quarta-feira, 27 de março de 2013

Fórum Social Mundial encontra a Primavera Árabe em Túnis



Cerca de 30 mil pessoas são esperadas para o FSM 2013 | Foto: Maurício Hashizume
Por Maurício Hashizume para a Carta Maior
Túnis – O “berço” da Primavera Árabe recebe oficialmente a partir desta terça-feira (26) mais uma edição do Fórum Social Mundial (FSM).
Desde 2001, o FSM, que surgiu em contraposição ao Fórum Econômico Mundial, vem reunindo periodicamente dezenas de milhares de pessoas que se deslocam das mais distintas partes do mundo para discussão de alternativas aos sistemas de hegemonia e dominação (políticos, econômicos, culturais etc.). Esses sistemas, justamente, estão no cerne das mobilizações da sucessão de rebeliões populares que têm pressionado e até já derrubaram algumas ditaduras que já duravam há décadas em países do Norte da África e do Oriente Médio.
Com uma larga experiência nas edições anteriores do FSM, a ativista uruguaia Lilian Celiberti veio até a capital da Tunísia e espera ouvir e aprender, saber mais sobre como se sentem e de que formas pensam os protagonistas das lutas que vêm desafiando regimes marcados por autoritarismos, em nome da “dignidade”, que vem a ser o tema central desta edição de 2013.
A dignidade (“karama”, na língua árabe) traz consigo, no entendimento de Lilian, uma percepção enfática da urgência e da gravidade dos problemas sociais concretos em curso mundo afora ou, como ela prefere pontuar: uma “perspectiva radical da violência das relações humanas não só em nível individual, mas também coletivo”.
O contexto em que se realizará este encontro internacional é tenso e complexo, sublinha a militante feminista que foi sequestrada em Porto Alegre durante o regime militar na Operação Condor. A imolação de um vendedor de rua da cidade de Sidi Bouzid que teve o seu carrinho de frutas e verduras impedido de trabalhar pelas autoridades locais, em dezembro de 2010, catapultou uma onda intensa de manifestações massivas que abalou as estruturas da ditadura comandada pelo militar Zine El Abidine Ben Ali. “É um símbolo extremo, muito forte. Que mundo é esse em que a forma de se expressar é a imolação?”.
Autoritário no poder desde 1987, Ben Ali caiu e se refugio na Arábia Saudita após contínuas mobilizações que culminaram com a massiva celebração de 14 de janeiro de 2011; durante os protestos e o conflito com forças policiais, outras dezenas de manifestantes também perderam suas vidas. O partido islâmico Ennahda, que venceu as eleições de outubro daquele mesmo ano, vem sofrendo intensas pressões por conta da continuidade dos problemas sociais e de sinalizações de restrições de ordem religiosa, que ganharam ainda mais força – inclusive provocando a renúncia do primeiro-ministro Hamadi Jabali, do Ennahda – com o assassinato cujas responsabilidades ainda não foram esclarecidas do principal líder da oposição, o advogado de esquerda Chokri Belaid, menos de dois meses atrás.
De acordo com Lilian, o FSM em Tunis consiste também em uma ocasião-chave para fazer ecoar as vozes dos protagonistas destas contestações, sem tantas camadas de mediação, visto que povos e movimentos do mundo árabe tendem facilmente a ser estigmatizados. “Tudo nos chega sempre muito descontextualizado. Vem sendo dada, por exemplo, muita ênfase ao papel da internet e das redes sociais para a chamada Primavera Árabe, sem que seja dada visibilidade à ocorrência de outras diversas formas de organização de base [reuniões, debates, articulações etc.]“, comenta Lilian. A despeito da expectativa de contato direto com este “novo olhar sobre a dignidade. Inovador e desafiante”, ela também revela certo medo no que diz respeito a indícios de recrudescimento político, especialmente quando se trata de alguém que viveu na própria pele os anos de chumbo das ditaduras na América do Sul.
Enfrentamento às monoculturas
Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que vem acompanhando muito de perto o processo do FSM desde os seus primórdios, espera-se que esta edição que se inicia contribua para o processo democrático na Tunísia, que experimenta um quadro de convulsão política, econômica e social que se estende Magrebe e Machereque. “Apesar de assumir a sua dimensão mundial, o Fórum tem, desde a sua origem em Porto Alegre, uma forte ligação com inquietações locais”, observa o professor da Universidade de Coimbra.

Boaventura realça que as duas margens do Mediterrâneo, historicamente a partir de onde se espalhou o capitalismo, vivem hoje uma crise, que tem diferenças e semelhanças. O neoliberalismo selvagem faz estragos em nações do Sul da Europa (como Grécia, Portugal, Espanha e Itália), bem como os modelos econômicos adotados por países do Norte da África (como a própria Tunísia e o Egito) excludentes estão na Primavera Árabe.
Enquanto no Sul da Europa, constata-se que a crise é incompatível com a democracia (cenário em que as lutas se concentram na tentativa de preservar conquistas sociais para que elas não percam o seu sentido), no Norte da África e em pontos do Oriente Médio, dissemina-se a ideia de que a democracia é crucial para reverter crise econômico-financeira. “Ditaduras foram eliminadas, mas o modelo econômico selvagem continuou”, emenda. O cenário de deterioração econômica é acompanhado das dificuldades enfrentadas em torno de uma nova Constituição após a queda de Ben Ali e o risco da queda da separação entre Estado e religião (por meio da sharia islâmica). Nesse sentido, o FSM tem uma contribuição relevante aos países dos levantes quanto à busca de alternativas pós-neoliberais.
Para Boaventura, o ideal de um “outro mundo possível”, lema clássico e crucial do Fórum Social Mundial, deve levar obrigatoriamente em conta a questão da “dignidade”, tema-chave do encontro deste ano. A dignidade, acrescenta o professor, resulta de uma conquista de autonomia e de respeito e embute o sentido mais profundo da diversidade. Nessa linha, a Primavera Árabe que impressionou o mundo em sua luta contra a monocultura política das ditaduras, tem também o desafio de enfrentar, além dos já citados desafios no campo econômico, a monocultura religiosa.
Nos dois dias que antecederam o Fórum, Boaventura esteve reunido com representantes de movimentos sociais e investigadores sociais de 16 países para o diálogo e a troca de experiências e conhecimentos sobre a “dignidade” em mais uma oficina da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS), resultado da parceria do Projeto ALICE, coordenado pelo sociólogo, e a organização não-governamental feminista El Taller.
Na sede do comitê tunisiano de organização do Fórum Social Mundial 2013, os integrantes da equipe são, em sua maioria, jovens. Faixa e adesivos de Chokri Belaid, o líder da esquerda assassinado, são vistos no recinto. Uma entre os milhões de jovens tunisianos que fizeram e continuam a fazer parte das rebeliões na Tunísia, Zahra Khammassi reforça a importância das mulheres e da juventude nas mobilizações sociais, vê como muito bons olhos a abertura para intercâmbios propiciada pelo Fórum, mas não deixa de denunciar a “ambiguidade” do processo em curso. “As mobilizações vieram e a ditadura tombou. Mas, até agora, quem realmente se beneficiou do quer fizemos?”
Organização e abertura
Cerca de 30 mil pessoas são esperadas para o FSM 2013. Tenda montada na principal avenida da cidade – Habib Bourguiba, o líder da independência que governou o país de forma ditatorial por 30 anos (1957-1987) antes de Ben Ali – recebe os participantes. Postos menores foram montados no aeroporto e até nos hotéis para facilitar a acolhida. Mais de 2,7 mil organizações devem promover aproximadamente 1,5 mil atividades até o dia 30 de março.

A programação do primeiro dia do Fórum começa com a Assembleia das Mulheres, no auditório da Faculdade de Direito na Universidade El Manar, espaço que concentrará o conjunto de atividades programadas. “Queremos que nossa presença seja tão grande como o são nossas lutas contra as discriminações e tão diversificada como o são as formas de violência que sofremos”, realça a convocação assinada pelas mulheres tunisianas.
A tradicional marcha de abertura do FSM 2013 terá início às 16h, com saída da praça 14 de janeiro de 2011, que foi um dos epicentros das recentes revoltas. A multidão ganhará as ruas de Túnis até o Estádio Menzah, ponto final da caminhada onde, já à noite, e apresentará o cantor brasileiro e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil.

terça-feira, 26 de março de 2013

A nova propaganda é liberal. A nova escravidão é digital.


por John Pilger 

O que é a propaganda moderna? Para muitos, são as mentiras de um estado totalitário. Na década de 1970 encontrei-me com Leni Riefenstahl e perguntei-lhe acerca dos seus filmes épicos que glorificavam os nazis. Utilizando técnicas de câmara e de iluminação revolucionárias, ela produziu uma forma de documentário que empolgou alemães, o seu Triunfo da vontade; lançava a magia de Hitler.

Ela contou-me que as "mensagens" dos seus filmes dependiam não de "ordens de cima" mas sim do "vazio submisso" do público alemão. Será que isso inclui a burguesia liberal e educada? "Toda a gente", respondeu ela.

Hoje, preferimos acreditar que não há vazio submisso. A "escolha" é omnipresente. Telefones são "plataformas" que lançam toda opinião superficial. Há o Google mesmo no espaço externo se precisar disso. Acariciados como contas de rosário, os preciosos dispositivos nascem já concentrados na sua tarefa, implacavelmente monitorados e priorizados. O seu tema dominante é o ego. Eu. Minhas necessidades. O vazio submisso de Riefenstahl é a escravidão digital de hoje.

Edward Said descreveu este estado conectado em "Cultura e imperialismo" como levando o imperialismo a lugares que frotas navais nunca poderiam alcançar. É o meio final de controle social porque é voluntário, viciante e amortalhado em ilusões de liberdade pessoal.

A "mensagem" de hoje, de grotesca desigualdade, injustiça social e guerra, é a propaganda de democracias liberais. Em qualquer avaliação de comportamento humano, isto é extremismo. Quando Hugo Chavez o desafiou, foi insultado com má fé; e seu sucessor será subvertido pelos mesmos fanáticos do American Enterprise Institute, Harvard's Kennedy School e de organizações de "direitos humanos" que se apropriaram do liberalismo americano e sustentam sua propaganda. O historiador Norman Pollack chama a isto "fascismo liberal". Ele escreveu: "Tudo está normal na aparência. Para os que marchavam a passo de ganso [nazis], substitui a aparentemente mais inócua militarização da cultura total. E para o líder bombástico, temos o reformador manco, a trabalhar alegremente [na Casa Branca], a planear e executar assassínios, sorrindo o tempo todo.

Ainda há uma geração atrás, a discordância e a sátira mordaz eram permitidas nos media de referência, hoje passam as suas falsificações e impera a falsa moral da época (moral zeitgeist). A "identidade" é tudo, feminismo mutante que declara classe [como conceito] obsoleto. Do mesmo modo como dano colateral encobre assassínio em massa, "austeridade" tornou-se uma mentira aceitável. Por baixo do verniz do consumismo, verifica-se que um quarto da Grande Manchester vive em "pobreza extrema".

A violência militarista perpetrada contra centenas de milhares de homens, mulheres e crianças anónimas pelos "nossos" governos nunca é um crime contra a humanidade. Ao entrevistar Tony Blair 10 anos depois da sua criminosa invasão do Iraque, Kirsty Wark da BBC prendou-o com o momento que ele mais podia sonhar. Ela permitiu a Blair angustiar-se acerca da sua "difícil" decisão ao invés de chamá-lo a prestar contas pelas mentiras monumentais e o banho de sangue que provocou. Recordamo-nos de Albert Speer . Hollywood retornou ao seu papel da guerra fria, conduzida por liberais. O filme Argo, de Ben Affleck, vencedor do Óscar, é o primeiro longa metragem tão integrado dentro do sistema de propaganda que a sua advertência subliminar da "ameaça" do Irão é apresentada no momento em que Obama se prepara, mais uma vez, para atacar o Irão. Que a "verdadeira estória" de Affleck, de bons rapazes versus maus muçulmanos, é uma falsificação pois a justificação de Obama para os seus planos de guerra perde-se nos aplausos conseguidos através das RP. Como crítico independente, Andrew O'Hehir denuncia: Argo é "um filme de propaganda no sentido mais exacto, um filme que se reclama inocente de toda ideologia". Ou seja, envilece a arte de fazer cinema a fim de reflectir uma imagem do poder a que serve.

A verdadeira história é que, durante 34 anos, a elite da política externa dos EUA ferveu de desejos de vingança pela perda do xá do Irão, o seu amado tirano, e o seu estado torturador concebido pela CIA. Quando estudantes iranianos ocuparam a embaixada dos EUA em Teerão em 1979, encontraram uma montanha de documentos incriminatórios, os quais revelaram que uma rede de espiões israelenses estava a operar dentro dos EUA, a roubar segredos científicos e militares. Hoje, o dúplice aliado sionista – não o Irão – é a única ameaça nuclear no Médio Oriente.

Em 1977, Carls Bernstein, famoso pela sua cobertura do Watergate, revelou que mais de 400 jornalistas e executivos da maior parte das organizações de media dos EUA trabalhara para a CIA nos últimos 25 anos. Havia jornalistas do New York Times, Time e das grandes estações de TV. Nestes dias, uma força de trabalho tão formal e abominável é completamente desnecessária. Em 2010, o New York Times não fez segredo do seu conluio com a Casa Branca na censura aos registos de guerra do WikiLeaks. A CIA tem um "gabinete de ligação com a indústria do entretenimento" que ajuda produtores e directores a refazerem a sua imagem de uma gang sem lei que assassina, derruba governos e trafica drogas. Quando a CIA de Obama comete múltiplos assassínios por meio de drones, Affleck louva o "serviço clandestino... que todos os dias faz sacrifícios em prol de americanos... Quero agradecer-lhes muito". O vencedor do Oscar de 2010, 00:30 Hora Negra (Zero Dark Thirty) de Kathryn Bigelow, uma apologia da tortura, foi nada menos que aprovado pelo Pentágono.

A fatia de mercado do cinema estado-unidense nas bilheteiras da Grã-Bretanha muitas vezes atinge os 80 por cento e a pequena fatia britânica deve-se principalmente a co-produções com os EUA. Filmes da Europa e do resto do mundo representam uma pequena fracção daqueles que nos permitem ver. Na minha própria carreira de director de cinema, nunca experimentei um tempo em que vozes dissidentes nas artes visuais fossem tão poucas e tão silenciosas.

Em relação a todas as preocupações induzidas pelo inquérito Leveson , o "molde Murdoch" permanece intacto. A intercepção telefónica foi sempre uma diversão, uma pequena contravenção em comparação com o tocar de tambores dos media em favor de guerras criminosas. Segundo a Gallup, 99 por cento dos americanos acredita que o Irão é uma ameaça para si, assim como a maioria acreditava que o Iraque foi responsável pelos ataques do 11/Set. "A propaganda sempre vence", disse Leni Riefenstahl, "se você a permitir". 
14/Março/2013

O original encontra-se no New Statesman britânico e em johnpilger.com/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Anistia Internacional diz que Feliciano é “inaceitável” e pede substituição


“É grave que (Feliciano) tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome” | Foto: Alexandra Martins / Câmara Federal
Da Redação do SUL21
A sede brasileira da Anistia Internacional, movimento global em prol dos direitos humanos, publicou nesta segunda-feira (25) uma nota pública sobre a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. No comunicado, a organização se declara preocupada com a indicação de Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão e pede para que o “equívoco” da nomeação do pastor seja reparado. De acordo com a nota, a escolha de Feliciano é “inaceitável” devido a suas posições preconceituosas.
Feliciano, que assumiu a presidência da CDHM no início de março, tem sido alvo de protestos de diversos setores da sociedade por suas declarações consideradas racistas, machistas e homofóbicas. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, é uma das personalidades que já se manifestou sobre o caso, pedindo que Feliciano ouvisse a seus opositores. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, prometeu na última quinta-feira (21) que uma decisão sobre a presidência da Comissão seria tomada nesta terça-feira (26).
Leia na íntegra a nota da Anistia Internacional Brasil:
A Anistia Internacional vem a público expressar sua preocupação com a permanência do Deputado Marco Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, mesmo após enorme mobilização de diferentes setores da sociedade brasileira, especialmente daqueles ligados às lutas pelos direitos de populações tradicionalmente vítimas de intolerância e violência, solicitando a sua substituição.
A Comissão de Direitos Humanos é uma instância fundamental para a efetivação das garantias de cidadania estabelecidas na Constituição. É essencial que seus integrantes sejam pessoas comprometidas com os direitos humanos e possuam trajetórias públicas reconhecidas pelo compromisso com a luta contra discriminações e violações que continuam a fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira.
As posições claramente discriminatórias em relação à população negra, LGBT e mulheres, expressas em diferentes ocasiões pelo deputado Marco Feliciano, o tornam uma escolha inaceitável para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Proteção de Minorias. É grave que tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome.
A Anistia Internacional espera que os(as) parlamentares brasileiros(as) reconheçam o grave equívoco cometido com a indicação do Deputado Feliciano e tomem imediatamente as medidas necessárias à sua substituição. Direitos fundamentais não devem ser objeto de barganha política ou sacrificados em acordos partidários.
Anistia Internacional Brasil

sexta-feira, 22 de março de 2013

Prostituição: regulamentar não é a solução



TICIANE NATALE, DA SECRETARIA DE MULHERES DO PSTU-SP



• Nos centros e ruas de qualquer cidade de nosso país, a prostituição é uma realidade. Está diretamente relacionada com a pobreza e a desigualdade, já que se prostituir acaba sendo a única forma de sobrevivência para milhares de pessoas. Ainda que não seja uma atividade exclusiva da mulher, ela é o maior alvo da prostituição. Isso se dá pela localização de superexploração no capitalismo e pela ideologia machista que estimula o mercado da sexualidade a naturaliza a violência inerente à atividade que “de fácil” não tem nada. Discutir o tema interessa à classe trabalhadora, especialmente quando há um projeto de regulamentação da profissão de prostituta.

A vida “nada fácil” da prostituição
Apesar de serem popularmente conhecidas como “mulheres de vida fácil”, a realidade delas é das piores. A violência está presente a todo instante. Não é possível coibir a violência nesta atividade pautada na venda do serviço sexual da mulher que coloca o cliente como dono de seu corpo e de sua sexualidade. O estigma de que são mulheres inferiores ou até objetos e a tamanha privacidade exigida pela prática, às portas fechadas, faz com que a situação possa facilmente sair do controle e, assim, estupros são recorrentes. Numa pesquisa no Reino Unido, 37% das mulheres que trabalham nas ruas do país afirmaram ter sido estupradas nos três meses anteriores à entrevista.

Na verdade, é comum que os estupros sejam vistos como “ossos do ofício” para estas mulheres, assim como agressões e xingamentos. Por vezes, elas são educadas desde crianças a base de socos para se submeterem ao trabalho sexual. Também é frequente que a violência seja utilizada pelos clientes para que as mulheres não usem preservativos, tornando-as vulneráveis a diversas doenças sexualmente transmissíveis. Muitas acabam recorrendo a drogas pesadas e ao alcoolismo para fugir do alto estresse.

Como vemos, a violência física, psicológica, patrimonial, entre outras, são inerentes a este tipo de profissão. A atividade destrói a saúde dessas mulheres. Assim, não é de se assustar que a taxa de mortalidade das mulheres prostituídas seja 40 vezes maior do que a taxa da população em geral segundo a ONG europeia Coalizão contra o Tráfico de Mulheres (CATW na sigla em inglês).

Há também a alienação do próprio corpo, com a sexualidade da mulher submetida às necessidades econômicas de conseguir dinheiro e não servir a seu prazer. Isso faz com que seja reafirmada a ideia de que a mulher é propriedade do homem, sendo apenas um objeto ou pedaço de carne.

Entendemos que a prostituição deve ser abolida, por ter uma opressão e violência inerentes em proveito daquele que pode pagar. No entanto, entendendo-se que tal ordem de coisas só pode acabar no socialismo, qual é a melhor forma de proteger e melhorar a situação das mulheres em situação de prostituição?

Regulamentação não defende a mulher prostituída
O ato de se prostituir é permitido no Brasil, sendo reconhecido como ocupação profissional pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas ainda sem regulamentação. A exploração da prostituição é considerada crime, portanto, é proibida. Os projetos de regulamentação apresentados até hoje no Brasil sempre apareceram como uma alternativa para defender as prostitutas, mas em verdade visam legalizar as casas de prostituição, o incentivo e a facilitação para se prostituir. E não é coincidência que o debate da regulamentação se torne mais forte hoje bem no momento em que grandes empresários fazem planos para aumentar seus lucros com os megaeventos que ocorrerão por aqui, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Recentemente, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) propôs o Projeto de Lei 4211/12 (PL Gabriela Leite) para regulamentar a atividade com o suposto argumento de que a Lei protegerá as mulheres em situação de prostituição. Mas o próprio projeto anuncia seu objetivo: criar uma “Lei que distingue o que é a prostituição e o que é a exploração sexual, institutos confundidos no atual código penal”. Soma-se a isso o fato de que há no Senado um projeto de Reforma do Código Penal, que acaba com a punição para os proprietários de prostíbulos.

O código penal brasileiro, hoje, em seu artigo 228, proíbe qualquer tipo de exploração sexual. O PL 4211/12 propõe que exploração seja entendida como o não pagamento, coação e apropriação total ou maior que 50% do rendimento da prestação sexual por terceiro. Ou seja, abaixo de 50% do valor total do serviço, seria permitida a apropriação do pagamento por outrem, não sendo considerada exploração sexual.

Os projetos de regulamentação da prostituição buscam criar padrões mínimos para a exploração sexual, tornando-a oficialmente aceitável em troca de direitos trabalhistas para as mulheres prostituídas e, supostamente, mais segurança e higiene para elas. No entanto, a prostituição não precisa ser regulamentada para que as mulheres tenham acesso à saúde, segurança e políticas públicas específicas, além do dever do Estado em prestar assistência social irrestrita.

A regulamentação apenas servirá para legitimar a violência cotidiana da prostituição, além de legalizar a dos intermediários, popularmente conhecidos como cafetões, assim como os prostíbulos. Ou seja, a exploração dessas mulheres será legalizada, e elas estarão subordinadas às ordens, controle de sua sexualidade e do pagamento do programa, em que parte significativa irá para seus chefes.

Diante destes projetos, vemos que quem vai lucrar com a regulamentação da prostituição serão os grandes empresários do sexo, impondo a lógica do lucro à exploração do corpo e da sexualidade das mulheres. Além disso, a prática passa a ser incentivada como boa alternativa para as mulheres – principalmente jovens, sem experiência e qualificação – eximindo o poder público de buscar alternativas para o desemprego feminino.

Aprofundando o problema, a regulamentação ainda incentiva os mercados intimamente relacionados com a prostituição, como o aliciamento de menores e o tráfico internacional de mulheres e crianças, rendendo altos lucros para os exploradores. 

Regulamentar não significa defender as mulheres prostituídas. Na atualidade, inclusive, podemos tomar como exemplo a expressiva derrota da proteção da vida das mulheres e crianças nos países em que se regulamentou a atividade. A Holanda é o caso mais emblemático: o tráfico de mulheres para este país subiu 260% nos primeiros três anos após a lei regulamentadora, assim como também aumentou a prostituição infantil, segundo pesquisa da Universidade de Rhode Island. O mercado do sexo se tornou mais competitivo, a quantidade de traficantes de mulheres e cafetões cresceu, a lógica do maior lucro com redução de custos se impôs e houve a precarização das condições de trabalho e maior exploração das mulheres prostituídas. O governo holandês perdeu o controle da atividade para a forte burguesia internacional que comanda o mercado e agora discute rever a regulamentação. O agravamento dos mesmos problemas se deu na Alemanha e nos locais da Austrália em que a atividade foi regulamentada.

A prostituição só traz benefícios para a burguesia e é por isso que apoia a regulamentação, na busca desenfreada pelo lucro em cima da escravização do corpo da mulher e na violência. E vê-se que mais uma vez o reformismo deposita suas ilusões no discurso da burguesia, enquanto que as contrapartidas para os trabalhadores mostram-se falaciosas.

Nossa proposta para defender as mulheres em situação de prostituição
Entendemos que a regulamentação legitima a exploração da mulher para garantir altos lucros para a indústria do sexo. Não garante os direitos trabalhistas e sociais necessários a todas as trabalhadoras. E, pior, garante melhores condições para manter legal um comércio muito perverso e lucrativo, vitimiza e escraviza as mulheres pobres trabalhadoras.

A solução, em primeiro lugar, deve começar com a defesa das mulheres em situação de prostituição, para que fiquem menos vulneráveis à polícia e aos cafetões. Devemos imediatamente lutar por políticas públicas e direitos de seguridade social para estas mulheres. Mas junto com isso, ter um programa de emprego e qualificação para que possam ter alternativas à prostituição, para que possam, caso desejem, romper com o ciclo da violência.

Assim, uma saída para defender as mulheres inclui:
  • Garantia de direitos sociais e previdenciários para todas as mulheres, incluindo as que estão em situação de prostituição, assim como defendemos a extensão desses direitos para as trabalhadoras informais, donas-de-casa, desempregadas, pessoas em completa vulnerabilidade social, como forma de reparação social!
  • Construção de Centros de Referência que ofereçam abrigo, formação profissional e direcionamento ao mercado de trabalho para atender as mulheres em situação de prostituição, crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual!
  • Política de geração de emprego e renda como alternativa às mulheres em situação de prostituição!
  • Política de capacitação profissional e renda para as famílias das crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual!
  • Luta contra todas as formas de violência contra as mulheres em situação de prostituição, principalmente, a violência policial!

    E, acima, de tudo, queremos o fim da Prostituição. Só o socialismo poderá construir as bases de uma sociedade sem classes, sem desigualdade, opressão e exploração, para que a prostituição possa ser definitivamente eliminada. 
  • Presidente dos EUA afirma que palestinos merecem ter seu próprio Estado


    Da redação do SUL21


    Israel deve parar de construir colônias nos territórios ocupados palestinos para que possa haver paz entre os dois estados. Foi o que afirmou nesta quinta-feira (21) o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em coletiva de imprensa realizada em Ramallah, na Cisjordânia. Após conversar com o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, Obama afirmou que os palestinos merecem ter seu próprio Estado e assegurou que eles “têm o direito de ser livres em suas próprias terras”.
    “Baseando-me nas negociações que mantive com o primeiro-ministro (israelense Benjamin) Netanyahu e com o presidente Abbas, a possibilidade de uma solução de dois Estados continua sendo viável” declarou Obama. “O povo palestino merece o fim da ocupação e da falta de dignidade que vem com ela”, disse, defendendo que os palestinos  devem ter “um futuro com esperança” e um “estado próprio”.
    O presidente norte-americano chegou pouco antes das 11h locais (06h de Brasília) a Muqata, a sede da presidência em Ramallah, e foi recebido por Abbas e por um grupo de líderes palestinos. Ao mesmo tempo, cerca de 150 manifestantes tentaram se aproximar do complexo presidencial, protegido por um dispositivo de segurança, agitando cartazes nos quais estava escrito: “Obama, você não é bem-vindo aqui ” e “Obama fora de Ramallah”.
    Em entrevista concedida na quarta-feira (20) em Tel Aviv, Obama confirmou o comprometimento norte-americano com Israel, afirmando que a aliança dos dois países “é eterna”. Nesta quinta-feira, ele falou da necessidade da construção de dois Estados. “Os Estados Unidos estão profundamente comprometidos a favor de um Estado palestino independente e soberano”, declarou.
    O presidente ainda criticou a construção de colônias  israelenses em territórios palestinos, dizendo que o governo israelense deve reconhecer que isso é “contraprodutivo” para a paz na região. Os assentamentos, no entanto, seriam resolvidos com a solução de dois Estados, de acordo com Obama. As principais questões devem ser a soberania para a Palestina e a segurança para a Israel. “Se nós resolvermos esses dois problemas, os assentamentos serão resolvidos”, afirmou.
    Pouco antes do discurso de Obama, um grupo armado a Faixa de Gaza disparou dois foguetes no sul de Israel, sem deixar feridos. O presidente norte-americano cobrou do Hamas, que controla o território, o cumprimento do cessar-fogo.
    Com informações do Correio Braziliense e da CNN

    quinta-feira, 21 de março de 2013

    Gullar e a revolução na Venezuela


    Por Max Altman via BLOG DO MIRO

    Existe um expressão comum no mundo político da Venezuela – “saltar la talanquera” – que poderia ser traduzido por ‘pular sobre a barricada’ e que significa passar para o outro lado. Muita gente que na sua juventude, e por largos anos, abraçou os ideais do socialismo, resolveu “saltar la talanquera’, renegando, sob os mais variados pretextos, tudo o que pensava e defendia, e muda de lado, de mala e cuia. Como necessitam ser bem recebidos pelos novos correligionários, mostram-se crescentemente mais realistas que o rei. Ou seja, homens com uma história de esquerda passam a defender algumas das teses mais caras à direita. Mudar de lado não é um ato gratuito. Há que se pagar pedágio sempre – e ele é caro e exigente -, demonstrando por atos e palavras que são leais à nova trincheira e aos seus valores. É o caso de Arnaldo Jabor, Roberto Freire, Marcelo Madureira, Alberto Goldman e tantos outros. E do poeta e cronista Ferreira Gullar.

    Gullar publicou na Folha de domingo, 17 de março, artigo sob o título “A revolução que não houve”. Não vou refutar suas posições ideológicas ou políticas. Eles tem as deles, nós, as nossas, e assim vamos travando a batalha de idéias. O que quero rebater são suas inverdades e distorções – e até um grave vilipêndio - acerca de fatos concretos. O poeta Gullar não pode alegar desconhecimento, pois é jornalista, nem ignorância, posto que é intelectual.

    O articulista afirma que Hugo Chávez “não só fechou emissoras de televisão como criou as Milícias Bolivarianas, que, a exemplo da conhecida juventude nazista, inviabilizava pela força as manifestações políticas dos adversários do governo”. O sinal eletro-eletrônico, lá como aqui, é de propriedade do Estado. A concessão de transmissão por sinal aberto da RCTV – e este foi um caso único – deixou de ser renovada, entre muitas outras razões, pelo fato da emissora ter tramado e liderado o Golpe de Estado de abril de 2002 contra o presidente Chávez, fato cabalmente demonstrado no documentário “A Revolução Não Será Televisionada”. Nos Estados Unidos, por exemplo, esta ocorrência levaria os donos da estação a uma condenação severíssima. O sinal fechado da RCTV continua funcionando normalmente. 

    À parte a odiosa e absurda comparação com as milícias hitleristas, a Lei Orgânica da Força Armada Bolivariana da Venezuela (FABV) estabelece que a Milícia Bolivariana, subordinada ao Comando Estratégico Operacional da Força Armada Bolivariana da Venezuela, tem como missão treinar, preparar e organizar o povo para a defesa integral com o fim de complementar o nível de prontidão operacional da FANB, contribuir para a manutenção da ordem interna, segurança, defesa e desenvolvimento integral da Nação com o propósito de coadjuvar e independência, soberania e integridade do espaço geográfico da Nação. Repto o Sr. Gullar ou qualquer outro a mencionar um só caso em que a Milícia Bolivariana tenha sido utilizada para inviabilizar, pela força ou não, qualquer manifestação política ou de outra ordem da oposição.

    Diz mais o cronista: “O azar dele foi o câncer que o acometeu e que ele tentou encobrir. Quando não pode mais, lançou mão da teoria conspiratória, segundo a qual seu câncer foi obra dos norte-americanos.” Agora mesmo estamos assistindo à autorização da família do ex-presidente João Goulart para a sua exumação, 37 anos após o falecimento, porque há forte suspeita que ele tenha sido envenenado para induzir o ataque cardíaco pela Operação Condor, sabidamente apoiada e orientada pela CIA. Foi possível com Jango, porque não poderá ser com Chávez. A ciência provavelmente irá dirimir a dúvida em ambos os casos.

    “De qualquer modo, tinha que se curar e foi tratar-se em Cuba, claro, para que ninguém soubesse da gravidade da doença...” Não é nada claro, Sr. Gullar. Vindo do Equador e do Brasil desce Chávez em Havana, caminhando com dificuldade e apoiado numa muleta. Foi estar com Fidel e com ele se queixou das dores. Fidel lhe fez uma enxurrada de perguntas e o convenceu a passar imediatamente por uma bateria de exames no melhor hospital de Havana. Foi nesse momento que se descobriu que carregava na região pélvica um tumor “do tamanho de uma bola de beisebol.” E lá mesmo passou pela primeira das quatro operações cirúrgicas. 

    A Venezuela e o mundo todo souberam imediatamente da gravidade da doença e com algum detalhe. Razões de Estado sempre cercam enfermidades de chefes de Estado e de governo. Não obstante, no caso de Chávez foram 27 comunicados públicos ao longo dos quase dois anos, feitos por ele mesmo ou por ministros do governo. François Mitterrand passou dois setenatos carregando um câncer de próstata, que o acabou matando, sem que a opinião pública soubesse de algo. Antes dele, o presidente Georges Pompidou morreu no exercício do cargo, inesperadamente, de Macroglobulinemia de Waldenström e ninguém soube de nada, salvo alguns jornalistas que suspeitaram de seu súbito inchaço.

    Gullar omite e distorce quando diz que “Para culminar, (Chávez) fez mudarem a Constituição para tornar possível sua reeleição sem limites. Aliás, é uma característica dos regimes ditos revolucionários não admitir a alternância no poder.” Na verdade, Chávez fez questão que a emenda constitucional permitindo a postulação indefinida passasse por referendo popular e não simplesmente aprovada pela Assembleia Nacional onde detinha praticamente a totalidade das cadeiras. (A oposição se recusara a concorrer às eleições legislativas.) Houve ampla e livre campanha e o SI ganhou por boa margem. O povo assim decidiu. 

    A propósito, nos Estados Unidos havia uma tradição de apenas dois mandatos de quatro anos mas nada na Constituição impedia a postulação indefinida. Roosevelt foi eleito em 1932, reeleito em 1936, novamente eleito em 1940 e outra vez eleito em 1944. Faleceu em abril de 1945 com apenas 63 anos. Seria facilmente reeleito pela 5ª, 6ª e 7ª vez, pois saíra vitorioso da Segunda Guerra Mundial e os Estados Unidos confirmavam a condição de super-potência. Alguém tisnou de anti-democrático a contínua reeleição de Roosevelt ? Essa possibilidade foi revogada posteriormente por uma eventual maioria republicana.

    O articulista envereda sibilina e maliciosamente pelo terreno jurídico. “Contra a Constituição, Nicolás Maduro ... assume o governo, embora já não gozasse, de fato, da condição de vice-presidente, já que o mandato do próprio Chávez terminara.” E mais adiante “Mas, na Venezuela de hoje, a lei e a lógica não valem. Por isso mesmo, o próprio Tribunal Supremo de Justiça – de maioria chavista, claro – legitimou a fraude, e a farsa prosseguiu até a morte de Chávez; morte essa que ninguém sabe quando, de fato, ocorreu.” 

    O sr. Gullar nunca se referiu ao nosso STF como de maioria tucana, claro, em especial durante o julgamento midiático da AP 470. Os membros da Suprema Corte na Venezuela, que devem ser cidadãos de reconhecida honorabilidade e juristas de notória competência, gozar de boa reputação e ter exercido a advocacia ou o magistério em ciências sociais por pelo menos 15 anos, e possuir reconhecido prestígio no desempenho de suas funções, são eleitos por um período único de 12 anos. Postulam-se ou são postulados ante o Comitê de Postulações Judiciais. O comitê, ouvida a comunidade jurídica, envia uma pré-seleção ao Poder Cidadão, que, por sua vez, faz uma nova pré-seleção e a envia à Assembleia Nacional que fará a seleção definitiva. (arts. 263 e 264 da Constituição Bolivariana). 

    Cabe, por outro lado, à Sala Constitucional do Tribunal Supremo da Venezuela (art. 266) exercer a jurisdição constitucional, como única intérprete da Constituição. E ela considerou, em decisão articulada e bem fundamentada, que: a) pelo fato de estar ainda em curso a licença concedida pela Assembleia Nacional ao presidente Chávez; b) que havia uma continuidade administrativa pois Chávez havia sido reeleito; a posse poderia se dar em outro momento e ante o TSJ, fato também previsto na Constituição e que Nicolás Maduro poderia continuar exercendo a vice-presidência executiva. (Na Venezuela o vice-presidente é indicado pelo presidente e não eleito conjuntamente.) Com a morte de Chávez, aplicou-se o art. 233, passando Maduro a exercer o cargo de Presidente Encarregado, obrigando-se a convocar eleições em 30 dias, o que foi feito.

    E onde reside o vilipêndio, a ignomínia de Ferreira Gullar ? Repetindo maquinalmente o que a extrema-direita golpista e corrupta da Venezuela alardeou, afirma que a farsa prosseguiu até a morte de Chávez, que ninguém sabe quando de fato ocorreu. Isto é uma grave ofensa antes de mais nada à dignidade dos pais, irmãos e filhos de Hugo Chávez, porquanto afirmar que ninguém sabe quando ocorreu a morte é imputar à família do presidente participação numa farsa. As filhas de Chávez em discursos emocionados, num e noutro momento, repeliram a rancorosa e covarde acusação, reafirmando que Chávez faleceu, quase diante de seus olhos, no dia 5 de março no hospital militar de Caracas, exatamente às 16h25.

    E por quê afirmo no título que há uma revolução socialista bolivariana em marcha ? Evidentes êxitos dos programas sociais do governo Chávez não a caracterizaria. Esta proeza pode ser alcançada por países em regime capitalista. Há, porém, um dado da realidade na Venezuela: a massa pobre e de trabalhadores alcançou um bom nível de consciência política e ideológica e está organizada. Vale-se do Partido Socialista Unido da Venezuela para a sua mobilização. E dispõe-se a respaldar o governo a fim de levar adiante o “Plano Socialista da Nação – 2013-2019”, programa histórico de cinco objetivos fundamentais, que tem por lema ‘desenvolvimento, progresso, independência, socialismo’.

    Sempre com fundamento na Constituição que estabelece que a soberania reside intransferivelmente no povo que a exerce diretamente na forma prevista na Carta Magna e nas leis e indiretamente, mediante o sufrágio direto e secreto, Chávez liderou a expansão da democracia participativa, diminuiu o peso do empresariado, dos meios comerciais de comunicação e das casamatas mais retrógadas do aparelho estatal, especialmente no sistema judiciário. Criou com isso a base social que permite agora avançar na transformação socialista em curso, trazendo a Força Armada para dela lealmente participar.

    Uma das mais relevantes medidas de transferência de poder ao povo é a criação e o desenvolvimento do poder comunal. Trata-se de pequenas áreas geográficas, distritos ou bairros, que funcionam como instituições políticas e que também podem organizar seus próprios serviços públicos, constituir empresas para diferentes atividades e receber financiamento direto do governo nacional. Busca-se, assim, esvaziar os estamentos burocráticos ainda controlados ou corrompidos pelos antigos senhores.

    Ao contrário de outras experiências de identidade socialista, a ampliação da democracia direta não foi acompanhada pela redução de liberdades, mesmo daqueles setores que participaram do golpe de Estado em 2002 ou que insistem na oposição golpista. Não se tolheu a liberdade de expressão nem a liberdade de imprensa. Partidos de cariz neoliberal, de direita, sociais-democratas ou ultra-esquerdistas continuam a funcionar normalmente com ampla liberdade de organização e manifestação pacífica.

    Dois fortes sinais indicam que a revolução socialista bolivariana está atingindo um ponto de não retorno. O primeiro foi o extraordinário comportamento do povo venezuelano diante da morte de seu comandante-presidente. Milhões saíram às ruas para homenageá-lo. Embora comovido, mostrou-se sereno, pacífico, responsável e democrático. Isto permitiu que o governo funcionasse e, principalmente, a estabilidade institucional fosse garantida. Não caiu nas provocações alimentadas por setores raivosos da direita. Reagiu com senso civilizado extraordinário, com dignidade. No entanto, como se pôde assistir, disposto a qualquer coisa para defender o legado de Hugo Chávez, o progresso e as conquistas sociais, o desenvolvimento da economia, a soberania e a independência da pátria, a consolidação da integração regional latino-americana.

    O segundo sinal está por vir e será a confirmação desta vontade popular. No dia 14 de abril serão realizadas eleições livres, justas e transparentes, como garante o Conselho Nacional Eleitoral, para presidente da Venezuela. A vitória de Nicolás Maduro constituirá um marco histórico e dará início a uma nova etapa da revolução socialista bolivariana.

    quarta-feira, 20 de março de 2013

    Pablo Neruda: “Eu não me calo”


    averdade.org

    Sha
    Neruda e MatildeA Poesia é a arte que coordena as ideias e as palavras de modo a expressar o pensar e o sentir de forma bela. Fala ao coração. É o belo em forma de Linguagem. Mas a divisão da sociedade em classes, a violência gerada pela exploração da minoria opressora, violam também a arte em todas as suas formas. Em vez de terna, a poesia se torna dura, embora não deixe de ser bela. É que o poeta tem “apenas duas mãos e o sentimento do mundo” (Carlos Drummond de Andrade).
    É isso que explica a evolução poética de Pablo Neruda, o maior poeta chileno e um dos maiores da Literatura universal. Do lirismo de “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada” aos versos combatentes de “Espanha no Coração” e “Canto Geral”.
    Ele não nasceu com o nome com o qual se consagrou, e sim como Neftali Ricardo Reyes Basoalto. Não era um nome poético, não gostava. Ainda na adolescência, adotou o pseudônimo de Pablo Neruda (referência ao escritor checo Jan Neruda, que apreciava), oficializando-o depois mediante ação judicial.
    Neruda veio ao mundo na localidade de Parral, em 12 de julho de 1904. Seu pai era o operário ferroviário José Del Carmen Reyes Morales. Sua mãe, Rosa Basoalto Opazo, professora primária, morreu quando ele tinha apenas um ano de vida. A mãe que conheceu foi Trinidade Candia Marverde, a segunda esposa de José Reyes, a quem chamava de “Mamadre”,
    Recebeu o primeiro prêmio aos quinze anos.  Em 1921, a família se mudou para Santiago, onde estudou Pedagogia na Universidade do Chile e seguiu ganhando prêmios com suas poesias. “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada” é publicado em 1923, um sucesso de público e crítica.
    Diplomacia e Militância Política
    Ingressou na carreira diplomática em 1927, atuando em vários países. Despertou para a militância política no ano de 1936, lutando contra o franquismo na Espanha ao lado do amigo e magnífico poeta Federico García Lorca, assassinado pelos fascistas em agosto daquele ano. Então a ternura deu lugar ao combate, pois a poesia, como disse Jorge Amado, “pode ferir como bala de fuzil”. Neruda escreveu Espanha no Coração. Perdeu o cargo e abandonou a carreira diplomática.
    Em 1945, ingressou no Partido Comunista do Chile; foi eleito senador em 1948; teve o mandato cassado e ingressou na clandestinidade. Exilou-se, andou por diversos países, escrevendo no México Canto Geral, que retrata a luta, a vida, o sentimento dos povos da América Latina.
    De volta ao Chile, o PC o indicou como candidato à Presidência da República, mas ele não aceitou, defendendo o apoio a Salvador Allende, eleito em 1970 por uma ampla Frente Popular. (Sobre Salvador Allende, leia A Verdade, nº96).  Apoiou Allende até o fim, que se deu com o golpe de Estado que implantou uma longa noite de terror e agonia sobre o Chile (1973-1990). Em 1971, Neruda recebera o Prêmio Nobel de Literatura.
    Suspeita de assassinato
    Doze dias após o golpe, morria Pablo Neruda, pois sua voz não se calou. Continua emocionando e incentivando os lutadores do povo.  Os legistas diagnosticaram o câncer como causa mortis. Sua esposa, Matilde Urrutia, disse que o poeta “morreu de tristeza”. A tristeza de presenciar o enterro da democracia, a morte de seus amigos Salvador Allende e Victor Jara, célebre cantor e compositor, que transformava em música a vida e a luta dos trabalhadores, do povo do Chile.
    É fato que o poeta sofria de câncer na próstata, mas seu médico havia garantido que ele ainda viveria ainda de cinco a seis anos. Pessoas que assistiram à sua internação na Clínica Santa Maria, em Santiago, testemunharam que ele não parecia um doente terminal; apenas estava muito nervoso. Aplicaram-lhe um calmante e nunca mais o poeta acordou.
    O motorista do casal Neruda, Manuel Arraya, assegura que era bom o estado de saúde do poeta. Ele até se preparava para uma viagem ao México, onde falaria sobre a situação política do Chile. Conta Arraya que Neruda vinha recebendo telefonemas ameaçadores e, logo após sua morte, a residência, em Isla Negra, foi totalmente saqueada.
    Diante das evidências, o juiz Mário Carroza reabriu a investigação e determinou a exumação dos restos mortais do poeta, que se encontram em sua casa na Isla Negra, onde funciona um museu em homenagem a sua vida e obra. Os resultados deverão ser divulgados por ocasião dos 40 anos do golpe, que se completam a 11 de setembro próximo.
    Poesia Perigosa
    É muito provável que a mão que torturou e mutilou Victor Jara para calar sua voz e os acordes do seu violão também tenham silenciado o poeta, pois, como ele mesmo dissera, “o poeta que sabe chamar o pão de pão e o vinho de vinho é perigoso para o agonizante capitalismo” (Confesso que Vivi).
    Eu não me calo.
    Eu preconizo um amor inexorável.
    E não me importa pessoa nem cão:
    Só o povo me é considerável,
    Só a pátria é minha condição.
    Povo e pátria manejam meu cuidado,
    Pátria e povo destinam meus deveres
    E se logram matar o revoltado
    Pelo povo, é minha Pátria quem morre.
    É esse meu temor e minha agonia.
    Por isso no combate ninguém espere
    Que se quede sem voz minha poesia.
    (Neruda, 1980) 
    Pablo Neruda: A meu Partido
    Me deste a fraternidade para o que não conheço. Me acrescentaste a força de todos os que vivem. Me tornaste a dar a pátria como em um nascimento. Me deste a liberdade que não tem o solitário. Me ensinaste a acender a bondade, como o fogo. Me deste a retidão que necessita a árvore. Me ensinaste a ver a unidade e a diferença dos homens. Me mostraste como a dor de um ser morreu na vitória de todos. Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos. Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha. Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético. Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria. Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo.

    terça-feira, 19 de março de 2013

    Unidade, luta e caminhos da esquerda

    Editorial do sítio Vermelho:

    Como era previsto, no ano de 2013 estão sendo realizados ou se encontram em preparação importantes encontros de forças da esquerda latino-americana e mundial. São eventos que podem ter impacto sobre as lutas dos povos em cada país em torno de questões candentes da conjuntura e contribuir para abrir perspectivas no plano estratégico.

    Nos últimos dias, de 14 a 17 de março, teve lugar na Cidade do México o 17º Seminário Internacional “Os Partidos e a Nova Sociedade”, organizado pelo Partido do Trabalho (PT) do México. De composição variada, com forte presença comunista e de outras forças revolucionárias e anti-imperialistas, o encontro contou com a participação de mais de uma centena de organizações de esquerda dos cinco continentes. O conteúdo dos documentos apresentados, das rodadas de debates e as resoluções tiveram por foco a crise do sistema capitalista, as graves questões geopolíticas da atualidade, as ameaças à paz derivadas das políticas neocolonialistas e agressivas das potências imperialistas e as lutas dos povos e nações por um novo ordenamento econômico e político mundial.

    Em busca de situar as forças consequentes da esquerda numa correta perspectiva tática e estratégica, o encontro organizado pelo PT mexicano debruçou-se sobre as distintas expressões do poder popular e passou em revista os caminhos para a conquista e consolidação de governos alternativos, conformados por forças transformadoras e progressistas.

    Numa direção semelhante em muitos dos seus aspectos, o Foro de São Paulo anunciou no último domingo os preparativos para a realização do seu 19º Encontro, no mês de julho no Brasil. Também neste caso, esta articulação de forças de esquerda latino-americanas volta as suas atenções para o desenvolvimento e agravamento da crise do capitalismo-imperialismo e suas consequências geopolíticas. Numa região em que ao longo de uma década e meia foram acumulando-se vitórias eleitorais das forças de esquerda e vão tomando forma distintas experiências de governos alternativos sob a direção de forças progressistas, é de se esperar que tais experiências passem pelo crivo de uma avaliação sistemática e sejam enfrentados os novos desafios, tendo sempre por critério definidor os anseios de libertação nacional e social dos povos.

    Está prevista também para este ano a realização do 15º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, no mês de novembro em Portugal, com agenda ainda a ser definida. Constituído por partidos e organizações com nítida identidade comunista, esses encontros dão uma contribuição especial à compreensão dos complexos problemas mundiais, à formulação de plataformas de luta dos trabalhadores e dos povos e, sobretudo, apontam a perspectiva do socialismo como alternativa ao sistema capitalista-imperialista, historicamente esgotado. Os encontros dos partidos comunistas têm insistido com toda a clareza em que a única via para a conquista do progresso social e da paz é a luta dos trabalhadores e dos povos pelo socialismo.

    Os Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários firmam-se como uma dinâmica de busca da unidade, exercício de cooperação e solidariedade internacionalista, por meio da qual os partidos comunistas definem linhas de atuação comum e vão conformando um campo próprio no quadro geral da luta anti-imperialista.

    Além da crise sistêmica do capitalismo – para a qual são vãs as expectativas de superação sem luta revolucionária – o mundo está vivendo enorme instabilidade, caracterizada por profundas crises políticas e por uma brutal ofensiva imperialista contra os povos. Malgrado a retórica de paz e cooperação dos Estados Unidos e demais potências imperialistas, o mundo vive uma alarmante situação, em que as conquistas democráticas e sociais são atacadas, o direito internacional é tornado letra morta, a soberania nacional é constantemente violada, configurando-se uma situação de insegurança e de graves ameaças à paz e à própria sobrevivência da humanidade. Um dos traços marcantes de nossa época é a tendência declinante nos planos econômico e político do sistema capitalista-imperialista, o que aumenta a sua agressividade e acarreta uma inarredável crise civilizacional.

    Neste quadro, agigantam-se os desafios e as responsabilidades das forças de esquerda. Trilhar os caminhos da resistência à brutal ofensiva do imperialismo, da luta pelos direitos dos trabalhadores e dos povos, da defesa da soberania nacional e da paz, é tarefa irrecusável e inadiável das forças consequentes em sua opção política e ideológica de ser de esquerda.

    Destaca-se o esforço pela união dos povos na luta anti-imperialista, para dar impulso à resistência e à luta, descortinar perspectivas, mobilizar as massas e fortalecer as suas organizações. Esta união é a tarefa mais importante para canalizar o descontentamento popular que se espraia e dar consistência organizativa, força e consequência aos levantamentos populares pela democracia, os direitos sociais, a soberania nacional, o desenvolvimento nacional com progresso social.

    Os encontros entre as forças de esquerda podem jogar um importante papel no enfrentamento desses desafios, quando neles prevaleçam a unidade, a cooperação, a solidariedade e o espírito de luta.

    segunda-feira, 18 de março de 2013

    "O que Israel está fazendo com os palestinos é muito pior do que o apartheid sul-africano”


    "O que Israel está fazendo com os palestinos é muito pior do que o apartheid sul-africano”.

    Para Ronnie Kasrils, Israel só vai parar com o expansionismo e com a opressão de fora para dentro. “Um movimento de solidariedade internacional aos palestinos tem um papel muito importante. Foi assim que nós derrubamos o apartheid. Nós tínhamos razão. Levou tempo, mas Leclerc teve de libertar Mandela e dizer ‘vamos conversar’, que era o que nós dizíamos que tinha de ser feito. "Eu acredito que este é o aspecto mais importante da luta em solidariedade ao povo palestino. É preciso denunciar os assentamentos, mas é preciso boicotar, também. É preciso constrange-los materialmente, economicamente”, defendeu.


    >>VEJA ÁLBUM DE FOTOS>>

    Ele tem 73 anos e nasceu numa comunidade judaica de Joanesburgo, formada por fugitivos do extermínio em Vilna e em Riga, na Lituânia, no início do século XX. Aos 9 anos, numa sessão de cine-notícias entre filmes, viu as imagens que começavam a circular, no mundo, dos campos de concentração nazistas. Voltou para casa e perguntou a sua mãe, a quem diz dever a sua consciência frente à opressão e à intolerância, se o que acontecia na sua vizinhança e no seu país, com a população negra, era a mesma coisa. Se a pobreza, a humilhação e a segregação a que estavam condenados pelos brancos era a mesma coisa que, no cine-notícia que acabara de ver, chamaram de antissemitismo. “A minha mãe, que não era uma intelectual, cuja família tinha uma delicatessen, mas que frequentou a escola até os 16 anos, disse que não, que não era a mesma coisa. Mas que aquilo que eu tinha visto e que tinha acabado de acontecer com o nosso povo na Europa tinha começado dessa mesma maneira que eu descrevera, ali (na África do Sul)”. Esse é o tipo de coisa que Ronnie Kasrils começa a contar, assim que senta na mesa e pede que nos apresentemos, para uma conversa com alguns dos mais proeminentes participantes do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que começa nesta quinta (29) e vai até domingo, em Porto Alegre. 

    Ronnie, ou “Ronaldo”, como ele gosta de se chamar, aqui, é um homem extraordinário e um sujeito adorável. Parece muito mais jovem, talvez pela exuberância, talvez pela natureza de seu compromisso moral com o mundo. É muito raro, quando se trata da questão palestina, que algum militante abra sorrisos tão largos e demonstre tamanho otimismo, como o faz Kasrils, um escritor, ativista, ex-ministro de estado da África do Sul pós-apartheid e membro do Tribunal Russell para a Palestina. Ele começou a falar de sua vida, de suas trajetórias e de suas escolhas. É difícil de acreditar, mas Kasrils, aos dez anos, fez parte do Betar, o movimento da juventude sionista criado por Ze'ev Jabotinsky, o pai do revisionismo sionista, um movimento de extrema direita, que defende o que chamam de Israel bíblica, algo que hoje implicaria a incorporação da Síria, do Líbano, da Jordânia e do norte do Egito. Ronnie contou esse fato pitoresco rindo, para em seguida deixar claro: “Éramos muito influenciados por um professor, que estimulava um sentimento de violência e de conflito, inclusive entre nós, e mesmo físico, como se isso nos fortalecesse, como um projeto pedagógico. Éramos meninos, tínhamos pouco mais de dez anos, mas entendemos que ele era doente. Era um louco”. O seu engajamento no Betar se desfez com essa descoberta e também com a entrada no ensino médio, num colégio da elite branca, onde conheceu um professor história, Teddy Gordon, também judeu, que lhe ensinou sobre a Revolução Francesa. 

    É difícil descrever à altura o brilho nos olhos do sul-africano, quando falou de seu professor, a quem atribui a mudança mais definitiva na sua vida. Ronnie Kasrils é um homem poderoso e mundialmente conhecido, pegou em armas com Mandela, foi ministro de estado, mas quem mudou a sua vida, em termos políticos, foi o professor de história que lhe deu aula sobre um acontecimento chamado Revolução Francesa. “Eu era, até então, um péssimo aluno, eu era um atleta, não era da ala dos intelectuais, como Richard Goldstone, que era meu colega. Mas quando esse professor começou a dar aula eu me tornei o melhor aluno, e saí do colégio de maneira promissora”, disse, sorrindo, convincente. Kasrils tem aquela capacidade rara de nos ensinar a mirar a história com ganas de atribuir-lhe sentido e com a confiança em tal coisa. A escolha por nos contar essa história, essa pequena parte dela, era uma operação deliberada e ao mesmo tempo refinada. Era como se ele estivesse nos dizendo: olha aqui, gurizada, eu passei a levar a sério um ponto de vista universalista e é deste ponto de vista que eu estou aqui. 

    A ligação com a esquerda judaica e a luta contra o apartheid sul-africano

    “Mas eu também saí do Betar por uma outra razão”, conta, rindo. “As meninas do Habonim Dror eram muito mais bonitas” e, na época, Kasrils não era exatamente um militante da esquerda judaica socialista, que buscava criar um lar nacional judaico a partir da cultura e da educação e da vida kibutziana. 

    “O que me tornou de esquerda foi o massacre de Shaperville, de março de 1961, em que 69 militantes pacifistas negros foram mortos e centenas ficaram feridos. Ali eu tomei a decisão de que iria fazer alguma coisa. A minha família nunca foi militante, de esquerda, mas eu tinha um tio na Cidade do Cabo que era advogado e comunista. Eu peguei um ônibus e fui para a casa dele. Cheguei lá e disse: eu quero me juntar a vocês”. Ele nos olha bem sério, encosta-se na cadeira, abre um sorriso e completa: “Então foi assim que eu comecei. Eu tinha de pôr em contato os núcleos da resistência ao apartheid, os membros dos partidos comunistas, da esquerda. E o meu tio estava isolado, noutra cidade. Eu disse que iria fazer isso. E fiz”

    Quando Mandela convocou à luta armada, após os acontecimentos de Shaperville, Kasrils se juntou a ele. Treinou na União Soviética, recebeu formação militar e esteve em vários países africanos, quando se tornou chefe de inteligência militar do movimento Lança de Uma Nação, o braço armado do Congresso Nacional Africano, liderado por Nelson Mandela. Passou cinco anos na cadeia, perdeu o emprego como executivo de uma empresa de telefonia, foi perseguido e banido da comunidade branca sul-africana. E se tornou ministro de estado da África do Sul pós-apartheid. Foi então que se voltou para a questão palestina. 

    A luta contra o apartheid israelense

    Com o fim do apartheid e a primeira eleição democrática da África do Sul, Kasrils se tornou ministro de estado. E, depois do ministério da defesa, foi nomeado ministro para assuntos de água e florestas, de 1999-2004. Nesse período, ocorreu a segunda intifada e o muro de anexação de territórios palestinos, pelo então governo de Ariel Sharon, começou a ser erguido, anexando territórios palestinos para construir assentamentos, esmagando casas e vilas palestinas, segregando bairros, vilas e famílias, dividindo a região e instaurando um sistema identificado pelo sul-africano como muito mais hostil que o apartheid sul-africano. Em 2001 ele redigiu a “Declaração de Consciência de Sul-Africanos Judeus”, contra as políticas israelenses nos territórios palestinos ocupados. Passou a ser acusado de antissemita, pela direita judaica local, e viajou para a Cisjordânia, como ministro para assuntos de água e florestas. Lá conheceu Jamal Juma, que dava início ao movimento de resistência não violenta Stop the Wall.

    O que você defende como solução, os dois estados, as fronteiras da linha verde, um só estado para dois povos? Eu perguntei e isso parece não ter ecoado como uma questão a ser respondida. Kasrils olha para mim e diz que Israel só vai mudar, só vai parar com o expansionismo e com a opressão de fora para dentro. “Um movimento de solidariedade internacional aos palestinos tem um papel muito importante. Foi assim que nós derrubamos o apartheid. Nós tínhamos razão. Levou tempo, mas Leclerc teve de libertar Mandela e dizer ‘vamos conversar’, que era o que nós dizíamos que tinha de ser feito. Mas é preciso constranger economicamente, não apenas politicamente. O programa de Desinvestimento e de Boicote significou o começo do fim do apartheid e nós terminamos vencendo. Eu acredito que este é o aspecto mais importante da luta em solidariedade ao povo palestino. É preciso denunciar os assentamentos, mas é preciso boicotar, também. É preciso constrange-los materialmente, economicamente”, defendeu. Para Kasrils, o fato de que em Israel os cidadãos palestinos são cidadãos de segunda classe, com direitos limitados e sem o grau de liberdade civil dos israelenses configura apartheid. “No regime do apartheid, diante de um mestiço que não se sabia ao certo se era negro ou não, passavam um pente para ver se iria ou não deslizar sobre o cabelo. Caso o pente parasse, a pessoa iria para os setores dos negros”. 

    Em Israel não é assim, mas não precisa ser, lembrou. Há um muro que consegue separar as sociedades, anexando territórios dos palestinos, mas que afasta completamente os dois povos, promovendo limpeza étnica e criando “coisas como rodovias em que só judeus podem trafegar. Isso é uma violência que nem o apartheid sul-africano cometeu. O que o estado de Israel está fazendo com os palestinos é muito pior do que aquilo que acontecia no apartheid sul-africano”, concluiu.

    O Fórum vai de 29 de novembro a 01 de dezembro e tomará conta da Rua dos Andradas, no centro de Porto Alegre. Confira programação aqui: www.wsfpalestine.net

    A seguir, a chegada de Jamal Juma, o seu diagnóstico sobre a iminência da eclosão da Terceira Intifada e o pessimismo contrastante com o otimismo de Kasrils.



    Fotos: Carlos Carvalho