domingo, 28 de outubro de 2012

Whisky (Whisky) – Uruguai (2004)

 




Direção: Juan Pablo Rebella; Pablo Stoll
Roteiro: Juan Pablo Rebella; Pablo Stoll; Gonzalo Delgado
Jacobo é um homem solitário que dedica sua vida ao pequeno negócio na fabricação de meias. Marta é a gerente da fábrica. Quando Herman, irmão de Jacob que não o visita há 20 anos, diz que irá aparecer, o homem propõe a Marta que finja ser sua esposa durante a visita do irmão.
Eu não sei se foi a monotonia do filme ou o tédio do meu sábado à noite que me fez dormir.
De qualquer forma, o ritmo arrastado é até certo ponto necessário para compor a psicologia dos personagens, que igualmente vão se arrastando pela vida.
De quebra, o filme ainda dá uma breve passeada pelas calles uruguayas, despertando saudades em quem já caminhou pelas ruas de Montevideo.
Whisky vale à pena para quem curte cinema latino-americano ou para quem, ultimamente, só tem sorrido na hora de tirar foto.
...


Referências ao Brasil:
Pelo fato de um dos protagonistas vir de Porto Alegre, há muitas referências ao Brasil.
Ao dar dois beijos, em vez de um, Herman se justifica: “Cumprimento à brasileira”.
Em outro momento há um diálogo:
- E você, Marta, conhece o Brasil?
- As cataratas (do Iguaçu). Fomos lá na lua-de-mel.
- Que beleza! Depois quero ver as fotos.
- A beleza das cataratas só se conhece estando lá.
Outro diálogo:
- E sabe onde foi isso? No restaurante do Tony Ramos.
- Tony Ramos?
- Ele tem um restaurante lá perto de casa. De vez em quando, aparece lá. Minhas filhas fazem um escândalo – “Ai, Tony Ramos”!
- Você conhece o Tony Ramos?
- Não somos íntimos, mas já conversamos. É um cara legal, o Tony.
- São tão boas as novelas brasileiras, os cenários, os atores, não é?
- Não sei, não vemos novelas lá em casa. Mas, é muito investimento, disso não há dúvida.
E, por fim:
- Se eu pudesse viajar, iria para o Brasil. O Brasil é um país encantador. Eu viajo muito, quase nunca paro lá.

Créditos: AZ

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A ideologia e as seitas

 

Filipe Diniz
 


A presença crescente nas eleições de diversos países de candidaturas apoiadas por formações “religiosas” é apenas uma face mais visível do papel instrumental que estas desempenham, em particular no quadro da actual crise geral do capitalismo. A componente “religiosa” da ideologia dominante continua a constituir um dos mais eficazes instrumentos da opressão de classe.


Segundo os jornais, um dos candidatos que as sondagens davam como favorito na primeira volta das eleições municipais em São Paulo, no Brasil, acabou por ser prejudicado por ser o representante da coligação Partido Republicano Brasileiro (PRB) / Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Teve 21% dos votos, o que foi insuficiente para passar à 2.ª volta. Mas o candidato Serra passou, com 30,7%, apoiado pela coligação PSDB/IMPD. IMPD é a sigla da Igreja Mundial do Poder de Deus.
Estas «coligações» têm muito que se lhes diga, porque dos nove deputados federais eleitos pelo PRB, sete são pastores da IURD. Ou seja, não será fácil distinguir se é o partido o braço «político» da Igreja, ou se é a Igreja o braço «religioso» do partido.
Nas eleições presidenciais dos EUA o candidato republicano, Mitt Romney, já foi bispo e é um alto dignitário da Later Day Saints Church (LDS), mais conhecida como Igreja mórmon. E não é obviamente a primeira vez que um candidato nos EUA tem um forte vínculo público a uma instituição de carácter religioso, tendo em conta o papel de grande relevo que muitas dessas instituições desempenham na sociedade americana. Já para não falar das consultas directas que George W. Bush fazia com Deus, segundo o seu próprio testemunho.
Serão surpreendentes estes fenómenos? Nem por isso. Essas «igrejas» são sobretudo potentados económicos e mediáticos, e não o são apenas extorquindo o «dízimo» aos seus fiéis. A LDS controla empresas que geram rendimentos anuais de milhares de milhões de dólares, um jornal, uma estação de TV, 11 rádios, uma editora, negócios de seguros, é proprietária de milhões de hectares de terras nos EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, México, Argentina, Brasil.
E quanto à dimensão «religiosa», podemos recordar a propósito a reflexão de Gramsci acerca do papel da categoria intelectual dos eclesiásticos medievais – a «aristocracia da toga» – enquanto intelectuais orgânicos de um sistema feudal que entrara em crise. Para a ideologia dominante, num quadro em que o capitalismo já exclui qualquer dimensão de racionalidade, a componente religiosa da ideologia ganha uma prioridade acrescida.
E não é só no Brasil e nos EUA.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2030, 25.10.2012

sábado, 27 de outubro de 2012

Por que a América Latina é um território vigiado




Por Romina Lascano


O conflito geoestratégico com a China, o futuro da América Latina e o interesse de Washington na região são o miolo do novo livro da analista Telma Luzzani, Territorios Vigilados, recentemente apresentado em Buenos Aires, que deixa claro como opera a rede de bases militares estadunidenses na América do Sul.

Segundo a autora, a ideia do livro foi amadurecendo pouco a pouco até que, em 2008, escreveu uma nota sobre a reativação por parte dos Estados Unidos da IV Frota do Comando Sul para patrulhar os Oceanos Pacífico e Atlântico.


"O que me perguntava nessa nota –assinala Telma- é por que razão os EUA teriam interesse em reativar uma frota semelhante poder de fogo no território onde, visivelmente, não havia nada que chamasse a uma guerra”.

"Falei com vários analistas e o resultado dessa nota era que, justamente, nossas riquezas, com os recursos naturais e mais as mudanças que estavam acontecendo no mundo em âmbito econômico e político, tornavam necessário para os Estados Unidos, militarizar a zona, para continuar mantendo seu poder e seu domínio”.

Depois ficou-se sabendo que o ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, naquele momento à frente do governo, havia acordado a presença de sete bases militares em seu país. Esse foi o início de uma investigação de vários anos e de um livro que tardou quase dois anos para ser publicado.

Com a colaboração dos jornalistas Emiliano Guido e Federico Luzzani, a autora começou a desenrolar o motivo que levou à instalação e manutenção das bases militares –que passaram de 14 (em 1938) para 30.000 (em 1945), das quais, ao finalizar a II Guerra Mundial, somente permaneceram abertas 2.000- sem conflito bélico à vista. Explica: "Todos os impérios tiveram bases militares. Os países que tem uma frota marítima significativa necessitam de lugares onde abastecer-se, treinar-se, acumular recursos. Então, as bases militares, na realidade, são parte da estrutura militar de uma potência”. "Quando os Estados Unidos converteram-se na maior potência juntamente com a União Soviética, após a II Guerra Mundial, decidem expandir suas bases em função de um projeto de dominação global”.

Segundo a jornalista, em cada período político e, de acordo com as circunstâncias, as bases vão mudando de características: "Uma base tradicional, grande, com muito pessoal é muito cara e é odiosa para o país que tem que alojá-la. Em geral, cria conflitos, traz problemas ambientais”. "Após a queda da União Soviética, os Estados Unidos redesenharam seu poder militar e decidiram em algum lugar deixar as bases tradicionais e, em outros, abrir novas bases ou substituir as que tinham por outras menores, dissimuladas, com pouco pessoal, que é rotativo. Para o governo que as aloja, é fácil convencer aos seus cidadãos de que não se trata de uma base militar...”.

Com relação ao critério empregado para situar as bases, a autora ressaltou que o mesmo é geoestratégico. "Está vinculado à guerra e ao comércio”. E aprofundou em uma das hipóteses de seu livro, o potencial conflito entre os Estados Unidos e a China rumo a 2016: "É somente uma projeção. 2016 será o ano assinalado pelo Banco Mundial como o momento em que, provavelmente, a China superaria aos Estados Unidos como primeira potência econômica do mundo. Os Estados Unidos não vão esperar por 2016 e que isso seja um fato consumado; essas coisas são resolvidas antes que aconteçam. Não sabemos se a China continuará o mesmo esquema expansionista dos Estados Unidos. Vamos rumo a um sistema que ainda não conhecemos”.


Nesse contexto, Luzzani analisou a papel da América Latina e ressaltou duas questões importantes. "Uma é que, pela primeira vez, os Estados Unidos têm que deslocar uma presença militar evidente, que, até que aparece a Base de Manta, isso não fazia falta porque havia uma quantidade significativa de governos militares, cuja linha de mando terminava diretamente no Pentágono. E, em segundo lugar, uma escassez de recursos naturais que, em nosso território, é abundante”.

Luzzani também busca desmascarar com seu texto a denominada irrelevância latino-americana. "Outra hipótese que trabalho no livro é o fundamento que diz que a América Latina não tem nenhuma importância para os Estados Unidos. Tento demonstrar que é exatamente ao contrário”. "É tão importante que, em geral, sempre está presente em seus primeiros objetivos sobre o que vai acontecer na região. Sem a América do Sul e a América central, os Estados Unidos não poderiam ser a potência que são”.

A jornalista argumentou que daí provém a necessidade de dominar a região e de separar o Brasil e a Argentina, união que considerou como "um dos piores pesadelos dos Estados Unidos”.

Telma Luzzani explicou que alguns fatos políticos não puderam ser incluídos no livro: "O que aconteceu com [Fernando] Lugo é importante porque eles têm uma base militar, que é a de Mariscal Estigarribia; que no Paraguai exista um governo como o de Lugo ou o de Federico Franco faz uma grande diferença. Nesse sentido, me interessava muito ampliar esse enfoque”.

Antecipou que poderia mudar algum capítulo para aprofundar sobre o processo de paz iniciado entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc): "O presidente Juan Manuel Santos surpreendeu muito. A Colômbia sempre foi o país aliado estratégico dos Estados Unidos. A presença do Plano Colômbia justificada pelo narcotráfico, pelo terrorismo, parece que vai por águas abaixo caso avance o processo de paz. Suponhamos que o processo seja um êxito e que o argumento do terrorismo e do narcotráfico se debilitam. Então, não se justificaria semelhante deslocamento militar”.

Em relação à reeleição do presidente venezuelano Hugo Chávez, a autora ressaltou que para os Estados Unidos é uma má notícia e ressaltou que esse país também está rodeado por bases militares norte-americanas. "Há bases que estão a 50 quilômetros da costa venezuelana. Estão também as bases da Colômbia. O modelo venezuelano, o tipo de política que é levado adiante na Venezuela é exatamente o que os Estados Unidos não gostariam que tivesse êxito, porque é totalmente contrário ao que eles disseram por toda a vida que era melhor”.

Na hora de desvelar se a América Latina pode libertar-se do controle norte-americano, Luzzani não deu lugar a dúvidas: "Se pensarmos nas riquezas que temos, creio que, no momento, é muito difícil que deixemos de ser um território vigiado”.



[Territorios vigilados. Como opera la red de bases militares norteamericanas en Sudamérica; Editorial Debate, Buenos Aires, 560 páginas].



Fonte: IrãNews
Tradução: Adital

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Brasil e a crise síria: o que quer a senhora Clinton?

 

Editorial do PORTAL VERMELHO

A declaração da secretaria de Estado dos EUA, Hillary Clinton, de que “o Brasil é uma voz muito importante para tentar resolver a crise" na Síria, na quarta-feira (24) a jornalistas em Nova York, depois de uma reunião com o chanceler brasileiro Antonio Patriota, foi quase um pedido para a diplomacia ajudar a deslindar a sangrenta crise provocada naquele país depois das ações armadas de “rebeldes” apoiados precisamente pelo governo dos EUA. E um claro desmentido da torcida negativa que, na mídia conservadora brasileira, tem tentado desqualificar qualquer tentativa brasileira de apoiar, pelo mundo, os esforços pela paz.

O comentário de Hillary Clinton vem num momento favorável à paz, apesar da política intervencionista das grandes potências imperialistas. Tanto o governo do presidente Bashar Al-Assad quanto líderes da oposição armada concordaram em um cessar fogo entre a manhã da sexta-feira (26) e a segunda-feira (29), em virtude de um feriado religioso. Será a primeira suspensão dos combates desde março de 2011, quando a “primavera árabe”, na Síria, degenerou em conflitos armados que, com o apoio ativo dos EUA, da União Europeia e seus aliados no mundo árabe, têm o potencial de mergulhar o país no caos e transformar a Síria num caso semelhante àquele que sobreveio, na Líbia, quando este país sofreu a intervenção militar das potências imperialistas, através da Otan.

A questão subjacente à declaração da senhora Clinton é simples: afinal, o que querem os EUA? O desdobramento trágico da intervenção na Líbia indica que caminho semelhante pode ser trilhado na Síria no rastro de uma intervenção armada patrocinada pelo imperialismo. A alardeada “democracia” levada pela força das armas tem se traduzido, como ocorreu na Líbia e em outros países vítimas de agressão semelhante, no fortalecimento de grupos fundamentalistas religiosos extremamente conservadores e antidemocráticos, tendência semelhante à que se assiste entre os chamados grupos “rebeldes” que agem na Síria com o patrocínio do governo de Washington, como a dirigente da diplomacia dos EUA confessou, novamente, na entrevista desta quarta-feira.

Falar em “democracia”, neste contexto, não é irônico: é hipócrita. Na entrevista, Hillary Clinton deu um sinal das pretensões norte-americanas em relação à diplomacia brasileira. Ela foi clara, dando boas vindas a "qualquer participação brasileira no esforço para alcançar um cessar-fogo, para implementá-lo, para ajudar na transição política" na Síria.

A palavra chave aqui é “transição política”, um eufemismo para esconder o objetivo imperialista de intervir nos assuntos internos e soberanos da Síria e impor a troca do governo atual, de Assad, por outro formado por outras forças e “negociado”.

Esta não é a política brasileira para a crise síria. O Brasil tem autoridade para participar na busca de uma solução para esta crise, primeiro por acolher, em seu território, uma das maiores populações sírias no exterior, criando laços de amizade e parentesco entre os dois povos. Esta é uma autoridade sentimental que reforça outra, decisiva, a autoridade política. Sobretudo desde o inicio do governo Lula, em 2003, o país tem feito sucessivas gestões para fortalecer a amizade com os povos no Oriente Médio e ser um interlocutor influente nas negociações de paz na região.

É a tradição histórica de nossa diplomacia, reafirmada pela presidenta Dilma Rousseff em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, há exatamente um mês, quando a mandatária brasileira proclamou ao mundo a sua convicção de não existir "solução militar para a crise na Síria. A diplomacia não só é a melhor como, creio, a única solução", disse. O Brasil vem reafirmando esta tese em declarações da Chancelaria e dos votos proferidos na ONU, onde se opõe ativamente a soluções militares e contrárias à soberania do Estado sírio e do seu povo.

O caminho que o Brasil propõe é o da paz e da soberania nacional, como Patriota deixou claro na entrevista concedida juntamente com Hillary Clinton. Sem referir-se à “transição política” citada pela norte-americana, disse esperar que as “posições do Conselho de Segurança representem um ressurgimento de um consenso internacional que contribua para uma solução dentro do mais breve prazo com respeito à Carta da ONU e dentro da prioridade ao diálogo e à diplomacia", rejeitando a possibilidade de uma intervenção na Síria. O importante, acentuou o chanceler brasileiro, é retomar o processo de paz “para encontrar uma solução negociada para a Síria", mobilizando também os países do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) nesse esforço.

Há diferenças entre a posição do Brasil e dos EUA, em relação à crise síria. E Isto sugere a pergunta: o que querem os EUA? O que pretende a senhora Clinton?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Competitividade, símbolo dos paradoxos da globalização

A palavra “competitividade” figura em todas as bocas e já não se restringe as empresas. Agora cidades, regiões e até mesmo as nações devem concentrar suas energias nesse objetivo. Com esse fim, nossos governantes são convidados a se inspirar nas teorias de administração desenvolvidas pelas escolas de comércio dos EUA
por Gilles Ardinat no LE MONDE -BRASIL

Singular unanimidade. Diante do anúncio da demissão de 8 mil funcionários da Peugeot em 12 de julho de 2012, Jean-François Copé, secretário-geral da União por um Movimento Popular (UMP), identificou uma “prioridade absoluta”: “a competitividade de nossa indústria”. Momentos antes, o ex-ministro do Trabalho Xavier Bertrand observava: “Não é apenas uma questão de quantidade, mas também de custo de trabalho e competitividade”.1 Outro argumento retomado no mesmo dia pelo senador e ex-primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin apelava para um “choque de competitividade”, a única forma de aquecer a economia francesa, segundo ele.
Assim ecoava o perfeito coro de tenores formado pelos dirigentes da UMP e políticos dos salões dos palácios do Eliseu e de Matignon. O presidente François Hollande identificou a competitividade como o principal eixo de trabalho. E, 48 horas antes, o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault havia definido um objetivo fundamental para a nação: “Melhorar a competitividade de nossas empresas”.
Da estratégia de Lisboa, que em 2000 definiu um “novo objetivo” para a União Europeia (“transformar a economia do conhecimento na economia mais competitiva e dinâmica do mundo”), aos “acordos de competitividade e emprego” lançados pelo presidente Nicolas Sarkozy no fim de seu mandato; das injunções para a “competitividade fiscal” do patronato britânico aos planos de “competitividade industrial” de seu homólogo espanhol, a palavra “competitividade” figura em todas as bocas e já não se restringe ao meio empresarial. A partir de agora, cidades, regiões e até mesmo as nações devem concentrar suas energias nesse objetivo prioritário. Com esse fim, nossos magistrados e governantes são convidados a se inspirar nas teorias de administração desenvolvidas pelas escolas de comércio norte-americanas e colocar em prática seus conceitos:2 controle de custos de produção (“competitividade-custo”), benchmarking(os países são comparados e classificados como empresas em um meio concorrencial), marketing territorial (os territórios devem “vender-se”)3 e pesquisa de financiamento (atração de capitais). Ao passo que o uso dessa caixa de ferramentas aumenta, a competitividade se impõe como o novo padrão de performance dos territórios na globalização. Mas como ela é medida?
Em sentido amplo, a competitividade designa a capacidade de enfrentar com êxito a concorrência. Aplicada aos territórios, essa noção mede o nível de inserção na geografia econômica mundial. Contudo, basta consultar obras e artigos – abundantes – consagrados ao tema para identificar um primeiro paradoxo: apesar do entusiasmo que suscita, esse conceito se revela particularmente frágil no âmbito científico. Isso acontece porque transpõe uma noção microeconômica (a competitividade de produtos e empresas) à esfera política (a competitividade de territórios). Essa analogia é denunciada pelo economista Paul Krugman, agraciado em 2008 pelo Banco Central da Suécia com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel: “A competitividade é uma palavra vazia de sentido até o momento em que é aplicada às economias nacionais. A obsessão pela competitividade é, ao mesmo tempo, falsa e perigosa”.4
Numerosos especialistas tentaram remediar essa carência construindo uma definição mais consensual para o termo, como a do economista austríaco Karl Aiginger, para quem esse conceito descreve cada vez mais uma “aptidão para gerar bem-estar” no meio concorrencial. Ele indica que “o salário e o emprego são gerados em processos nos quais a rivalidade e a performance relativa desempenham um papel”.5 Essa concepção, aplicada ao cenário atual, supõe que a concorrência generalizada entre territórios seja compatível com o melhoramento do nível de vida.
Ainda assim, permanece a questão: é possível considerar territórios e empresas como instituições de mesma natureza? Um território, espaço apropriado e delimitado por uma fronteira, oferece a um povo suporte físico, assim como boa parte de suas referências culturais e políticas. Ele não se reduz a dados macroeconômicos: as notas (papel das agências de risco), as taxas (inflação, juros, desemprego) ou os salários (comerciais, orçamentários) refletem apenas um aspecto – superficial e material – da nação. Contrariamente a uma empresa, o objetivo maior de um território não é lucrar. Sua ação se inscreve no tempo longo da história, não no imediatismo dos mercados. Enfim, uma nação não faz balanços nem pode ser liquidada.
É sobre essa assimilação, contudo, que se constrói a teoria da competitividade, um dos pilares da globalização. Aplicada aos territórios, essa noção marca uma nova etapa da “mercantilização do mundo”, porque subentende que existe um “mercado de territórios” em que as empresas podem escolher suas bases a partir do jogo da concorrência. Em um mundo onde tudo, ou quase tudo, pode ser cotizado na Bolsa (direitos de poluir, títulos de dívidas, matérias-primas), a competitividade faz as vezes de bússola para os investidores ao avaliar a suposta performance de um território.
Detenhamo-nos às declarações oficiais: alimentar a competitividade estimularia o emprego, a produtividade e o nível de vida. Segundo os especialistas delegados pela Comissão Europeia, “a concorrência é aliada, e não inimiga, do diálogo social”.6 A globalização ofereceria ao Ocidente a possibilidade de se livrar das atividades manufatureiras e da fabricação de produtos de pouco valor agregado em favor de empregos altamente qualificados e mais bem remunerados. Em resumo, uma operação vantajosa para todas as partes: de um lado, os países industrializados se beneficiariam com a especialização de serviços e da alta tecnologia (“competitividade estrutural”, que depende da capacidade de inovação e exploração da propriedade intelectual); do outro, o Terceiro Mundo sairia da pobreza graças aos deslocamentos de empresas para seus territórios (guiados pela “competitividade-preço”, ou seja, pela diminuição dos preços dos produtos em função dos baixos salários, da desvalorização da moeda e do crédito com juros baixos).
Esse cenário – que certos “países cobaias”, considerados simplesmente territórios low cost, não considerariam muito vantajoso – corresponde à realidade? Nenhuma economia, por mais sofisticada que seja, pode se emancipar dos problemas de custos. A Alemanha, muito usada como exemplo, é um país de forte tradição industrial. No entanto, aumentou sua competitividade por meio da estagnação salarial e de um imposto sobre o consumo considerado “social” (uma redução das contribuições patronais compensadas pelo aumento das taxas sobre o consumo de bens duráveis). Essas medidas unilaterais coincidem com a decolagem de seus excedentes comerciais. Além disso, apesar dos mitos sobre o atraso insuperável, os países emergentes se mostram cada vez mais competitivos pelas inovações em filões importantes do mercado (informática na Índia, energias renováveis na China).
Não seria ilusório, então, dividir o mundo em países de competitividade “estrutural” e países de “competitividade-preço”, condenados a ser apenas o lado mais fraco da globalização? O relatório Blanc de 2004,7 que inspirou a política francesa dos polos de competitividade, afirmava que, “para retomar uma vantagem significativa, a economia deve escolher entre alinhar-se ao modelo social asiático ou tomar a dianteira na inovação”. Com base nessa visão binária, os dirigentes da zona atlântica do euro retificaram os deslocamentos das últimas décadas. E, em seus discursos, raramente figurava a ideia de repatriar os milhões de empregos perdidos no setor têxtil, siderúrgico ou na indústria de brinquedos. Os países cuja produção se respaldou no Estado seriam condenados por “falência econômica”, teriam de reimportar esses produtos e se especializar em serviços e pesquisa.
Mas a estratégia da competitividade estrutural não seria outra forma de designar a renúncia política? Para além da frivolidade do “todos ganham” e da promessa de melhorar quantitativa e qualitativamente o emprego, em geral se trata da imposição de medidas impopulares: aumento de imposto, arrocho salarial, austeridade fiscal. Assim, foi em nome da competitividade que a União Europeia e o FMI exigiram a redução dos salários na Grécia.8 Menos performático que seus vizinhos, o país deveria baixar significativamente a remuneração do trabalho, enquanto os planos de salvamento garantiriam provisoriamente a remuneração do capital, ou seja, o pagamento dos juros ao sistema financeiro. Nesse sentido, a competitividade mascara o que, em realidade, parece um dumping generalizado.
Na década de 1980, a expressão “dumping monetário” foi abandonada (em teoria, denunciada pelo FMI) para dar lugar ao termo “desvalorização competitiva” – operação que consiste em manter o câmbio de uma moeda artificialmente baixo para favorecer as exportações. O termo dumping conservava uma característica pejorativa, razão pela qual foi substituído por “competitividade”, suficientemente respeitável para autorizar um governo a tomar medidas antissociais sem ser estigmatizado. Em resumo, essa palavra permite formular de maneira politicamente aceitável a imposição de se adaptar à concorrência, estratégia que a população não necessariamente escolheu, mas que é um dos pilares da globalização neoliberal.
Promessa de prosperidade que desemboca em políticas de dumping: esse discurso paradoxal de duplo sentido repousa sobre o dogma da concorrência entre sistemas produtivos. Se a ideia de uma “concorrência livre e perfeita” guiou diversas leis antitruste e antidumping,9 sua transposição aos territórios apresenta alguns problemas. Em primeiro lugar, não existe nenhuma autoridade de regulação confiável para a concorrência entre nações. Nem a Organização Mundial do Comércio (OMC) nem a Organização Internacional do Trabalho (OIT) parecem estar em condições de regulamentar os diferentes dumpings. Assim, a China pode acumular livremente dumping social (baixos salários), ambiental (livre poluição pelas indústrias), monetário (desvalorização deliberada do yuan), regulamentário (flexibilidade das leis) e fiscal (restrições nos serviços sociais estatais e multiplicação de zonas isentas de impostos). A lei do mercado, ao ser aplicada aos territórios, se revela fundamentalmente distorcida.
O discurso sobre a competitividade tenta mascarar esse panorama com a correção das disparidades entre os diferentes locais de produção. Esses esforços parecem irrisórios quando as abismais diferenças de custos são levadas em conta: o bloqueio dos salários no Ocidente, por exemplo, permite realmente que o salário dos trabalhadores franceses seja comparado ao de seus homólogos vietnamitas? Para cumprirem esse objetivo oficial (“ganhar a batalha da competitividade”), essas políticas respondem às tentativas do setor empresarial de reduzir os custos do trabalho. Surpreendente coincidência, a busca pela competitividade, pouco contundente em sua luta contra os deslocamentos de indústrias, constituiria, assim, um álibi cômodo para garantir ou aumentar a remuneração do capital. Nesse sentido, evocar os termos “território” ou “nação” constitui um artifício retórico, porque os benefícios não são coletivos (noção de interesse geral ou nacional), e sim categorizados (aumento do lucro de alguns).
Por outro lado, a concorrência frontal dos sistemas produtivos gera um efeito depressivo inerente sobre os salários, a arrecadação de impostos e a proteção social – todos eles com tendência ao reajuste para baixo. Esse fenômeno não prejudica apenas os assalariados (perda do poder de compra) e os Estados (redução da receita fiscal): também reduz a demanda dos mercados. Sem mencionar que, se os países decidissem simultaneamente impor suas demandas, precipitariam uma grave depressão. Analogicamente, no “mercado dos territórios” os excedentes comerciais não poderiam ser retirados todos de uma vez: é preciso necessariamente países no vermelho para que outros estejam no verde.10 A obsessão de uma “convergência de competitividades” segundo o modelo alemão, portanto, não passa de uma fábula.
A partir do momento em que se constata a fragilidade teórica do discurso sobre a competitividade – porque conduz a diagnósticos enganosos e ao dumping dissimulado –, como explicar seu enaltecimento por parte de dirigentes políticos? Talvez porque essa noção responda às exigências das empresas e dos mercados internacionais. Sem meios de controlar uns aos outros, os eleitos se adaptam às suas exigências. O objetivo da competitividade mascara a perda de autoridade e de soberania dos Estados-nação, e permite eliminar da ação política qualquer possibilidade de proteção social. Enquanto isso, o território – tradicionalmente considerado uma barreira contra as ameaças exteriores (sejam elas militares ou comerciais) com suas fronteiras e instituições políticas – perde gradualmente essa função protetora com o enfraquecimento das barreiras aduaneiras e prerrogativas do Estado.

Gilles Ardinat
Geógrafo


Ilustração: Alves


 
1  Agência France Presse (AFP), 12 jul. 2012.
2  Michael Porter, L’avantage concurrentiel des nations[A vantagem concorrencial das nações], Inter-Editions, Paris, 1993.
3  Ler François Cusset, “La foire aux fiefs” [A feira nos feudos], Le Monde Diplomatique, maio 2007.
4  Paul Krugman, “Competitiveness: a dangerous obsession” [Competitividade: uma perigosa obsessão], Foreign Affairs, Tampa, v.73, n.2, mar.-abr. 1994; “The competition myth” [O mito da competitividade], The New York Times, 23 jan. 2011.
5  Aiginger Karl, “From a dangerous obsession to a welfare creative ability with positive externalities” [De uma perigosa obsessão à habilidade criativa para gerar bem-estar com externalidades positivas], Journal of Industry, Competition and Trade, v.6, n.2, jun. 2006.
6  Alexis Jacquemin e Lucio Pench, Pour une compétitivité européenne. Rapport du groupe consultatif sur la compétitivité [Por uma competitividade europeia. Relatório do grupo de consultoria sobre a competitividade], De Boeck, Bruxelas, 1997.
7  Christian Blanc, “Pour un écosystème de la croissance. Rapport au premier ministre” [Por um ecossistema do crescimento. Relatório ao primeiro-ministro], La Documentation Française, Paris, 2004.
8  Ler Anne Dufresne, “Le consensus de Berlin” [O consenso de Berlim], Le Monde Diplomatique, fev. 2012.
9  Os Estados Unidos votaram, por exemplo, no Ato Antitruste de Sherman (1890) e o no Ato Antitruste de Clayton (1914), para melhorar o funcionamento do mercado.
10            Ler Till van Treeck, “Victoire à la Pyrrhus pour l’économie allemande” [Vitória de Pirro para a economia alemã], Le Monde Diplomatique, set. 2010.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Fidel Castro elogia plantas como alternativas para alimentação

       

  
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Havana, 24 out (Prensa Latina) O líder da Revolução cubana, Fidel Castro, destacou novamente hoje as propriedades das plantas Moringa oleifera (acácia-branca) e Amora (morus alba) como alternativas para a alimentação.
A Acácia-branca ou Moringa, "originária da Índia, é o único vegetal que possui todos os tipos de aminoácidos. Sua produção de folhas verdes por hectar, com o planejamento do plantio e o manejo adequado, pode ultrapassar 300 toneladas por hectar em um ano. São conhecidas dezenas de propriedades medicinais", afirma Fidel Castro em uma carta publicada na página digital CubaDebate, em resposta a um leitor.

"Seus efeitos no sistema digestivo são muito bons como todos os vegetais, aparte de suas elevadas qualidades proteicas; mas não devem se consumidas em excesso, mais de 30 gramas diárias, o que depende da motilidade intestinal de cada um. Algumas pessoas admitem quantidades maiores. Conheço pessoas que a consomem em quantidades maiores como chá, em forma de pó, com resultados excelentes por suas qualidades sedativas e favoráveis ao descanso", indica o líder cubano.

Revela que "em nosso país fornecemos amostras de sementes de diferentes variedades aos institutos de pesquisa agrícola. Logo saberemos mais sobre suas potencialidades. Do meu ponto de vista, seu maior benefício para a população está em suas qualidades como ração animal para a produção de carne, leite, ovos, e inclusive o cultivo de peixes".

De acordo com Fidel Castro, "a Amora complementa esta importante qualidade da Moringa" e "tem sido a base para a produção de seda mediante um processo biológico que os chineses desenvolveram durante milhares de anos através dos bichos da seda. As variedades principais que temos aqui provem desse país, ainda que na atualidade em outras partes do mundo se desenvolveram diferentes variedades, algumas das quais recebemos recentemente".

O líder revolucionário explica que a limitação da planta "nas regiões frias é a temperatura e a baixa luminosidade que detêm seu crescimento em vários meses do ano. Em nosso clima, cresce o ano inteiro. Vários países a utilizam na produção de leite de cabra, cujos preços às vezes chegam ao dobro do leite de vaca para as pessoas alérgicas".

Em Cuba, confirma Fidel Castro, "haviam algumas plantas de Moringa, que os colonisadores ingleses levaram da Índia ao leste da África e daí ao Caribe inglês e América Central, possivelmente através de Belize, onde o estímulo dos altos preços que pagaram os yankis aos primeiros agricultores fomentou seu desenvolvimento por um brevíssimo tempo, e depois não encontraram mercado nem dentro nem fora do país. A forma de distribuição da terra e a falta de escolas e instrução impediu seu desenvolvimento. Nisso, desgraçadamente, os povos do chamado Terceiro Mundo ficaram para trás", admite.

No Brasil, os centros de pesquisa têm promovido o cultivo desta planta, e seu clima é excelente para o desenvolvimento agrícola, aponta o líder da Revolução cubana.

Em outra parte de sua carta, Fidel Castro considera que "a América Latina e o Caribe, em seu conjunto, dispõem de terra, água e recursos energéticos sem necessidade de promover a produção de gás de xisto mediante fratura hidráulica como fazem os Estados Unidos, com riscos provados para a própria saúde dos cidadãos desse país, como começaram a divulgar alguns meios de imprensa sérios".

"Gostaríamos que os mesmos (meios) discutissem sobre o tema", acrescenta o líder cubano e faz referência como um deles reconheceu que as pessoas que vivem nos Estados Unidos perto dos lugares onde se extrai gás não convencional, mostram um significativo deterioração de sua saúde.

O órgão de imprensa em questão alertou que "a metade das pessoas que participou no estudo informou que antes da exploração não tinha problemas com a saúde, mas agora sofre de alergia, asma, artrite, câncer, assim como pressão alta e doenças de coração, rins, pulmões e tiroides".

Isto é, 81% das pessoas reclama do mau cheiro dos compostos químicos, que às vezes contêm amoníaco, cloro, enxofre e propano, entre outros.

Nos Estados Unidos, esse gás é extraído através da fratura hidráulica: "Normalmente o material injetado é água misturada com areia e produtos químicos."

É a terceira vez nos últimos meses que vi advertirem sobre esse perigo, afirma Fidel Castro e expressa que "ao parecer, muito poucos sabem que as Nações Unidas já está consciente que sobre ela cai a responsabilidade de pagar cem mil dólares para cada uma das vítimas da epidemia de cólera que provocou a morte a mais de 7 mil pessoas no Haiti, contagiadas pelo contingente militar nepalês que as Nações Unidas introduziu nesse país, que não padecia dessa doença durante um século".

"Após exaustivas investigações foi confirmado que a linhagem é exatamente a mesma que existe em Nepal, e o valor a pagar aos familiares é de cem mil dólares por vítima, o que parece justo, mas ninguém menciona no entanto o que deve ser pago à nação haitiana pelo enorme prejuízo ocasionado a esse país pobre e subdesenvolvido", indica o líder revolucionário.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Reforma do Ensino Médio Brasileiro: A educação brasileira em perigo

 


Maritânia Camargo no MARXISMO.ORG
 
 
Os jornais de todo o Brasil, desde a publicação dos índices do IDEB - Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico -, divulgam que a educação pública, em nível médio, precisa passar por uma reforma e o Governo Federal já anunciou que a “reforma” sairá do papel. Não há dúvidas que existe um projeto a ser implementado e praticamente todas as esferas do poder estão caminhando juntas. São mudanças na estrutura do ensino e cabe aos sindicatos, às entidades estudantis e à sociedade organizada alertar a população da armadilha que está sendo preparada.
No início deste ano, o Conselho Nacional de Educação  em sua Resolução de número 2, de 30 de janeiro, publicou no Diário Oficial da União as "Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio". Já em maio de 2012 a Câmara dos Deputados constituiu uma "Comissão Especial Destinada a Promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio". Em 17 de agosto no programa de rádio Hora da Educação, após a divulgação dos índices do IDEB, o ministro da Educação Aloizio Mercadante, afirma que “Precisamos de um novo currículo, mais flexível, menos fragmentado, tirando um pouco dessa sobrecarga de disciplinas”. Ainda em agosto o grupo RBS lança a campanha institucional com o slogan "A Educação Precisa de Respostas" e no painel promovido, ao vivo para todo o sul do país, "especialistas", governadores e o ministro, reafirmaram que a reformulação do Ensino Médio e a flexibilização da grade curricular são a prioridade. O projeto deve ser implantado a partir de 2013.
O que significa reformular o ensino médio? Qual a relação da flexibilização da grade curricular com a vida dos jovens e professores brasileiros?
Para o Ministro da Educação Aloizio Mercadante é preciso colocar em prática a Resolução 2 do CNE/CEB[1], que é por si só, observemos, por demais esclarecedora.
A Resolução 2 está organizada em 23 artigos, vários subtítulos e dezenas de incisos, numa linguagem que, quando olhada superficialmente, agrada muitos desavisados de boas intenções. Como explica o estudioso francês Michel Éliard em seu livro “O Fim da Escola’, vivemos momentos de extrema confusão social que têm efeitos devastadores sobre a linguagem. Certos termos que desde a Revolução Francesa expressaram os elementos essenciais da democracia, hoje são considerados obsoletos. Falar de igualdade republicana dos direitos não está na moda. A moda é  a diferença, o pluralismo, o multiculturalismo, a equidade. O universal “não está na moda”. A falada Resolução nº 2 cumpre exatamente o papel de estar na moda e, portanto, é o desmonte daquela ideia de igualdade para todos. Vale ressaltar que a Resolução n. 2 elimina da sua linguagem qualquer resquício da igualdade republicana que ainda era mantida na Resolução 3 de 26 de junho de 1998, que esteve vigente até a data da publicação desta de n. 2.
Pode-se dizer que as Diretrizes que compõem a Resolução n. 2 estão fundamentadas em três grandes eixos:
·         A divisão do Ensino Médio em áreas de conhecimento, através da flexibilização do currículo escolar;
·         A integração entre mundo do trabalho e escola;
·         O Financiamento da educação privada, ao invés da educação pública.
 
1.    Áreas de conhecimento
 A nova proposta educacional prevê que o currículo tenha uma parte comum e a outra flexível. Esta ideia já constava na LDB e na Resolução de 1998. Todavia, a Resolução n. 3 de 1998 era muito clara quando afirmava em seu inciso II do art. 11 que “a base nacional comum deverá compreender, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do tempo mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, estabelecido pela lei como carga horária para o ensino médio”. Já a Resolução 2 não trata de números, apenas autoriza a flexibilização. Na Resolução 2, a única “garantia” é que será levada em conta a diversidade, as características locais e especificidades regionais.
Diante disto, a proposta é que o currículo seja organizado em áreas de conhecimento: Linguagem; Matemática; Ciências da Natureza e Ciências Humanas.
Vários estados e municípios já passaram por experiências aproximadas, pois a LDB já autorizava que uma pequena parte do currículo fosse flexível. Muitos estados fizeram o experimento. Para exemplificar o assunto, retoma-se a primeira década do século XXI, quando o  Estado de Santa Catarina colocou no currículo do Ensino Médio a disciplina NRHE (Noções de Relações Humanas e Ética). Para a seleção dos profissionais que atuaram na área, não foi necessário concurso público, pois a disciplina se enquadrava na parte flexível, ou seja, era uma experiência. Os professores que ministraram esta disciplina tinham formações variadas: sociologia, direito, cursos técnicos, magistério. Alguns anos depois, o estado eliminou a matéria e passou uma borracha no assunto. Quando eliminada não deixou rastros. Os trabalhadores que ministraram aquela disciplina foram eliminados dos quadros do serviço do estado e finalizou-se o assunto.
Este modelo, conforme a Resolução 2 deve ser aplicado em todo o país. Cada governo, escola, ou até mesmo a comunidade deve decidir o que fazer com seus currículos, a maior parte da grade será flexível e, portanto, a escola passa a ser um grande experimento.
Outra consideração a ser feita  diz respeito ao que será contemplado em cada área de conhecimento. Pela Resolução, na área de conhecimento intitulada linguagem, por exemplo, entender-se-á:
“Parágrafo único. Em termos operacionais, os componentes curriculares obrigatórios decorrentes da LDB que integram as áreas de conhecimento são os referentes a:
I - Linguagens:
a) Língua Portuguesa;
b) Língua Materna, para populações indígenas;
c) Língua Estrangeira moderna;
d) Arte, em suas diferentes linguagens: cênicas, plásticas e, obrigatoriamente, a musical;
e) Educação Física.”
O parágrafo único significa que havendo uma aula semanal de Língua Portuguesa, uma de Língua Materna, uma de Língua Estrangeira moderna, uma de Arte e uma de educação física, o estudante cumpriu o que se chama de currículo comum, o educando teve quatro aulas de “linguagem” por semana. Ou seja, existe aqui uma diminuição espantosa de conteúdo e uma redução gigante da carga horária dos professores efetivos concursados para as disciplina específicas. Um retrocesso de décadas para a educação pública do país.
Uma farsa educacional que colocará em risco a formação de milhões de jovens em todo o país e o emprego de milhares de professores.
 
2.    Escola e trabalho
Neste item é necessário primeiro esclarecer que nenhuma proposta educacional, atual, tem como fundamento a formação profissional para o trabalho. Pelo contrário, as novas legislações educacionais têm por objetivo adequar a escola ao novo mundo do trabalho, ou melhor, ao antigo mundo do trabalho, aquele do século XIX, onde a jornada era de 14h diárias e as crianças trabalhavam. Por isso, os estudantes do ensino médio não precisam mais ter conhecimento, precisam apenas permanecer na escola e transformarem-se em mão de obra barata por mais tempo. Tal afirmação está fundamentada, em especial, em dois itens da Resolução 2.
“Art. 14 (...)
IV - no Ensino Médio regular noturno, adequado às condições de trabalhadores, respeitados os mínimos de duração e de carga horária, o projeto político-pedagógico deve atender, com qualidade, a sua singularidade, especificando uma organização curricular e metodológica diferenciada, e pode, para garantir a permanência e o sucesso destes estudantes:
a) ampliar a duração do curso para mais de 3 (três) anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o mínimo total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas;”
...
IX - os componentes curriculares devem propiciar a apropriação de conceitos e categorias básicas, e não o acúmulo de informações e conhecimentos, estabelecendo um conjunto necessário de saberes integrados e significativos;” (grifos meus)
Ou seja, nossos jovens trabalhadores poderão concluir o Ensino Médio, não mais em 3 anos, mas em quantos anos forem necessários para agradar o mundo do trabalho, tendo como única condição a carga horária. Até porque, como afirma a nova diretriz, a escola não deve ser um ambiente de acúmulo de conhecimento. Ao que parece, a escola deve se transformar em um depósito de jovens.
3.    Financiamento da Educação
Segundo o Censo da Educação Superior 2010, o Ensino Superior Privado subiu sua representação de 68,9% em 2008 para 74,2% em 2010, ou seja, o Ensino Superior público (federal, estadual e municipal) caiu de 31,1% para 25,8%, dado assustador que revela qual o caminho da educação pública no Brasil. Com a reforma do Ensino Médio o governo federal, apoiado por todos os governos estaduais e municipais pretende diminuir o custo da educação pública e ampliar o incentivo ao Ensino Superior Privado.
A fórmula é simples, reduz-se o custo do Ensino Médio público, aplica-se o Enem[2] e se distribui bolsas de estudos para que os alunos estudem em qualquer faculdade privada de fundo de quintal do país. Uma ação que atende aos interesses do mercado e que destrói o ensino público a cada dia.
É preciso enfatizar que a Resolução 2, no que diz respeito ao financiamento do Ensino Médio, reafirma e enfatiza a ideia de autonomia da gestão escolar, ou seja, aquela ideia vigente  de que não são os governos que devem sustentar as escolas, mas sim as comunidades. Para isso se dá o nome de democratização da Educação. 
Por fim, o que está em jogo no que se intitulou Reforma do Ensino Médio, através da Resolução 2 do CNE/CEB, é o papel que a história destinou à escola.  Isto é, a conquista da igualdade de direitos para que todos, sejam pobres ou ricos, tenham acesso à educação pública, gratuita e laica. O direito histórico de acesso ao  conhecimento que a humanidade acumulou durante milênios e que, durante muito tempo, era guardado para uma casta. Como afirma Éliard, em livre tradução, “defender o que existe é preparar o futuro. Ao contrário dos vastos programas ditos de refundação da escola, do primário ao superior, que escondem a destruição do edifício”.
Como já dito, é preciso que educadores, sindicatos de trabalhadores, estudantes e outras instituições ligadas ao tema tomem conta do assunto e levantem o debate em nível nacional, para lutar não em nome de uma modernidade vazia, mas de uma educação que continue a desenvolver o conhecimento e prepare os jovens para novos desafios.
 

[1] Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica
[2] Exame Nacional do Ensino Médio

Economia mundial navega em um mar de dívidas

          

Um estudo da consultoria Mc Kinsey Global Institute mostrou que, em 2011, a dívida total do Japão –a maior do mundo desenvolvido – era de cerca de 512% de seu PIB (ou seja, de tudo o que sua economia produz em um ano. Em segundo lugar, estava o Reino Unido com 507%. Os Estados Unidos tinham “apenas” 279%. Para muitos economistas, esta gigantesca desproporção entre a riqueza anual de um país e sua dívida se explica por um mecanismo que nas últimas três décadas mudou a face do capitalismo: a financeirização. O artigo é de Marcelo Justo.


       

Londres - A economia mundial navega em um mar de dívidas. Um colossal estudo comparativo da consultoria Mc Kinsey Global Institute mostrou que, em 2011, a dívida total do Japão –a maior do mundo desenvolvido – era de cerca de 512% de seu PIB (ou seja, de tudo o que sua economia produz em um ano. Em segundo lugar, estava o Reino Unido com 507%. Os Estados Unidos tinham “apenas” 279%.

Esta dívida total é uma soma das dívidas estatal, estadual ou municipal, individual, hipotecária, corporativa, financeira e bancária. Com esses percentuais a impressão era de que a nave poderia naufragar a qualquer momento ou se despedaçar contra o muro do impagável. Muitos economistas opinam que esta gigantesca desproporção entre a riqueza anual de um país e sua dívida se explica por um mecanismo que nas últimas três décadas mudou a face do capitalismo atual: a financeirização.

“A financeirização explica o crescimento do crédito na década de 2000 e as causas da crise atual. No centro da mesma está a crescente importância de atores e instituições financeiras na economia e das finanças como fonte de lucros”, disse à Carta Maior Adam Leaver, pesquisador e membro do Centro de Investigação da Mudança Sócio-Cultural, de Manchester.

No capitalismo das últimas três décadas se produz uma explosão daquilo que, em inglês, é denominado pela sigla FIRE (Financiamento, seguro e setor imobiliário) que cresceu tanto em relação ao PIB como em detrimento da economia produtiva. Na América Latrina este FIRE se encontra potencializado pela falta de regulação e competição. Se tomamos como exemplo o recente balanço anual do banco espanhol Santander podemos que ver que Brasil e Chile garantem lucros infinitamente superiores aos de países desenvolvidos.

“O Brasil, por exemplo, representa 15% dos ativos do Santander, ou seja, seus empréstimos para consumo, empresas, etc., representam cerca de 30% de seus rendimentos mundiais. Em países como o Reino Unido a relação é inversa. A falta de regulação e competição permite aos bancos obter lucros absurdamente altos”, disse à Carta Maior Gabriel Palma, catedrático de Economia comparada na Universidade de Cambridge.

Dito de outro modo, os lucros não se devem a uma meritória competitividade da América Latina em termos de qualidade, serviço e eficiência, mas sim a falhas do sistema regulatório em que operam.

A roleta

A financeirização se dissemina por toda a economia reforçando o lucro de curto prazo e especulativo sobre o setor produtivo. As grandes corporações têm ramos financeiros que, com frequência, geram mais lucros do que aquilo que as empresas produzem e vendem. Nos Estados Unidos, a General Motors passou a ganhar mais com o fornecimento de créditos para a aquisição de automóveis do que com a venda mesma de veículos.

“As empresas do setor real, produtivo, começam a se comportar como empresas financeiras. Isso é claro no caso da própria General Motors que tinha uma empresa de venda de hipotecas de casas. Alguém pode argumentar que emprestar dinheiro para que se compre automóveis esta de acordo com a lógica produtiva: ao ajudar o financiamento do cliente, ajudo a venda do automóvel que produzo. Mas, investir no mercado hipotecário, é outra coisa. Funciona como substituto de um investimento produtivo para obter um lucro de curto prazo. É um claro sinal de como a financeirização afeta o investimento e a mudança tecnológica”, indicou Gabriel Palma.

Em nível individual, o símbolo mais cotidiano desta financeirização é o cartão de crédito que antes dos anos 80 era tratado com reverência de clube exclusivo e hoje se converteu em um meio de pagamento da vida diária. Mas a explosão do crédito vai muito além do cartão. No estouro financeiro de 2008, a gota que fez transbordar o copo de uma economia endividada até o último fio de cabelo foi o empréstimo hipotecário para famílias sem recursos: as chamadas hipotecas sub-prime de alto risco.

Os estudos sobre o período do boom mostram que nos Estados Unidos as famílias passaram a gastar no pagamento de juros de cartões de crédito e empréstimos quase o dobro do que gastavam em comida e roupas. No Reino Unido, a dívida individual ou familiar chegou a ser 165% da receita disponível (renda que fica depois do pagamento de impostos). Segundo Paolo dos Santos, especialista bancário de SOAS, da Universidade de Londres, essa mudança veio junto com a retirada do Estado benfeitor como garantidor da saúde, educação, moradia e aposentadoria, que foi funcional para a expansão do sistema financeiro.

“Nos últimos 30 anos, a política social em muitos países desenvolvidos se baseou na transferência do risco e do custo desses serviços sociais do Estado para o indivíduo. Este tem que recorrer ao sistema bancário para poder financiar a educação de seu filho ou seu seguro de saúde ou sua aposentadoria”, assinalou Dos Santos à BBC.

Brasil na mira

Um informe recente da Federação de Comércio de São Paulo mostra que a taxa de juro média paga pelos brasileiros é de 230% ano. O cálculo é que o serviço da dívida individual brasileira será de 30% da receita disponível este ano. Nos Estados Unidos, se considera que quando a dívida alcança 14% a situação é de alto risco.

O Brasil não é um caso isolado, O Chile o segue de perto. No Peru, o crédito quadruplicou nos últimos cinco anos. No México, o nível de inadimplência no pagamento de microfinanciamento do consumo se situa entre 20 e 30%. A Argentina é um caso peculiar. A crise de 2001 e o brutal descrédito do sistema bancário teve um paradoxal efeito neutralizador desta financeirização que havia arrasado com a economia nos anos 90. Enquanto que, na América Latina, a média hoje de crédito fornecido pelo setor bancário em relação ao PIB é de 67%, na Argentina é de 29%. Em comparação, no Brasil esse índice é de 98%. No Chile é de 90% e no México de 45%.

“O crédito azeita a economia, mas um excesso de dívida nas famílias se traduz em estancamento do consumo. Na América Latina o problema não é o montante da dívida, mas sim seu serviço pelas condições leoninas que muitas linhas de crédito apresentam. Esta financeirização tem um impacto no investimento. É mais negócio ganhar com um produto financeiro do que investir na economia real. Uma parte importante da elite industrial de São Paulo abandonou a produção pelas finanças”, disse Palma à BBC Mundo.

Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Imperialismo quer uma nova guerra no mundo

Síria - Imperialismo quer uma nova guerra no mundo  

Luis Falcão no A VERDADE

Para satisfazer a sede de lucros da poderosa indústria de guerra dos EUA e de outros países, as potências imperialistas querem mais uma guerra no mundo, não importa se contra a Síria ou contra o Irã, ou mesmo contra s dois países. Para tanto, a gigantesca máquina de propaganda do capitalismo espalha mentiras e esconde que a CIA fez acordo com a Al-Qaeda para organizar atentados na Síria.

A Síria não é um país socialista e, por isso mesmo, não é democrático. A principal lei da economia do país é o lucro e quem manda e governa é a classe dos ricos.  As eleições são manipuladas, há perseguição aos que lutam por uma revolução e pelo verdadeiro socialismo e são  numerosos os casos de corrupção no país. Os que têm dinheiro, as famílias ricas, conseguem resolver seus problemas, os que não têm, a imensa maioria da população, sofrem para conseguir até mesmo um emprego. Apesar de ter socialismo em seu nome e em seu programa, o Partido Baath (Partido do Renascimento Árabe Socialista) não defende nem pratica o socialismo cientifico de Marx e Lênin, embora quando de sua Constituição em 1963 foi um partido progressista, nacionalizou o petróleo, as terras e adotou medidas contra a espoliação estrangeira do país. Porém, desde a década de 80, se transformou num instrumento a serviço dos privilégios de algumas centenas de famílias e de grupos privados. Em decorrência, várias multinacionais têm cada vez mais negócios na Síria. A multinacional italiana do setor de armamentos – Finmeccanica – há dois anos está entre os principais fornecedores do governo sírio. Finmeccanica é o oitavo fornecedor do Pentágono e também produz em parceria com a norte-americana Lockheed Martin
Por ser um país dependente, a Síria sofre duramente as consequências da atual crise econômica capitalista. Este fato foi agravado porque desde os anos 90, o governo adota um conjunto de reformas neoliberais para permitir o avanço do capital estrangeiro, elimina programas de assistência social e reduz os investimentos públicos em 50%. As terras nas grandes cidades foram privatizadas e entregues a grandes empresas, que elevaram os preços dos imóveis, obrigando milhares de famílias a irem morar na periferia das cidades e formar favelas. Hoje, o país tem um elevado número de desempregados jovens, as desigualdades sociais aumentaram absurdamente e a pobreza é crescente. Tal situação levou em março de 2011, em meio aos levantes populares da Tunísia e do Egito, a juventude a ocupar as ruas exigindo mudanças sociais e políticas no país.
Foi nesse terreno que os países imperialistas começaram a operar, enviando à Síria mercenários que estavam no Iraque, para organizarem atentados e recrutarem insatisfeitos com o regime em vista de se formar um exército. Até a organização terrorista Al-Qaeda foi articulada pela CIA e é membro  ativo do chamado Exercito Livre da Síria. Também, a serviço dessa estratégia imperialista, o reacionário governo turco de Tayyip Erdogan ao bombardear a Síria cumpre o papel de provocador visando acelerar a nova guerra imperialista.
Entretanto, não é nem para acabar com o capitalismo na Síria nem com a corrupção e muito menos defender os direitos humanos que os EUA, a França, a Inglaterra e a Alemanha querem bombardear a Síria e derrubar o governo de Bachar Al Assad. Aliás, basta observar o que se tornaram a Líbia, o Afeganistão e o Iraque após as intervenções militares dos países imperialistas para concluirmos como ficará a Síria se ocorrer um ataque da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte).
Com efeito, nenhum desses países tornou-se mais democrático ou menos violento após as guerras de que foram vítimas. Pelo contrário, hoje na Líbia, em vários edifícios públicos tremula a bandeira da organização terrorista Al-Qaeda, a mesma que é acusada de realizar o atentado às torres gêmeas nos EUA, o qual matou mais de 3 mil cidadãos norte-americanos,  e no dia 11 de setembro último realizou um atentado que matou o embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens. No Afeganistão, entre 1º de janeiro e 30 de junho de 2012, 1.145 pessoas morreram e 1.945 ficaram feridas devido a atentados. Mulheres e crianças representam 30% das vítimas.
Depois, se existisse por parte das potências imperialistas algum respeito aos direitos humanos, os EUA não teriam financiado e ajudado o golpe militar em Honduras, tentado derrubar o governo de Hugo Chávez e não continuariam apoiando e mantendo as sanguinárias ditaduras do Iêmen, do Bahrein e da Arábia Saudita.
Também, a defesa que a Rússia e a China fazem do governo sírio nada tem a ver com o respeito à autodeterminação dos povos. Lembremos que ambos os países foram favoráveis às criminosas guerras contra o Iraque e o Afeganistão e já aprovaram diversas sanções econômicas contra a Síria e o Irã, privando milhões de árabes de alimentos e de remédios.
A velha mentira repetida
Sem ter o que dizer para justificar uma nova guerra imperialista, os Estados Unidos e demais potências imperialistas repetem o mesmo argumento (ou melhor dizendo, a mesma mentira) usada contra o Iraque:  (“Saddam tem armas químicas de destruição massiva”) ou contra a Líbia (Kadafi massacra população civil).
Portanto, o principal motivo levantado pelos EUA e seus aliados para pressionarem a ONU a aprovar a agressão à Síria e usar sua máquina de guerra mortífera composta de satélites militares, bombas nucleares, submarinos, aviões não tripulados, mísseis intercontinentais e milhões de homens armados espalhados em mais de 1.000 bases militares estacionadas em cerca de 50 países, é que a Síria possui “poderosas armas químicas e pode usá-las contra a população”.
Vejamos o que declarou o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, no dia 28 de setembro ao ser perguntado pela imprensa de seu país sobre os depósitos de armas químicas na Síria:
“Informações da inteligência americana dão conta de que o arsenal está em locais seguros, mas parte tinha se movido. Não está claro quando as armas foram transferidas, nem se a movimentação aconteceu recentemente.” A notícia prossegue dizendo que os EUA acreditam que a Síria tem dezenas de depósitos de armas químicas e biológicas espalhados pelo país.
No final de agosto, o presidente Barack Obama declarou: “Vamos ser muito claros com o regime Assad, mas também com todos os outros combatentes, que a linha vermelha será quando começarmos a ver um monte de armas químicas sendo movidas e usadas. Isso mudará nosso cálculo”.
Ora, nunca uma missão internacional esteve na Síria para investigar se o país possui ou não armas químicas. E agora, não só o país tem, como está transferindo essas armas de um lugar para outro.
Mas como acreditar num governo que já mentiu tantas vezes? Lembremos algumas: disse que não jogaria bombas atômicas no Japão e jogou; disse que não usaria armas biológicas contra o Vietnã e usou, disse que Saddam possuía armas de destruição em massa e era mentira.  Diz que o Irã está produzindo arma nuclear e, até hoje, apesar de várias inspeções, a AIEA não foi capaz de encontrar nem uma só arma nuclear no país, embora os EUA possuam, de acordo com o Pentágono, 5.113  armas nucleares e Israel algumas centenas.
Aliás, mentira e desinformação é o que mais tem surgido em relação à Síria. No último dia 28, as agências de noticias norte-americanas e francesas deram a seguinte notícia:
“Ontem, foi o segundo dia consecutivo de ataques com bombas na capital (Damasco). Duas organizações de ativistas anti-Assad anunciaram que vários corpos foram encontrados num subúrbio situado ao sul da capital. Aparentemente, as mortes foram provocadas por forças leais à ditadura.”
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos disse que 40 corpos, inclusive de mulheres e crianças, foram achados no subúrbio de Thiyabiyeh. O líder da organização, Rami Abdul-Rahman, afirmou não ter detalhes sobre as mortes.
Outro grupo de oposição a Assad, os Comitês de Coordenação Local, estimou em 107 o total de corpos encontrados e disse que muitos dos cadáveres mostravam sinais de execução -algumas das vítimas teriam sido degoladas. Os números indicam um dos piores massacres de civis desde o início do levante.” (O Globo, 28/09/2012)
Atenção: o Observatório Sírio de Direitos Humanos declarou que não tinha detalhes sobre as 40 mortes. O outro disse que eram 107 mortes. Será que eles não aprenderam a contar ou não tiveram tempo de combinar os números? E quem são realmente os assassinos?
Crimes contra o povo sírio, assassinatos e execuções não é algo raro praticado pelas chamadas forças rebeldes da Síria. Vejamos o que declarou o insuspeito embaixador brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro:
“Existem motivos razoáveis para acreditar que as forças antigovernamentais daquele país perpetram assassinatos, execuções extrajudiciais e tortura” – disse Paulo Pinheiro, chefe de um painel internacional independente que investiga a situação na Síria.
Paulo Pinheiro também denunciou o uso de crianças com menos de 18 anos de idade por grupos armados de oposição. “Estas forças não identificam seus membros com uniformes reais ou insígnias para diferenciá-los da população civil “,  acrescentou. Crimes realizados por esses elementos, como sequestros, tortura e maus-tratos de soldados do governo capturados, também foram repudiados pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay.
Concluindo, Pinheiro criticou o governo por levar a cabo ataques indiscriminados, como ataques aéreos e bombardeios de artilharia a áreas residenciais. Ele também se posicionou contra a aplicação de sanções contra a Síria, por constituírem uma negação dos direitos fundamentais ao povo desse país, onde, segundo a ONU, existem 2,5 milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. O especialista reiterou a necessidade de uma solução política na Síria e ressaltou que “não há possibilidade de uma solução militar.” (Correio do Brasil, 22/09/2012).
Esta é a verdade.
Por que o império quer a guerra  
Porém, os grandes meios de comunicação da burguesia com o objetivo de convencer os povos da necessidade de mais uma guerra imperialista divulgam mentiras e mais mentiras certos do que afirmou o ministro da Propaganda de Hitler, o nazista Joseph Goebbles: “Uma Mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”.
Na realidade, o que está por trás da atual guerra que se desenvolve na Síria e que já matou mais de 25.000 sírios é o interesse das potências imperialistas em controlar uma nação que produz petróleo e gás natural – por dia, a Síria produz 380 mil barris de petróleo e tem reservas de 2,5 bilhões de barris e 240 bilhões de m3 de gás natural –; está situada na região estratégica do Oriente Médio  e faz fronteira com Iraque, Irã, Turquia, Líbano e Israel. Ademais, a Síria, até por força das circunstâncias, pois tem parte de seu território nas colinas de Golã ocupado por Israel desde 1967,  é um país que tem apoiado a luta pelo Estado da Palestina e tem em seu território quase 500 mil refugiados palestinos.
Dessa forma, a substituição do atual governo sírio por um governo submisso à dominação dos EUA, da França e da Inglaterra na região, além de garantir aos monopólios desses países o controle sobre petróleo e gás, também enfraquece o Irã, a luta do povo palestino e facilita o controle político do Oriente Médio. Em resumo, se trata de mais uma guerra para assegurar os interesses de multinacionais como a Exxon, BP, Chevron, Barrick Gold, Shell, Total, Monsanto, HSBC, Deutsche Bank, Goldman Sachs, entre outros e de criar demanda para a indústria militar dos países imperialistas: a Boeing (EUA), a Northrop (EUA), a General Dynamics (EUA), a Raytheon (EUA), a BAE Systems, a EADS (europeia), a Finmeccanica (italiana), a L-3 Communications (EUA) e a United Technologies (EUA).
De fato, há várias comprovações da existência de paramilitares a serviço da CIA na Síria e o governo denunciou na ONU a existência de 60.000 mercenários pagos pelas potências imperialistas atuando no país.
O chamado Exército Livre da Síria recebe há muito dinheiro e armas da Inglaterra, da França e dos EUA. Segundo a BBC, agência de notícias inglesa, o governo britânico entregou mais de 7 milhões de dólares em “abastecimento médico e equipamentos de comunicação’ aos grupos armados sírios. A França, que teve a Síria como colônia até 1949, defendeu, por intermédio do ministro das Relações Exteriores Laurent Fabius que “as zonas liberadas sírias que estão sob controle dos rebeldes recebam ajuda financeira, administrativa e sanitária.” O chanceler francês prometeu ajuda de 5 milhões de euros (R$ 12,8 milhões) aos opositores.
A Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, anunciou no último dia 29 mais US$ 30 milhões de assistência em alimentos, água e serviços médicos e mais 15 milhões em “equipamentos de comunicação” à oposição política não-armada”.
Ora, apesar da ONU adotar sanções contra a Síria – o governo sírio é reconhecido pela organização e por centenas de países – uma intervenção como essa que ocorre no país fere todas as leis internacionais e mostra que há muito o imperialismo jogou na lata do lixo o princípio da convivência pacífica entre os países e o respeito à autodeterminação das nações.
São essas, portanto, as razões que asseguram que mais uma guerra imperialista está a caminho. Tal situação coloca perante todos os homens e mulheres livres que não querem nem aceitam uma ditadura mundial do capital e a escravidão da humanidade por um punhado de países imperialistas governados por meia dúzia de bancos e de monopólios, a questão de o que fazer para deter esses genocídios e impedir que novas guerras sejam desencadeadas por potências capitalistas. Tais potências, mergulhadas numa profunda e grave crise econômica, veem como sua salvação aumentar a exploração dos trabalhadores, abocanhar as riquezas dos povos e dominar o mundo. Com a palavra Che Guevara: “O imperialismo capitalista foi derrotado em muitas batalhas parciais. Porém é uma força considerável no mundo e não se pode aspirar à sua derrota definitiva sem o esforço e o sacrifício de todos”¹.

Luiz Falcão é membro do comitê central do PCR

Notas

¹ Che Guevara. Discurso em Seminário Econômico de Solidariedade Afroasiática. 1965)