terça-feira, 2 de abril de 2013

Os índios e o Brasil: da história às redes sociais



As redes sociais devem ressignificar o conceito de espaço público, configurando-o, na medida em que o torna mais ativo em relação ao levantamento de opiniões, reflexões, diálogos, etc. E isto é o que deve ser mantido, não seu inverso, ou seja, um espaço do deslumbramento com a crítica esmaltada, a ideia de aprendizagem por “osmose”, compartilhamento de textos que não são lidos, etc. 

“Se não fosse o Facebook do homem branco todos já estariam mortos”
Líder Kaiowá Elizeu Lopes, falando sobre a situação da tribo, 
 em audiência pública realizada no dia 01 de novembro, 2012

Ana Monique Moura* no BRASILDEFATO

Estivemos à frente de uma grande manifestação a favor dos Guarani-Kaiowá, travada nas redes sociais, em especial no Facebook. E não se tratou de uma manifestação vã. Inspirada em Deleuze e Pierre Lévy eu diria que a potencialidade do virtual sobre as realizações na nossa realidade comum é inegável. Vivenciamos uma magnífica confluência da nossa extensão existencial nas redes sociais com algumas decisões importantes de nossa existência não virtual.
Mas o que me incomoda é como há ainda uma grandiosa ingenuidade permeando o que deveria ser senso crítico. Falam sobre as terras dos Guarani-Kaiowá com um tamanho frisson, que a crítica, ou, pra ser mais precisa, a luta, está em muitos aspectos mais próxima de uma agitação ou de uma folia da indignação do que de uma luta que faz a reflexão invadir aonde ela chegue.
As redes sociais devem ressignificar o conceito de espaço público, configurando-o, na medida em que o torna mais ativo em relação ao levantamento de opiniões, reflexões, diálogos, etc. E isto é o que deve ser mantido, não seu inverso, ou seja, um espaço do deslumbramento com a crítica esmaltada, a ideia de aprendizagem por “osmose”, compartilhamento de textos que não são lidos, etc. Esta ideia da urgência de um espaço público plenamente crítico não é, ademais, de nenhuma maneira algo recente, já que foi defendida, embora em outras condições, por filósofos como Hannah Arendt e, com mais força, por Jürgen Habermas. Então, a proposta aqui não se propõe inauguradora, mas contributiva ou reflexiva.
Desde 1500 os índios sofrem com o – assim chamam os índios - “homem branco”. A década de 80 foi marcada por uma série de atrocidades. E ainda hoje elas ocorrem. Contudo, agora temos o domínio de uma rede social com um poder comunicativo que vem superando as imprensas hegemônicas. Nós fazemos a matéria, a denúncia. Não esperamos mais por aquele jornalista poetizado e heroi que, de certa forma, era tutor da informação que nos chegava, e nos entregava uma informação de pouca expansão. Agora, com o uso incisivo do Facebook, uma situação como a dos Guarani-Kaiowá não passou batida. O compartilhamento de vídeos, informes e denúncias sobre o tema não nega isso. No entanto, há um problema: O discurso da indignação ou da comoção, que é, a meu ver, um pouco distante da crítica e a ela se confunde, ao mesmo tempo.
A indignação e a comoção movem as denúncias nas redes sociais. Foi isso o que moveu a luta virtual a favor dos Guaranis Kaiowás. Porém, acredito que isto não basta. É preciso uma ação não apenas comovida ou indignada, mas uma ação crítica. Embora a crítica muitas vezes instaure uma comoção ou indignação e vice-versa, quero dizer que a comoção ou indignação não precisa ser totalizante. Uma ação comovida no facebook, por exemplo, é passageira, porque os deslumbramentos e espantos com novas conjunturas chegam para substituir os antigos sentimentos e as antigas conjunturas. Já a crítica embasada, permanece.
Em relação à proposta de iniciativa virtual, não se trata de pensar que todos tem a obrigação de fazer de seus murais espaços para reivindicação de melhores condições aos índios. Nem todos querem usar seu facebook ou qualquer outra rede social com intenções de manifesto político. O ideal é apenas que a maioria, senão todos, partilhem a motivação para o reconhecimento, seja de modo ativo ou passivo, das possibilidades de contribuição do ciberespaço aos índios.
Agora esse é o momento pensarmos também sobre direitos em relação a outras situações tanto dos Guaranis, como dos outros indígenas. A própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que se propõe proteger os índios é um vilão para eles, com certas negligências, como, por exemplo, o desfalque da distribuição de cesta básica durante meses para os Guarani-Kaiowá. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) chegou a fechar acordos com fazendeiros a favor da subjugação de índios para trabalharem em suas próprias terras roubadas e, em caso de trabalho improdutivo, serem expulsos. Foi o caso dos Xavante que tiveram terras roubadas pela família Ometto e a fazenda Suiá-Missú, no Mato Grosso do Sul. Recentemente a polícia federal matou um indígena Muduruku e deixou vários índios feridos. E, outro caso particular, mas não menos impactante: uma índia Guarani-Kaiowá foi estuprada por quatro pistoleiros há um só tempo. Enquanto se revezavam, mantinham a faca no seu pescoço. Ainda mais recente é o caso do cacique da aldeia Remanso Gwasu que, na segunda quinzena de janeiro, foi atingido por pistoleiros. Na década de 80 os Xikrin do Catete tiveram suas terras invadidas para a extração de madeira. As terras Yanomami estão sendo invadidas por garimpeiros. Só entre 1987 e 1992 foram mortos em média 1500 Yanomami. Sem contar a invasão do garimpo na Reserva Raposa Serra do Sol, uma área com várias etnias indígenas (dentre elas Wapixána Eingaripó, Macuxí, Taurepang).
Poderia me demorar aqui comentando praticamente ad ifinitum as atrocidades de ontem e de hoje... E, acrescento, os casos atuais são vários e faz-me recordar parte do enredo da obra Macbeth de Shakespeare, na qual Malcolm, o filho do rei morto, pergunta a Ross: “Qual a última desgraça?”, e ele lhe responde: “Referir a de há uma hora faz quem a narra ser vaiado; a cada instante se procria alguma nova”.
Parece importante acrescentar que o Brasil “não existe” para os índios. E as terras também não existem para eles como existem para nós. A noção de país é nossa. E de terra como propriedade privada também. O Brasil dos Índios é uma vastidão de natureza sagrada. As terras são sagradas e são deles não por uma finalidade de capital financeiro, mas por um princípio do cuidar daquilo que é sagrado. Deus dá a terra para o “homem branco” explorar. Os deuses dão a terra ao índio para que ele cuide dela.
Como pensou o antropólogo Lévi Strauss, os índios são iguais ao “povo civilizado”. A única diferença cabal é que os índios procuram preservar, e nós procuramos destruir. Eu acrescentaria que os índios vivem para contemplar, e nós vivemos para criar. Parece um condicionamento fortemente cultural e quase indelével. A questão é: como fazer essas forças existirem sem grandes problemas? Com a abertura para a convivência. Sem isso, não há como. Não há nada mais unível que criação e contemplação. O criar do homem branco não pode amedrontar o contemplar do homem índio. E o contemplar do homem índio deve encorajar a criação do homem branco a ser mais criativa e menos decadentista, no meu ver, o mesmo que progressismo.
Muito sangue, muito trabalho foi retirado dos índios para agora estarmos na nossa zona de conforto, apreciando as maravilhas de uma “sonhada civilização” (ou seria civilização sonhadora?).
Nós não viemos para apenas trabalhar ou ganhar a vida no Brasil. Viemos armados, prontos pra escravizar e maltratar vidas e tornar o país brasileiro, outrora rico, um país “miserável”, cheio de horror e ódio floreado com poesias portuguesas e estéticas cristãs.
Sejamos sensatos para assumir que todo o Brasil é um grande roubo de terra indígena. O Brasil é o maior furto geográfico da América Latina. Nós somos os intrusos. 
Nunca deixaremos de ser intrusos, enquanto ferirmos a terra. A exploração da terra foi por nós confundida com a subjugação da terra. Para reverter o nosso caráter opressor, nós, intrusos, precisamos nos unir aos índios. E isto não significa se tornar um deles. É muito mais: É reconhecê-los dentro de nós, porque nos colocamos dentro deles. É ver que isto não impede de sermos parte do outro universo que não o indígena, assim como não impede que os índios façam parte de seu modus vivendi natural. É preciso trocarmos a intrusão pelo princípio de coabitação. Eles devem nos ser sagrados porque nos receberam com inocência em suas terras sagradas. A bondade indígena não foi uma arma para a destrutiva atividade do homem branco, ao contrário, foi um trampolim. Não deveríamos ter saído às ruas em favor apenas dos Guarani-Kaiowá, mas por todos os indígenas. Ao lado disso poderíamos e podemos reescrever a história a partir da ação e da disposição de criticar a já existente história mal feita, como afirmava Brecht, escrita pelos vencedores.
E por falar história, não poderia deixar de fora que o problema da demolição do Museu do Índio, localizado na região norte do Rio de Janeiro, não é nada que deva nos causar tanto frisson. A memória nacional do índio nem mesmo alçou o fôlego necessário para existir. Isso é o que deveria ter sido, originariamente, inadmissível. Se um museu chega a ganhar a possibilidade de ser demolido por motivos pouco sustentados, isso é o resultado de como vem seguindo a miséria do reconhecimento histórico nacional do índio. Portanto, a notícia da demolição, que parece ser início de um problema, é apenas um de seus vastos desdobramentos.
Por fim, o que precisa ficar claro são as seguintes propostas, ainda parcas: 1. Amolar a crítica nacional do público que não está necessariamente vinculado às instâncias superiores de decisão; 2. Refletir, a partir de uma dada conjuntura as diversas outras conjunturas históricas e anteriores, de modo a se pensar melhor o aspecto global do problema, ou seja, não se aprisionar ao discurso da polêmica pela polêmica de um dado caso, mas se calcar no sentido histórico e político dele. 3. Reconstruir a memória do índio em nossa nação, desde o modo como a pensamos nos livros escolares ao modo como se vê a preservação da cultura nativa por instituições.
O processo da aplicabilidade de tais propostas, e agora me inspiro no pensamento de Marx, começa de baixo para cima, ou seja, da ação para o ideal. A rede social tem sido e deve ser, com mais força e criticidade, uma das importantes ferramentas para realizarmos isso. As instituições ideais, as leis ideais, as decisões éticas ideais devem se curvar ao que em um espaço virtual estivemos discutindo, ativa ou passivamente, e deve também atinar para a força de um povo que quer reconstruir, no real e no virtual, uma identidade merecida para essa terra por nós chamada, não por acaso, Brasil.

*Ana Monique Moura é mestre em filosofia pela UFPB, e autora do livro “Entre Kant, Filosofias & Arte”, Sal da Terra, 2012.

POA coloca milhares na rua contra o aumento abusivo das passagens dos transportes coletivos...


Mensagem de um ativista social


Prezado Juremir,
Sou um dos teus leitores assíduos e venho declarar minha satisfação em acompanhar teu trabalho jornalístico – ainda não tive oportunidade de acessar teus livros.
Bom, certamente não escrevo para babar ovo, mas sei o quanto é importante – para renovar as esperanças progressistas - que um ser qualquer venha reconhecer a qualidade do nosso trabalho.
Sou um desses ativistas de Porto Alegre – facilmente taxável de vagabundo, desocupado, baderneiro. Este estigma cabe a mim, mesmo sendo estudante e trabalhador da saúde, já que dedico meus tempos livres a fazer arruaça, quando deveria estar promovendo a paz familiar e a obediência dedicada à televisão.
Fui um dos manifestantes brutalmente espancado no 04 de outubro de 2012 pela Tropa de Choque da BM e mais brutalmente ainda pela Guarda Municipal de Porto Alegre. O motivo é claro: junto com algumas centenas de jovens (e não tão jovens) componho um grupo de desviados da moralidade e da opinião conservadora desta sociedade de discurso único.
Na última quarta-feira, após um dia de trabalho decidi novamente ir vagabundear no paço municipal e promover algazarra gratuitamente, contra o aumento da passagem de ônibus. Os meios retrataram com “assombrosa” solidariedade a violência praticada por manifestantes contra Secretário Buzato, atingido por tinta vermelha. Falou-se que os manifestantes teriam matado os servidores municipais caso tivessem conseguido entrar na Prefeitura. Falou-se muito em investigar, identificar e responsabilizar os meliantes. No entanto, os servidores da GM e da BM que usaram de violência extrema contra manifestantes completamente desarmados, deixando alguns litros de sangue derramados pelo centro da capital no outubro passado não foram identificados, e muito menos responsabilizados de nada. Tive minha cabeça aberta por uma bordoada (quando, com as mãos ao alto, pedia calma aos servidores da Guarda que me perseguiam). Fiquei 30 min sangrando com a cabeça aberta porque a SAMU foi proibida de atender pela Brigada Militar. Tudo isto foi dito inúmeras vezes em depoimentos ao Ministério Público, à Corregedoria da Guarda Municipal, à Ouvidoria de Segurança Pública do RS, à Brigada Militar. Disse mil vezes que poderia reconhecer o guarda. Nada foi feito. Como eu, dezenas de manifestantes foram violentados por este fascismo, já naturalizado, das forças repressoras do Estado Brasileiro. E que importância têm os Meios nesta maldita naturalização da violência do Estado e da criminalização do ativismo político.
Agora, deixando de lado este sarcasmo indignado, venho apelar a ti, que és uma rara voz crítica entre um mar de comunicadores fascistas da mídia. Necessitamos fazer uma grande aliança progressista para retomar a decência em Porto Alegre. Não faltam evidências para entender que nos aproximamos de um estado de brutalidade – acentuado pela proximidade da Copa 2014. Nem o patrimônio ambiental da cidade está a salvo do fascismo disfarçado de modernidade.
É preciso trazer à superfície a essência dos conceitos de democracia, participação, cidadania, justiça social e qualidade de vida. Está tudo fora de lugar, tudo subvertido pelo consumismo que faz pensar que shopping e carro são essenciais, enquanto árvores e espaços públicos de qualidade são besteiras. É preciso reconstruir a ideia de democracia, fora dessa sínica trama eleitoreira, que tira o sentido e a vida do ato político. É urgente.
Vozes fortes da hierarquia da Brigada e da Prefeitura trabalham intensamente para naturalizar a barbárie, o estado de exceção que se avizinha com a Copa. E para isto tem contado com o apoio incondicional dos Meios. Sei o quanto nadas contra essa maré. Meu apelo é para que não descanses enquanto formador de outros jornalistas, enquanto voz ativa e com espaço para tensionar. Se não fortificarmos as bases da democracia corremos o risco de voltar ao impensável. 1964 não está tão longe, tendo em conta que grande parte das novas gerações sequer sabe o que foi, e muitos dos que sabem foram induzidos ao erro e acham que foi positivo.
Como professor de Sociologia e servidor da Saúde Pública te coloco este apelo por solidariedade ao ativismo de agora, o real, o que ainda move milhares às ruas, mas que é massacrado pelos Meios para vetar qualquer identificação por parte da população a quem queremos comunicar. A pauta de hoje é justa e vem ganhando apoio da população e dos rodoviários. O último ato contra o aumento da passagem teve mais de 1500 pessoas, que corajosamente marcharam ao palácio da polícia para mostrar que não temos medo e continuaremos nas ruas. Tua voz é importante agora e sempre.
Um grande abraço.
German Alvarez

segunda-feira, 1 de abril de 2013

o VIOMUNDO CONTINUARÁ...


Azenha: "O leitor que me fez mudar de ideia"

por Luiz Carlos Azenha
A ideia de puxar o plug e simplesmente deslogar o Viomundo, depois de mais de 10 anos de existência, foi pessoal, familiar e amadurecida ao longo do tempo. Confesso: me emocionei com a tremenda onda de solidariedade de todos vocês nas redes sociais, que surpreendeu mesmo os meus melhores amigos. Minha mãe, de 88 anos de idade, recém-recuperada de uma operação de cataratas e, portanto, testando a nova capacidade visual no computador, riu muito de uma foto inventada pelo Gerson Carneiro, ainda que não tenha entendido muito bem o motivo de todo aquele fuzuê: estava muito mais interessada no programa da Fátima.
Em minha participação no I Encontro Nacional de Blogueiros, fiz duas observações em meu discurso: revelei minha antipatia à ideia de depender de governos, que mudam de opinião e de prioridades ao longo do tempo e que, frequentemente, acreditam que o dinheiro do Estado, que deveria ser investido em políticas públicas de longo prazo — por exemplo, na promoção da diversidade cultural e pluralidade de ideias — lhe pertence, quando este dinheiro é, evidentemente, público. Propus, na ocasião, uma cooperativa de blogueiros que vendesse clics coletivamente no mercado.
Meu segundo ponto: a crítica da mídia estava desgastada, como se fosse um pensamento único de esquerda, e era preciso gerar pauta e conteúdo próprios.
Explico: o grande poder da mídia corporativa no Brasil é o de definir a agenda do debate político. O tal consórcio midiático é formador de consensos: haverá um apagão que provará a incompetência geral do governo trabalhista, as filas de navios significam que é preciso privatizar os portos, a Petrobras é um fracasso e precisa ser “reestatizada” (isso do povo da Petrobrax, dos que faliram a indústria naval e que defendem a terceirização) e o mensalão foi o maior escândalo da História da República que merece um replay de 18 minutos noJornal Nacional às vésperas da eleição municipal de São Paulo.
Embora não sejam mais completamente reféns da pauta da direita, os meios progressistas ainda subsistem dentro de um espaço de debate cujos marcadores são definidos pela grande mídia. Se o telejornal de maior audiência do Brasil tivesse dedicado uma boa parte de seus recursos e competência editorial aos incêndios nas favelas paulistanas, por exemplo, durante o governo do ex-prefeito Geraldo Kassab, é provável que um grupo muito maior de brasileiros se interessasse pelo assunto, cobrasse explicações e, lá no fim, seria levado pelo menos a especular se alguns episódios foram intencionais, obedecendo à politica de expulsar os pobres que tão bem serve à especulação imobiliária.
Nada disso aconteceu, obviamente e nenhum meio de esquerda que conheço detém os meios financeiros para bancar uma investigação de longo prazo sobre o assunto.
Portanto, voltamos à questão financeira e, apesar das generosas ofertas de ajuda que recebemos nas últimas horas, é óbvio que elas não resolvem os problemas de fundo, que são os que nos interessam. A ação que Ali Kamel venceu, apenas na primeira instância, nunca foi a questão central, mas sim a incapacidade de enfrentar a ofensiva da direita sem as mais simples ferramentas para fazê-lo.
Como tocar um blog que não aceita patrocínios de governos, empresas públicas ou estatais — uma decisão tomada porque esperamos que GloboVeja, Folha e Estadão nos sigam — e ainda assim tenha capacidade de debater políticas públicas de forma relevante, sem apenas reproduzir opinionismo político? Acreditamos que o Estado deva adotar políticas que incentivem a diversidade e a pluralidade, conforme previsto na Constituição. Que combata a propriedade cruzada. Acreditamos que o Parlamento deve cuidar do Direito de Resposta, uma forma de evitar a judicialização que leva desiguais para se enfrentarem num campo em que prevalece o poder econômico — dos advogados e lobistas.
Isso se agrava pela nossa leitura da conjuntura internacional, que continua muito negativa: depois dos baques de Wall Street e do euro, o neoliberalismo se reorganiza num poderoso tripé: na indústria financeira, que pendurou e continua pendurando a conta nas costas dos direitos sociais, na crescente influência do dinheiro no processo político — basta ver a decisão da Suprema Corte Americana que permite às corporações doarem a campanhas como se fossem ‘indivíduos’, de forma ilimitada — e, acima de tudo, em uma mídia oligopolizada, de discurso quase unificado, que acima de tudo defende seus interesses econômicos associados ao neoliberalismo. Quando foi o último trabalho de fôlego da imprensa paulistana sobre o adensamento da cidade, se saem todos aqueles anúncios da Abyara nas edições de domingo?
Com as grandes corporações de mídia, vivemos uma espécie de Gulag ao contrário: nosso corpo está livre, mas nosso pensamento frequentemente é prisioneiro de uma pauta que não nos interessa e, mais que isso, desconhece o interesse público, precariza as relações de trabalho e concentra ainda mais o capital na mão de poucos.
A contra-ofensiva neoliberal está em andamento, acreditem: pelo urânio do Mali, pelo petróleo da Líbia, pelas reservas do Orinoco na Venezuela, pelo gás boliviano, pelo pré-sal brasileiro. O neo-imperialismo não obedece apenas às regras clássicas, de conquista militar.  Associado a interesses nacionais, ele faz lobby no Congresso, compra bancadas e trabalha silenciosamente nos bastidores. No Brasil, a mídia corporativa, concentrada em níveis inéditos, é uma espécie de aríete, capaz de arrombar a porta e implantar ministros-lobistas num governo do Partido dos Trabalhadores!
Sempre perspicaz, o senador Roberto Requião revelou o que está por trás da “falência” da Petrobras, por exemplo.
Estamos entregues às grandes corporações, que implantam vastas extensões de eucalipto, criam empregos de alta qualidade em seus países de origem, agregam valor à terra e ao sol brasileiros, exportam água embutida em seus produtos e nos deixam com os danos ambientais. Vale o mesmo para o agronegócio.
Estamos entregues em Carajás, com o fenomenal trem que arranca o minério num ritmo que não obedece a prioridades brasileiras, mas às necessidades de lucro da associação entre o grande capital internacional e o trabalho escravo chinês, que produz as bugigangas posteriormente exportadas para os Estados Unidos, via Wal Mart, para entre outros motivos manter baixa a inflação e dar à classe média local a sensação de que ela consome, logo existe!
Como se diz no Amapá, foi o manganês da Serra do Navio que financiou o Plano Marshall!
Estamos entregues na transformação dos rios amazônicos em fontes de energia para as grandes mineradoras; Tucuruí nasceu do interesse do Japão de se livrar de suas indústrias eletrointensivas e poluentes. O Brasil fica com o trabalho sujo, enquanto eles desenvolvem alta tecnologia e os empregos do futuro em solo japonês.
Nada disso é discutido com profundidade em nossa grande mídia.
Nosso único recurso — o daqueles que pretendem discutir questões essenciais ao futuro do Brasil sem o cabresto da mídia — é a solidariedade humana, que foi o que vocês demonstraram com profundidade nas últimas horas. Recentemente, li na revistaEconomist — de todos os lugares! — uma pesquisa sobre a necessidade que as pessoas têm de de sentirem úteis ao mundo, de deixarem sua contribuição, de acreditarem que fazem a diferença. Obviamente o viés da revista servia às grandes empresas, já que as estimulava a incentivar os empregados a se engajarem em ações filantrópicas. O altruísmo de funcionários utilizado para valorizar a marca!
Mas a solidariedade genuína, idealista e altruísta de todos vocês finalmente me convenceu. A mensagem decisiva veio do João Carlos Cassiano Ribeiro, que não conheço pessoalmente, via Facebook. Diz:
Boa noite!!!!
Não sei se o Azenha vai ler isto, mas gostaria que servisse de incentivo.
A um bom tempo me acostumei a ler blogs e abandonar jornais escritos.
Quando aconteceu o primeiro blog que conheci foi o Viomundo, desde então aprendi a conhecer o mundo pelo seu site.
Gosto dos colaboradores e fotos das reportagens históricas feitas pelo jornalista.
Hoje acordei incomodado com o papel que a tv e o CQC exercem na nossa vida. Passei o dia incomodado com o baixo nível intelectual da tv e o comportamento fascista que noto nela.
Até imaginei que se fosse eu no lugar do Genoino ou do Clodovil durante a agressão a que Pânico e CQC os submeteram, acho que não suportaria.
Ser humilhado em frente a tv toda semana, não sei se aguentaria.
Fiquei feliz ao ver seu post sobre seu pai, imaginei que os fascistas passarão mas os bons permanecem sempre. Foi um sopro de alegria na minha tristeza.
Como já havia acontecido em outras oportunidades com o Viomundo, resgatei um pouco da dignidade e do respeito ao ser humano, voltei a acreditar na capacidade criativa e na solidariedade humana.
Respeito sua decisão e compreendo sua necessidade, mas me sinto um pouco órfão com o fim do Viomundo e triste em ver o jornalista abandonando uma das frentes de trabalho por força da opressão.
Choro ao escrever essas palavras pois sei que perdemos um espaço vital para nossa luta. Não sou colaborador e nem costumo interagir com o blog, sou um leitor anônimo e aprendi a observar o seu blog como um filho observa o pai e aprende e se orgulha de estar por perto.
Nossa luta não é partidária ou governamental é pelos mais fracos e pela dignidade humana.
Sempre o terei como amigo sem nem o conhecer, pois me orgulho dos meus amigos e me orgulho muito de você!
Obrigado por ter tido no Viomundo os melhores exemplos de humanidade e um espaço em que sempre me senti à vontade.
Achei muito bacana ver que um trabalho coletivo como o nosso, organizado por poucos mas que afeta muitos, ainda que precário e improvisado, seja capaz de tocar desta forma uma pessoa.
Assim sendo, depois de longas horas de conversa com a Conceição Lemes e o Leandro Guedes, pensamos num jeito de refundar o site (com o nome provisório de, rsrsrs, Democratas).
Uma consulta ao Comitê Central, sempre munidos dos tomos leninistas, nos levou a decidir:
1. Conceição Lemes (conceição lemes@uol.com.br) se torna a editora-chefe do site, encarregada também da relação com nossos 40 mil seguidores no twitter/facebook;
2. Leandro Guedes (leandro@cafeazul.com.br) adotará um mix de todas as sugestões que nos foram feitas por vocês sobre crowdfunding, além de perseguir eventuais patrocinadores que vocês nos sugerirem; o dinheiro arrecadado com o crowdfunding será todo reinvestido no site e não será utilizado para bancar advogados, dos quais já contamos com os competentíssimos Cesar Kloury, Idibal Pivetta, Airton Soares e um importante escritório de Brasília que ofereceu ajuda solidária.
3. Eu me afasto do compromisso diário de passar de 5 a 10 horas diante de um computador aprovando comentários, traduzindo e publicando textos. Torno-me um repórter voluntário e não remunerado, além de escrever os tradicionais comentários sobre mídia e política.
4. Passo a aceitar, sempre que compatível com minha agenda profissional, todos aqueles pedidos de entrevistas de estudantes, palestras em universidades e conferências, se possível associadas a oficinas sobre as redes sociais oferecidas pela Conceição Oliveira(blogmariafro@gmail.com), que entende tudo do ramo.
5. Acima de tudo, passo a me dedicar à área de minha especialidade, que é a produção de vídeos, mini-docs e docs.
Aqui, uma explicação se faz necessária. No modelo acertado com o Leandro Guedes, daCafé Azul, que há meses já vinha estudando o assunto, os leitores poderão tanto indicar as pautas quanto aprovar nossas propostas.
Exemplo: o Gilberto Nascimento quer escrever uma investigação sobre o poder da Opus Dei no Brasil. Calcula o tempo que vai levar e a remuneração adequada, por valores de mercado, à tarefa. Colocamos uma espécie de contador para acompanhar o avanço da meta. As pautas financeiramente aprovadas serão feitas.
Outros exemplos hipotéticos: a Conceição Lemes quer ir a Minas Gerais investigar o choque de gestão dos governos Aécio/Anastasia.
Há mais de um interessado em fazer um mini-doc sobre o impacto da Globo nas eleições de 2006 e 2010.
Serão trabalhos jornalísticos, não de militância, sobre assuntos que a mídia corporativa brasileira simplesmente desconhece, por não se adequarem àquela pauta única a que me referi acima.
Eu, por exemplo, gostaria de investigar pessoalmente o massacre de Felisburgo, na Bahia, até hoje impune.
Lino Bocchini poderia ser convidado para fazer a Coleção Folha: Como Rose Nogueira ‘abandonou’ o emprego durante a ditadura.
A Beatriz Kusnir, se aceitasse, poderia fazer uma versão em vídeo do livro Cães de Guarda, aquele que narra o colaboracionismo da mídia brasileira com a ditadura militar.
O Amaury Ribeiro Jr. poderia ficar encarregado, à lá Andrew Jennings, de perseguir e exigir explicações dos privatas que andam por aí. Nosso Michael Moore.
Minha ênfase nos vídeos se deve ao fato de que, eventualmente, eles vão dominar a internet, à medida em que as conexões se acelerarem.
Finalmente, queremos aproveitar o imenso potencial de jornalistas — e quantos!!! — recentemente demitidos, que deixaram suas empresas com boas histórias para contar e projetos nunca realizados.
Quem sabe vocês nos ajudam a financiar o sonho destes colegas.
Portanto, depois de muito matutar, acreditamos ter chegado a uma proposta que permitirá ao Viomundo não morrer, mas renascer das cinzas.
Aguardem, que as mudanças serão implantadas lentamente, inclusive em todo o visual do site.

Não existe democracia sem respeito aos direitos humanos, sem memória #DesarquivandoBR


http://www.tsavkko.com.br/

Passaram-se mais de 20 anos desde a chama re-democratização do país. No entanto, nunca estivemos mais longe de uma democracia séria e real e de respeito mínimo aos direitos humanos.

Não existe democracia sem respeito aos direitos humanos, sem memória sem respeito às minorias, aos diferentes, aos demais. Democracia não é apenas votar, não é apenas eleger e ser eleito, mas é parte d etodo o processo de convivência dentro de um Estado, dentro de uma cidade, uma região, uma escola, um emprego...

Democracia é o respeito pleno aos direitos, à cultura, à educação, e à saúde e o direito de todos terem voz e decidirem por si mesmos e enquanto grupo/coletivo seu futuro. 

Form mais de 20 anos desde o fim da Ditadura, mas não temos nada disso.

Em grande parte porque não fomos capazes de aprender com a Ditadura, de conhecer a Ditadura e o que ela representou. Não conhecemos seus segredos, não homenageamos nossos mortos, aqueles que tombaram resistindo bravamente, podendo nomear seus algozes, ou melhor, com a sociedade podendo nomear seus algozes e condenar seus algozes.

Tudo é segredo, portas fechadas, arquivos trancados. Mesmo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que com seus poderes limitados e com todas as tentativas governamentais de esvaziá-la, mantém seus segredos, procura afastar o povo de suas sessões que deveriam ser públicas.

O que temem? Sabemos o que temem os militares assassinos e seus comparsas. Sabemos o que temem políticos eleitos cujo passado está ligado á Ditadura. Sabemos o que temem empresários e civis envolvidos com mortes e torturas. Mas o que teme o partido do poder? O que temem estes que se dizem de esquerda mesmo sem sê-lo, que renegam seu passado ou o usam como propaganda para, uma vez no poder, se aliar com seus algozes? E o que temem alguns dos membros da CNV ao querer fechá-la ao público?

Aqueles culpados temem a verdade - sem dúvida não temem a cadeia, pois não será este seu destino, infelizmente - mas o que temem os que deveriam ser inocentes? 

São décadas de decisões secretas, de portas trancadas, mas de masmorras sempre prontas a receber novos combatentes e de militares e civis sempre prontos a quebrar, matar e... lucrar.

E continua.

A sociedade não evoluiu nestes 20 anos. Continuamos matando, torturando e morrendo. A polícia continua a aterrorizar, a perseguir, permanece como um aparelho repressor e assustador dos poderosos que hoje não mais vestem fardas, mas se valem das fardas para manter o controle. Outros se valem do medo, o mesmo medo tão familiar no passado. Medo enquanto mercadoria, vendido junto a toalhinhas ungidas e tijolinhos da prosperidade em templos suntuosos feitos para mesmerizar as massas.

Continuamos com medo, continuamos massacrados, continuamos sem nossos direitos básicos.

Continuamos sem memória. Não aprendemos com o passado, pois não o conhecemos.

Tudo que podemos fazer hoje é gritar, é sair às ruas. Mas saímos pouco. Gritamos muito, é verdade, mas para ouvidos moucos. E até que decidam não mais permitir gritar.

O que faremos então?

Não revisamos nosso passado, não vivemos nosso presente, jamais entenderemos nosso futuro.

Estamos fadados a apenas repetir.

Viomundo não vai fechar


Por Igor Felippe

Há homens que lutam um dia e são bons,
há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida
e estes são imprescindíveis"
Bertold Brecht


Caro amigo Azenha,

Tenho certeza que o blog Viomundo não vai fechar. Porque você e a Conceição Lemes são imprescindíveis.

E aqueles que são imprescindíveis lutam a vida inteira.

O vaticínio é de Bertold Brecht, o dramaturgo alemão comunista que saiu do seu país com a chegada de Hitler ao poder.

A sua vontade individual, Azenha, vale pouco agora. Para o bem e para o mal.

O Viomundo cresceu e se tornou o melhor blog do Brasil.

É o melhor porque informa, agita, educa e chama â reflexão seus leitores, tratando de temas da conjuntura política e de questões profundas da sociedade brasileira.

Com isso, conta com a contribuição de dezenas de pessoas e tem milhares de leitores.

O blog já saiu das suas mãos, Azenha e Conceição.

Vocês são apenas síndicos desse condomínio, formado por aqueles que têm uma visão crítica da realidade, que não se satisfazem com a mediocridade da velha mídia e que querem transformar profundamente este país.

Os sujeitos cumprem um papel importante na história. E você, Azenha, é um desses sujeitos.

A emergência da internet criou um canal de comunicação para além das TVs, rádios e jornais concentrados nas mãos de uma oligarquia intolerante e truculenta.

As contradições criadas no seio da sociedade brasileira com a eleição de um torneiro mecânico aproximaram jornalistas exiladas nos grandes meios de comunicação das organizações políticas progressistas.

Vamos ser diretos: aproximou jornalistas críticos da luta de classes, para usar uma expressão fundamental para compreender a realidade contemporânea.

O Brasil passou pela escravidão e por duas ditaduras, que perseguiram, torturaram e mataram aqueles que defendiam a liberdade e a igualdade.

A burguesia brasileira é intolerante. Não tolera pensamento diferente, não tolera críticas e não tolera traição.

A saída da Globo, as críticas ao jornalismo do grupo e o sucesso do Viomundo representam uma traição para os poderosos.

No Brasil, perfilaram na trincheira da luta pela liberdade e igualdade inúmeros lutadores do povo, como Zumbi, Apolônio de Carvalho, Luís Carlos Prestes, Carlos Marighella, Francisco Julião, João Pedro Teixeira, Helenira Rezende, Florestan Fernandes, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro...

Todos enfrentaram os poderosos. Foram derrotados pela morte. Lutaram até o fim da vida.

Azenha, a condenação imposta por uma Justiça do Rio de Janeiro que se submete às vontades das Organizações Globo é mais um capítulo da luta de classes no Brasil.

É a luta dos detentores do poder contra aqueles que representam obstáculos para o exercício do poder, por se associar às causas do povo brasileiro.

Essa luta é dura, inglória, desgastante e, especialmente, perigosa.

O grande professor Florestan Fernandes escreveu sabiamente que “contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres”.

Não podemos transigir. Cabe a todos nós fazer uma grande campanha para denunciar a perseguição da Globo, arrecadar recursos para pagar a multa e intensificar a luta pela democratização do sistema de comunicação.

Azenha, cabe a você continuar o seu grande trabalho, porque o fechamento do blog representaria uma derrota para todos nós.

Então, vamos coletivamente enfrentar esses desafios, para que juntos possamos impor uma derrota para aqueles que mandam neste país.

Um grande abraço, Igor Felippe

quinta-feira, 28 de março de 2013

Cinema Russo: Os Irmãos Karamazov


Os Irmãos Karamazov

Título Original: Bratya Karamazovy
Direção: Yuriy Moroz
Gênero: Drama
Tempo de duração: 525 minutos
Ano de lançamento: 2009
Tamanho: 8.20 GB
Sinopse: Minisérie russa (12 episódios) baseada na obra de Dostoiévski. O brutal assassinato do proprietário de terras Fiódor Karamázov muda a vida de seus filhos drasticamente; Mítia, o sensualista, cuja amarga rivalidade com o seu pai o coloca imediatamente sob suspeita do parricídio; Ivan, o intelectual, que sofre de torturas mentais que levam-no a uma crise nervosa; Aliócha, o espiritual, aquele que tenta curar as feridas da família; e a figura sombria de seu meio-irmão bastardo Smerdiákov.
Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0456762/
Filmow: http://filmow.com/os-irmaos-karamazov-t56822/

Torrent (Legenda no arquivo)
OU
Torrent (Legenda no arquivo)

Créditos: http://cineumpordia.blogspot.com.br/

quarta-feira, 27 de março de 2013

Fórum Social Mundial encontra a Primavera Árabe em Túnis



Cerca de 30 mil pessoas são esperadas para o FSM 2013 | Foto: Maurício Hashizume
Por Maurício Hashizume para a Carta Maior
Túnis – O “berço” da Primavera Árabe recebe oficialmente a partir desta terça-feira (26) mais uma edição do Fórum Social Mundial (FSM).
Desde 2001, o FSM, que surgiu em contraposição ao Fórum Econômico Mundial, vem reunindo periodicamente dezenas de milhares de pessoas que se deslocam das mais distintas partes do mundo para discussão de alternativas aos sistemas de hegemonia e dominação (políticos, econômicos, culturais etc.). Esses sistemas, justamente, estão no cerne das mobilizações da sucessão de rebeliões populares que têm pressionado e até já derrubaram algumas ditaduras que já duravam há décadas em países do Norte da África e do Oriente Médio.
Com uma larga experiência nas edições anteriores do FSM, a ativista uruguaia Lilian Celiberti veio até a capital da Tunísia e espera ouvir e aprender, saber mais sobre como se sentem e de que formas pensam os protagonistas das lutas que vêm desafiando regimes marcados por autoritarismos, em nome da “dignidade”, que vem a ser o tema central desta edição de 2013.
A dignidade (“karama”, na língua árabe) traz consigo, no entendimento de Lilian, uma percepção enfática da urgência e da gravidade dos problemas sociais concretos em curso mundo afora ou, como ela prefere pontuar: uma “perspectiva radical da violência das relações humanas não só em nível individual, mas também coletivo”.
O contexto em que se realizará este encontro internacional é tenso e complexo, sublinha a militante feminista que foi sequestrada em Porto Alegre durante o regime militar na Operação Condor. A imolação de um vendedor de rua da cidade de Sidi Bouzid que teve o seu carrinho de frutas e verduras impedido de trabalhar pelas autoridades locais, em dezembro de 2010, catapultou uma onda intensa de manifestações massivas que abalou as estruturas da ditadura comandada pelo militar Zine El Abidine Ben Ali. “É um símbolo extremo, muito forte. Que mundo é esse em que a forma de se expressar é a imolação?”.
Autoritário no poder desde 1987, Ben Ali caiu e se refugio na Arábia Saudita após contínuas mobilizações que culminaram com a massiva celebração de 14 de janeiro de 2011; durante os protestos e o conflito com forças policiais, outras dezenas de manifestantes também perderam suas vidas. O partido islâmico Ennahda, que venceu as eleições de outubro daquele mesmo ano, vem sofrendo intensas pressões por conta da continuidade dos problemas sociais e de sinalizações de restrições de ordem religiosa, que ganharam ainda mais força – inclusive provocando a renúncia do primeiro-ministro Hamadi Jabali, do Ennahda – com o assassinato cujas responsabilidades ainda não foram esclarecidas do principal líder da oposição, o advogado de esquerda Chokri Belaid, menos de dois meses atrás.
De acordo com Lilian, o FSM em Tunis consiste também em uma ocasião-chave para fazer ecoar as vozes dos protagonistas destas contestações, sem tantas camadas de mediação, visto que povos e movimentos do mundo árabe tendem facilmente a ser estigmatizados. “Tudo nos chega sempre muito descontextualizado. Vem sendo dada, por exemplo, muita ênfase ao papel da internet e das redes sociais para a chamada Primavera Árabe, sem que seja dada visibilidade à ocorrência de outras diversas formas de organização de base [reuniões, debates, articulações etc.]“, comenta Lilian. A despeito da expectativa de contato direto com este “novo olhar sobre a dignidade. Inovador e desafiante”, ela também revela certo medo no que diz respeito a indícios de recrudescimento político, especialmente quando se trata de alguém que viveu na própria pele os anos de chumbo das ditaduras na América do Sul.
Enfrentamento às monoculturas
Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que vem acompanhando muito de perto o processo do FSM desde os seus primórdios, espera-se que esta edição que se inicia contribua para o processo democrático na Tunísia, que experimenta um quadro de convulsão política, econômica e social que se estende Magrebe e Machereque. “Apesar de assumir a sua dimensão mundial, o Fórum tem, desde a sua origem em Porto Alegre, uma forte ligação com inquietações locais”, observa o professor da Universidade de Coimbra.

Boaventura realça que as duas margens do Mediterrâneo, historicamente a partir de onde se espalhou o capitalismo, vivem hoje uma crise, que tem diferenças e semelhanças. O neoliberalismo selvagem faz estragos em nações do Sul da Europa (como Grécia, Portugal, Espanha e Itália), bem como os modelos econômicos adotados por países do Norte da África (como a própria Tunísia e o Egito) excludentes estão na Primavera Árabe.
Enquanto no Sul da Europa, constata-se que a crise é incompatível com a democracia (cenário em que as lutas se concentram na tentativa de preservar conquistas sociais para que elas não percam o seu sentido), no Norte da África e em pontos do Oriente Médio, dissemina-se a ideia de que a democracia é crucial para reverter crise econômico-financeira. “Ditaduras foram eliminadas, mas o modelo econômico selvagem continuou”, emenda. O cenário de deterioração econômica é acompanhado das dificuldades enfrentadas em torno de uma nova Constituição após a queda de Ben Ali e o risco da queda da separação entre Estado e religião (por meio da sharia islâmica). Nesse sentido, o FSM tem uma contribuição relevante aos países dos levantes quanto à busca de alternativas pós-neoliberais.
Para Boaventura, o ideal de um “outro mundo possível”, lema clássico e crucial do Fórum Social Mundial, deve levar obrigatoriamente em conta a questão da “dignidade”, tema-chave do encontro deste ano. A dignidade, acrescenta o professor, resulta de uma conquista de autonomia e de respeito e embute o sentido mais profundo da diversidade. Nessa linha, a Primavera Árabe que impressionou o mundo em sua luta contra a monocultura política das ditaduras, tem também o desafio de enfrentar, além dos já citados desafios no campo econômico, a monocultura religiosa.
Nos dois dias que antecederam o Fórum, Boaventura esteve reunido com representantes de movimentos sociais e investigadores sociais de 16 países para o diálogo e a troca de experiências e conhecimentos sobre a “dignidade” em mais uma oficina da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS), resultado da parceria do Projeto ALICE, coordenado pelo sociólogo, e a organização não-governamental feminista El Taller.
Na sede do comitê tunisiano de organização do Fórum Social Mundial 2013, os integrantes da equipe são, em sua maioria, jovens. Faixa e adesivos de Chokri Belaid, o líder da esquerda assassinado, são vistos no recinto. Uma entre os milhões de jovens tunisianos que fizeram e continuam a fazer parte das rebeliões na Tunísia, Zahra Khammassi reforça a importância das mulheres e da juventude nas mobilizações sociais, vê como muito bons olhos a abertura para intercâmbios propiciada pelo Fórum, mas não deixa de denunciar a “ambiguidade” do processo em curso. “As mobilizações vieram e a ditadura tombou. Mas, até agora, quem realmente se beneficiou do quer fizemos?”
Organização e abertura
Cerca de 30 mil pessoas são esperadas para o FSM 2013. Tenda montada na principal avenida da cidade – Habib Bourguiba, o líder da independência que governou o país de forma ditatorial por 30 anos (1957-1987) antes de Ben Ali – recebe os participantes. Postos menores foram montados no aeroporto e até nos hotéis para facilitar a acolhida. Mais de 2,7 mil organizações devem promover aproximadamente 1,5 mil atividades até o dia 30 de março.

A programação do primeiro dia do Fórum começa com a Assembleia das Mulheres, no auditório da Faculdade de Direito na Universidade El Manar, espaço que concentrará o conjunto de atividades programadas. “Queremos que nossa presença seja tão grande como o são nossas lutas contra as discriminações e tão diversificada como o são as formas de violência que sofremos”, realça a convocação assinada pelas mulheres tunisianas.
A tradicional marcha de abertura do FSM 2013 terá início às 16h, com saída da praça 14 de janeiro de 2011, que foi um dos epicentros das recentes revoltas. A multidão ganhará as ruas de Túnis até o Estádio Menzah, ponto final da caminhada onde, já à noite, e apresentará o cantor brasileiro e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil.

terça-feira, 26 de março de 2013

A nova propaganda é liberal. A nova escravidão é digital.


por John Pilger 

O que é a propaganda moderna? Para muitos, são as mentiras de um estado totalitário. Na década de 1970 encontrei-me com Leni Riefenstahl e perguntei-lhe acerca dos seus filmes épicos que glorificavam os nazis. Utilizando técnicas de câmara e de iluminação revolucionárias, ela produziu uma forma de documentário que empolgou alemães, o seu Triunfo da vontade; lançava a magia de Hitler.

Ela contou-me que as "mensagens" dos seus filmes dependiam não de "ordens de cima" mas sim do "vazio submisso" do público alemão. Será que isso inclui a burguesia liberal e educada? "Toda a gente", respondeu ela.

Hoje, preferimos acreditar que não há vazio submisso. A "escolha" é omnipresente. Telefones são "plataformas" que lançam toda opinião superficial. Há o Google mesmo no espaço externo se precisar disso. Acariciados como contas de rosário, os preciosos dispositivos nascem já concentrados na sua tarefa, implacavelmente monitorados e priorizados. O seu tema dominante é o ego. Eu. Minhas necessidades. O vazio submisso de Riefenstahl é a escravidão digital de hoje.

Edward Said descreveu este estado conectado em "Cultura e imperialismo" como levando o imperialismo a lugares que frotas navais nunca poderiam alcançar. É o meio final de controle social porque é voluntário, viciante e amortalhado em ilusões de liberdade pessoal.

A "mensagem" de hoje, de grotesca desigualdade, injustiça social e guerra, é a propaganda de democracias liberais. Em qualquer avaliação de comportamento humano, isto é extremismo. Quando Hugo Chavez o desafiou, foi insultado com má fé; e seu sucessor será subvertido pelos mesmos fanáticos do American Enterprise Institute, Harvard's Kennedy School e de organizações de "direitos humanos" que se apropriaram do liberalismo americano e sustentam sua propaganda. O historiador Norman Pollack chama a isto "fascismo liberal". Ele escreveu: "Tudo está normal na aparência. Para os que marchavam a passo de ganso [nazis], substitui a aparentemente mais inócua militarização da cultura total. E para o líder bombástico, temos o reformador manco, a trabalhar alegremente [na Casa Branca], a planear e executar assassínios, sorrindo o tempo todo.

Ainda há uma geração atrás, a discordância e a sátira mordaz eram permitidas nos media de referência, hoje passam as suas falsificações e impera a falsa moral da época (moral zeitgeist). A "identidade" é tudo, feminismo mutante que declara classe [como conceito] obsoleto. Do mesmo modo como dano colateral encobre assassínio em massa, "austeridade" tornou-se uma mentira aceitável. Por baixo do verniz do consumismo, verifica-se que um quarto da Grande Manchester vive em "pobreza extrema".

A violência militarista perpetrada contra centenas de milhares de homens, mulheres e crianças anónimas pelos "nossos" governos nunca é um crime contra a humanidade. Ao entrevistar Tony Blair 10 anos depois da sua criminosa invasão do Iraque, Kirsty Wark da BBC prendou-o com o momento que ele mais podia sonhar. Ela permitiu a Blair angustiar-se acerca da sua "difícil" decisão ao invés de chamá-lo a prestar contas pelas mentiras monumentais e o banho de sangue que provocou. Recordamo-nos de Albert Speer . Hollywood retornou ao seu papel da guerra fria, conduzida por liberais. O filme Argo, de Ben Affleck, vencedor do Óscar, é o primeiro longa metragem tão integrado dentro do sistema de propaganda que a sua advertência subliminar da "ameaça" do Irão é apresentada no momento em que Obama se prepara, mais uma vez, para atacar o Irão. Que a "verdadeira estória" de Affleck, de bons rapazes versus maus muçulmanos, é uma falsificação pois a justificação de Obama para os seus planos de guerra perde-se nos aplausos conseguidos através das RP. Como crítico independente, Andrew O'Hehir denuncia: Argo é "um filme de propaganda no sentido mais exacto, um filme que se reclama inocente de toda ideologia". Ou seja, envilece a arte de fazer cinema a fim de reflectir uma imagem do poder a que serve.

A verdadeira história é que, durante 34 anos, a elite da política externa dos EUA ferveu de desejos de vingança pela perda do xá do Irão, o seu amado tirano, e o seu estado torturador concebido pela CIA. Quando estudantes iranianos ocuparam a embaixada dos EUA em Teerão em 1979, encontraram uma montanha de documentos incriminatórios, os quais revelaram que uma rede de espiões israelenses estava a operar dentro dos EUA, a roubar segredos científicos e militares. Hoje, o dúplice aliado sionista – não o Irão – é a única ameaça nuclear no Médio Oriente.

Em 1977, Carls Bernstein, famoso pela sua cobertura do Watergate, revelou que mais de 400 jornalistas e executivos da maior parte das organizações de media dos EUA trabalhara para a CIA nos últimos 25 anos. Havia jornalistas do New York Times, Time e das grandes estações de TV. Nestes dias, uma força de trabalho tão formal e abominável é completamente desnecessária. Em 2010, o New York Times não fez segredo do seu conluio com a Casa Branca na censura aos registos de guerra do WikiLeaks. A CIA tem um "gabinete de ligação com a indústria do entretenimento" que ajuda produtores e directores a refazerem a sua imagem de uma gang sem lei que assassina, derruba governos e trafica drogas. Quando a CIA de Obama comete múltiplos assassínios por meio de drones, Affleck louva o "serviço clandestino... que todos os dias faz sacrifícios em prol de americanos... Quero agradecer-lhes muito". O vencedor do Oscar de 2010, 00:30 Hora Negra (Zero Dark Thirty) de Kathryn Bigelow, uma apologia da tortura, foi nada menos que aprovado pelo Pentágono.

A fatia de mercado do cinema estado-unidense nas bilheteiras da Grã-Bretanha muitas vezes atinge os 80 por cento e a pequena fatia britânica deve-se principalmente a co-produções com os EUA. Filmes da Europa e do resto do mundo representam uma pequena fracção daqueles que nos permitem ver. Na minha própria carreira de director de cinema, nunca experimentei um tempo em que vozes dissidentes nas artes visuais fossem tão poucas e tão silenciosas.

Em relação a todas as preocupações induzidas pelo inquérito Leveson , o "molde Murdoch" permanece intacto. A intercepção telefónica foi sempre uma diversão, uma pequena contravenção em comparação com o tocar de tambores dos media em favor de guerras criminosas. Segundo a Gallup, 99 por cento dos americanos acredita que o Irão é uma ameaça para si, assim como a maioria acreditava que o Iraque foi responsável pelos ataques do 11/Set. "A propaganda sempre vence", disse Leni Riefenstahl, "se você a permitir". 
14/Março/2013

O original encontra-se no New Statesman britânico e em johnpilger.com/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Anistia Internacional diz que Feliciano é “inaceitável” e pede substituição


“É grave que (Feliciano) tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome” | Foto: Alexandra Martins / Câmara Federal
Da Redação do SUL21
A sede brasileira da Anistia Internacional, movimento global em prol dos direitos humanos, publicou nesta segunda-feira (25) uma nota pública sobre a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. No comunicado, a organização se declara preocupada com a indicação de Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão e pede para que o “equívoco” da nomeação do pastor seja reparado. De acordo com a nota, a escolha de Feliciano é “inaceitável” devido a suas posições preconceituosas.
Feliciano, que assumiu a presidência da CDHM no início de março, tem sido alvo de protestos de diversos setores da sociedade por suas declarações consideradas racistas, machistas e homofóbicas. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, é uma das personalidades que já se manifestou sobre o caso, pedindo que Feliciano ouvisse a seus opositores. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, prometeu na última quinta-feira (21) que uma decisão sobre a presidência da Comissão seria tomada nesta terça-feira (26).
Leia na íntegra a nota da Anistia Internacional Brasil:
A Anistia Internacional vem a público expressar sua preocupação com a permanência do Deputado Marco Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, mesmo após enorme mobilização de diferentes setores da sociedade brasileira, especialmente daqueles ligados às lutas pelos direitos de populações tradicionalmente vítimas de intolerância e violência, solicitando a sua substituição.
A Comissão de Direitos Humanos é uma instância fundamental para a efetivação das garantias de cidadania estabelecidas na Constituição. É essencial que seus integrantes sejam pessoas comprometidas com os direitos humanos e possuam trajetórias públicas reconhecidas pelo compromisso com a luta contra discriminações e violações que continuam a fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira.
As posições claramente discriminatórias em relação à população negra, LGBT e mulheres, expressas em diferentes ocasiões pelo deputado Marco Feliciano, o tornam uma escolha inaceitável para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Proteção de Minorias. É grave que tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome.
A Anistia Internacional espera que os(as) parlamentares brasileiros(as) reconheçam o grave equívoco cometido com a indicação do Deputado Feliciano e tomem imediatamente as medidas necessárias à sua substituição. Direitos fundamentais não devem ser objeto de barganha política ou sacrificados em acordos partidários.
Anistia Internacional Brasil

sexta-feira, 22 de março de 2013

Prostituição: regulamentar não é a solução



TICIANE NATALE, DA SECRETARIA DE MULHERES DO PSTU-SP



• Nos centros e ruas de qualquer cidade de nosso país, a prostituição é uma realidade. Está diretamente relacionada com a pobreza e a desigualdade, já que se prostituir acaba sendo a única forma de sobrevivência para milhares de pessoas. Ainda que não seja uma atividade exclusiva da mulher, ela é o maior alvo da prostituição. Isso se dá pela localização de superexploração no capitalismo e pela ideologia machista que estimula o mercado da sexualidade a naturaliza a violência inerente à atividade que “de fácil” não tem nada. Discutir o tema interessa à classe trabalhadora, especialmente quando há um projeto de regulamentação da profissão de prostituta.

A vida “nada fácil” da prostituição
Apesar de serem popularmente conhecidas como “mulheres de vida fácil”, a realidade delas é das piores. A violência está presente a todo instante. Não é possível coibir a violência nesta atividade pautada na venda do serviço sexual da mulher que coloca o cliente como dono de seu corpo e de sua sexualidade. O estigma de que são mulheres inferiores ou até objetos e a tamanha privacidade exigida pela prática, às portas fechadas, faz com que a situação possa facilmente sair do controle e, assim, estupros são recorrentes. Numa pesquisa no Reino Unido, 37% das mulheres que trabalham nas ruas do país afirmaram ter sido estupradas nos três meses anteriores à entrevista.

Na verdade, é comum que os estupros sejam vistos como “ossos do ofício” para estas mulheres, assim como agressões e xingamentos. Por vezes, elas são educadas desde crianças a base de socos para se submeterem ao trabalho sexual. Também é frequente que a violência seja utilizada pelos clientes para que as mulheres não usem preservativos, tornando-as vulneráveis a diversas doenças sexualmente transmissíveis. Muitas acabam recorrendo a drogas pesadas e ao alcoolismo para fugir do alto estresse.

Como vemos, a violência física, psicológica, patrimonial, entre outras, são inerentes a este tipo de profissão. A atividade destrói a saúde dessas mulheres. Assim, não é de se assustar que a taxa de mortalidade das mulheres prostituídas seja 40 vezes maior do que a taxa da população em geral segundo a ONG europeia Coalizão contra o Tráfico de Mulheres (CATW na sigla em inglês).

Há também a alienação do próprio corpo, com a sexualidade da mulher submetida às necessidades econômicas de conseguir dinheiro e não servir a seu prazer. Isso faz com que seja reafirmada a ideia de que a mulher é propriedade do homem, sendo apenas um objeto ou pedaço de carne.

Entendemos que a prostituição deve ser abolida, por ter uma opressão e violência inerentes em proveito daquele que pode pagar. No entanto, entendendo-se que tal ordem de coisas só pode acabar no socialismo, qual é a melhor forma de proteger e melhorar a situação das mulheres em situação de prostituição?

Regulamentação não defende a mulher prostituída
O ato de se prostituir é permitido no Brasil, sendo reconhecido como ocupação profissional pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas ainda sem regulamentação. A exploração da prostituição é considerada crime, portanto, é proibida. Os projetos de regulamentação apresentados até hoje no Brasil sempre apareceram como uma alternativa para defender as prostitutas, mas em verdade visam legalizar as casas de prostituição, o incentivo e a facilitação para se prostituir. E não é coincidência que o debate da regulamentação se torne mais forte hoje bem no momento em que grandes empresários fazem planos para aumentar seus lucros com os megaeventos que ocorrerão por aqui, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Recentemente, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) propôs o Projeto de Lei 4211/12 (PL Gabriela Leite) para regulamentar a atividade com o suposto argumento de que a Lei protegerá as mulheres em situação de prostituição. Mas o próprio projeto anuncia seu objetivo: criar uma “Lei que distingue o que é a prostituição e o que é a exploração sexual, institutos confundidos no atual código penal”. Soma-se a isso o fato de que há no Senado um projeto de Reforma do Código Penal, que acaba com a punição para os proprietários de prostíbulos.

O código penal brasileiro, hoje, em seu artigo 228, proíbe qualquer tipo de exploração sexual. O PL 4211/12 propõe que exploração seja entendida como o não pagamento, coação e apropriação total ou maior que 50% do rendimento da prestação sexual por terceiro. Ou seja, abaixo de 50% do valor total do serviço, seria permitida a apropriação do pagamento por outrem, não sendo considerada exploração sexual.

Os projetos de regulamentação da prostituição buscam criar padrões mínimos para a exploração sexual, tornando-a oficialmente aceitável em troca de direitos trabalhistas para as mulheres prostituídas e, supostamente, mais segurança e higiene para elas. No entanto, a prostituição não precisa ser regulamentada para que as mulheres tenham acesso à saúde, segurança e políticas públicas específicas, além do dever do Estado em prestar assistência social irrestrita.

A regulamentação apenas servirá para legitimar a violência cotidiana da prostituição, além de legalizar a dos intermediários, popularmente conhecidos como cafetões, assim como os prostíbulos. Ou seja, a exploração dessas mulheres será legalizada, e elas estarão subordinadas às ordens, controle de sua sexualidade e do pagamento do programa, em que parte significativa irá para seus chefes.

Diante destes projetos, vemos que quem vai lucrar com a regulamentação da prostituição serão os grandes empresários do sexo, impondo a lógica do lucro à exploração do corpo e da sexualidade das mulheres. Além disso, a prática passa a ser incentivada como boa alternativa para as mulheres – principalmente jovens, sem experiência e qualificação – eximindo o poder público de buscar alternativas para o desemprego feminino.

Aprofundando o problema, a regulamentação ainda incentiva os mercados intimamente relacionados com a prostituição, como o aliciamento de menores e o tráfico internacional de mulheres e crianças, rendendo altos lucros para os exploradores. 

Regulamentar não significa defender as mulheres prostituídas. Na atualidade, inclusive, podemos tomar como exemplo a expressiva derrota da proteção da vida das mulheres e crianças nos países em que se regulamentou a atividade. A Holanda é o caso mais emblemático: o tráfico de mulheres para este país subiu 260% nos primeiros três anos após a lei regulamentadora, assim como também aumentou a prostituição infantil, segundo pesquisa da Universidade de Rhode Island. O mercado do sexo se tornou mais competitivo, a quantidade de traficantes de mulheres e cafetões cresceu, a lógica do maior lucro com redução de custos se impôs e houve a precarização das condições de trabalho e maior exploração das mulheres prostituídas. O governo holandês perdeu o controle da atividade para a forte burguesia internacional que comanda o mercado e agora discute rever a regulamentação. O agravamento dos mesmos problemas se deu na Alemanha e nos locais da Austrália em que a atividade foi regulamentada.

A prostituição só traz benefícios para a burguesia e é por isso que apoia a regulamentação, na busca desenfreada pelo lucro em cima da escravização do corpo da mulher e na violência. E vê-se que mais uma vez o reformismo deposita suas ilusões no discurso da burguesia, enquanto que as contrapartidas para os trabalhadores mostram-se falaciosas.

Nossa proposta para defender as mulheres em situação de prostituição
Entendemos que a regulamentação legitima a exploração da mulher para garantir altos lucros para a indústria do sexo. Não garante os direitos trabalhistas e sociais necessários a todas as trabalhadoras. E, pior, garante melhores condições para manter legal um comércio muito perverso e lucrativo, vitimiza e escraviza as mulheres pobres trabalhadoras.

A solução, em primeiro lugar, deve começar com a defesa das mulheres em situação de prostituição, para que fiquem menos vulneráveis à polícia e aos cafetões. Devemos imediatamente lutar por políticas públicas e direitos de seguridade social para estas mulheres. Mas junto com isso, ter um programa de emprego e qualificação para que possam ter alternativas à prostituição, para que possam, caso desejem, romper com o ciclo da violência.

Assim, uma saída para defender as mulheres inclui:
  • Garantia de direitos sociais e previdenciários para todas as mulheres, incluindo as que estão em situação de prostituição, assim como defendemos a extensão desses direitos para as trabalhadoras informais, donas-de-casa, desempregadas, pessoas em completa vulnerabilidade social, como forma de reparação social!
  • Construção de Centros de Referência que ofereçam abrigo, formação profissional e direcionamento ao mercado de trabalho para atender as mulheres em situação de prostituição, crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual!
  • Política de geração de emprego e renda como alternativa às mulheres em situação de prostituição!
  • Política de capacitação profissional e renda para as famílias das crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual!
  • Luta contra todas as formas de violência contra as mulheres em situação de prostituição, principalmente, a violência policial!

    E, acima, de tudo, queremos o fim da Prostituição. Só o socialismo poderá construir as bases de uma sociedade sem classes, sem desigualdade, opressão e exploração, para que a prostituição possa ser definitivamente eliminada.