sexta-feira, 24 de maio de 2013

Hungria decide eliminar plantações com transgênicos da Monsanto



A Hungria decidiu eliminar todas as plantações feitas com sementes transgênicas da Monsanto. De acordo com o ministro do Desenvolvimento Rural, Lajos Bognar, foram queimados nesta semana cerca de 500 hectares das lavouras de milho – equivalente a cinco milhões de metros quadrados. A intenção é que o país não tenha nenhum fruto com origem de material geneticamente modificado.



Segundo informações do portal Real Pharmacy divulgadas na quinta-feira (23), as plantações de milho destruídas estavam espalhadas pelo território húngaro e haviam sido plantadas recentemente. Assim, o pólen venenoso do milho ainda não estava a ponto de ser dispersado no ar, não oferecendo, então, perigo à população.

Os húngaros são os primeiros a tomar uma posição contundente na União Europeia em relação ao uso de sementes transgênicas. Durante os últimos anos, o governo da Hungria vem destruindo diversas plantações oriundas dos materiais da Monsanto. O ministro Bognar afirma que os produtores do país são obrigados a certificarem que não usam sementes geneticamente modificadas.

A União Europeia tem uma política de livre trânsito de produtos dentro dos países que compõem o bloco. Assim as autoridades húngaras não podem investigar como as sementes chegam ao seu território. No entanto, afirma Lajos Bognar, “isso não impede que investiguemos a fundo a utilização dessas sementes em nosso território”.

De acordo com a imprensa húngara, o país ainda tem milhares de hectares nestas condições. Ainda de acordo com o portal Portugal Mundial, os agricultores defenderam-se da acusação da utilização de material geneticamente modificado. Eles afirmam que não sabiam tratar-se de sementes da Monsanto.

Como o período fértil para plantações já está na metade, é tarde demais para serem plantadas novas sementes. Dessa forma, a colheita deste ano foi completamente perdida. E, para piorar o cenário aos agricultores, a companhia que distribuiu as sementes geneticamente modificadas abriu falência - o que impede que recebam compensação.

Fonte: Opera Mundi

Professor vagabundo que faz greve deveria ser demitido



“Vagabundo que faz greve deveria ser demitido.” Algumas poucas vezes me dou o direito de atualizar e republicar certos textos deste blog. Hoje é o caso. Pois, ouvi no trem, uma senhora reclamando destemperadamente com uma amiga dos professores da rede municipal em São Paulo, que estão em greve desde o dia 03 – da mesma forma que doutos senhores espezinhavam a greve de professores das universidades federais, tomando cafezinho nos Jardins, tempos atrás. Pedem 17% de recomposição inflacionária dos últimos três anos. A prefeitura oferece 10,19% agora e mais 13,43% em 2014. Mas os sindicatos alertam que esses valores seriam relativos a outros acordos firmados em anos anteriores para incorporação de abonos.
Contudo, mais do que discutir se o salário dos professores será suficiente para pagar uma esfiha ou um kibe no Habib’s, o que me interessa neste texto é a forma com a qual vemos suas reivindicações e as descolamos da melhoria da educação como um todo.
Quando escrevi pela primeira vez sobre isso vivíamos a greves dos mestres das universidades federais. E, é claro, essa frase nunca vem sozinha: passeata que atrapalha o trânsito? Cacete neles! Protesto em praça pública? Cacete neles! Onde já se viu? Essas pessoas têm que saber seu lugar.
Sindicatos não são perfeitos, longe disso. Assim como ocorre em outras instituições, possuem atores que resolvem voltar-se para os próprios umbigos e tornar a busca pelo poder e sua manutenção de privilégio mais importante que os objetivos para os quais foram eleitos. Ou seja, tá cheio de sindicalista pelego ou picareta, da mesma forma que empresário corrupto e sonegador. Contudo, graças à organização e pressão dos trabalhadores, importantes conquistas foram obtidas para civilizar minimamente as regras do jogo – não trabalhar até a exaustão, descansar de forma remunerada, ter salários (menos in)justos, garantir proteção contra a exploração infantil. Direitos estes que, mesmo incompletos, são chamados por alguns empregadores de “gargalos do crescimento”.
É esquizofrênico reclamar que não há no Brasil quantidade suficiente de força de trabalho devidamente preparada para fazer frente às necessidades de inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, chutar feito caixa de giz vazia as reivindicações de professores por melhores condições e remuneração. Como acham que o processo de formação ocorre? Por osmose? Cissipartição? Geração espontânea a partir dos argumentos fedidos desse povo?
Incrível como muitos colegas, ao tratarem sobre greve de professores, chamam sempre as mesmas fontes de informação que dizem, sempre, as mesmas coisas: é hora de apertar os cintos, os grevistas só pensam neles, a economia não aguenta, bando de vagabundos, já para a senzala sem jantar, enfim. Não existe imparcialidade jornalística. Qualquer estudante de jornalismo aprende isso nas primeiras aulas. Quando você escolhe um entrevistado e não outro está fazendo uma opção, racional ou não, por isso a importância de ouvir a maior diversidade de fontes possível sobre determinado tema. Fazer uma análise ou uma crítica tomando partido não é o problema, desde que não se engane o leitor, fazendo-o acreditar que aquilo é a única intepretação possível da realidade.
Infelizmente, muitos veículos ou jornalistas que se dizem imparciais, optam sistematicamente por determinadas fontes, sabendo como será a análise de determinado fato. Parece até que procuram o especialista para que legitime um ponto de vista. Ou têm preguiça de ir além e fugir da agenda da redação, refrescando suas matérias com análises diferentes. Ou alguém acha que é aleatório escolherem sistematicamente o professor José Pastore para analisar direitos trabalhistas?
Apoio os professores. Apoio os metalúrgicos de fábricas de automóveis. Apoio os controladores de vôo. Apoio os cobradores e motoristas de ônibus. Apoio os bancários. Apoio os garis. Apoio os residentes médicos. Apoio o santo direito de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem. Mesmo que a manifestação deles torne minha vida um absurdo.
O Brasil está conseguindo universalizar o seu ensino fundamental, mas isso não está vindo acompanhado de um aumento significativo na qualidade da educação. Mesmo que os dados para a evolução dos primeiros anos de estudo estejam além do que o governo esperava no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), grande parte dos jovens de escolas públicas têm entrado no ensino médio sabendo apenas ordenar e reconhecer letras, mas não redigir e interpretar textos. Enquanto isso, o magistério no Brasil continua sendo tratado como profissão de segunda categoria.
Uma educação de baixa qualidade, insuficiente às características de cada lugar, que passa longe das demandas profissionalizantes e com professores mal tratados pode mudar a vida de um povo?
Por fim, estou farto daquele papinho do self-made man cansativo de que os professores e os alunos podem conseguir vencer, com esforço individual, apesar de toda adversidade, “ser alguém na vida”. Aí surgem as histórias do tipo “Joãozinho comia biscoitos de esterco com insetos e vendia ossos de zebu para sobreviver. Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe ajudarem e, por conta, própria, lutou, lutou, lutou (às vezes, contando com a ajuda de um mecenas da iniciativa privada), andando 73,5 quilômetros todos os dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira como caderno. Hoje é presidente de uma multinacional”. Passando uma mensagem “se não consegue ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender de uma escola de qualidade e de um bom professor, você é um verme nojento que merece nosso desprezo”. Afe. Daí para tornar as instituições públicas de ensino e a figura do próprio professor cada vez mais acessórias é um passo.
Educação é a saída, mas qual educação? Aquela defendida pelo pessoal do “Amigos do Joãozinho”? Educar por educar, passar dados e técnicas, sem conscientizar o futuro trabalhador e cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina e ponto final. Uma das principais funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados são fundamentais.
Em algumas sociedades, pessoas assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança e chamadas de mal-educadas e vagabundas. Ironia? Não, Brasil.
Aproveitando o gancho, há algum tempo aves funestras passam voando por redacões de veículos de comunicação demitindo sem dó.
Mudanças acontecem e a nova geração que, hoje, pega uma revista e, com dois dedinhos, tenta ampliar uma foto como uma tela sensível ou que não entende porque a TV da sala não responde aos seus toques terá um relação diferente com o papel que temos hoje. Jornais vão morrer no meio dessa transição. Outros migrarão para a internet. Veículos novos vão surgir, pensados para plataformas digitais, multimídias, interativas. Quem não se adaptar e não se planejar para essa virada, vai comer capim pela raiz mais cedo. Contudo, temos uma forte produção jornalística em formato de empresa tradicional e, durante muito tempo, ainda teremos. Talvez essa parte nunca mude, garantindo as coisas boas e ruins dessas estruturas. O fato é que isso está sustentado em uma relação capital/trabalho, ou melhor dizendo, patrão/empregado. Sim, colegas jornalistas, apesar de muitos de nós pensarem que não, nós somos operários da notícia. É difícil ouvir isso, mas é a realidade.
De tempos em tempos, somos surpreendidos com notícias de demissões coletivas em veículos de comunicação. Motivos são vários: garantir a sobrevivência do veículo, aumentar a margem de lucro, gerar capacidade de investimento em outros produtos da empresa. Há ainda os casos em que um jornal fecha as portas e boa parte das pessoas simplesmente vai para a rua por má gestão e erros na condução da publicação. Razões podem existir para o encerramento das atividades de um veículo ou a diminuição de sua força de trabalho. Mas o que não entra pela minha cabeça é que isso seja encarado tão bovinamente por todos nós.
E que algumas empresas que defendem a democracia e o diálogo como processo de construção de uma sociedade melhor, ignorem isso quando se trata delas próprias. É um negócio e pertence a alguém? Claro! Mas cresceu graças ao suor de trabalhadores, que deveriam ser consultados e chamados a compartilhar decisões. Quando demissões coletivas ou fechamentos de fábricas acontecem em linhas de montagem de veículos, metalúrgicos mobilizam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, informam a população, além de cruzarem os braços até que uma solução seja encontrada para reverter o corte de vagas ou, pelo menos, criar compensações à altura. Professores vão para as ruas. Nós, não. Vemos colegas irem embora e não fazemos nada. Ou melhor, ficamos com medo de sermos os próximos e choramos sozinhos no banheiro.
Isso não é texto novo. Como já disse, nós, jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços não são mais necessários em determinado lugar.
Alguns colegas vão repetir: japa, mas essas mudanças são boas. Agora, os jornalistas vão poder trabalhar por conta própria e criar seus próprios veículos na internet. Como se um grupo de pessoas que, durante toda a vida, trabalhou em uma estrutura empresarial possa, de uma hora para outra, tornar-se um empreendedor de sucesso. Tendo família para sustentar, contas a pagar e sem a disposição de tentar do zero e dar com a cara no muro. Financiamento coletivo, patrocínio cruzado, enfim, há quem lide com isso de forma mais fácil. Mas lembrem-se que a maioria não foi programada para isso. Por isso, temos o chamado “Milagre da Multiplicacão dos Frilas”, que eram assalariados e tornaram-se “chefes de si mesmos”. Alguns são felizes por não terem férias remuneradas. Outros, não.
Talvez o futuro seja um misto de tudo isso, emprego CLT, frilas, empreendedores individuais ou coletivos, pessoas produzindo conteúdo em redes, ONGs, enfim. Mas, hoje, o que me preocupa são os viventes e suas contas a pagar.
O que estou pedindo? Jornalistas do mundo, uni-vos? Que tamancos sejam jogados nas prensas dos jornais? Nem… isso seria muito brega. Ou melhor, kitsch – tenho horror a kitch. O que gostaria de lembrar é que as coisas vão mudar cada vez mais rápido. E temos duas opções: encarar isso sozinhos ou juntos.
Um bom exercício seria tentar entender e relatar as greves de professores como algo que faz parte das necessárias disputas sociais e econômicas e não tema para página policial. O próximo pode ser você, caro jornalista com salário de coxinha e emprego de palha.

Os homens por trás das mercadorias



Por Sylvia Debossan Moretzsohn 
 
A publicidade comercial sempre nos vendeu um mundo de facilidades e prazeres. A propaganda do mundo virtual, que tantas vezes o jornalismo assume alegremente, especialmente na TV, investe pesadamente na leveza e fluidez de uma vida obrigatoriamente divertida.
De repente, um documentário nos devolve à realidade.
Exibido no festival “É Tudo Verdade”de 2011 e várias vezes premiado, o documentário Carne e Osso, de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, chegou à GloboNews dois anos depois, no domingo (5/5), inaugurando a abertura de um espaço para produções externas ao canal. Em pouco mais de 50 minutos, expõe a rotina de quem trabalha no abate e processamento da carne de aves, porcos e bois: a esteira dessa particular linha de montagem que exige movimentos rápidos e repetitivos num índice quase três vezes maior do que o limite internacionalmente aceito para a preservação da saúde do trabalhador – e que resultam, inevitavelmente, em doenças incapacitantes –, o enorme risco de acidentes que vez por outra provocam mutilações, as jornadas exaustivas, o ambiente asfixiante e excessivamente frio e as pressões por produção que levam a transtornos psicológicos e à depressão, as táticas das empresas para evitar flagrantes nas visitas dos fiscais e o valor irrisório das multas, inócuas para desencorajar tantos abusos.
O confronto de dados sobre o sucesso do mercado de carnes e sobre os acidentes de trabalho nessa atividade sintetiza o abismo entre o lucro de um dos mais importantes setores de nossa indústria e a situação vivida pelas pessoas que engordam aquelas cifras.
O essencial do jornalismo
Disponibilizado online pela emissora (ver aqui), embora já pudesse ser visto no site da Rede de Televisões Culturais da América Latina (aqui), o documentário foi produzido pela Repórter Brasil, uma ONG dedicada à denúncia de trabalho escravo e demais formas de desrespeito aos direitos humanos e de agressões ao meio ambiente.
O fato de ter sido acolhido por um canal integrante da maior rede de comunicação do país pode sugerir, quem sabe, a esperança de realização de reportagens que recuperem o essencial do jornalismo em nosso cotidiano infestado por matérias engraçadinhas – divertidas, et pour cause – ou “bem intencionadas”, empenhadas nessa espécie de autoajuda que produz pautas do tipo “como ser feliz no trabalho”.
Recuperar o essencial do jornalismo é ir à contracorrente da fluidez virtual tão enaltecida pela propaganda – e por certas correntes do ambiente acadêmico fechadas em seu mundo indolor e alheio à realidade – e mostrar os homens por trás das mercadorias: nos frigoríficos, nas tecelagens, nas montadoras. Mostrar o quanto de sofrimento existe naquele corte de carne que distraidamente botamos no carrinho do supermercado, naquela peça de roupa que inocentemente escolhemos, naquele modelo de automóvel que povoa nossos sonhos.
E, principalmente, mostrar que o preço a pagar por esses bens não é inevitável: que é possível aliviar o sofrimento do trabalhador mudando-se as condições de produção, e que essa mudança não é apenas uma questão de bom senso tardiamente despertado, mas implica o enfrentamento de interesses solidamente instalados no mundo dos negócios e da política.
***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

quarta-feira, 15 de maio de 2013

DA GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO PARA A DO GÁS


 - Imad Fawzi Shueibi

A revelação do segredo do gás sírio dá uma idéia da importância do que está realmente em jogo. Quem tenha o controle da Síria poderá controlar o Médio Oriente. E a partir da Síria, portão da Ásia, terá em suas mãos a chave da Rússia e, também, da China, através da "Rota da Seda", assim você poderá dominar o mundo neste século, já que é o século do gás.
É esta a razão pela qual os signatários do acordo de Damasco, que permite que o gás iraniano passe pelo Iraque e chegue ao Mediterrâneo, criando um novo espaço geopolítico e cortando a linha vital do Projeto Nabucco, declararam na época que "A Síria é a chave da nova era".
Imad Fawzi Shueibi: geopolítico e filósofo. Presidente do centro de documentação e estudos estratégicos de Damasco - Síria A agressão midiática e militar contra Síria está diretamente relacionada com a concorrência global pelos recursos energéticos, explica o Professor Imad Shuebi no magistral artigo que apresentamos hoje.
Nesse exato momento em que assistindo ao colapso da zona do euro, e que uma grave crise econômica levou os Estados Unidos a acumular uma dívida superior a 14.940 bilhões de dólares; no momento em que a influência americana declina em contraste com os países emergentes que conformam o Brics, se faz evidente que a chave para o exito econômico e o predomínio político reside principalmente no controle da energia do século XXI: o gás.
A Síria tornou-se alvo justamente por estar no meio do mais importante reservatório de gás do planeta. O petróleo foi a causa das guerras do século XX. Hoje estamos vivendo o surgimento de uma nova era: a da guerras do gás.

Após a queda da União Soviética, ficou claro para os russos que a corrida armamentista havia lhes prejudicado em demasia , sobretudo no campo energético, onde faltou a energia necessária ao processo de modernização industrial do país. Os Estados Unidos, por outro lado, tinham conseguido se desenvolver e impor, sem muitas dificuldades, sua política internacional nesta área graças a sua presença por décadas nas áreas de petróleo. Os russos decidiram, em seguida, posicionar-se nas fontes de energia, tanto nas que produzem petróleo, como nas empresas de produção de gás. Considerando que, devido à sua distribuição internacional, o setor de petróleo não oferecia boas perspectivas, Moscou apostou pelo gás , por sua produção, seu transporte e sua comercialização em larga escala. Tudo começou em 1995, quando Vladimir Putin traçou a estratégia da Gazprom: partindo desde as áreas de produção de gás da Rússia até Azerbaidjão, Turcomenistão, Irã (para comercialização), até o Oriente Médio. A verdade é que os projetos North Stream e South Stream demonstraram os esforços de Vladimir Putin e seu governo de situar a Rússia na arena internacional na área energética, que já desempenha um papel importante na economia européia, que, durante as próximas décadas, dependerá do gás como alternativa ao petróleo ou como complemento deste, quando deu prioridade ao gás, em detrimento do petróleo.
A partir desse contexto, era urgente para Washington implementar seu próprio projeto: Nabbuco , uma estratégia que concorria com a dos russos e que jogava para desempenhar um papel decisivo na determinação da estratégia e política energética para os próximos 100 anos.

Fato é que o gás será a principal fonte de energia do século XXI, uma alternativa diante da redução das reservas mundiais de petróleo e, ao mesmo tempo, uma fonte de energia limpa.O controle das zonas gasíferos no mundo disputado entre as antigas potências e as emergentes é o elemento que dá origem a um conflito internacional com manifestações de caráter regional.

É evidente que a Rússia aprendeu com as lições do passado, pelo menos no que se refere aquilo que, do ponto de vista da economia, contribuiu para o colapso da União Soviética , que foi, precisamente, a falta de controle dos recursos de energia indispensáveis para o desenvolvimento da estrutura industrial. A Rússia compreendeu que o gás está destinado a ser a fonte de energia do próximo século.


A historia da "partida de xadrez" do gás


Um primeiro olhar para o mapa do gás revela que este recurso está localizado nas seguintes regiões, o mapa diz respeito tanto à situação dos depósitos como ao acesso as áreas de consumo:
1. Rússia: Vyborg e Beregvya
2. Anexo a Rússia: Turcomenistão
3. Nos arredores mais ou menos imediatos da Rússia: Azerbaidjão e Irã
4. Ex influência da Rússia: Geórgia
5. Mediterrâneo Oriental: Síria e Líbano
6. Catar e Egito.

Moscou trabalhou rapidamente sobre dois eixos: o primeiro foi a criação de um projeto sino-russo de longo prazo, com bases no crescimento econômico do Bloco de Shangai; o segundo foi garantir o controle das reservas de gás. Com este desenho, foram assentadas as bases dos projetos North Stream e South Stream que se confronta com o projeto americano Nabucco, projeto apoiado pela União Europeia, com vistas ao gás do mar Negro e do Azerbaidjão. Uma corrida estratégica para o controle das reservas de gás se estabeleceu entre os dois projetos distintos.


Os Projetos da Rússia:

O projeto North Stream conecta diretamente a Rússia com a Alemanha através do mar Báltico, até Weinberg e Sassnitz, sem passar pela Bielorússia. O projeto South Stream começa na Rússia, atravessa o mar Negro até a Bulgária e se divide passando pela Grécia e pelo Sul da Itália, por um lado, e pela Hungria e a Áustria, por outro lado.


O projeto dos Estados Unidos:

O projeto Nabucco parte da Ásia Central e dos arredores do mar Negro, passando através da Turquia - onde situa-se a infra-estrutura de armazenamento - , e corta a Bulgária, passa pela Roménia, Hungria e chega até a Áustria, de onde é direcionado para a República Checa, Croácia, Eslovênia e Itália. Originalmente, deveria passar pela Grécia, idéia que foi abandonada devido à pressão da Turquia.
Por suposição, "Nabucco" deveria ser o concorrente para os projetos dos russos. Nabucco estava previsto para 2014, mas diversos problemas técnicos provocaram seu adiamento até 2017. A partir desse adiamento, o projeto Russo começou a ganhar a batalha pelo gás, mas cada parte trata sempre de estender seu próprio projeto para novas áreas.
Isso tem haver, por um lado com o gás iraniano, que os Estados Unidos pretendia incorporar ao projeto Nabucco conectando-o ao ponto de armazenamento de Erzurum, na Turquia. E, também, com o gás vindo do Mediterrâneo Oriental, ou seja, Síria, Líbano e Israel.

Em julho de 2011, Iran firmou vários acordos para o transporte do seu gás através do Iraque e da Síria. Por conseguinte, Síria tornou-se o principal centro de armazenagem e de produção, vinculado, também, com as reservas do Líbano. Se abre assim um espaço geográfico, estratégico e energético completamente novo, que abarca Iran, Iraque, Síria e o Líbano.

Os obstáculos que esse novo projeto (Nabucco) enfrenta, há mais de um ano, dão uma idéia do grau de intensidade na luta que o império está travando pelo controle da Síria e do Líbano. Ao mesmo tempo, esclarece o papel da França, que considera o Mediterrâneo Oriental sua própria zona de influência histórica, por conseguinte, destinada a satisfazer os interesses franceses, logo, isso justifica precisamente, recuperar o terreno perdido desde II Guerra Mundial. Em outras palavras, a França pretende desempenhar um papel importante no mundo do gás, para isto já adquiriu um tipo de "seguro saúde", com a Líbia, agora, pretende obter um «seguros de vida» que somente as riquezas da Síria e do Líbano podem proporcionar. Turquia, por seu lado, se sente excluída desta guerra do gás devido ao atraso do projeto Nabucco e porque não tem nada a ver com os projetos South e North Stream. O gás do Mediterrâneo Oriental parece lhe escapar inexoravelmente a medida que se afasta do projecto Nabucco.


O Eixo Moscou-Berlim


Gerhard Schroeder e Alexei Miller. Em 30 de março de 2006, ex-chanceler alemão foi nomeado chefe da construção do North Stream.

Para realizar os dois projetos, Moscou criou a empresa Gazprom, em 1990. Alemanha, ansiosa por se livrar de uma vez por todas das consequências da Segunda Guerra Mundial , se preparou para se juntar aos dois projetos, tanto em termos de instalações e de revisão do gasoduto norte e as instalações de armazenamento do duto de South Stream em sua área de influência, principalmente na Áustria.
A empresa Gazprom foi fundada com a colaboração de Hans-Joachim Gornig, um alemão conhecido em Moscou, ex-vice presidente da Companhia alemã de Petróleo e gás industrial que supervisionou a construção da rede de gasodutos RDA . Até outubro de 2011, o diretor da Gazprom foi Vladimir Kotenev, ex-embaixador da Rússia na Alemanha.
Gazprom assinou diversas transações com empresas alemãs, em primeiro lugar com aquelas que cooperam com o projeto North Stream, como as gigantes E.ON, do setor de energia, e BASF, do setor da indústria química. No caso da E.ON, existem cláusulas que garantem tarifas preferenciais quando há alta dos preços. Isso significa uma espécie de subsídio "político" da Rússia às empresas de energia alemãs.
Moscou aproveitou a liberalização dos mercados europeus do gás para forçá-los a desconectar as rede de distribuição das instalações de produção. Superados os confrontos antigos entre a Rússia e Berlim , abriu-se uma fase de cooperação econômica baseada em facilitar a enorme dívida que pesava sobre os ombros da Alemanha, de uma Europa excessivamente endividada pelo domínio americano. Se trata de uma Alemanha que considera que o espaço germânico (Alemanha, Áustria, República Checa e Suíça) está destinado a converter-se no centro da Europa, sem ter de suportar as conseqüências do envelhecimento de todo o continente, ou da queda de outra superpotência.
As iniciativas alemãs de Gazprom empresa conjunta (joint venture) da Wingas com Wintershall, uma subsidiária da BASF, é a maior produtora de petróleo e gás da Alemanha e controla 18% do mercado de gás. Gazprom outorgou aos seus principais parceiros alemãs participação em seus ativos russos, nunca visto anteriormente. Assim, BASF e E.ON controlam cada uma cerca de um quarto dos campos de gás de Lujno-Rousskoie que alimentarão em grande parte o circuito North Stream. Não será coincidência se a equivalente alemã da Gazprom, chamado de "Gazprom a germânica" chegar a ser proprietária de 40% da empresa austríaca Austrian Centrex Co, especializada em armazenamento de gás e se destina a ampliar-se até Chipre.
Esta expansão não é certamente do agrado da Turquia, país ansioso por sua participação no projeto Nabucco . Participação que consistiria em armazenar, comercializar e transportar um volume de gás que chegaria a 31.000 milhões de metros cúbicos de gás por ano, cifra que poderia crescer para 40.000 milhões ao ano, um projeto que faz com que Ancara seja cada vez mais dependente das decisões Washington e da OTAN , sobretudo tendo em conta as várias recusas aos seus pedidos de adesão à União Européia.

Os vínculos estratégicos determinados pelo gás são cada vez mais decisivos na arena política : o lobby de Moscou junto ao Partido Social Democrata alemão, na Renânia do Norte-Westfália, onde há uma importante base industrial , centro do conglomerado alemão RWE, fornecedor de eletricidade e onde se situa uma subsidiária da E.ON
Hans-Joseph Fell, responsável pela política de energia dos Verdes, reconheceu a existência dessa influência. Segundo ele, as 4 empresas alemãs vinculadas à Rússia têm um papel importante na definição da política energética alemã. Estas empresas contam com a Comissão de Relações Econômicas da Europa Oriental, - isto é, com empresas que mantêm contatos econômicos muito próximo com a Rússia e com os países do antigo bloco soviético - Comisão que dispõe , por sua vez, de uma rede muito complexa de influências sobre os ministros e a opinião pública. Na Alemanha, a discrição é a regra no que diz respeito à crescente influência da Rússia, com base no princípio de que é altamente necessário melhorar a "segurança energética" na Europa.
É interessante notar que a Alemanha considera que a política da União Européia destinada a resolver a crise do euro pode prejudicar os investimentos Germano-Russos . Esta razão, entre outras, explica a relutância da Alemanha para o resgate do euro, moeda muito sobrecarregada pelas dívidas da Europa, apesar do bloco germânico poder suportar essas dívidas. Além disso, sempre que os demais países europeus se opõem à sua política com a Rússia, a Alemanha declara que os planos utópicos da Europa não são viáveis ""e que , inclusive, poderiam levar a Rússia a vender seu gás na Ásia, o que colocaria em risco a segurança energética da Europa.

Este casamento por interesses entre os Germânicos e os russos está enraizado no legado da Guerra Fria: 3 milhões de russos vivem atualmente na Alemanha, representando a maior comunidade estrangeira desse país, depois da comunidade turca. Putin também era favorável a utilização da rede de responsáveis da RDA, que favoreceu os interesses das empresas russas na Alemanha, sem mencionar o recrutamento de ex-agentes da Stassi, como diretores de pessoal e finanças da Gazprom Germania, assim como o diretor financeiro do Consórcio North Stream, Warnig Matthias , quem, segundo o Wall Street Journal , ajudou Putin recrutar espiões em Dresde, na época em que o próprio Putin era agente da KGB. É certo, no entanto, que o uso que a Rússia tem dado as suas antigas relações não tem sido prejudicial para a Alemanha, uma vez que os interesses de ambas as partes têm sido beneficiados sem favoritismo para qualquer lado.

O projeto North Stream , a principal ligação entre a Rússia e a Alemanha, foi inaugurado recentemente com um condutor que custou 4,700 milhões de euros. Apesar deste condutor ligar a Rússia com a Alemanha, dado o reconhecimento dos europeus do fato de este projeto garantir a segurança energética da Europa, França e Holanda foram forçados a declarar que era de fato um "projeto europeu" . É importante mencionar, nesse sentido que o Sr.. Lindner, diretor-executivo do Comitê Alemão das Relações Econômicas com os Países da Europa Oriental declarou, com toda a seriedade do mundo que se tratava realmente de "um projeto europeu e não de um projeto alemão e que [o projeto] não encerraria a Alemanha em maior dependência da Rússia". Esta declaração ressalta a inquietação provocada pelo aumento da influência russa na Alemanha. A verdade é que o projeto North Stream é, pela sua estrutura, moscovita e não europeu.
Os russos podem paralisar a sua vontade a distribuição de energia na Polônia e em vários países , isso sem falar que terão todas as condições de vender o gás para a melhor oferta. No entanto, a Alemanha é de muita importância para a estratégia da Rússia, como plataforma que necessita para desenvolver sua estratégia continental, especialmente considerando que a Gazprom Germania participa de 25 projetos cruzados, em países como a Grã-Bretanha, Itália , Turquia, Hungria, entre outros. Isto nos leva a crer que a Gazprom está prestes a se tornar, em pouco tempo, uma das maiores empresas do mundo, se não se tornar a mais importante.


Os gasodutos North Stream, South Stream y Nabucco

Os dirigentes da Gazprom não só desenvolveram seu projeto, como também conseguiram conter o projeto Nabucco. Gazprom detém 30% do projeto envolvendo a construção de uma segunda linha condutora de gás para o leste, seguindo aproximadamente a mesma rota prevista do projeto Nabucco. Os próprios partidários dessa segunda condutora confessam que se trata de um projeto "político" destinado a proporcionar uma demonstração de força ao travar e até mesmo bloquear o projecto Nabucco. Moscou se esforçou , também, por comprar gás da Ásia central e no mar Cáspio para enterrar este projeto e ridicularizar Washington politicamente, economicamente e estrategicamente.
Gazprom está explorando instalações vinculadas ao gás na Áustria, ou seja, no entorno estratégico da Alemanha, além de alugar instalações na Grã-Bretanha e na França. São, no entanto, as importantes estruturas de armazenamento na Áustria, que serão usadas para redesenhar o mapa energético de Europa, já que irão prover a Eslovênia, a Eslováquia, a Croácia, a Hungria, a Itália e a Alemanha. A essas instalações deve ser adicionado o centro de armazenamento que Gazprom está construindo em Katrina, com a cooperação da Alemanha, capacitando desta forma a exportação de gás para os principais centros de consumo na Europa Ocidental.

A Gazprom criou uma instalação comum de armazenamento com Sérvia para fornecer gás à Bósnia-Herzegovina e a própria Sérvia. Também em curso, a realização de estudos de viabilidade sobre métodos de armazenamento semelhantes na República Checa, Roménia, Bélgica, Grã-Bretanha, Eslováquia, Turquia, Grécia e, inclusive, na França.
A Gazprom reforça a posição de Moscou, provedor de 41% do gás consumido na Europa. Isto representa uma mudança substancial nas relações entre o Oriente e o Ocidente, a curto, médio e longo prazo. Também indica um declínio da influência estadunidense, representada pelos escudos antimísseis, e se verifica o estabelecimento de uma nova organização internacional cujo pilar fundamental será a gás. Tudo isso explica a intensificação da luta pelo gás, desde a costa oriental do Mediterrâneo até o Oriente Médio.

Nabucco y Turquia em dificuldades

Era de supor que Nabucco transportaria gás até a Áustria através de 3 900 km do território turco e que estava projetado para fornecer anualmente, para os mercados europeus, 31 000 milhões de m3 de gás natural provenientes do Oriente Médio e da bacia do mar Cáspio. A difícil situação da coalizão OTAN/EUA/França para eliminar os obstáculos aos seus interesses em matéria de abastecimento de gás no Oriente Médio, principalmente na Síria e no Líbano, reside na necessidade de assegurar a estabilidade e o consentimento do entorno quando se fala de infra-estruturas e investimentos que requerem a indústria do gás. A resposta Síria foi firmar contrato que autoriza a passagem do gás iraniano em seu território, passando através do Iraque. A batalha é, portanto, centrada em torno do gás sírio e libanês. Ele irá alimentar a Nabucco ou South Stream ??
O consórcio Nabucco é composto por várias empresas: a alemã REW, a austríaca OML, a turca Botas, a búlgara Energy Holding Company e a romena Transgaz. Há 5 Anos, os custos iniciais foram estimados em 11.200 milhões de dólares, mas até o ano 2017 poderia chegar a 21.400 milhões. Isso levanta inúmeras questões à sua viabilidade econômica já que Gazprom tem contratos com vários países que deveriam alimentar a Nabucco, que já não pode contar com os excedentes do Turcomenistão, sobretudo após as tentativas sem sucesso para capturar o gás iraniano. Esse último fator é um dos segredos que são desconhecidos sobre a batalha por Irã, país que ultrapassou a linha vermelha em seu desafio aos Estados Unidos e Europa ao escolher o Iraque e a Síria como rotas para o trajeto de uma parte de seu gás.

Assim, a maior esperança de Nabucco é o abastecimento com o gás do Azerbaijão e o reserva de Shah Deniz, convertido em quase a única fonte de aprovisionamento de um projeto que parece ter fracassado sem ter começado. Isso é o que se segue, por um lado, da aceleração da assinatura de contratos que Moscou concluiu para a compra de fontes inicialmente destinadas a Nabucco e das dificuldades surgidas, por outro lado, ao tratar de impor mudanças geopolíticas no Irã, Síria e Líbano. E tudo isto ocorre num momento em que a Turquia reclama sua participação no projeto Nabucco, quer seja mediante um contrato com o Azerbaijão para a compra de 6.000 milhões de m ³ de gás em 2017 ou através da anexação da Síria e do Líbano, com a esperança de impedir o trânsito do petróleo iraniano ou receber uma parte da riqueza gasífera do Líbano e da Síria. Parece que a possibilidade de ter um lugar na nova ordem mundial exige prestar certa quantidade de serviços, que vão do apoio militar até servir de base ao dispositivo estratégico do escudo antimisseis.
Talvez a principal ameaça para o Nabucco seja a tentativa russa de faze-lo fracassar através da negociação de contratos mais vantajosos a favor da Gazprom para North Stream e South Stream, que invalidaria os esforços dos Estados Unidos e da Europa, diminuiria a influência de ambos e perturbaria a política energética dessas concorrentes no Irã e/ou no Mediterrâneo. Além disso, Gazprom poderia tornar-se um dos investidores ou operadores mais importantes das novas reservasde gás na Síria e no Líbano. Não por acaso, em 16 de agosto de 2011, o Ministro de Petróleo da Síria anunciou a descoberta de um poço de gás em Qara perto de Homs, cuja capacidade seria de 400 000 m ³ por dia (146 milhões de m ³ por ano), para não mencionar a importância do gás Mediterrâneo existente.

Os projetos North Stream e South Stream , por conseguinte, reduziu a influência política dos Estados Unidos, que agora parece ter ficado para trás. Os sintomas de hostilidade entre os Estados europeus e a Rússia foram atenuados, mas a Polônia e os Estados Unidos não parecem dispostos a renunciar. No final de outubro de 2011, estes dois países anunciaram a alteração de sua política de energia como conseqüência da descoberta de reservas européias de carvão que deveriam diminuir a dependência à Rússia e ao Médio Oriente. Parece ser uma meta ambiciosa, mas só possível a longo prazo devido a inúmeras etapas previas exigidas para a comercialização já que se trata de um tipo de carvão encontrados em rochas sedimentares a milhares de metros abaixo da terra, que requer o uso de técnicas hidráulicas de fratura e alta pressão para liberar o gás e sem falar ou considerar os riscos para o ambiente.

A participação da China

A Organização de Cooperação de Shangai, conformada por Russia, China, Kazajstán, Kirguistán, Tayikistán y Uzbekistán

A cooperação sino-russo no campo energético é o motor da parceria estratégica entre os dois gigantes. De acordo com especialistas, constitue, inclusive, "base" do duplo veto em defesa da Síria no Conselho de Segurança.

Esta operação não tem que ver unicamente com o abastecimento da China em condições preferenciais. China participa diretamente com a distribuição de gás, através da aquisição de ativos e de instalações, bem como em um projeto de controle conjunto das redes de distribuição. Paralelamente, Moscou mostra sua flexibilidade nos preços do gás, desde que tenha acesso ao ambicionado mercado interno chinês.Se tem garantido, portanto, que os peritos russos e chineses trabalhem juntos nos seguintes campos: « Coordenação de estratégias energéticas, Previsão e prospecção, Desenvolvimento dos mercados, Eficiência energética e Fontes alternativas de energia».

Outros interesses estratégicos comuns estão relacionados com os riscos que representa o projeto americano de 'escudo antimísseis'. Washington tem envolvido não apenas o Japão e Coréia do Sul, mas no início de setembro de 2011, convidou, também, a Índia a aderir ao projeto. Isto traz como conseqüência que as preocupações de ambos os países se cruzam no momento que Washington trata de reativar sua estratégia na Ásia central ou em seja na Rota da Seda

Essa estratégia é a mesma que George Bush havia empreendido (o projeto da Grande Ásia Central) com vistas a contrariar, com a colaboração da Turquia, a influência da Rússia e da China, resolver a situação no Afeganistão até 2014 e impor a força militar da OTAN em toda região. O Uzbequistão já sinalizou que poderia acomodar a OTAN, e Vladimir Putin tem avaliado que o que poderia fazer fracassar as investidas do ocidente e impedir que os Estados Unidos prejudique a Rússia seria a expansão do espaço Russia-Kazajstán - Bielorrússia, em cooperação com Pequim.

O panorama dos mecanismos da atual luta internacional dá idéia do processo existente de formação de uma nova ordem internacional, com base na luta pela supremacia militar e cujo elemento central é a energia, com o gás em primeiro lugar.


O gás de Síria

A «revolução siria» é uma encenação midiática que esconde a intervenção militar ocidental para a conquista do gás.

Quando Israel empreendeu a extração de petróleo e gás, a partir de 2009, ficou claro que a bacia do Mediterrânea se havia somado ao jogo e que haveria duas possibilidades: Síria seria alvo de um ataque ou toda a região viveria em paz, pois se supõe que o século XXI seja o século da energia limpa.

De acordo com o Washington Institute for Near East Policy (WINEP, Think-Tank do AIPAC), a bacia do Mediterrânea contém as maiores reservas de gás e é, precisamente, na Síria onde se localizam as mais importantes. Este mesmo Instituto também emitiu a hipótese de que a batalha entre a Turquia e Chipre se intensificará porque a Turquia não pode aceitar a perda do projecto Nabucco (apesar do contrato assinado com Moscou em Dezembro de 2011 para o transporte de grande parte do gás de South Stream através da Turquia).

A revelação do segredo do gás sírio dá uma idéia da importância do que está realmente em jogo. Quem tenha o controle da Síria poderá controlar o Médio Oriente. E a partir da Síria, portão da Ásia, terá em suas mãos a chave da Rússia e, também, da China, através da "Rota da Seda", assim você poderá dominar o mundo neste século, já que é o século do gás.

É esta a razão pela qual os signatários do acordo de Damasco, que permite que o gás iraniano passe pelo Iraque e chegue ao Mediterrâneo, criando um novo espaço geopolítico e cortando a linha vital do Projeto Nabucco, declararam na época que "A Síria é a chave da nova era".




Artigos que tratam do mesmo tema na Red Voltaire:


«Suspende Estados Unidos sus planes de guerra convencional contra Damasco y Teherán», Red Voltaire, enero 2012.
«¿Nueva guerra de Israel contra Líbano por el gas?», Alfredo Jalife-Rahme, Red Voltaire, 09 de agosto de 2010.
«La nueva importancia geopolítica de Lubmin», F. William Engdhal, Red Voltaire, 19 de septiembre de 2010.
«Cambio crucial en la geopolítica de oleoductos», M. K. Bhadrakumar, Red Voltaire, 08 de febrero de 2010
Fontes:

Original:
La Syrie, centre de la guerre du gaz au Proche-Orient
Imad Fawzi Shueibi. Réseau Voltaire | Damas (Syrie) | 8 mai 2012.
En Español:
Siria, centro de la guerra del gas en el Medio Oriente. por Imad Fawzi Shueibi
Red Voltaire | Damasco (Siria) | 13 de mayo de 2012

Imad Fawzi Shueibi: geopolítico e filósofo. Presidente do centro de documentação e estudos estratégicos de Damasco - Síria.



terça-feira, 14 de maio de 2013

A REVOLUÇÃO FRANCESA DE MAIO DE 1968





Alan Woods
Alan Woods estava na França em maio de 68 buscando contatar trabalhadores e jovens. Neste relato-análise, publicado pela primeira vez em maio de 2008, ele fala do que viu nesta que foi a maior greve geral da história e que colocou o poder praticamente nas mãos da classe trabalhadora.
Previsão e assombro
O Maio de 1968 foi a maior greve geral da história. Este poderoso movimento aconteceu no ponto culminante do auge econômico capitalista do pós-guerra. Naquele momento, como agora, a burguesia e seus apologistas se vangloriavam, já que, para eles, as revoluções e a luta de classes eram coisas do passado. Então, quando chegam os acontecimentos franceses de maio de 1968, parecem, para eles, relâmpagos em um límpido céu azul. Também a esquerda foi pega de surpresa, já que a maior parte dela havia descartado a classe trabalhadora européia como força revolucionária.
Em maio de 1968, The Economist publicou um suplemento especial sobre a França para comemorar os dez anos do governo gaullista. Neste suplemento, Norman Macrae elogiava os êxitos do capitalismo francês, destacava que os franceses tinham níveis de vida mais altos que os britânicos, comiam mais carne, possuíam mais automóveis e outras coisas mais. Citava a “grande vantagem nacional” da França sobre seu vizinho do outro lado do canal: seus sindicatos eram “pateticamente fracos”. Mal havia secado a tinta do artigo de Macrae e a classe trabalhadora francesa assombrou o mundo com uma insurreição social sem precedentes nos tempos modernos.
Os acontecimentos de maio não foram previstos pelos estrategistas do capital, nem na França nem em nenhum outro lugar. Não foram previstos pelos dirigentes estalinistas nem pelos reformistas. As damas e cavalheiros intelectuais, que se consideravam marxistas (a maioria deles passou décadas falando de “luta armada”, de insurreição, etc.), não só deixaram de prever o movimento dos trabalhadores franceses, eles simplesmente negavam qualquer possibilidade de movimento dos trabalhadores.
Tomemos um dos “teóricos” marxistas acadêmicos, André Gorz. Este indivíduo escreveu em um artigo o seguinte: “no futuro previsível não haverá nenhuma crise do capitalismo europeu radical o suficiente para levar as massas de trabalhadores a greves gerais revolucionárias ou insurreições armadas em apoio a seus interesses vitais” (A. Gorz, Reform and Revolution, Publicado em The Socialist Register 1968, ênfase minha). Estas linhas foram publicadas em meio à maior greve geral revolucionária da história.
Gorz não era o único que descartava a luta revolucionária da classe trabalhadora. O “grande marxista” chamado Ernest Mandel, apenas um mês antes destes grandes acontecimentos, falou em uma reunião em Londres. Durante sua intervenção, falou sobre tudo o que há abaixo do sol, mas não dedicou uma só palavra à situação da classe trabalhadora francesa. Quando na sala uma ou duas pessoas lhe perguntaram sobre esta contradição, sua resposta foi: “os trabalhadores estão aburguesados e ‘americanizados’”; os trabalhadores franceses não protagonizariam nenhum acontecimento deste tipo durante os próximos vinte anos. 
O contexto
O que nenhum destes cavalheiros compreendia era que o longo período de auge capitalista que começou em 1945 transformou a correlação de forças de classe e fortaleceu enormemente a classe trabalhadora européia. Depois da experiência da Comuna de Paris a burguesia francesa passou a ter um medo mortal do crescimento do proletariado e tratou de evitá-lo desenvolvendo uma economia rentista, parasitária muito baseada no capital financeiro, nos bancos e nas colônias. Contudo, depois da Segunda Guerra Mundial a indústria francesa se desenvolveu profundamente e provocou um rápido fortalecimento do proletariado e um declive geral do campesinato.
O desenvolvimento da indústria tornou o proletariado muito mais forte do que nos anos trinta e ainda mais forte do que na época da Comuna de Paris, quando praticamente todos os trabalhadores se encontravam em pequenas empresas. Inclusive, em 1931, quase dois terços de todas as empresas industriais da França não empregavam trabalhadores assalariados e o terço restante empregava menos de dez. Somente 0,5% das empresas industriais empregavam mais de cem trabalhadores.
Na crise revolucionária de 1936 a metade da população francesa obtinha seu sustento da agricultura, hoje a população rural é inferior a 6% da população. Em 1968 a classe assalariada havia crescido não só em número, mas também em termos de seu potencial de luta. Em 1968 essa mudança fundamental pôde ser vista no papel chave desempenhado pelas gigantescas fábricas como a Renault de Flins, com uma planta de 10.500 trabalhadores, dos quais 10.000 participaram dos piquetes e com um mínimo de 5.000 trabalhadores assistindo regularmente às assembléias de greve.
Em 1936, quando a correlação de forças de classe era infinitamente menos favorável, numa situação onde nem um décimo havia avançado, Trotski disse que o PCF e o PSF poderiam ter tomado o poder:
“Se o partido de León Blum realmente fosse socialista, poderia, baseando-se na greve geral, ter derrotado a burguesia, em junho, quase sem guerra civil, com mínimos transtornos e sacrifícios. Porém, o partido de Blum é um partido burguês, o irmão mais novo do podre Radicalismo”. (Leon Trotski. On France, p. 178, ênfase minha).
A correlação de forças em 1968 era imensamente mais favorável. Era possível a transformação pacífica se os dirigentes do PCF tivessem agido como marxistas. É importante insistir neste ponto. Somente a traição dos dirigentes reformistas, que se negaram a tomar o poder quando existiam as circunstâncias mais favoráveis, impediu que os trabalhadores franceses tomassem o poder.
O papel dos estudantes
Os estudantes sempre são um barômetro sensível às tensões que estão se acumulando nas profundezas da sociedade. A onda de manifestações e ocupações estudantis que precederam os acontecimentos de maio foi como um relâmpago que anuncia a tormenta. Nos meses anteriores a maio já havia uma efervescência entre os estudantes que havia se expressado em uma série de manifestações e ocupações.
Frente à onda ascendente de protestos estudantis o reitor da prestigiosa universidade Sorbone decidiu fechá-la, era a segunda vez em seus setecentos anos de história. A primeira vez aconteceu em 1940 quando os nazistas ocuparam Paris. A tentativa da polícia de liberar o pátio da Sorbone em 03 de maio foi a centelha que acendeu o fogo.
A violência irrompeu no Bairro Latino, com o resultado de mais de cem feridos e 596 presos. No dia seguinte os cursos foram suspensos na Sorbone. As principais organizações estudantis, a UNEF e a Snesup, convocaram greves indefinidas. Em 06 de maio houve novos enfrentamentos no Bairro Latino: 422 presos, 345 policiais e uns 600 estudantes ficaram feridos. A repressão provocou uma indignação generalizada.
Os estudantes enfurecidos arrancaram paralelepípedos para arremessar contra os policiais e levantaram barricadas seguindo a boa e velha tradição francesa. Os estudantes das universidades de toda a França saíram em seu apoio.
Na noite de 10 de maio houve uma ampla revolta no Bairro Latino. Os manifestantes levantaram barricadas e a polícia os atacou com grande violência. Os bandidos armados da CRS (polícia anti-distúrbios) tomaram de assalto apartamentos privados e golpearam selvagemente gente simples e corrente, até mesmo uma mulher grávida. Mas, se depararam com uma resistência que não esperavam. Os parisienses de suas janelas bombardearam a polícia com vasos de plantas e outros objetos pesados. Dos 367 hospitalizados, 251 eram policiais. Outras 720 pessoas ficaram feridas e 468 foram presas. Carros foram destruídos ou queimados. O Ministro da Educação insultou os manifestantes: “Ni doctrine, ni foi, ni loi” (Nem doutrina, nem fé, nem lei).
Durante a primeira semana, os dirigentes do PCF haviam menosprezado os estudantes e os dirigentes sindicais e tentaram ignorá-los. L’Humanité publicou um artigo daquele que seria o futuro líder do PCF, George Marchais, com o título: Os falsos revolucionários têm de ser desmascarados. Mas, ante a indignação geral da população e a pressão da base, a burocracia sindical teve que entrar em ação. No dia 11 de maio os principais sindicatos, CGT, CFDT e FEN, convocaram uma greve geral para 13 de maio. Umas 200.000 pessoas manifestaram-se gritando palavras de ordem tais como: “De Gaulle assassino!”.
George Pompidou, então primeiro ministro, regressou rapidamente a Paris e anunciou a reabertura da Sorbone nesse mesmo dia. Pretendia com este gesto abrir as portas para um compromisso visando evitar uma explosão social. Mas, era demasiado pouco e demasiado tarde. As massas entenderam isso como um sinal de debilidade e seguiram adiante.
A greve geral
A efervescência entre os estudantes era apenas a manifestação mais evidente do descontentamento da sociedade francesa. Apesar do auge econômico, os empresários franceses haviam aplicado uma pressão violenta sobre os trabalhadores. Abaixo da superfície de aparente calma existia um enorme acúmulo de descontentamento, rancor e frustração. Já em janeiro houve violentos conflitos durante uma manifestação de grevistas em Caen.
A greve geral de 13 de maio marcou um ponto de inflexão qualitativo. Centenas de milhares de estudantes e trabalhadores se lançaram às ruas de Paris. Uma idéia da situação é a descrição que se segue da poderosa manifestação de um milhão de pessoas que tomaram as ruas de Paris no dia 13 de maio:
“Fileiras passavam incessantemente. Havia seções inteiras de trabalhadores de hospitais com seus jalecos brancos, alguns carregavam cartazes onde se podia ler: ‘Où sont les disparus des hôpitaux?' (Onde estão os feridos desaparecidos?). Cada fábrica, cada centro de trabalho importante parecia estar representado. Havia numerosos grupos de ferroviários, carteiros, gráficos, metroviários, aeroportuários, comerciários, eletricistas, advogados, garis, bancários, trabalhadores da construção civil, vidreiros, químicos, faxineiros, empregados municipais, pintores e decoradores, trabalhadores do gás, balconistas, escriturários, trabalhadores do cinema, motoristas de ônibus, professores, trabalhadores das novas indústrias de plástico, todos eles em fila, o sangue da sociedade capitalista moderna, uma massa interminável, uma força que podia arrastar tudo que estivesse em seu caminho, se assim o desejasse”. (Citado em Revolutionary Rehearsals, p.12).
Os dirigentes dos sindicatos esperavam que esta manifestação fosse suficiente para deter o movimento, não tinham intenção de continuar e estender a greve geral. Para eles a manifestação era apenas uma maneira de liberar vapor. Porém, uma vez iniciado o movimento imediatamente ganhou vida própria. A convocatória de greve geral foi como uma grande rocha lançada sobre um lago tranqüilo. As ondas se estenderam a cada canto da França. Ainda que houvesse apenas aproximadamente três milhões de trabalhadores organizados em sindicatos, participaram da greve cerca de 10 milhões e começou uma série de ocupações de fábricas em toda França.
No dia 14 de maio, um dia depois da manifestação de massas em Paris, os trabalhadores ocuparam a Sud-Aviation em Nantes e a fábrica da Renault em Cléon, seguidos pelos trabalhadores da Renault em Flins, Le Mans e Boulogne-Billancourt. Greves foram iniciadas em outras fábricas por toda a França, como em RATP e SNCF. Os jornais não saíram. No dia 18 de maio, os mineiros do carvão pararam de trabalhar e o transporte público ficou paralisado em Paris e em outras cidades importantes. Os trens foram os próximos, depois o transporte aéreo, os estaleiros, os trabalhadores do gás e da eletricidade (que decidiram manter o abastecimento doméstico), os correios e as barcas que atravessam o Canal da Mancha.
Os trabalhadores tomaram o controle dos recursos petroleiros em Nantes, negaram a entrada a todos os caminhões tanques que não tivessem a autorização do comitê de greve. Foi formado um piquete no único fornecedor de gasolina que funcionava na cidade, assim garantiu-se que o único combustível liberado era para os médicos. Foram estabelecidos contatos com as organizações camponesas nas zonas periféricas, organizou-se o abastecimento de comida, os preços foram fixados pelos trabalhadores e camponeses. Para evitar a especulação, as lojas tinham que deixar à vista um adesivo com as palavras: “Esta loja está autorizada a abrir. Os preços estão sob supervisão permanente dos sindicatos”. O adesivo ia assinado pela CGT, CFDT e FO. Um litro de leite era vendido por 50 centavos, seu preço normal era de 80 centavos. O quilo da batata baixou de 70 para 12 centavos. O quilo da cenoura passou de 80 a 50 centavos e assim sucessivamente.
Os estudantes, os professores, os profissionais, camponeses, cientistas, jogadores de futebol, até mesmo as bailarinas do Follies Bergères foram à luta. Em Paris os estudantes ocuparam a Sorbone. O teatro l’Odeon foi ocupado por 2.500 estudantes e os estudantes do ensino médio ocuparam suas escolas:
“A febre de ocupação afetou a intelligentsia. Os médicos radicais ocuparam as sedes da Associação Médica, os arquitetos radicais proclamaram a dissolução de sua associação, os atores fecharam todos os teatros da capital, os escritores encabeçados por Michel Butor ocuparam a Societe de Gens de Lettres no Hotel de Massa. Inclusive os executivos das empresas participaram ocupando durante um tempo o edifício do Conseil National du Patronat Français, depois se deslocaram para a Confederation Generale des Cadres”. (David Caute. Sixty Eight, the Year of the Barricades, p.203).
Como as escolas estavam fechadas, os professores e os estudantes organizaram vigílias, brincadeiras, comidas gratuitas e atividades para os filhos dos grevistas. Foram criados comitês de mulheres de grevistas que tiveram um papel importante na organização do abastecimento de alimentos. Não só os estudantes, como também os advogados profissionais estavam infectados pelo vírus da revolução. Os astrônomos ocuparam um observatório. Houve uma greve no centro de pesquisa nuclear de Saclay, onde a maioria dos 10.000 empregados eram pesquisadores, técnicos, engenheiros e cientistas. Até a igreja foi afetada. No Bairro Latino, jovens católicos ocuparam a igreja e exigiam debates no lugar das missas.
O poder nas ruas
Os distúrbios continuavam em Paris, os trabalhadores e estudantes desafiavam o gás lacrimogêneo e as baterias de policiais. Em uma só noite houve 795 presos e 456 feridos. Os manifestantes tentaram incendiar a Bolsa de Paris considerada um símbolo odiado do capitalismo. Um comissário de polícia foi morto em Lyon por um caminhão.
Uma vez na luta, os trabalhadores começaram a ter iniciativas que iam mais além dos limites de uma greve normal. Um elemento fundamental na equação foram os meios de comunicação de massas. Formalmente, são armas poderosas nas mãos do Estado, mas também dependem dos trabalhadores, que fazem funcionar as emissoras de rádio e televisão. No dia 25 de maio, a rádio televisão estatal, a ORTF, entrou em greve. Suprimiram as notícias das oito da noite. Os gráficos e jornalistas impuseram uma espécie de controle operário sobre a imprensa. Os jornais burgueses tinham que submeter seus editoriais ao escrutínio e deviam publicar as declarações dos comitês de trabalhadores.
A Assembléia Nacional discutiu a crise universitária e as batalhas do Bairro Latino. Porém, os debates nos salões da assembléia já eram irrelevantes. O poder havia escapado das mãos dos legisladores e agora estava nas ruas. No dia 24 de maio, o presidente De Gaulle anunciou o referendo no rádio e na televisão. O plano de De Gaulle de celebrar um referendo foi frustrado pela ação dos trabalhadores. O general foi incapaz até mesmo de imprimir as cédulas do referendo devido à greve dos trabalhadores das gráficas franceses e a negativa de seus colegas belgas de atuar como fura greves. Este não foi o único exemplo de solidariedade internacional. Os condutores de trens alemães e belgas detinham seus trens na fronteira francesa para não romper a greve.
As forças da reação, até esse momento em estado de choque e obrigadas a estar na defensiva, começaram a se organizar. Foram criados Comitês de Defesa da República, CDR, como tentativa de mobilizar a classe média contra os trabalhadores e estudantes. A correlação de forças de classe não é uma questão puramente numérica do tamanho da classe trabalhadora em relação ao campesinato e da classe média em geral. Uma vez que o proletariado entre na luta decisiva e demonstra ser uma força poderosa na sociedade, atrai rapidamente a massa explorada de camponeses e de pequenos comerciantes que são vítimas dos bancos e dos monopólios. Este fato era evidente em 1968, quando os camponeses levantaram bloqueios nas estradas ao redor de Nantes e distribuíram comida grátis aos grevistas.
O mito do “Estado forte”
O movimento pegou a classe dominante e o governo totalmente desprevenidos. Estavam aterrorizados ante o movimento dos estudantes, Pompidou admitia em suas memórias: 
“Alguns... pensaram que, ao reabrir a Sorbone e ao libertar os estudantes, eu havia demonstrado fraqueza e que havia posto a agitação em marcha novamente. Eu responderia simplesmente o seguinte: suponhamos que na segunda-feira 13 de maio a Sorbone permanecesse fechada sob proteção policial. Quem poderia imaginar que a multidão, avançando até Denfert-Rocearau não conseguiria entrar levando tudo a sua frente como um rio em uma inundação? Preferi dar a Sorbone aos estudantes que vê-la tomada pela força”. (G. Pompidou. Por Rétablir une Verité, pp. 184-185). 
Em outra parte acrescenta:
“A crise era infinitamente mais séria e mais profunda; o regime se manteria ou seria derrotado, mas não poderia ser salvo com uma simples remodelação ministerial. Não era minha posição que estava em dúvida. Era o general De Gaulle, a Quinta República e, até certo ponto, o próprio poder republicano”. (Ibíd., p. 197, ênfase minha).
A que se referia Pompidou quando falava que “o próprio poder republicano” estava em perigo? O que queria dizer é que o Estado burguês estava em perigo de ser derrotado. E, nessa idéia, tinha bastante razão. Mais a frente Pompidou tentou acabar com a crise reabrindo a Sorbone, mas o movimento simplesmente foi além, com uma manifestação de 250.000 pessoas. Aterrorizado com a possibilidade dos estudantes se unirem aos trabalhadores e tomar o Elysée, o palácio presidencial foi evacuado.
De Gaulle, inicialmente, depositou sua confiança nos dirigentes estalinistas para salvar a situação. Disse a seu ajudante de Campo Naval, François Flohic: “Não se preocupe, Flohic, os comunistas os manterão sob controle”. (Phillippe Alexandre. L’Elysée em péril, p.299).
O que essas palavras demonstram? Nem mais nem menos que o sistema capitalista não poderia existir sem o apoio dos dirigentes operários reformistas (e estalinistas). Este apoio lhes é muito mais valioso do que qualquer quantidade de tanques e policiais. De Gaulle, como burguês inteligente, entendia isso perfeitamente. Em uma tentativa de demonstrar sua suprema indiferença em relação aos acontecimentos na França, o presidente De Gaulle fez uma visita de estado à Romênia, onde foi recebido com os braços abertos pelo “comunista” Ceausescu. Contudo, a confiança do general não duraria muito.
A essência de uma revolução, o que a caracteriza, é o fato das massas começarem a participar ativamente dos acontecimentos, começarem a tomar os problemas em suas próprias mãos. Quando voltou à França, os dirigentes “comunistas” estavam perdendo o controle. A bandeira vermelha tremulava nas fábricas, escolas e universidades, nas agências de emprego e até mesmo em observatórios espaciais. O governo era impotente, estava suspenso no ar devido à insurreição. O “Estado forte” gaullista estava paralisado. O poder estava de fato nas mãos da classe trabalhadora.
Os informes da rápida deterioração da situação em Paris chocaram De Gaulle. Frente à maré crescente de rebelião o presidente teve que abandonar sua pose de indiferença, interromper sua viagem a Romênia e regressar rapidamente a França. No palácio de Elysée, o presidente De Gaulle proferiu as palavras imortais: “La réforme, oui; la chienlit, non” (Reforma, sim, crianças pirracentas, não!). A palavra chienlit é difícil de ser traduzida, se refere a uma criança que ainda não aprendeu a utilizar o mictório.
Ao utilizar esta linguagem, De Gaulle expressou seu desprezo pelos “garotos” nas ruas. Porém, o movimento já havia ido mais além da etapa das manifestações estudantis. Era como uma enorme bola de neve descendo uma íngreme montanha, ganhando força e impulso a cada momento. As mais inesperadas camadas sociais se viram arrastadas pelo rodamoinho da luta revolucionária. Os profissionais do cinema ocuparam o festival de cinema de Cannes. Importantes diretores do cinema francês retiraram seus filmes da competição e o corpo de jurados renunciou, obrigando o cancelamento do festival.
Calcula-se que no dia 20 de maio 10 milhões de pessoas estavam em greve, o país estava praticamente paralisado. No dia 22 de maio uma moção de censura apresentada pelos partidos da oposição não foi aprovada, faltaram-lhes 11 votos para obter a maioria na Assembléia Nacional. O governo estava em uma situação instável e De Gaulle recolhido ao desespero. Foi precisamente neste momento que os dirigentes das confederações sindicais lançaram um bote salva-vidas para De Gaulle, fazendo uma declaração, na qual demonstravam sua disposição a negociar com a associação de empresários e com o governo.
A Assembléia Nacional aprovou uma anistia para os manifestantes. Naturalmente! Não conseguiram esmagar o movimento através da repressão, então as autoridades recorreram às concessões para tentar esfriar a situação e ganhar tempo. Desta maneira, tanto o governo como os dirigentes sindicais colaboraram para desviar o movimento revolucionário e conduzi-los a canais seguros. Enquanto ofereciam concessões aos dirigentes estudantis e sindicais, o Estado continuava com a repressão seletiva dirigida contra aqueles que eram considerados elementos subversivos. Como no caso de Daniel Cohn-Bendit, retiraram deste estudante anarquista o visto de permanência no País. Foi um movimento estúpido já que a influência real de Cohn-Bendit no movimento era mínima. Mas a ação do governo conseguiu provocar uma manifestação de massas em Paris para protestar contra esta medida. 
De Gaulle desmoralizado
O biógrafo de De Gaulle, Charles Williams, descreve de maneira gráfica seu estado de ânimo às vésperas de seu discurso a nação no dia 24 de maio:
“Não há dúvidas que depois da excitação na Romênia, o general estava profundamente abalado com o que encontrou em seu regresso a França. Durante os seguintes três dias, a alguém que o visitasse depois de algum tempo o general pareceria velho e indeciso, seu andar encurvado estava cada vez mais acentuado. Parecia que tudo isso estava sendo demais para ele.
“O discurso de 24 de maio, quando se deu, foi um fracasso total. O general parecia e soava pouco sincero, assustado. É certo, anunciou um referendo sobre ‘participação’, mas não estava claro qual seria o conteúdo concreto da pergunta e pareceu um truque para aqueles que lhe escutaram. Disse que era o dever do Estado assegurar a ordem pública, mas faltava a sua voz a velha ressonância e suas frases, ainda que usasse a velha linguagem solene, de alguma maneira já não possuía a mesma convicção. Apresentou-se como um homem velho, cansado e ferido. Sabia que tinha perdido. ‘Não alcancei o objetivo’, disse nesta noite. O melhor que Pompidou lhe disse foi: ‘Poderia ter sido pior’.
“Mas o estado de ânimo de De Gaulle na manhã do dia 25 de maio havia piorado. Estava, nas palavras de um de seus ministros, ‘prostrado, encurvado, envelhecido’. Repetia uma e outra vez, ‘isto é uma confusão’. Outro ministro se deparou com um homem velho que não ‘tinha planos para o futuro’. O general mandou buscar seu filho Phillippe, que encontrou seu pai ‘cansado’ e se deu conta de que quase não havia dormido. Phillippe sugeriu que o pai poderia partir para o porto atlântico de Brest – sombras de 1940 – mas disse a ele que não se renderia.
“Do dia 25 ao dia 28 de maio, De Gaulle permaneceu em um estado de profundo pessimismo. As negociações de Pompidou com os sindicatos foi uma farsa. Simplesmente havia dado a eles tudo o que pediam: grandes aumentos salariais, benefícios sociais e um aumento de 35% para o salário mínimo. O único obstáculo era que, inclusive depois de ter assinado, a CGT insistiu que tinham que ser ratificados por seus militantes. George Séguy, o dirigente da CGT, foi rapidamente ao bairro parisiense de Billancourt, onde 12.000 trabalhadores da Renault estavam em greve. Quando apresentou o acordo aos trabalhadores, estes o humilharam rechaçando-o de imediato. Os ditos acordos de Grenelle foram abortados.
“O conselho de ministros se reuniu às três da tarde do dia 27 de maio, pouco depois dos trabalhadores rechaçarem os acordos de Grenelle. O general presidia o conselho, mas notou-se que seu coração e sua mente estavam longe. Olhava seus ministros sem vê-los, seus braços jogados sobre a mesa a sua frente, ombros caídos, aparentemente ‘totalmente indiferente’ ao que se passava a seu redor. Houve uma discussão sobre o referendo, o general aparentemente só ouviu pedaços da discussão” (C. Williams, The Last Great Frenchman, A life of General De Gaulle, pp. 463-4-5, ênfase minha).
Estes fragmentos da biografia favorável a De Gaulle reproduzem uma imagem intensa de total desorientação, pânico e desmoralização em que estava imerso. Segundo o embaixador norte-americano, De Gaulle lhe havia dito: “o jogo acabou. Em poucos dias os comunistas estarão no poder”.
Intervenção militar?
A situação alcançou um ponto onde já não podia mais ser resolvida por métodos parlamentares normais. O que poderia ser feito? A intervenção militar foi uma das opções cogitadas por De Gaulle desde o começo da greve geral. Nas primeiras etapas da greve, planos foram elaborados para deter e aprisionar mais de 20.000 ativistas de esquerda no estádio de inverno, onde seriam vítimas de um destino similar ao de seus homólogos chilenos cinco anos mais tarde.
Porém, a operação nunca foi posta em prática. Estes planos do governo francês são idênticos aos planos de todas as classes dominantes na história quando se deparam com a revolução. O governo do Czar Nicolau (“o sangrento” como era chamado) era repleto de tais planos militares de contingência antes de fevereiro de 1917. Mas, outra coisa bem diferente era executar esses planos, como descobriu Nicolau a duras penas. O decisivo de uma revolução não são os planos dos regimes, e sim a correlação real de forças na sociedade. De Gaulle era um burguês muito astuto, plenamente consciente da situação real (a princípio, como veremos, subestimou o movimento, o resultado foi um erro muito sério. Como os demais, não esperava que os trabalhadores franceses entrassem em movimento).
De Gaulle estava à beira do abismo. Aterrorizado pelo imenso alcance do movimento, o general estava completamente pessimista. Estava convencido de que os dirigentes comunistas chegariam ao poder. Inúmeras testemunhas confirmam que De Gaulle estava totalmente atônito e desmoralizado, e que pelo menos duas vezes contemplou a idéia de fugir do país. Seu próprio filho havia pedido que ele escapasse por Brest, outras fontes dizem que considerou a possibilidade de permanecer na Alemanha Ocidental, onde visitaria o general Massu. De Gaulle era um político inteligente e calculista que nunca agia por impulsos e raramente perdia os nervos. Disse ao embaixador norte-americano: “o jogo acabou. Em poucos dias os comunistas estarão no poder”. Acreditava nisso. E não era só ele, a maioria da classe dominante também acreditava.
No papel, De Gaulle tinha a disposição uma formidável máquina de repressão. Havia cerca de 144.000 policiais (armados) de diferentes categorias, dos quais 13.500 eram da tristemente famosa polícia anti-distúrbios (CRS), e cerca de 261.000 soldados a postos na França ou na Alemanha Ocidental. Se a questão é abordada de um ponto puramente quantitativo, então deveria ser descartada não só a possibilidade de uma transformação pacífica, como também da revolução em geral, e não somente na França de 1968. Deste ponto de vista, nenhuma revolução jamais poderia triunfar em toda a história. Mas a questão não pode ser colocada desta maneira.
Em toda revolução levantam-se vozes que tentam assustar a classe oprimida com o espectro da violência, o derramamento de sangue e a “inevitabilidade da guerra civil”. Kamenev e Zinoviev falavam exatamente da mesma forma em vésperas da insurreição de Outubro. Hoje, Heinz Dieterich e os reformistas na Venezuela utilizam a mesma linha de argumentação para tentar colocar freios à revolução venezuelana.
“Os adversários da insurreição, até mesmo nas fileiras do Partido Bolchevique, encontravam muitos motivos para suas deduções pessimistas. Zinoviev e Kamenev advertiam que não se podiam subestimar as forças do adversário. ‘Petrogrado decide, mas em Petrogrado os inimigos dispõem de forças importantes: cinco mil junkers perfeitamente armados e que sabem lutar; um Estado Maior; batalhões de choque; cossacos; e uma parte importante da guarnição, mais uma considerável artilharia disposta em leque ao redor de Petrogrado. Além disso, quase seguramente os adversários tentarão trazer tropas do front com a ajuda do Comitê Executivo Central... ”
Trotsky respondeu às objeções de Kamenev e Zinoviev da seguinte forma:
“A lista soa imponente, mas é apenas uma lista. Se um exército, em seu conjunto, é um reflexo da sociedade, então quando a sociedade se divide abertamente, ambos os exércitos são cópias dos bandos em combate. O exército dos possuidores levava dentro de si o verme do isolamento e da desagregação” (Leon Trotski, Historia de la Revolución Rusa, p. 1042).
Vítima do pânico De Gaulle desapareceu de repente, viajou para a Alemanha onde teve uma reunião secreta com o general Massu, o homem responsável pelas tropas francesas a postos em Baden-Wurttemberg. O conteúdo preciso destas conversas nunca foi conhecido, mas não é necessária muita imaginação para se ter uma idéia do que foi perguntado: “Podemos contar com o exército?” A resposta não está registrada em nenhuma fonte escrita por razões óbvias. Contudo, The Times enviou seu correspondente à Alemanha para entrevistar os soldados franceses, a grande maioria era de filhos da classe trabalhadora que cumpriam o serviço militar obrigatório. Um dos entrevistados respondeu à pergunta de se ele abriria fogo contra os trabalhadores: “Nunca! Acho que seus métodos (dos trabalhadores) podem ser um tanto duros, mas sou filho de um trabalhador”.
Em seu editorial The Times fazia a seguinte pergunta: “De Gaulle pode utilizar o exército?” e respondia sua própria pergunta dizendo que talvez pudesse utilizá-lo uma vez. Em outras palavras, bastaria apenas um enfrentamento sangrento para romper em pedaços o exército. Esta era a avaliação dos estrategistas mais duros do capital internacional daquela época. Não há nenhuma razão para duvidar de sua palavra nesta ocasião.
Crise do Estado
No dia 13 de maio uma organização sindical da polícia que representava 80% do corpo policial publicou uma declaração em que “... considera a declaração do primeiro-ministro um reconhecimento de que os estudantes tinham razão, e uma renúncia total às ações da força policial que o próprio governo ordenou. Nessas circunstâncias é surpreendente que não se buscasse um diálogo efetivo com os estudantes antes que se produzissem estes lamentáveis acontecimentos”. (Le Monde, 15/5/1968).
Se esta era a postura da polícia, o efeito da revolução sobre a base do exército seria ainda maior. E assim era, apesar da falta de informação, existiam relatos de efervescência entre as forças armadas e inclusive um motim na marinha. O porta-aviões Clemenceau, deveria ir ao Pacífico para um teste nuclear, de repente deu meia volta e regressou a Toulon sem explicações. Chegaram notícias de um motim a bordo que dizia que haviam sido “perdidos no mar” vários marinheiros (Le Canard Enchiné. 19/6/68; foi publicado um relato completo em Action dia 14 de junho, mas foi confiscado pelas autoridades).
Segundo um famoso aforismo de Mao: “o poder emana da ponta do fuzil”. Porém, os fuzis são empunhados por soldados que não vivem no espaço sideral, estes também são influenciados pelo estado de ânimo das massas. Em qualquer sociedade, a polícia é mais atrasada que o exército. Contudo, na França, a polícia, citando um editorial de The Times (31/5/1968), “ferve de descontentamento”.
“Ferve de descontentamento com o tratamento que o governo lhes dá” dizia o artigo, “e o departamento encarregado da informação sobre a atividade estudantil esteve deliberadamente privando o governo de informação sobre os dirigentes estudantis, em apoio a suas reivindicações salariais.
“... Tampouco a polícia esteve muito impressionada com o comportamento do governo desde que começaram os distúrbios. ‘Estão aterrorizados em perder nosso apoio’ disse um homem.
“Tal descontentamento é uma das razões da aparente inatividade da polícia de Paris nestes últimos dias. Na semana passada, homens de diferentes departamentos locais negaram-se a sair dos cruzamentos e praças da capital” (The Times; 31/5/1968; ênfase minha).
Um panfleto publicado por membros do RIMECA (regimento de infantaria mecanizada) localizado em Mutzig, perto de Estrasburgo, indicava que seções do exército já estavam sendo afetadas pelo ânimo das massas. Incluía os seguintes fragmentos: 
"Como todos os soldados da leva, estamos confinados aos quartéis. Estão nos preparando para intervir como forças repressivas. Os trabalhadores e os jovens precisam saber que os soldados do contingente NUNCA DISPARARÃO CONTRA OS TRABALHADORES. Nós dos Comitês de Ação nos opomos a todo custo que os soldados cerquem as fábricas.
“Amanhã ou depois de amanhã esperam que cerquemos uma fábrica de armamentos, cujos trezentos trabalhadores querem-na ocupar. CONFRATERNIZAREMOS.
“Soldados do contingente, formem vossos comitês! (Citado em Revolutionary Reherasals; p. 26).
A publicação deste panfleto foi claramente um exemplo excepcional dos elementos mais revolucionários entre os conscritos. Mas, em meio a uma revolução de proporções tão massivas, é possível duvidar que a base do exército rapidamente se contagiasse com o vírus da rebelião? Os estrategistas do capital internacional não duvidavam disso, muito menos seus homólogos franceses.
Quem salvou De Gaulle?
Não foi absolutamente o exército nem a polícia (estes estavam tão desmoralizados que inclusive a reacionária inteligência, como vimos, se negou a colaborar com o governo contra os estudantes) que salvaram o capitalismo francês, e sim a atuação dos dirigentes sindicais e estalinistas. Esta conclusão não é apenas nossa, também encontra apoio na Enciclopédia Britânica:
“De Gaulle parecia incapaz de controlar a crise ou de compreender sua natureza. Contudo, os dirigentes comunistas e sindicais proporcionaram-lhe um respiro, opuseram-se a qualquer levantamento mais ousado, evidentemente temiam a perda de seus seguidores frente a seus rivais mais extremistas e anarquistas”.
Acuado, Georges Pompidou aceitou negociar com todos. Quando a classe dominante está ameaçada de perder tudo não se importa em alterar seus planos originais e torna-se disposta a fazer grandes concessões. Para tirar os trabalhadores das fábricas ocupadas e dissolver seu poder não hesitaram em oferecer aos dirigentes sindicais coisas além do que estes últimos pediam originalmente, aumento do salário mínimo, redução da jornada de trabalho e da idade de aposentadoria, restauração do direito de organização, etc.; em uma tentativa de deter os estudantes, Pompidou aceitou a demissão do Ministro da Educação.
Tanto o governo como os dirigentes sindicais estavam alarmados com o alcance do movimento e estavam decididos a detê-lo. No dia 27 de maio chegou-se a um acordo entre os sindicatos, as associações de empresários e o governo. Mas os dirigentes sindicais tinham a árdua tarefa de apresentar o acordo aos trabalhadores. Apesar das grandes concessões, os trabalhadores da Renault e de outras grandes empresas negaram-se a voltar ao trabalho. Lembro-me que estava em Paris em um bar com outras pessoas assistindo as assembléias de massas pela televisão dentro da gigantesca fábrica da Renault, onde se congregava um grande número de trabalhadores, alguns deles sentados nas gruas e nos cavaletes para escutar George Ségui, o secretário geral da CGT, que leu uma lista com aquilo que os empresários ofereciam: grandes aumentos salariais, pensões, redução da jornada e assim sucessivamente. Mas no meio de seu discurso foi interrompido pelos trabalhadores que cantavam: "Gouvernement populaire! Gouvernement populaire!". Lembro-me que ele não pôde terminar sua intervenção.
Nesse momento os trabalhadores já tinham consciência de sua própria força, tinham o poder a seu alcance e não estavam dispostos a abrir mão dele. Às 17 horas, 30.000 estudantes e trabalhadores marcharam desde Boelins ao estádio Cherléty, onde celebraram uma reunião com a presença de Pierre Mendés-France. Nesse mesmo dia a CGT convocou, previamente a este acordo, uma manifestação que conseguiu meio milhão de trabalhadores e estudantes nas ruas de Paris. Uma vez mais, o objetivo dos dirigentes sindicais e do Partido Comunista era proporcionar uma válvula de escape ao movimento, controlar o que deslizava de suas mãos.
A iniciativa passa a reação
No dia 30 de maio no rádio, o presidente De Gaulle anunciou a dissolução da Assembléia Nacional e disse que as eleições seriam realizadas dentro do calendário habitual. George Pompidou continuaria sendo o primeiro-ministro. Insinuou também que usaria a força para manter a ordem, se necessário. Era uma mensagem dirigida aos dirigentes sindicais e ao Partido Comunista. Estava oferecendo a eles a tentadora perspectiva das eleições e uma futura secretaria ministerial sob o regime burguês, e ao mesmo tempo era uma advertência de que a burguesia não entregaria o poder sem lutar.
O gabinete foi remodelado e as eleições convocadas para os dias 23 e 30 de junho. Ao mesmo tempo, De Gaulle tentou mobilizar suas forças fora do parlamento. Algumas dezenas de milhares de apoiadores do governo se manifestaram desde a Concordia até o Étoile. Foram realizadas manifestações similares de apoio ao governo em toda a França. Mas uma olhada mais atenta nas fotografias revelava imediatamente a verdadeira natureza dessas manifestações: prefeitos aposentados enrolados em faixas tricolores, cidadãos de classe média barrigudos, pensionistas e outras figuras parecidas indignadas e insatisfeitas com a sociedade.
Basta comparar estas fotografias com as manifestações massivas do proletariado alguns dias antes para descobrir a verdadeira correlação de forças. Tudo de vivo, forte e vibrante da sociedade francesa se reuniu sob a bandeira da revolução, enquanto que tudo de opaco, velho e decadente estava do outro lado das barricadas. Um bom empurrão bastava para derrubar tudo. O que faltava era um golpe de misericórdia, mas este nunca foi dado.
A classe trabalhadora não pode permanecer em uma situação de agitação constante. Não pode ser ligada ou desligada como uma lâmpada. Quando a classe se mobiliza para mudar a sociedade deve ir até o final ou fracassa. Ocorre o mesmo em uma greve. No início os trabalhadores estão entusiasmados e dispostos a participar nas assembléias de massas. Estão dispostos a lutar e fazer sacrifícios. Mas se a greve não tem um final à vista, o ambiente muda. Começando pelos elementos mais débeis, o cansaço finalmente chega. O comparecimento às assembléias de massas cai e os trabalhadores voltam ao trabalho.
Os dirigentes sindicais fizeram bom uso das concessões cedidas apressadamente pelos capitalistas, como um homem desesperado que lança um salva-vidas de um barco que afunda. O salário mínimo subiu para três francos à hora, os salários aumentaram e foram concedidas outras melhorias. Na ausência de outra perspectiva, muitos trabalhadores aceitaram o acordo que os dirigentes sindicais apresentaram como uma vitória. Na terça-feira, depois de um fim de semana com feriado no início de junho, a maioria dos grevistas pouco a pouco abandonou a luta, e os trabalhadores regressaram a seus trabalhos. 
1968 foi uma revolução
O que é uma revolução? Trotski explica que uma revolução é uma situação tal onde a massa de homens e mulheres normalmente apática começa a participar de maneira ativa na vida da sociedade, quando adquire consciência de sua força e se move para tomar seu destino em suas mãos. Isso é uma revolução. E foi o que aconteceu em uma escala colossal na França em maio de 1968.
Os trabalhadores franceses estenderam os músculos, tiveram consciência do enorme poder que tinham em suas mãos. Vimos aqui o imenso poder da classe trabalhadora na sociedade moderna: não se acende nem uma lâmpada, nenhuma roda se move e nenhum telefone toca sem a permissão dos trabalhadores. O maio de 1968 foi a resposta final a todos os covardes e céticos que duvidam da capacidade do proletariado para mudar a sociedade.
A correlação de forças da classe se expressou, não como um mero potencial ou uma estatística abstrata, e sim como um poder real nas ruas e nas fábricas. Na realidade, o poder estava nas mãos dos trabalhadores, mas eles não sabiam. Como qualquer outro exército, a classe trabalhadora necessita de uma direção. E isso era o que estava ausente em maio de 1968. Aqueles que deveriam ter proporcionado a direção, os dirigentes das organizações de massas da classe, os sindicatos e o Partido Comunista, não tinham a perspectiva da tomada do poder. Sua única preocupação era terminar a greve o mais rápido possível, devolver o poder a burguesia e retornar à “normalidade”.
Uma greve geral é diferente de uma greve normal porque coloca a questão do poder. O que está em jogo não é esse ou aquele aumento salarial, e sim quem é que manda na casa? No transcurso da luta a consciência dos trabalhadores aumentou a uma velocidade vertiginosa. Começaram a compreender que não se tratava de uma greve normal por reivindicações econômicas, mas algo maior. Tiveram consciência do poder em suas mãos e enxergavam a debilidade daqueles que se supunha representar todo o poder do Estado. A única coisa que faltou foi a eleição de delegados em cada centro de trabalho e a vinculação de comitês de greve em cada cidade e região, culminando na formação de um comitê nacional, que poderia ter tomado o poder em suas mãos, arremessando o velho poder estatal na lata de lixo da história.
Porém, nada disso foi feito e o enorme potencial revolucionário do movimento evaporou-se, como o vapor que se dissipa inofensivamente no ar se não há uma câmara de pistões que o concentre. Por fim, os trabalhadores regressaram ao trabalho e a classe dominante concentrou novamente o poder em suas mãos. Quando o movimento começou a minguar, o Estado iniciou sua vingança. Houve incidentes violentos, sobretudo no dia 11 de junho com 400 feridos, 1.500 detidos e um manifestante morto com um tiro em Montbéliard. No dia seguinte, foram proibidas as manifestações na França, pouco depois, os estudantes foram expulsos do Odéon e, dois dias mais tarde, da Sorbone.
Começou então a criminalização. Na cadeia estatal de rádio e televisão, ORTF, foram demitidos 102 jornalistas por suas atividades durante os acontecimentos. Enviaram a polícia às universidades de Nanterre e Sorbone para controlar os documentos de identidade dos estudantes e não saíram de lá antes de 19 de dezembro. Foi aprovado um pacote de medidas de austeridade no dia 28 de novembro na Assembléia Nacional. O Estado que não hesitou em esmagar os crânios dos estudantes e grevistas nas manifestações agora demonstrava clemência para com os fascistas, os terroristas de extrema direita da OAS. Enquanto Cohen-Bendit era expulso da França, Georges Bidault poderia regressar e Raoul Salan era libertado da prisão.
Os dirigentes reformistas e estalinistas foram castigados por sua covardia e a classe dominante negou-lhes os postos que almejavam intensamente. A campanha eleitoral começou em 10 de junho. No primeiro turno das eleições, a federação dos partidos de esquerda e os comunistas perderam terreno. No segundo turno, uma semana mais tarde, os partidos de direita conseguiram uma esmagadora maioria. A esquerda perdeu 61 cadeiras e os comunistas 39. Pierre Mendés-France (uma figura histórica da esquerda francesa) não foi reeleito em Grenoble. O Partido Comunista, que em 1968 era o principal partido da classe trabalhadora francesa, entrou em declínio e foi superado mais tarde pelo Partido Socialista, que em 1968 conseguira apenas quatro por cento dos votos e, portanto, parecia morto. O sindicato comunista, CGT, perdeu apoio frente à CFDT que em 1968 manteve uma posição mais combativa.
O maravilhoso movimento dos trabalhadores terminou em derrota. Porém, as tradições de Maio de 1968 permanecem na consciência dos trabalhadores da França e do mundo. Hoje, depois de um longo período de boom, o sistema capitalista está entrando novamente em crise e sairão à superfície todas as contradições que se acumularam durante os últimos vinte anos. Em toda a Europa estarão na ordem do dia grandes enfrentamentos de classe.
Não temos tempo para aqueles ex-revolucionários pequeno-burgueses que falam de 1968 em termos sentimentais e nostálgicos, como se fosse história antiga sem relevância prática alguma para o mundo em que vivemos. Mais cedo ou mais tarde os acontecimentos de 1968 reaparecerão, mas em um nível inclusive superior. Qual é o candidato mais provável para este cenário? Poderia perfeitamente ser a França, mas também a Itália, Grécia, Portugal ou Espanha ou qualquer outro país, e não só na Europa. Esperamos com impaciência o futuro. Desejamo-lo e nos preparamos para ele. Estamos tentando preparar a vanguarda, assim da próxima vez triunfaremos. E diante deste glorioso aniversário dizemos: A revolução não morreu. Viva a revolução!