleitoral para a universidade britânica], Le Monde Diplomatique, mar. 2011.
3 Ler Pascale Dufour, “Ténacité des étudiants québécois” [Tenacidade dos estudantes quebequenses], Le Monde Diplomatique, jun. 2012.
4 Cf. “Regards sur l’éducation 2011. Panorama” [Visões sobre a educação. Panorama], OCDE, Paris, 2011.
5 Cf. “Soutenir la croissance et les emplois. Un projet pour la modernisation des systèmes d’enseignement supérieur en Europe” [Apoiar o crescimento e o emprego. Um projeto para a modernização dos sistemas de ensino superior na Europa], Bruxelas, set. 2011.
6 Cf. a síntese das reflexões de seu grupo de trabalho “Économie du Sup”, intitulada “Le financement de l’enseignement supérieur français. Pour une refonte du modèle économique: effets ‘redistributifs’, équité et efficience” [O financiamento do ensino superior francês. Por uma refundação do modelo econômico: efeitos “redistributivos”, equidade e eficiência], Paris, set. 2011.
7 Desde 2009, a plataforma International Student Movement centraliza imagens e informações sobre as mobilizações estudantis ao redor do mundo (www.emancipating-education-for-all.org).
8 Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Islândia, México, Noruega, República Tcheca, Suécia (estatísticas 2008-2009).
9 Ler Alexander Zevin, “Terra Nova, la ‘boîte à idées’ qui se prend pour un think tank” [Terra Nova, a “caixa de ideias” que se faz por um think tank], Le Monde Diplomatique, fev. 2010.
10 Terra Nova, “Faire réussir nos étudiants, faire progresser la France. Pour un sursaut vers la société de la connaissance” [Promover o sucesso dos estudantes, promover o progresso da França. Por um salto em direção à sociedade do conhecimento], Contribution, n.12, ago. 2011, p.18.
11 Financial Times, Londres, 3 dez. 2009.
12 De acordo com o título do artigo de David Flacher e Hugo Harari-Kermadec publicado no Le Monde de 6 de setembro de 2011 em reação às propostas de Terra Nova.


terça-feira, 2 de outubro de 2012

A NOITE DA BORBOLETA DOURADA - TARIQ ALI


Blog da MILU DUARTE

No final de 2011, foi lançado no Brasil o quinto  e último livro do chamado "Quinteto Islâmico" do escritor paquistanês Tariq Ali. Com o título de "A noite da borboleta dourada"(336 páginas), este livro foge da temática histórica do universo islâmico abordada nos outros livros do quinteto, que tratavam dos mouros, do Império Otomano, das Cruzadas. A 'Borboleta'  trata da China dos séculos XX e XXI, apresentando o mundo islâmico em rápidas pinceladas atuais e/ou históricas.

Como disse em entrevista ao gaúcho "Correio do Povo" o próprio autor, este livro "não  é um romance histórico; é um romance que atravessa algumas fases da história recente do Paquistão e da China".

 Eu ainda não li o romance: acabo de adquiri-lo por R$ 35,47 (preço de oferta da Livraria da Travessa). A sinopse a seguir foi extraída da Editora Record, responsável pelo seu lançamento no Brasil.

" Em A noite da borboleta da dourada, ele mais uma vez lança mão de sua habilidade para transgredir, de forma sutil, figuras e instituições tradicionais do Paquistão.

Logo no início do romance, o narrador é lembrado de uma dívida de honra. O credor é Mohammed Aflatun, conhecido como Plato. Um irascível, mas talentoso pintor, que vive num Paquistão onde a dignidade humana é artigo escasso. Depois de anos evitando os holofotes, Plato quer que sua trajetória de vida seja contada. Assim, somos apresentados à Alice Stepford, sua amiga londrina, agora uma crítica musical radicada em Nova York; à senhora Latif, dona de casa de Islamabad, cuja predileção por generais a leva até Paris; e à Jindie, a borboleta, seu primeiro amor.

Tariq revela fragmentos do islã contemporâneo, o cotidiano dos paquistaneses, tudo isso entremeado à vida da família de Jindie — um de seus antepassados, Dù Wènxiú liderou uma rebelião muçulmana no século XIX e governou a região por quase uma década como sultão Suleiman. Suas ações despóticas servem de espelho para a situação atual do país. A noite da borboleta da dourada é uma história de radicalismo secular que ajuda na compreensão das crises contemporâneas. O fecho perfeito para uma das mais belas séries da literatura atual."

Mais informações sobre o autor ver neste blog, no post http://livroquetequero.blogspot.com.br/2011/01/resenha-de-hoje-mulher-de-pedra-tariq.html

Fórum Social Palestina Livre une denúncia e solidariedade

PORTAL VERMELHO - A solidariedade com a causa palestina é tema que unifica os mais diversos povos e movimentos. E, para demonstrar seu apoio, dar visibilidade ao tema e lutar por justiça e paz na região, entidades de todo o mundo se reunirão mais uma vez em Porto Alegre. Trata-se do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que acontece entre 29 de novembro e 1º de dezembro. O encontro global se insere no processo do Fórum Social Mundial de "combate à hegemonia do neoliberalismo, do colonialismo e do racismo, através das lutas por alternativas econômicas, políticas e sociais para promover a justiça, a igualdade e a soberania dos povos", diz a convocatória do evento. Segundo o documento, a ideia é mostrar a força da solidariedade aos palestinos, debater ações efetivas para assegurar a autodeterminação deste povo e o seu legítimo direito a um Estado, combater a ocupação israelense e denunciar a violência sionista. As delegações estrangeiras devem chegar a Porto Alegre ainda no dia 28, quando será realizado um show de abertura. Em seguida, serão três dias de palestras, atividades autogestionadas e ações culturais. A previsão é de que, durante as manhãs, sejam realizadas conferências e, à tarde, diversas programações simultâneas, organizadas pelas próprias entidades. No final da tarde do dia 29, uma grande marcha dos movimentos sociais deve tomar as ruas de Porto Alegre, para marcar o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, data instituída pelas Nações Unidas. Desde o ano passado, uma lei de autoria do deputado estadual do Rio Grande do Sul, Raul Carrion (PCdoB), criou também o Dia Estadual de Solidariedade ao Povo Palestino. A lei prevê a realização de atividades alusivas à data, que devem ser elaboradas em conjunto com entidades árabe-palestinas e com o devido apoio do governo. É nesse contexto que o Fórum Palestina Livre se realizará. A programação ainda inclui uma assembleia dos Movimentos Sociais, no dia 1º à tarde, e um ato de encerramento, com apresentações culturais. As atividades serão distribuídas em cinco eixos: Autodeterminação (que visa articular iniciativas de solidariedade e em defesa do direito à autodeterminação, incluindo o reconhecimento do Estado da Palestina); Direitos Humanos e Direito de Retorno (que trata inclusive da questão dos presos políticos e das violações cometidas por Israel); BDS e Estratégias de Luta (que abarca a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções a Israel); Por um Mundo sem Muros (que trata tanto dos muros físicos quanto dos muros da opressão); e Outras Formas de Resistência (espaço para pensar ações globais de solidariedade e resistência). Cerca de 200 personalidades mundiais estão sendo convidadas a participar do Fórum e manifestar apoio à causa palestina. O objetivo é dar maior visibilidade à luta desse povo pela criação de seu Estado. Entre os nomes que integram a lista dos convidados estão, por exemplo, o linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky, o escritor e ativista paquistanês Tariq Ali, o escritor italiano Umberto Eco, o cantor cubano Sílvio Rodriguez e a prêmio Nobel da Paz guatemalteca Rigoberta Menchú. O Fórum, convocado por cerca de 60 entidades brasileiras e palestinas com sede no Brasil, acontecerá 65 anos depois de o Brasil ter presidido a seção da Assembleia Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina. De acordo com a presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, o Fórum será palco para a solidariedade, mas também para a denúncia. "O Fórum fará a defesa da soberania do povo palestino sobre seu território. Esta é uma questão fundamental para a paz no Oriente Médio e já foi tema de diversas resoluções da ONU, mas não vai adiante pela força bruta das armas, da política de limpeza étnica de Israel, que promove assassinatos, checkpoints, prisões, o colonato – crimes graves contra a humanidade –, tudo para usurpar as terras e os recursos palestinos", diz. Segundo ela, o mundo não pode aceitar tais arbitrariedades. "Os povos pela paz no mundo levarão ao Fórum toda a sua solidariedade e farão a denúncia da violência de Israel. Construímos a unidade na pluralidade dos movimentos", colocou. Membro da Executiva da União Brasileira de Mulheres (UBM) e secretária nacional da Mulher do PCdoB, Liège Rocha destaca a importância de os movimentos se unirem para lutar por uma Palestina livre. "O Fórum parte da necessidade de se respeitar a soberania de um povo, de dar maior visibilidade a esta causa. E isso vem sendo construído com a unidade em torno da solidariedade e respeitando as diferenças de cada movimento. Dar visibilidade ao tema palestino é uma maneira de fazer pressão para que o anseio desse povo pelo seu Estado se concretize", defende. Presidente estadual do PCdoB no Rio Grande do Sul, Raul Carrion destaca o empenho do partido na realização do evento. "O PCdoB considera a solidariedade uma questão-chave e, desde o início, se coloca à disposição para contribuir com o Fórum. Entendemos que as lutas que são contra o colonialismo e o neoliberalismo ajudam a avançar na nossa luta aqui também", afirma, destacando a aprovação da lei que cria a data estadual em homenagem à causa palestina. Segundo Carrion, está em análise a realização de uma atividade paralela ao Fórum, um encontro internacional de legisladores e autoridades locais em solidariedade à luta palestina. Segue abaixo a convocatória do comitê organizador: Convocatória para o Fórum Social Mundial Palestina Livre, de 29 de novembro a 1º de dezembro de 2012, Porto Alegre (Brasil) A Palestina ocupada pulsa em cada coração livre neste mundo e sua causa continua a inspirar solidariedade universal. O Fórum Social Mundial Palestina Livre é uma expressão do instinto humano de se unir por justiça e liberdade, e é um eco da oposição do Fórum Social Mundial à hegemonia do neoliberalismo, do colonialismo e do racismo através das lutas por alternativas econômicas, políticas e sociais para promover a justiça, a igualdade e a soberania dos povos. O FSM Palestina Livre será um encontro global de ampla base popular e de mobilizações da sociedade civil de todo o mundo. Ele visa: Mostrar a força da solidariedade aos chamados do povo palestino e à diversidade de iniciativas e ações visando promover a justiça e a paz na região. Criar ações efetivas para assegurar a autodeterminação palestina, a criação de um Estado Palestino com Jerusalém como sua capital, e o atendimento aos direitos humanos e ao direito internacional por: 1. Acabar com a ocupação israelense e a colonização de todas as terras árabes e derrubar o muro; 2. Assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel à plena igualdade, e 3. Implementar, proteger e promover os direitos dos refugiados palestinos de retornar a seus lares e propriedades, como estipula a resolução da ONU 194. Ser um espaço para discussão, troca de idéias, estratégias e planos que desenvolvam a estrutura da solidariedade. Exatamente após 65 anos de o Brasil ter presidido a seção da Assembleia Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina, o Brasil vai abrigar um tipo diferente de fórum global: uma oportunidade histórica de os povos de todo o mundo se levantarem onde seus governos falharam. Os povos do mundo se reunirão para discutir novas visões e ações efetivas para contribuir com a justiça e a paz na região. A participação nesse Fórum deve reforçar estruturalmente a solidariedade com a Palestina; promover ações para implementar os direitos legítimos dos palestinos e tornar Israel e seus aliados imputáveis pela lei internacional. Conclamamos todas as organizações, movimentos, redes e sindicatos em todo o mundo a se unirem ao FSM Palestina Livre, de 29 de novembro a 1º de dezembro, em Porto Alegre, Brasil. Juntos podemos levar a solidariedade à Palestina a um novo patamar.

Comitê Organizador do Fórum Social Mundial Palestina Livre
 Da Redação do Vermelho

John Mclaughlin Belo Horizonte

John McLaughlin - guitarras
Francois Jeanneau - saxofones
Augustin Dumay - violino
Katia LaBeque - piano, sintetizadores
Francois Couturier - piano, sintetizadores
Jean Paul Celea - baixo
Tommy Campell - bateria
Jean Pierre Drouet - percussão
Steve Sheman - percussão
Paco DeLucia - guitarra (8)

1. Belo Horizonte - (4:26)
2. La Baleine - (5:54)
3. Very Early (Homage to Bill Evans) - (1:10)
4. One Melody - (6:25)
5. Stardust on Your Sleeve - (5:59)
6. Waltz for Katia - (4:26)
7. Zamfir - (5:43)
8. Manitas D'Oro (for Paco DeLucia) - (4:11)

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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Karl Marx manda lembranças

 

Por César Benjamin no GRABOIS




As economias modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

 
Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.
* César Benjamin, 53, é editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006)

Morre o historiador marxista Eric Hobsbawm aos 95 anos

  Marina Mattar | Redação do OPERA MUNDI
   
Um dos principais intelectuais do século XX, sua obra é reconhecida mundialmente

     
Agência Efe (28/01/20018)

O historiador, Eric Hobsbawm, desenvolveu pesquisas e estudos até os 94 anos, sendo responsável por extensa análise dos séculos XIX e XX e suas principais transformações
Um dos maiores historiadores do século XX e respeitado marxista, Eric Hobsbawm faleceu nesta segunda-feira (01/10) em Londres, aos 95 anos, segundo um comunicado de sua família divulgado em jornais britânicos. O estudioso deixou um amplo legado de pesquisas e análises sobre a história do mundo moderno a partir do viés marxista.

O intelectual estava internado no hospital Royal Free e não resistiu a uma pneumonia.  Sua filha, Julia Hobsbawm, informou que o historiador estava passando por um longo período de doenças, mas não deu outros detalhes sobre seu quadro de saúde.

"Ele fará falta não apenas para sua esposa há 50 anos, Marlene, e seus três filhos, sete netos e um bisneto, mas também por seus milhares de leitores e estudantes ao redor do mundo", acrescentaram seus familiares em comunicado.
 
Responsável por obra de quatro volumes sobre a história contemporânea, Hobsbawm é considerado um dos principais historiadores dos séculos XIX e XX. Seus estudos abrangem de 1789, data da revolução francesa, a 1991 com a queda da União Soviética e enfatizam, sobretudo, as transformações políticas e sociais do mundo por meio de seus principais marcos históricos.

O imperialismo das potencias sobre os continentes asiático e africano, a revolução russa e o estabelecimento dos regimes burgueses na Europa também foram objetos de estudo do marxista.

Para o historiador Niall Ferguson, os livros “A Era da Revolução” (1789 – 1848), a “Era do Capital” (1848 – 1875), “A Era dos Impérios” (1875 – 1914) e “A Era dos Extremos (1914 – 1991) são “o melhor ponto inicial para qualquer pessoa que deseje começar a estudar a história moderna”.

O trabalho de Hobsbawm, no entanto, não se limitou a essa série de estudos e a idade parece não ter impedido o historiador de continuar com suas pesquisas e análises. Tendo em vista recentes acontecimentos mundiais como os atentados terroristas do 11 de setembro e a guerra dos Estados Unidos “contra o terror”, Hobsbawm publicou “Globalização, Democracia e Terrorismo” em 2007, uma compilação de palestras e conferências.

Em 2011, aos 94 anos, o historiador fez sua ultima contribuição e análise aos estudos do pensamento e da história marxista com o livro “Como mudar o mundo”. Prefácios, artigos, conferências e ensaios reunidos na obra explicitam a preocupação central do historiador em refletir sobre as transformações e nesse caso, sobre uma teoria que alicerça a revolução.

Hobsbawm também se encontrou no ano passado com o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e opinou sobre a situação política brasileira. “Lula ajudou a mudar o equilíbrio do mundo ao trazer os países em desenvolvimento para o centro das coisas", opinou o historiador.

O historiador, de origem judaica, nasceu no ano de 1917 em Alexandria, no Egito, mas cresceu em Viena, capital austríaca, e em Berlim, capital alemã. Junto de sua família, se mudou para Londres em 1933 quando Hitler chegou ao poder na Alemanha. Hobsbawm desenvolveu seus estudos no King’s College, na capital britânica, e em Cambridge. Em 1947, começou a lecionar na Universidade de Birbeck, onde, anos depois, acabou por se tornar o reitor.

O posicionamento político de Hobsbawm era público e muito conhecido, pois, em plena Guerra Fria, ele se afiliou ao Partido Comunista britânico. O historiador disse, anos depois, que “nunca tentou diminuir as coisas que aconteceram na Rússia”, informou o jornal britânico Guardian.

“Mas, acreditava que um novo mundo estava nascendo em meio a sangue, lagrimas e horror: revolução, guerra civil e fome. Por conta do colapso do Ocidente, nós tínhamos a ilusão de que mesmo que brutal, o sistema funcionaria melhor do que o ocidental. Era isso ou nada”, contou o historiador.

domingo, 30 de setembro de 2012

“Fui usada para espalhar o medo”, afirma a ex-pantera negra Angela Davis

 



     
 
Em entrevista, Davis analisa o período em que foi presa e julgada nos Estados Unidos em um processo eminentemente político que teve grande repercussão internacional
 
 
Luciano Monteagudo,
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
 
 
   
   Angela Davis, quando militava no Panteras Negras - Foto: Reprodução
40 anos depois das graves acusações que a levaram a ser julgada e presa nos Estados Unidos, em processo eminentemente político que teve grande repercussão internacional, Angela Davis analisa nesta entrevista aquela etapa difícil de sua vida. Ao referir-se à atual situação dos negros nos EUA, Angela diz que “as coisas são piores, hoje, com um negro na Casa Branca”.
“Acho que meus princípios não mudaram em todos esses anos. Nem meu compromisso político.” É o que diz Angela Davis, uma das mais famosas ativistas políticas dos anos 1960 e 1970, figura icônica, não só pelo discurso fortemente revolucionário e pela destacada militância nos “Panteras Negras”, mas também pelo penteado ‘afro’ que fez moda em todo o planeta entre as mulheres negras e brancas.
Hoje, com 68 anos, intelectual e professora universitária, formada na Universidade de Frankfurt onde estudou sob orientação de Herbert Marcuse, Angela Davis participou do Festival Internacional de Cinema de Toronto [Toronto International Film Festival], no dia 15 de setembro, para apoiar o lançamento do documentário Free Angela & All Political Prisoners [Liberdade para Angela & Todos os Prisioneiros Políticos].
Dirigida por Shola Lynch, o filme narra os padecimentos de Davis há 42 anos, quando foi envolvida pelo FBI no sequestro e morte do juiz Harold Haley, do condado de Marin, na California. Angela acabou por ser absolvida, apesar da pressão que fez contra ela o governador da California, Ronald Reagan, o qual, em 1969, conseguira expulsá-la da Universidade da California (UCLA) pela declarada militância de Davis no Partido Comunista.
Foragida da Justiça, na qual evidentemente não confiava, Angela Davis chegou a integrar, aos 24 anos, a lista dos 10 foragidos mais procurados do FBI, até afinal ser localizada e presa, em outubro de 1970. Cresceu então uma campanha internacional por sua libertação, que contou com a solidariedade até de John Lennon e Yoko Ono, que compuseram a canção “Angela” para seu LP Some Time in New York City (1972) , e dos Rolling Stones, que gravaram um single, “Sweet Black Angel”, incluído em seguida no álbum Exile on Main Street (1972).
“Nunca procurei esse grau de exposição pública e foi muito difícil de aceitar, naquela época” – lembra Miss Davis em entrevista exclusiva ao jornal Página/12, numa suíte do Soho Metrotel de Toronto. “Minha aproximação original foi estritamente política, e nem nos meus sonhos mais loucos pensei que seria empurrada nessa direção. Mas, ao mesmo tempo, fui consciente de que era algo com que teria de aprender a conviver. Portanto, decidi tratar de usar aquilo tudo, nem tanto em meu nome, mas em nome de tanta gente que não tinha voz naquele momento.”
 
A senhora refere-se a seus companheiros de militância nos Panteras Negras?
Exatamente. Porque a campanha nacional pela minha libertação começou sob a bandeira de “Libertem Angela Davis”, mas decidi que teria de ser “Libertem Angela Davis e todos os presos políticos” – a frase que Shola Lynch escolheu para título do seu documentário.
 
No filme, a senhora diz que a tripla pena de morte que os promotores pediram, no seu caso, não se dirigia pessoalmente à senhora, mas a toda a construção que a senhora encarnava. Pode falar um pouco mais sobre isso?
Logo percebi que todo aquela fúria contra mim excedia minha pessoa e a minha situação pessoal. Em primeiro lugar, porque não conseguiriam me executar três vezes. Percebi também do que se tratava ali. Estavam decididos a matar um inimigo imaginário que estava sendo construído. E eu era a encarnação perfeita do inimigo que eles começavam a construir: negra, mulher e comunista. Quando o FBI começou a me perseguir, aproveitaram prender centenas de mulheres negras e jovens como eu. Aproveitaram a situação para tentar espalhar o medo em toda a comunidade negra nos EUA.
 
Desde então, o que mudou?
Acho que muitas coisas mudaram. E penso que mudaram, em grande medida, por causa da luta que fizemos. Quando cheguei à universidade, eram raríssimas as negras em cursos superiores nos EUA. Hoje, são milhões, embora ainda haja enorme desproporção entre negros e brancos nos cursos superiores. Hoje o que me angustia muito é que, naquele tempo, quando lutávamos pela libertação de todos os presos políticos em especial e contra a instituição carceral em geral, surpreendeu-nos muito a quantidade de gente presa nos EUA. Mas hoje, esse número é muitas vezes maior. Hoje, em meu país, há 2,5 milhões de pessoas encarceradas. Um, de cada 37 adultos vive no sistema penitenciário. É porcentagem altíssima. Os EUA somos o país de maior população encarcerada no mundo.
 
E a que a senhora atribui isso?
Há a miséria, sem dúvida. A maioria dos homens negros jovens nos EUA estão hoje desempregados. Há aí o problema político, mas há também o racismo. É verdade que os livros escolares já não manifestam abertamente o racismo, como antes, e que já não há segregação racial oficial, mas em muitos sentidos a situação é hoje pior que antes, há meio século.
 

   
   Angela Davis, atualmente - Foto: Reprodução
Apesar do presidente afroamericano, Barack Obama?
Sim, é triste dizer, mas as coisas são piores com um presidente afroamericano na Casa Branca. Essa é a ironia. Porque há meio século era impensável que um negro chegasse, algum dia à presidência dos EUA. Hoje, é possível. Mas também é preciso dizer que ninguém, na Casa Branca, hoje, está preocupado com o fato de que há um milhão de negros nas prisões norte-americanas. E isso tem relação direta com o desmantelamento completo do sistema de bem-estar social e com a desindustrialização pela qual os EUA estão passando, e a consequente perda de postos de trabalho. Antes, a população negra tinha onde trabalhar, na indústria siderúrgica, na indústria automobilística, em tantas outras indústrias que já deixaram os EUA e mudaram-se para outros países onde a mão de obra é muito mais barata. Eu nasci e fui criada em Birmingham, Alabama, e ali a indústria siderúrgica era era a principal fonte de trabalho. Ainda é, mas com muito menos postos de trabalho que antes. E se se soma a isso a falta de assistência social, a falta de educação, a falta de sistema eficiente de assistência pública à saúde, as prisões viram uma espécie de solução ao avesso, para todos os problemas sociais que não recebem qualquer atenção política.
 
Já que falamos de prisões... Por que, na sua avaliação, Obama não cumpriu a promessa de fechar a prisão de Guantánamo?
Deveria tê-la fechado no primeiro momento. Deveria ter sido seu primeiro ato oficial. Em vários sentidos, a chamada “guerra ao terrorismo” atropelou Obama. Mas também é verdade que a principal razão pela qual Obama não fechou Guantánamo foi que não saímos às ruas para exigir que fechasse. Em várias instâncias, os eleitores que elegeram Obama não se mantiveram mobilizados e em alerta. Teria sido preciso criar um movimento para fechar Guantánamo, um movimento que pressionasse, até Guantánamo ser fechada. Também para criar melhor sistema de saúde pública, de educação etc. São coisas que ainda temos de fazer.
 
Para as próximas eleições?
Claro. Já. Imediatamente. Temos de sair e ocupar os espaços, construir para nós uma dimensão do que é necessário e possível fazer.

[Eleições Municipais] A desconstrução política

 





Frei Betto

Escritor e assessor de movimentos sociais

Adital

A atual campanha eleitoral às prefeituras tem muito de temperamental. No início, candidatos majoritários prometiam evitar baixarias e se pautar pelos compromissos elencados nos programas partidários. Seria uma campanha de "alto nível” disseram alguns, até porque representam partidos que convergem no apoio ao governo Dilma.
Assim, nos primeiros debates no rádio e na TV cada candidato se esforçava para convencer o eleitor de que, caso mereça ser eleito, a nova administração municipal (ainda que de um candidato à reeleição) será melhor que a anterior. Haverá avanços no atendimento à saúde, na qualidade da escola pública, no transporte coletivo, na coleta de lixo etc. Gerenciar bem a cidade é o que importa.
Então surgiram as pesquisas – o fantasma estatístico que, como espada de Dâmocles, paira sobre a cabeça de cada concorrente ao pleito. A pesquisa indica a chance de vitória de cada aspirante a futuro prefeito. Uma outra pesquisa aponta ao candidato como o público reage a seus programas no rádio e na TV.
Ora, o público televisivo-internáutico do Brasil não merece aplausos em matéria de preferência. Gosta de baixaria real (Big Brother) ou virtual (novelas). Nada que faça pensar e ter opções próprias. E programa de governo faz pensar e exige um mínimo de discernimento crítico.
O que dá ibope é a relação conflituosa entre Carminha e Nina, e não entre a máfia da especulação imobiliária e os sem-teto e os que vivem de aluguel.
Assim, candidatos com índices insuficientes de preferência eleitoral, e também aqueles que, à frente no páreo, se sentem ameaçados pelos concorrentes tendem, na reta final da campanha, a esquecer as promessas administrativas e partir para a agressão verbal. Qual mágicos de um circo de terror, tiram da cartola todas as acusações, mazelas e maracutaias que possam afetar os adversários.
O mais curioso é que, na falta de reforma política (sempre prometida e adiada), os eleitores assistem à uma esdrúxula panaceia. Aliados de ontem são inimigos de hoje nas eleições municipais. Ontem, beijos; hoje, tapas.
Ocorre que, com raras exceções, acusadores e acusados na esfera municipal são, ainda hoje, aliados na esfera federal. O que revela uma política cada vez mais despolitizada, desideologizada, atrelada à mera fome de poder.
Como não há almoço de graça nem barraco sem roupa suja a ser lavada, os efeitos dessa nefasta maneira de fazer política serão sentidos nas próximas eleições para governadores e presidente da República, em 2014.
As fissuras no edifício da base aliada do governo federal já começam a aparecer. PT e PSB andam se estranhando. O PMDB, por enquanto, fica que nem bala de coco em boca de banguela. Mas pode, em breve, querer se livrar da síndrome de linha auxiliar e, como glutão de votos, ocupar a posição central de principal protagonista.
Toda a questão de fundo dessa conjuntura reside na cultura (a)política que respiramos nesse clima de neoliberalismo. Nenhum candidato questiona o sistema em que vivemos. Já não se fala em aproveitar o período eleitoral para "conscientizar e organizar a classe trabalhadora”. Tudo se resume, como nas eleições presidenciais nos EUA, a criar impactos emotivos para tirar o eleitor do marasmo e do desencanto. E os recursos mais utilizados são o "retrato de família” (vejam como sou feliz com minha esposa e filhos) e o medo: do desemprego, da crise financeira, do terrorismo, da perda de direitos civis.
Estamos todos sendo progressivamente domesticados pela mídia controlada pelo grande capital, de modo a trocar liberdade por segurança, opinião própria por consenso, espírito crítico por venerável anuência à palavra do líder. Corremos o risco de ter, no futuro, uma sociedade de invertebrados políticos.

Golpista paraguaio sabota TV Pública

 



Por Altamiro Borges
A mídia brasileira, que tanto bravateia sobre liberdade de expressão, nada tem falado sobre a regressão autoritária vivida atualmente no Paraguai. Ela apoiou, aberta ou dissimuladamente, o “golpe constitucional” na nação vizinha e, por isso, faz silêncio. Nos últimos dias, 28 profissionais da TV Pública do Paraguai foram demitidos numa autêntica operação macartista de caça as bruxas. O jornal Página 12, da Argentina, publicou recentemente uma reportagem que evidencia a gravidade da situação.

Assinada pela jornalista Mercedes López, a reportagem relata que o governo deposto de Fernando Lugo começou a trabalhar um projeto de tevê pública em meados de 2010. O canal foi ao ar pela primeira vez em dezembro do ano passado, mas seis meses depois foi vitima da conspiração das elites paraguaias. “O golpe de Estado nos surpreende quando a televisão estava consolidando a sua aliança com movimentos sociais e setores acadêmicos, estudantis e culturais”, explica o cineasta Marcelo Martinessi, ex-diretor da emissora.
Demissões e mentiras esfarrapadas
Diante das ameaças de fechamento da TV Pública, Martinessi renunciou ao cargo. O governo autoritário se comprometeu a manter o canal no ar e garantiu que não haveria represálias. A emissora se transformou no polo de resistência dos setores democráticos, com manifestações diárias em frente à sua sede. No programa “Microfone Aberto”, lideranças populares criticavam os golpistas e exigiam a volta de Fernando Lugo. O espaço democrático, porém, durou pouco tempo.

“As autoridades da Secretaria de Informação começaram a buscar uma maneira de desarticular a equipe de trabalho do ‘Microfone Aberto’. Foram demitidos 28 trabalhadores. A maioria teve participação ativa na semana de resistência. Argumentaram que não há orçamento, mas é uma desculpa para justificar a depuração ideológica que está havendo”, relata a jornalista. Em meados de agosto, Cristian Turrini assumiu a direção da TV Pública. Ele foi presidente da empresa de telecomunicações Calypso Wireless, nos EUA.

Vitória do latifúndio midiático
Turrini garante que é apenas um gestor. “Não pertenço a nenhum partido, há cinco meses voltei ao Paraguai depois de morar 22 anos nos EUA e eles precisavam de um administrador”. Ele justifica as demissões alegando falta de dinheiro. “Não há recursos, os contratos venceram há três meses”. Martinessi contesta esta versão. “O governo Lugo destinou US$ 2,5 milhões à TV Pública. Pelo decreto 9097 de junho [pouco antes do golpe], este montante seria destinado à rede de repetidoras. Não se sabe por que alegam falta de recursos”.  
Os programas mais críticos exibidos pela emissora, como o “Entre nós” e “Patrimônio Cultural”, já foram retirados do ar. Aos poucos a TV Pública vai sendo asfixiada, para a alegria da mídia privada que apoiou o golpe. Os jornais ABC Color e La Nación e o canal Tele Futuro, que fizeram de tudo para desestabilizar o governo de Fernando Lugo, agora dão total apoio ao golpista Federico Franco. “A concentração da mídia no Paraguai é, talvez, tão injusta quanto à da terra”, conclui a repórter do jornal Página 12.

sábado, 29 de setembro de 2012

O absoluto é Deus, e o coabsoluto são os pobres. Entrevista especial com Jon Sobrino

  

Do sitio IHU
"Fazer teologia é ajudar, a partir do pensar, para que Deus seja mais real na história e que os pobres – no caso, a fome – deixem de sê-lo", afirmar o teólogo jesuíta.

Já são 40 anos de Teologia da Libertação e permanece a dúvida em relação às razões pelas quais ela é tão criticada, perseguida, difamada pelos poderes do mundo, inclusive pela hierarquia da Igreja. Pois quem ajuda nessa compreensão é o renomado teólogo jesuíta salvadorenho, de origem espanhola, Jon Sobrino, que aceitou conceder a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail, afirmando que para responder a essa pergunta não é necessário nenhum estudo sofisticado, nem de discernimento diante de Deus. Tal perseguição ocorre “ou por má vontade ou por ignorância”, pelo fato de que aquela teologia “foi vista como uma ameaça”. E explica: “certamente, ameaça ao capitalismo, e daí a reação de Rockefeller em 1969 e dos assessores de Reagan, em 1980. E ameaça à segurança nacional, e daí as reações dos generais na década de 1980. Também no interior da Igreja, por ignorância, por medo de perder o poder ou por obstinação de não querer reconhecer a verdade com que se respondiam às críticas”.
Sobrino pensa que, no Concílio Vaticano II, “a Igreja sentiu o impulso de humanizar o mundo e de se humanizar juntamente com ele, sem se envergonhar diante do mundo moderno e de usar o moderno para tornar mais crível o Deus cristão”. E o teólogo acredita que, o que se chamou de Teologia da Libertação, “pode aportar a ambas as coisas: racionalizar a fé em um mundo de injustiça e oferecer uma imagem mais limpa de Deus, não manchada com a imundície das divindades que dão morte aos pobres”.
 
 
Jon Sobrino é professor da Universidade Centro-Americana - UCA -, de San Salvador. Doutor em Teologia pela Hochschule Sankt Georgen, em Frankfurt (Alemanha) e diretor da Revista Latinoamericana de Teologia e do informativo Cartas a las Iglesias.
Ele é autor de, entre muitos outros livros, Cristologia a partir da América Latina: esboço a partir do seguimento do Jesus histórico (Petrópolis: Vozes, 1983). Ele estará na Unisinos participando do Congresso Continental de Teologia, com a conferência inaugural do evento, intitulada “Um novo Congresso e um Congresso novo”.
 
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Para o senhor, qual o significado de celebrar os 50 anos do início do Concílio Vaticano II e os 40 anos da publicação do livro de Gustavo Gutiérrez  – Teologia da Libertação? Que perspectivas podem se abrir a partir do Congresso Continental de Teologia?
Jon Sobrino – Naqueles anos, de 1966 a 1974, estive em Frankfurt estudando Teologia. Tive notícias do Concílio, mas parciais. Por Medellín e o livro de Gustavo Gutiérrez, só cheguei a me interessar em 1974, com a minha chegada a El Salvador. Com isso quero dizer que, diferentemente de muitos da minha geração, eu fui um ignorante do que estava acontecendo e obviamente não fui nenhum apaixonado. Depois, tudo mudou. Mais do que acontecimento, penso que foi a realidade salvadorenha dos pobres e os companheiros que se entregavam a eles que me levaram a valorizar os acontecimentos que haviam ocorrido e a ler os textos de bispos e de teólogos que os acompanhavam. Esse esclarecimento talvez ajude a compreender as respostas que vou dar a seguir. Perguntam-me qual é o significado de celebrar, e penso que, se levarmos a sério a pergunta, cada um terá uma resposta própria.
Dos acontecimentos mencionados, eu continuo celebrando que foram rupturas profundas e humanizadoras na história da Igreja. Fizeram-nos respirar. Pensando no Concílio, “o impossível se fez possível”. Pensando em Medellín, Gustavo Gutiérrez e depois em Dom Romero, a Igreja decidiu se voltar ao pobre e a Jesus. E deu “ultimidade” à justiça e à esperança de que fosse possível “que o rico não triunfe sobre o pobre, nem o verdugo sobre a vítima”. Nessa tarefa, assomava-se com clareza o Deus de Jesus. E se eu me centro mais em Medellín do que no Concílio é porque eu o conheço melhor.

Outro cristianismo é possível
Isso produziu alegria e esperança de que, como se diz hoje, não sei se com demasiada facilidade, outra Igreja, outra fé, outro cristianismo “é possível”, e o era porque “era real”. Hoje celebramos o despertar “do sonho de séculos de cruel desumanidade”, como nos pedia Montesinos, a decisão de trabalhar pelos pobres e sua libertação, e a lançar a sorte com eles. Celebramos a difícil conversão e o novo que foi aparecendo: liturgias, catequese, música popular, poesias, nova teologia, a de Gustavo, um compromisso desconhecido e uma luta contra os ídolos. E, sobretudo, a entrega da vida de centenas e milhares de fiéis cristãos. De bispos e sacerdotes. Na vida e na morte se pareceram com Jesus. Os feitos são evidentes. Dom Pedro Casaldáliga escreveu “São Romero da América, pastor e mártir nosso”, embora várias cúrias romanas não sabem o que fazer com esse mártires, tantos e tão numerosos são eles. As normativas às que devem ser fiéis não são pensadas para aceitar o evidente.
Hoje, no continente, mudaram algumas coisas, persistem a pobreza, as estruturas de injustiça e de opressão, e aumenta a crueldade das migrações.
Mudaram mais as coisas na Igreja. De Puebla em diante, deslizou-se por uma ladeira sem que Aparecida tenha impedido isso significativamente. Há coisas boas e inovadoramente boas, mas já não é o de antes. Havia honradez institucional, abundante, ao menos o suficiente, com o real, denúncia vigorosa e analisada contra o horror dos pobres, utopia pela qual trabalhar e lutar, cartas pastorais que lembravam Bartolomé de las Casas e a ciência de Vitória, homilias proféticas de sacerdotes, teologias audazes... Agora isso não fica claro. Fizeram presente um Deus mais latino-americano, pobre, esperançoso, libertador e crucificado. E devolveram ao continente e a suas igrejas um Jesus que esteve sequestrado durante séculos.

Olhar para trás
O que significa, então, celebrar anos depois o Concílio, o livro de Gustavo Gutierrez, Medellín, o martírio de Dom Romero? O que ocorreu foi muito bom e muito humanizador. Hoje, já não abunda. E por isso é preciso olhar para trás, embora as palavras não soem politicamente corretas. Certamente é preciso prosseguir com o novo no pensar teológico: a mulher, os indígenas, as religiões, a irmã terra, a utopia de outros mundos, igrejas, democracias “possíveis”. Mas é preciso ter cuidado para não cair na ameaça de Jeremias: “Abandonaram a mim, fonte de água viva, e cavaram para si poços, poços rachados que não seguram a água” (2, 13). O que mencionamos antes são fontes de água viva até o dia de hoje. E mais o serão se voltarmos a elas ativa e criativamente. É certo, “o Espírito nos move para frente”. Mas tal como estamos, menos se pode esquecer que “o Espírito nos remete a Jesus de Nazaré”, eterna fonte de água viva.

IHU On-Line - O que significa fazer e pensar a Teologia a partir da realidade da América Latina e do Caribe?
Jon Sobrino – A teologia não é o primeiro a ser pensado. O primeiro é a realidade e, no caso da Teologia, a realidade absoluta. Com sua agudeza habitual, Dom Pedro Casaldáliga, ao se referir ao absoluto, diz que “tudo é relativo, menos Deus e a fome”. O absoluto é Deus, e o coabsoluto são os pobres. Fazer teologia é, então, ajudar, a partir do pensar, para que Deus seja mais real na história e que os pobres – a fome – deixem de sê-lo. Para que o pensar possa ajudar nessa tarefa, lembremos o que Ellacuría entendia por inteligir a realidade. Explicava-o em três passos:

- O primeiro é “assumir a realidade”; em palavras simples, captar como são e como estão as coisas. Em 2006, olhando o mundo universo, Casaldáliga escrevia: “Hoje, há mais riqueza na Terra, mas há mais injustiça. Dois milhões e meio de pessoas sobrevivem na Terra com menos de dois euros por dia, e 25 mil pessoas morrem diretamente de fome, segundo a FAO. A desertificação ameaça a vida de 1,2 milhões de pessoas em uma centena de países. Aos emigrantes é negada a fraternidade, o solo abaixo dos pés. Os Estados Unidos constroem um muro de 1,5 mil quilômetros contra a América Latina. E a Europa, ao sul da Espanha, levanta uma cerca contra a África. Tudo o que, além de iníquo, é programado”. O presente não o desmente.

- O segundo passo é “encarregar-se da realidade”. Sua finalidade não consiste simplesmente em fazer crescer conhecimentos por bons e necessários que sejam, mas em fazer crescer a realidade. E em uma direção determinada: a da salvação, da compaixão, da misericórdia e do amor. A teologia é intellectus amoris.

- O terceiro passo é “carregar a realidade”, e com uma realidade que é pesada. Sob ela vivem os anawim da Escritura, os encurvados. A carga que pode fazer até com que privem a vida de alguém. Teólogos e teólogas sofreram perseguição, e alguns acabaram mártires. Isso pode acontecer quando o fazer teologia está perpassado de atitude ética.

Costumamos acrescentar um quarto passo: “deixar-se carregar pela realidade”. O trabalhar e o sofrer assim também podem ser graça para quem faz teologia. Então, o teólogo sabe que faz parte do povo pobre, não é externo a ele. Sabe que é levado por ele e recebe o agradecimento dos pobres. Fazer teologia é, então, “uma pesada carga leve”, como dizia Rahner, que é o Evangelho.

IHU On-Line - Como o senhor analisa a atual conjuntura cultural, socioeconômica e político mundial, a partir do horizonte latino-americano? Nesse contexto, quais os desafios e tarefas que implicam à teologia?
Jon Sobrino – Creio que na atualidade há muitos rostos de Deus na América Latina. Uns emergiram no passado e ali ficaram. Seguem mantendo muita gente com vida e dignidade – embora com a limitação de não animar ao compromisso. Outros coexistem com superstição desumanizante. Hoje proliferam novas Igrejas e movimentos de todo o tipo, em sua maioria carismáticos e pentecostais, com seus novos rostos de Deus. Pessoalmente, compreendo e às vezes aprecio a bondade das pessoas que os veneram, pois, em parte, deve-se a longas épocas de desamparo eclesial. Mas nem sempre é fácil para mim colocá-los junto ao Jesus de Nazaré do Evangelho. Entre intelectuais e antigos revolucionários existem agnósticos e alguns ateus. São minorias, mas estão aumentando. Creio que, em poucos lugares, surgiu o rosto de um Deus crucificado, de que fala Moltmann, mas não creio que em países como El Salvador e Guatemala seja possível aceitar, a longo prazo, um Deus que não afeta o seu sofrimento, que o próprio Deus sofra em seus filhos e filhas crucificados. Em meio a esses rostos, creio que a novidade maior é a dupla formulação que Puebla fez em 1979. Positivamente, Deus é essencialmente um Deus libertador. Defende e ama os pobres – e nessa ordem – pelo mero fato de serem-no. Seja qual for sua situação pessoal e moral. Dialeticamente, Deus é essencialmente um Deus de vida contra divindades da morte. Puebla analisou isso cuidadosamente e apresentou os ídolos de acordo com uma hierarquia: o ídolo da riqueza, o poder, as armas... Dom Romero, junto com Ignacio Ellacurría, explicou-o admiravelmente para a situação salvadorenha.

IHU On-Line - Qual é o rosto de Deus que emerge da realidade latino-americana? E como a Igreja tem assumido esse rosto?
Jon Sobrino – É preciso perguntar isso a eles, e não tomarmos, nós, o seu lugar. Mas podemos dizer algo. Em Morazán, em meio às atrocidades da guerra dos campesinos, perguntavam ao sacerdote que os acompanhava: “Padre, se Deus é um Deus de vida, como acontece tudo isso conosco?”. É a pergunta de e de Epicuro . Para responder a essa pergunta não me ocorrem conteúdos nem razões, mas sim atitudes. A primeira é lhes falar “com proximidade”. E não qualquer proximidade, mas a de Dom Romero: “Peço ao Senhor durante toda a semana, enquanto vou recolhendo o clamor do povo e a dor de tanto crime, a ignomínia de tanta violência, que me dê a palavra oportuna para consolar, para denunciar, para chamar ao arrependimento”. A segunda é falar “com credibilidade”. E, de novo, não qualquer credibilidade, mas a de Dom Romero: “Eu não quero segurança enquanto não a deem a meu povo”. O bispo não respondia apelando a milagres celestiais, mas sim mostrando em sua própria carne o amor terrenal. O que sentiam em seu coração os campesinos que sofriam e perguntavam, pertence a seu mistério. Aqueles que o viam de fora acreditam que o bispo lhes falou do amor de Deus. E que as suas palavras foram uma boa notícia. Resta aos intelectuais dialogar com Epicuro e Dostoiévski , acolher Paulo e Moltmann. E não é tarefa ociosa. Mas, entre nós, o que mais ressoa é a proximidade e a credibilidade do Monsenhor.

IHU On-Line - Como falar de Deus a partir da realidade de sofrimento que vivem os excluídos, os que estão à margem da sociedade privilegiada?
Jon Sobrino – As teologias não crescem, perduram ou decaem como sistemas formais de pensamento, não contaminadas pelo real. A Teologia da Libertação formulou com rigor e vigor que no Êxodo Deus “libertou os escravos”, que na sinagoga de Nazaré, Jesus “libertou os cativos”. O que, como e quanto disso guiou o pensamento nesses 40 anos é uma coisa a se analisar. Já disse que antes isso ocorreu mais do que agora. Desde já, a Teologia da Libertação não está na moda. Mas não me parece correto responsabilizar disso o que começou com Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo, Leonardo Boff, Ignacio Ellacuría e com Dom Helder Camara, Leonidas Proaño, Angelelli e Romero. Às pessoas mencionadas é preciso continuar agradecendo que ao longo desses 40 anos se mantiveram impulsos de teologia libertadora e se estenderam a novos âmbitos, como o do gênero, das religiões, da mãe terra... E aqueles de boa vontade que lamentam a queda da teologia da libertação, que voltem ao Deus do Êxodo e a Jesus de Nazaré. Indubitavelmente, houve limitações, erros, exageros. Pode ter havido reducionismos anti-intelectuais em favor da práxis, preguiça intelectual diante de escritos como os de Juan Luis Segundo ou Ellacuría, vislumbres de demagogia diante do pensamento científico de outros lares, ignorância das críticas ou prepotência diante delas. Mas, pessoalmente, não vejo que tenha surgido outro impulso teológico tão humano, frutífero, evangélico e latino-americano como o que surgiu há 40 anos.

IHU On-Line - Como o senhor analisa esses quarenta anos da Teologia da Libertação? Por que ela foi tão criticada, perseguida, difamada pelos poderes do mundo, inclusive pela hierarquia da Igreja?
Jon Sobrino - Outra coisa é a menor qualidade na produção da teologia da libertação. Não é fácil que se repita a geração dos fundadores, embora tenham surgido novos teólogos e teólogas de qualidade. E não se pode esquecer que algo parecido pode ocorrer hoje em outras escolas, tradições e movimentos de teologia. Os Barth, Rahner, de Lubac, von Balthasar, Bultmann, Käsemann não têm muitos sucessores dessa altura.
A resposta à segunda pergunta não precisa de nenhum estudo sofisticado, nem de discernimento diante de Deus. Ou por má vontade ou por ignorância, aquela teologia foi vista como uma ameaça. Certamente, ameaça ao capitalismo, e daí a reação de Rockefeller em 1969 e dos assessores de Reagan, em 1980. E ameaça à segurança nacional, e daí as reações dos generais na década de 1980. Também no interior da Igreja, por ignorância, por medo de perder o poder ou por obstinação de não querer reconhecer a verdade com que se respondiam às críticas. Lembre-se de Dom López Trujillo e de vários bispos e cardeais. E a instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1984, sem que a de 1986 conseguisse consertar totalmente o anterior.

IHU On-Line - Qual o significado teológico e antropológico da expressão “libertação”, a partir do contexto latino-americano? Como essa perspectiva teológica se implica no atual contexto de sociedade e de Igreja?
Jon Sobrino – Se me lembro bem, o conceito de “libertação” foi usado para superar o conceito de “desenvolvimento”, a solução que o mundo ocidental propunha para superar a pobreza. Na Igreja, redescobriu-se que era um termo-chave no Êxodo e em Lucas para expressar salvação. Parece-me importante ter presente que “a libertação” foi redescoberta na América Latina, o chamado terceiro mundo, por ser um continente não só atrasado ou subdesenvolvido, mas também oprimido e escravizado pelo primeiro mundo, europeus e norte-americanos. E em Igrejas, se não oprimidas pelas europeias, fortemente dependentes delas. O termo “libertação” remetia de forma muito importante à opressão e à repressão, isto é, à privação injusta e cruel da vida, o que se mantém até os dias de hoje. Outra coisa é que, felizmente, o conceito foi estendendo seu significado na teologia para designar libertação da indignidade, da opressão de gênero, do despotismo de uma religião... E é preciso ter presente também que a teologia da libertação, diferentemente de outras teologias e ideologias, dá prioridade ao “povo” sobre o “individualismo”, e à “abertura à transcendência” sobre o “positivismo”, como disse Ellacuría em uma reunião de religiões abraâmicas. Em todo caso, embora com o retorno massivo a individualismos espiritualistas, a teologia da libertação introduziu a dimensão religiosa do humano no âmbito do mundo exterior. Ela a tornou presente na realidade social, por direito próprio e sem que possa ser facilmente ignorada. É religião política, afim à de Metz, o que não é um pequeno benefício.

IHU On-Line - Fazendo memória de Dom Oscar Romero, Ignácio Ellacuría e Companheiros, dentre tantos outros rostos que foram assassinados porque assumiram a causa dos empobrecidos e marginalizados, o que significa ser Igreja, hoje, no limiar do século XXI?
Jon Sobrino – Menciono duas sentenças. Ignacio Ellacuría, no funeral celebrado na UCA, disse: “Com Dom Romero, Deus passou por El Salvador”. Ser Igreja é trabalhar com decisão e simplicidade, para que Deus passe por esse mundo desumano. E para o não crente trabalhar para que a solidariedade e a dignidade, o melhor do humano, passe por este mundo, que embora seja mais secular, continua sendo desumano. Dom Romero, na Universidade de Louvain, no dia 2 de fevereiro de 1980, poucos dias antes de ser assassinado, disse: “A glória de Deus é que o pobre viva”.
Ser Igreja é trabalhar pela glória de Deus. E para o não crente “a glória da humanidade é que os pobres vivam, cheguem a formar parte da família humana”. Por isso, é preciso trabalhar. E termino com algo que me faz pensar. Penso que no Concílio a Igreja sentiu o impulso de humanizar o mundo e de se humanizar juntamente com ele, sem se envergonhar diante do mundo moderno e de usar o moderno para tornar mais crível o Deus cristão. A finalidade é magnífica. Em Medellín, a Igreja sentiu o impulso de não se envergonhar dos pobres e de não escutar a repreensão da Escritura: “Por causa de vocês, blasfema-se o nome de Deus entre as nações”. E com humildade se pôs a “limpar o rosto de Deus”. Acredito que o que se chamou de Teologia da Libertação pode aportar a ambas as coisas: racionalizar a fé em um mundo de injustiça e oferecer uma imagem mais limpa de Deus, não manchada com a imundície das divindades que dão morte aos pobres.