quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Em memória de Friedrich Engels: Grande lutador e professor do proletariado moderno


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Esquerda Marxista - [Vladímir Illich Ulíanov Lênin] 5 de agosto, completaram-se 118 anos da morte Friedrich Engels (Barmen, 28 de novembro de 1820 — Londres, 5 de agosto de 1895) , que com Karl Marx, estabeleceram as bases da luta pelo socialismo científico.

Juntos desvendaram os segredos da exploração capitalista e dotaram o proletariado internacional dos meios e instrumentos para vencer o capital e terminar com o regime da propriedade privada dos meios de produção.Como homenagem a este grande homem, republicamos um artigo de Lenin sobre sua morte. Uma excelente hora para reler seus trabalhos e aprender a compreender e transformar o mundo.
"Meu azar é que, desde o momento em que perdemos Marx, cumpre-me ter de representá-lo. Ao longo de minha vida, fiz aquilo para que fui talhado, i.e. tocar o segundo violino, e creio ter realizado meu papel de modo inteiramente tolerável. Tive sorte por haver tido um primeiro violino tão famoso como Marx. Porém, se agora devo representar, em questões de teoria, a posição de Marx, isso não poderá transcorrer sem que incida em alguns equívocos e ninguém percebe isso mais do que eu mesmo. Apenas quando os tempos ficarem algo mais movimentados, tornar-se-á bem sensível para todos nós então o que é que foi que perdemos com Marx. Nenhum de nós possui aquela sua visão de conjunto, consoante a qual haveria de tão rapidamente agir, em determinado momento, adotando sempre a decisão correta e indo imediatamente ao ponto decisivo. Em tempos de calmaria, ocorreu, possivelmente, de os eventos terem-me dado razão em relação a Marx, porém, nos momentos revolucionários, seu julgamento era praticamente infalível."
Carta de Friedrich Engels a Johann Philipp Becker[2]
"Que tocha da razão deixou de arder!
Que coração deixou de bater!"
Nikolai Alekseievitch Nekrassov[3]
Em 5 de agosto de 1895, segundo o antigo calendário 24 de julho, faleceu na cidade de Londres, Friedrich Engels.
Depois de seu amigo Karl Marx (falecido em 1883), Engels foi o mais notável cientista e professor do proletariado moderno de todo o mundo civilizado.
A partir do momento em que o destino aproximou Karl Marx e Friedrich Engels, os dois amigos devotaram o trabalho de suas vidas a uma causa comum.
Por isso, para que entendamos o que fez Friedrich Engels pelo proletariado, há que ter uma ideia clara do significado dos ensinamentos e da obra de Marx para o desenvolvimento do movimento contemporâneo da classe trabalhadora.
Marx e Engels foram os primeiros a demonstrar que a classe trabalhadora e suas reivindicações constituem um produto necessário do presente sistema econômico que, juntamente com a burguesia, cria e organiza, de maneira inevitável, o proletariado.
Demonstraram que não são as tentativas de pessoas individuais bem intencionadas, mas sim a luta de classes do proletariado organizado que libertará a humanidade dos males que presentemente a oprimem.
Em seus trabalhos científicos, Marx e Engels foram os primeiros a esclarecer que o socialismo não é uma invenção de sonhadores, senão o objetivo final e o resultado necessário do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade moderna.
Toda a história registrada até os dias de hoje tem sido a história da luta de classes, da sequência da dominação e da vitória de certas classes sociais sobre outras.
E isso continuará sendo assim até que os fundamentos da luta de classes e da dominação de classe – a propriedade privada e a desordenada produção social – desapareçam.
Os interesses do proletariado exigem a destruição desses fundamentos e, sendo assim, a luta de classes consciente dos trabalhadores organizados há de ser dirigida contra esses últimos.
Toda a luta de classes é, porém, uma luta política.
Essas concepções de Marx e Engels foram acolhidas, na atualidade, por todo o proletariado que se encontra lutando por sua emancipação.
Porém, quando nos anos 40 do século XIX, esses dois amigos interviram na produção literária socialista e nos movimentos sociais daquela época seus pontos vistas eram inteiramente novidadeiros.
Havia, então, muitas pessoas talentosas e sem talento, honestas e desonestas, que, absorvidas pela luta em prol de liberdade política, contra o despotismo dos monarcas, autoridades policiais e padres, deixavam de ver o antagonismo, existente entre os interesses da burguesia e os do proletariado.
Tais pessoas não admitiam a ideia de os trabalhadores atuarem como força social independente.
Por outro lado, existiam muitos sonhadores – alguns deles verdadeiros gênios – que pensavam ser apenas necessário convencer os governantes e as classes dominadoras da injustiça da ordem social contemporânea para que fossem, então, facilmente estabelecidas a paz e o bem geral sobre a face da terra. Sonhavam com um socialismo sem lutas.
Por fim, quase todos os socialistas daquela época e os amigos da classe trabalhadora entreviam, geralmente, no proletariado apenas uma úlcera e observavam aterrorizados como essa úlcera crescia, concomitantemente com o crescimento da indústria.
Por essa razão, todos eles conjecturavam dos meios para deter o desenvolvimento da indústria e do proletariado, para fazer parar "a roda da história".
Opondo-se a esse temor generalizado, nutrido ante o desenvolvimento do proletariado, Marx e Engels depositavam, pelo contrário, todas as suas esperanças no contínuo desenvolvimento deste.
Quanto mais proletários houver, tanto maior a sua força enquanto classe revolucionária, tanto mais próximo e possível há de se tornar o socialismo.
Os serviços prestados por Marx e Engels à classe trabalhadora podem ser expressos em poucas palavras da seguinte forma: Ambos ensinaram a classe trabalhadora a conhecer-se a si mesma, tornando-se consciente de si mesma, e, assim procedendo, substituíram os sonhos pela ciência.
É por esse motivo que o nome e a vida de Engels devem ser conhecidos por todos os trabalhadores.
Eis por que, em nossa compilação de ensaios, cujo objetivo é o de despertar a consciência de classe dos trabalhadores da Rússia – objetivo esse também o de todas as nossas publicações -, temos de fornecer um bosquejo da vida e da obra de Friedrich Engels, um dos dois grandes professores do proletariado moderno.
Engels nasceu em 1820, na cidade de Barmen, Província do Reno do Reino da Prússia. Seu pai foi um fabricante. Em 1838, sem ter completado seus estudos ginasiais, Engels foi forçado, por circunstâncias devidas à sua vida familiar, a começar a trabalhar como empregado, em uma casa comercial, na cidade de Bremen.
As atividades comerciais não impediram Engels de dar continuidade à sua educação científica e política. Ainda quando se achava no ginásio, havia passado a odiar a autocracia e a tirania dos burocratas.
Os estudos da filosofia levaram-no a seguir adiante. Naquela época, o ensino da doutrina de Hegel dominava a filosofia alemã e Engels tornou-se um de seus discípulos.
Embora o próprio Hegel tivesse sido um venerador do Estado Prussiano autocrático, a cujo serviço se colocara na qualidade de Professor da Universidade de Berlim, a doutrina de Hegel era revolucionária.
A fé de Hegel na razão humana e nos Direitos do homem, bem como a tese fundamental da filosofia hegeliana de que o universo encontra-se submetido a um permanente processo de mudanças e desenvolvimento, levaram alguns dos discípulos do filósofo de Berlim – aqueles que se haviam recusado a aceitar a situação então existente – à ideia de que a luta contra essa mesma situação, a luta contra as injustiças existentes e o mal dominante, achava-se, igualmente, enraizada na lei universal do desenvolvimento eterno.
Se todas as coisas se desenvolvem, se determinadas instituições são substituídas por outras, por que deveriam subsistir por todo o sempre a autocracia do Reino da Prússia ou o Czarismo da Rússia, o enriquecimento de uma minoria insignificante a expensas da maioria esmagadora ou ainda a dominação da burguesia sobre o povo?
A filosofia de Hegel falava do desenvolvimento do espírito e das ideias: era uma filosofia idealista. A partir do desenvolvimento do espírito, conduzia ao desenvolvimento da natureza, do ser humano e das relações humanas e sociais. Preservando a ideia de Hegel sobre o eterno processo de desenvolvimento, Marx e Engels rechaçaram, porém, sua concepção idealista preconcebida[4].
Dedicando-se ao estudo da vida, viram que não é o desenvolvimento do espírito que explica o desenvolvimento da natureza, mas sim, inversamente, que cumpre explicar o espírito a partir da natureza, da matéria...
Diferentemente de Hegel e outros hegelianos, Marx e Engels eram materialistas.
Contemplando o mundo e a humanidade de modo materialista, aperceberam-se do fato de que, tal como as causas materiais subjazem a todos os fenômenos naturais, também o desenvolvimento da sociedade humana é condicionado pelo desenvolvimento das forças materiais, das forças produtivas.
Do desenvolvimento das forças produtivas dependem as relações que os homens mantêm, uns com os outros, na produção das coisas, imprescindíveis à satisfação das necessidades humanas.
Nessas relações, reside a elucidação de todos os fenômenos, relacionados com a vida social, as aspirações humanas, as ideias e as leis.
O desenvolvimento das forças produtivas cria relações sociais que se baseiam na propriedade privada.
Porém, vemos, agora, que esse próprio desenvolvimento das forças produtivas priva a maioria dos seres humanos de sua propriedade, concentrando-a nas mãos de uma ínfima minoria.
Ele suprime a propriedade, base da moderna ordem social, tendendo, por si mesmo, para o próprio objetivo que os socialistas fixaram para si mesmos.
Tudo que os socialistas têm a fazer é entender qual é a força social que, devido à sua posição na sociedade moderna, encontra-se interessada em realizar o socialismo, imprimindo, então, a essa força a consciência de seus interesses e de sua tarefa histórica.
A força em questão é o proletariado.
Engels veio a conhecer o proletariado na Inglaterra, em Manchester, no centro da indústria inglesa, onde se alojou em 1842, quando começou a trabalhar em uma firma comercial, da qual seu pai era um dos acionistas.
Aqui, Engels não se cingiu às atividades do escritório da firma, mas sim peregrinou pelos bairros miseráveis em que os trabalhadores achavam-se amontoados, testemunhando, com seus próprios olhos, a pobreza e indigência dos que trabalhavam.
Além disso, não se restringiu a formular suas observações pessoais.
Leu tudo aquilo que havia sido revelado antes dele acerca da condição da classe trabalhadora britânica e estudou, detidamente, todos os documentos oficiais aos quais podia ter acesso.
O produto desses estudos e observações foi o livro de sua autoria, surgido em 1845, sob o seguinte título: "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra."[5]
Já mencionamos acima qual foi grande mérito de Engels, por ter redigido o livro em destaque. Mesmo antes de Engels, muitas pessoas haviam descrito os sofrimentos do proletariado e realçado a necessidade de prestar-lhe ajuda. Engels foi, porém, o primeiro a dizer que o proletariado não é apenas uma classe que sofre, senão também que, na realidade, é a vergonhosa condição econômica do proletariado que o conduz, irresistivelmente, a marchar para diante, forçando-o a lutar em prol de sua emancipação definitiva.
Assim, é o proletariado em luta que há de ajudar-se a si mesmo. O movimento político da classe trabalhadora há de inevitavelmente conduzir os trabalhadores à compreensão de que sua única salvação encontra-se no socialismo.
Por outro lado, o socialismo tornar-se-á uma força apenas quando converter-se em objetivo da luta política da classe trabalhadora.
Eis as principais ideias do livro de Engels sobre a situação da classe trabalhadora na Inglaterra, ideias essas que, agora, surgem acolhidas por todos os proletários que raciocinam e combatem, mas que, outrora, revelavam-se inteiramente novas.
Tais ideias foram apresentadas em um livro, redigido em estilo cativante e permeado de imagens autênticas e comoventes da miséria do proletariado da Inglaterra. O livro em apreço representou uma terrível peça de acusação do capitalismo e da burguesia, produzindo profunda impressão. O livro de Engels passou a ser citado por todos os lados, como sendo a obra que melhor fornecia um quadro da situação do proletariado moderno.
E, com efeito, nem antes nem depois de 1845 produziu-se um quadro literário tão marcante e fidedigno sobre a miséria da classe trabalhadora. Apenas na Inglaterra, Engels tornou-se socialista.
Em Manchester, estabeleceu contatos com pessoas que atuavam no movimento operário britânico, naquele momento histórico, e começou a escrever para publicações socialistas, editadas na Inglaterra.
Em 1844, quando voltava à Alemanha, conheceu Marx, em Paris, com quem já havia iniciado a troca de correspondências. Em Paris, sob a influência da vida e dos socialistas franceses, também Marx havia-se tornado socialista. Nessa cidade, os dois amigos escreveram juntos um livro, dotado do seguinte título: "A Sagrada Família"[6]
O livro em destaque, que surgiu um ano antes do aparecimento de "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra" e foi redigido, na sua maior parte, por Marx, contém os fundamentos do socialismo materialista revolucionário, cujas principais ideias apresentamos acima.
"A Sagrada Família" é uma referência jocosa feita aos Irmãos Bauer e seus seguidores filósofos. Esses senhores pregavam uma doutrina crítica, situada acima de toda a realidade, acima dos partidos e da política, que rejeitava toda a atividade prática, vislumbrando apenas "criticamente" o mundo circunjacente e os eventos que nele se processavam. Os Senhores Bauer deitavam os seus olhos desdenhosamente sobre o proletariado, considerando-o como massa despojada de espírito crítico.
Marx e Engels opuseram-se, vigorosamente, a essa tendência absurda e nociva.
Em nome da pessoa humana real – em nome do trabalhador, pisoteado pelas classes dominantes e o Estado – exigiram não a contemplação, senão a luta, a ser travada em prol de uma melhor ordem social.
Evidentemente, consideraram o proletariado como força capaz de impulsionar essa luta, estando por ela interessado.
Mesmo antes do surgimento de "A Sagrada Família", Engels publicara nos "Anais Franco-Alemães" de Marx e Ruge seu "Ensaio Crítico sobre Economia Política", em que examinou os principais fenômenos da ordem econômica contemporânea, desde um ponto de vista socialista, focalizando-os como consequências necessárias da dominação da propriedade privada.[7]
O contato que Marx estabeleceu com Engels representou, indubitavelmente, uma importante contribuição para a sua decisão de ocupar-se com o estudo da econômica política, ciência essa na qual sua obra veio a produzir verdadeira revolução.
De 1845 a 1847, Engels viveu em Bruxelas e Paris, combinando trabalho científico e atividades práticas, empreendidas junto a trabalhadores alemães de ambas essas cidades.
Aqui, Marx e Engels estabeleceram contato com o grupo clandestino alemão "Liga dos Comunistas", que os encarregou da exposição dos principais princípios do socialismo que haviam elaborado[8]. Referida exposição surgiu apresentada no famoso « Manifesto do Partido Comunista » de Marx e Engels, publicado em 1848.
Surgindo na forma de uma pequenina brochura, vale por livros inteiros: até os dias de hoje, seu espírito inspira e dirige todo o proletariado organizado e combatente do mundo civilizado.
A Revolução de 1848 que irrompeu, primeiramente, na França e, então, expandiu-se por outros países da Europa Ocidental, reconduziu Marx e Engels a seu país de origem.
Na Prússia Renana, assumiram o jornal democrático "Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana)", publicado na cidade de Colônia[9]. Os dois amigos constituíam o coração e a alma de todas as aspirações democrático-revolucionárias no Reino da Prússia.
Combateram até às últimas consequências em defesa da liberdade e dos interesses do povo contra as forças da reação. Estas, como sabemos, acabaram triunfando. O "Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana)" foi proibido. Marx, que durante seu exílio havia perdido sua cidadania prussiana, foi deportado.
Engels participou da Insurreição Armada Popular, combatendo pela liberdade em três batalhas. Depois da derrota dos insurgentes revolucionários, fugiu, através da Suíça, para Londres. Marx também se instalou em Londres.
Engels logo voltou a trabalhar como empregado de escritório e, a seguir, tornou-se acionista da firma comercial de Manchester, na qual atuara, ao longo dos anos 40. Até 1870, viveu em Manchester, enquanto Marx vivia em Londres. Porém, esse fato não impediu que ambos mantivessem um intercâmbio de ideias extremamente vivo: correspondiam-se praticamente todos os dias.
Nessa sua correspondência, os dois amigos intercambiavam pontos de vista e descobertas, continuando a colaborar na elaboração do socialismo científico.
Em 1870, Engels mudou-se para Londres e a vida intelectual que ambos impulsionavam em conjunto, marcada pelo caráter mais laborioso, continuou até 1883, quando Marx faleceu.
Da parte de Marx, o fruto desse processo foi "O Capital", o maior trabalho de Economia Política de nossa era e, da parte de Engels, um número de trabalhos, quer de grande, quer de pequena dimensão.
Marx escreveu sobre a análise dos complexos fenômenos da economia capitalista. Engels, por sua vez, em trabalhos redigidos com simplicidade e frequentemente em tom de polêmica, tratou de problemas científicos de ordem mais geral e de diversos fenômenos do passado e do presente, consoante a lógica da concepção materialista da história e a teoria econômica de Marx.
Entre os trabalhos de Engels, insta mencionar os seguintes:
· O trabalho polêmico dirigido contra Dühring, examinando problemas nimiamente importantes, no domínio da filosofia, ciências naturais e sociologia[10];
· "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado", traduzido em língua russa, publicado em São Petersburgo, 3ª edição de 1895;
· "Ludwig Feuerbach", tradução russa e notas de G. Plekhanov, Genebra, 1892;
· Um artigo sobre a Política Externa do Governo Russo, traduzido em russo, no "Sotsial-Demokrat" (O Social-Democrata)[11];
· Esplêndidos artigos tratando da "A Questão da Habitação"[12] ;
· E, finalmente, dois pequenos, porém valiosos, artigos sobre o desenvolvimento econômico da Rússia, "Friedrich Engels sobre a Rússia", traduzido em língua russa por Zassulitch, Genebra, 1894[13].
Marx faleceu antes que pudesse elaborar os retoques finais de seu vasto trabalho sobre o capital. Contudo, o esboço do material já se encontrava finalizado e, após a morte de seu amigo, Engels empreendeu a pesada tarefa de preparar e publicar o Livro II e o Livro III de "O Capital". Publicou o Livro II, em 1885, e o Livro III, em 1894 (sua morte impediu-o de preparar a publicação do Livro IV).[14]
A publicação desses dois livros exigiu-lhe a prestação de uma colossal quantidade de trabalho. Adler, socialdemocrata austríaco, observou, corretamente, que, ao publicar o Livro II e Livro III de « o Capital », Engels erigiu um majestoso monumento ao gênio que fora seu amigo, um monumento no qual, sem expressamente pretendê-lo, insculpiu indelevelmente o seu próprio nome. Com efeito, esses dois livros de «O Capital» constituem o trabalho de dois homens: Marx e Engels.
Lendas da Antiguidade contêm vários exemplos comoventes de amizade. O proletariado europeu pode afirmar que sua ciência foi criada por dois sábios e lutadores, cujo relacionamento de um para com o outro sobre passa as mais comoventes histórias da Antiguidade sobre a amizade entre os homens.
Engels sempre – e, geralmente, de modo inteiramente correto – colocava a si mesmo em uma posição posterior a de Marx. Certa vez, escreveu a um velho amigo: "No tempo em que Marx viveu, eu tocava o segundo violino."[15]
Seu apreço por Marx, enquanto este viveu, e sua reverência à memória de Marx eram ilimitados. Esse lutador pertinaz e pensador austero possuía uma alma profundamente amável.
No exílio, depois do movimento de 1848-1849, Marx e Engels não ficaram enclausurados na pesquisa científica. Em 1864, Marx fundou a Associação Internacional dos Trabalhadores e dirigiu essa organização por toda uma década.[16]
Também Engels participou ativamente nas atividades da organização em foco.
O trabalho da Associação Internacional dos Trabalhadores que, consoante a ideia de Marx, unificou proletários de todos os países, foi de gigantesco significado para o desenvolvimento do movimento da classe trabalhadora.
Porém, mesmo com o encerramento da Associação Internacional dos Trabalhadores, ocorrido no curso dos anos 70, o papel de unificação, desempenhado por Marx e Engels, não deixou de existir.
Pelo contrário: vale dizer que sua importância enquanto dirigentes espirituais do movimento da classe trabalhadora cresceu continuadamente, porquanto o próprio movimento floresceu ininterruptamente.
Depois da morte de Marx, Engels prosseguiu sozinho como conselheiro e dirigente dos socialistas europeus. Seus conselhos e diretivas eram procurados tanto pelos socialistas alemães, cuja força amplificou-se rápida e solidamente – a despeito das perseguições governamentais -, quanto pelos representantes dos países atrasados, tais quais os espanhóis, romenos e russos, os quais foram obrigados a refletir e sopesar acerca de seus primeiros passos. Todos eles aproveitavam o rico cabedal de conhecimentos e experiências do velho Engels.
Marx e Engels conheciam ambos a língua russa e liam livros em russo, ao mesmo tempo em que possuíam vivaz interesse por esse país. Acompanhavam o movimento revolucionário russo com simpatia e mantinham contato com revolucionários russos.
Ambos se tornaram socialistas, depois de haverem sido democratas, de modo que o sentimento democrático de ódio ao despotismo político nos dois era extraordinariamente intenso.
O imediato sentimento político, associado à profunda compreensão teórica acerca da conexão, existente entre o despotismo político e a opressão econômica, bem como sua rica experiência de vida, tornaram Marx e Engels incomumente sensíveis, na esfera da política.
É por isso que a luta heroica, travada por um punhado de revolucionários russos contra o governo czarista todo-poderoso, encontrou a mais viva ressonância nos corações desses provados revolucionários.
De outra parte, a tendência de dar as costas – mercê das ilusórias vantagens econômicas - à tarefa mais importante e imediata dos socialistas russos, nomeadamente a conquista da liberdade política, surgia naturalmente suspeita aos seus olhos e foi, até mesmo, por eles considerada como uma traição direta da grande causa da revolução social.
"A emancipação dos trabalhadores deve ser obra da própria classe trabalhadora", prelecionaram constantemente Marx e Engels. Porém, a fim de lutar por sua emancipação econômica, o proletariado tem de conquistar para si próprio certos direitos políticos.
Ademais, Marx e Engels entenderam, claramente, que uma Revolução política na Rússia haveria de ser também de tremenda importância para o movimento da classe trabalhadora da Europa Ocidental.
A Rússia autocrática sempre foi um bastião da reação europeia, em geral. A posição internacional extraordinariamente favorável, desfrutada pela Rússia por decorrência da Guerra de 1870 – país esse que, por muito tempo, semeou discórdia entre a Alemanha e a França – nada fez senão incrementar evidentemente a importância da Rússia autocrática, enquanto força reacionária.
Apenas uma Rússia livre, uma Rússia que não careça de oprimir poloneses, finlandeses, alemães, armênios e outras pequenas nações nem de atiçar, constantemente, a França e a Alemanha a lutarem uma contra a outra, permitiria à Europa moderna, redimida dos fardos da guerra, respirar livremente, enfraquecendo todos os elementos reacionários da Europa, fortalecendo a classe trabalhadora europeia.
Eis por que Engels aspirou, ardentemente, à introdução da liberdade política na Rússia, pois isso também favoreceria o movimento da classe trabalhadora no ocidente.
Com a morte de Engels, os revolucionários russos perderam seu melhor amigo.
Honremos, pois, a memória de Friedrich Engels, grande lutador e professor do proletariado!
[1] Publicado por Lenin em "Rabotnik (O Trabalhador)", Nº 1/2, março de 1896.
[2] FRIEDRICH ENGELS, "Carta a Johann Philipp Becker" (5/10/1884).
[3] Versos extraídos da poesia de NIKOLAI ALEXEIEVITCH NEKRASSOV redigida "Em Memória de Dobroliubov" e usados por Lenin na epígrafe de seu ensaio dedicado a Friedrich Engels.
[4] Nessa passagem, Lenin escreve ao pé da página: "Marx e Engels destacaram, por diversas vezes, que muito deviam em seu desenvolvimento intelectual aos grandes filósofos alemães e, em particular, a Hegel. Sem a filosofia alemã, dizia Engels, não existiria o socialismo científico".
[5] "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra", novembro 1844 – Março 1845.
[6] "A Sagrada Família ou a Crítica da Crítica Crítica contra Bruno Bauer e Consortes", setembro/novembro 1844.
[7] "Esboços para uma Crítica da Economia Nacional", revista "Anais Franco-Alemães", janeiro de 1844 A revista "Anais Franco-Alemães" foi fundada por Karl Marx e Arnold Ruge, em Paris. Editou-se apenas um número (duplo), em fevereiro de 1844, em língua alemã. Nesse número, surgiram publicados os ensaios de Marx, intitulados "Sobre a Questão Judia" e "Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", bem como os ensaios de Engels, "Esboços para uma Crítica da Economia Nacional" e "A Situação da Inglaterra".
[8] A Liga dos Comunistas foi fundada em junho de 1847, em Londres, durante a Conferência da Liga dos Justos que aprovou, por proposta de Marx e Engels, a conversão da Liga em Liga dos Comunistas. A antiga palavra-de-ordem da Liga dos Justos, "Todos os Seres Humanos são Irmãos", foi, então, substituída por "Proletários de Todo o Mundo, Uni-vos!". A Liga dos Comunistas continuou existindo até novembro de 1852. ENGELS escreveu "Sobre a História da Liga dos Comunistas", em 1885.
[9] A "Nova Gazeta Renana" foi editada de 1° de junho de 1848 a 19 de maio de 1849, na cidade de Colônia, sob a direção de Karl Marx e Friedrich Engels. Seu redator-chefe era Karl Marx.
[10] Lenin fez a seguinte nota de pé de página: "Trata-se de um livro extraordinariamente instrutivo e rico de conteúdo. Dele traduziu-se para a língua russa apenas uma pequena parte que contém um esboço histórico do desenvolvimento do socialismo."
[11] "A Política Exterior do Czarismo Russo", dezembro de 1889 – fevereiro de 1890.
[12] "Sobre a Questão da Habitação", junho de 1872/fevereiro de 1873.
[13] "Questões Sociais da Rússia", 1894, Karl Marx e Friedrich Engels.
[14] Conforme indicação de Engels, Lenin chamou o livro quatro de "O Capital" de "Teorias da Mais-Valia". No prefácio ao livro dois de "O Capital", Engels escreveu: "Reservo-me o direito de publicar a parte crítica desse manuscrito sob a forma de Livro IV de "O Capital", após a remoção de diversas passagens já exauridas no Livro II e no Livro III."
[15] "Carta de Engels a Johann Philipp Becker", 15/10/1884.
[16] A Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) foi a primeira organização internacional do proletariado mundial. Foi fundada em Londres, no outono de 1864, por iniciativa de Karl Marx. A I Internacional deixou praticamente de existir em 1872, vindo a ser formalmente dissolvida em 1876.

Mídia Ninja: 'Tomar posição sem vestir manto da falsa imparcialidade da grande mídia'


Mídia Ninja: 'Tomar posição sem vestir manto da falsa imparcialidade da grande mídia'

O ao vivo sem pós-produção da Mídia Ninja é capaz de despertar debates sem o aval da mesma mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários. Em entrevista à Carta Maior, os ninjas reclamam da falta de um marco regulatório da mídia e dizem que "a ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população."

A simultânea crise e consolidação dos veículos tradicionais também recebe no seu seio mídias agora reconhecidas como alternativas. Com modo de expor particular: o fato tal como ele se dá e "se dando". O "ao vivo" sem pós-produção. O debate, então, é aberto obrigatoriamente sem aval da mesma grande mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários. 


Desponta um grupo dentre estes que são conhecidos como meios alternativos de informação: o Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação). O grupo cedeu entrevista por e-mail à Carta Maior e nos contou sobre sua configuração e posição políticas. 



A iniciativa fala de dar poder aos novos protagonistas da realidade brasileira, mas também o posicionamento do mercado e Estado traz questionamentos que deverão seguir no horizonte dessa mídia que mesmo incipiente tem seu importante papel. Aprofundar e efetivar a liberdade de expressão para além do capital passa a ser hoje uma das principais pautas da expansão da democracia.



Carta Maior: Quando se iniciaram as atividades do grupo? Quantas pessoas participam do grupo e como são coordenadas suas atividades?



Mídia Ninja: O Ninja surge a partir de um acúmulo de mais de 15 anos de produção midialivrista no Brasil, de experiências que vão desde os fanzines e da blogosfera ao Fora do Eixo, rede que está em mais de 200 cidade no país e vem desenvolvendo tecnologias de comunicação e produção de conteúdo há 7 anos. Nesse processo aproximou de si outras redes, coletivos, jornalistas e midialivristas que, juntos, deram início a um projeto que ao mesmo tempo conseguiu que se fortalecesse um veiculo independente, como também catalisar uma rede de comunicação autônoma que usufrui dos frutos e ferramentas desenvolvidas durante esse histórico.



Hoje ele é uma rede descentralizada de comunicadores que buscam novas possibilidades de produção e distribuição de informação. São milhares de pessoas usando a lógica colaborativa de compartilhamento que emerge da sociedade em rede como premissa e ferramenta. A iniciativa veio à tona há meses atrás, durante a cobertura do Fórum Mundial de Mídia Livre na Tunísia. Desde então, o Ninja vem realizando coberturas por todo Brasil, apresentando pautas e abordagens omitidas na mídia tradicional.



CM: Qual, na opinião de vocês, é a função das narrativas independentes? De que maneira vocês quiseram retratar os atos e protestos dos últimos dois meses?



MN: A função das narrativas independentes é dar poder a cada vez mais gente para contar histórias a partir do ponto de vista do que estão vivendo. Mais do que uma ferramenta, é uma noção que ajuda a dimensionar a comunicação como serviço de utilidade pública.



Além de comunicadores, somos ativistas também. Quando fomos fazer a cobertura da vinda do Papa ao Brasil por exemplo, direcionamos o nosso olhar para entender quem era contra a visita de Francisco, não contra a religião, mas que protestava pela ausência de um Estado laico.



Logo, as nossas coberturas sempre explicitarão aquilo que de fato estamos vendo e vivendo. Nós também tomamos bombas em protesto, dois de nós já foram presos apenas por estar exercendo o direito à comunicação. Quando fazemos a cobertura de um protesto indígena ou quilombola, estamos de fato envolvido com aquela pauta, não se ganha legitimidade com quem está nas ruas apenas com discurso, a nossa prática de mídia precisa estar com a frequência modulada com o espaço-tempo da nossa geração.



CM: O que pensam do Marco Regulatório da Mídia? Como vocês veem o problema da mídia no Brasil?



MN: A ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população, e favorece a existência de oligopólios que tanto comprometem a pluralidade nos conteúdos que são veiculados quanto a independência nas pautas.



Outro ponto: a falta de um marco regulatório não condiz com o contexto político, que apresenta o empoderamento de uma nova geração de protagonistas. As possibilidades que temos com a tecnologia disponível hoje em dia e as possibilidades de democratização da produção de conteúdo também não são contempladas.



É dever do estado também promover a diversidade de opiniões. Uma lei contribuiria necessariamente para a não criminalização dos movimentos sociais, por exemplo. Além de garantir a diversidade e o direito de manifestação e liberdade de expressão, distribuindo de forma mais equânime e democrática o recurso público ou o espectro eletromagnético.



Da forma que está hoje, a Globo recebe uma porcentagem gigantesca das verbas de publicidade do governo e uma emissora como a Jovem Pan ocupa uma faixa de espectro equivalente a de centenas de rádios comunitárias.



CM: De que maneira vocês se colocam no debate político hoje?



MN: A mídia livre é um ato político, e todo ato precede necessariamente de um debate. Tomar uma posição diante do que estamos cobrindo sem vestir o manto da falsa imparcialidade da grande mídia já é uma forma de se colocar.

terça-feira, 6 de agosto de 2013


A agonia da Abril

Na agonia, o que companhias como a Abril farão é seguir a cartilha clássica: tentar extrair o máximo de leite da vaca destinada a morrer. Para isso, você enxuga as redações, corta os borderôs, piora o papel, diminui as páginas editoriais e, se possível, aumenta o preço. Por Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo

A comunidade jornalística está em estado de choque pela carnificina editorial ocorrida na Editora Abril.


Mas eis uma agonia anunciada.



Revistas – a mídia que fez a grandeza da Abril – estão tecnicamente mortas, assassinadas pela internet.



Os leitores somem em alta velocidade. Quando você vê alguém lendo revistas (ou jornal) num bar ou restaurante, repare na idade.



Jovens estão com seus celulares ou tablets conectados no noticiário em tempo real.



Perdidos os usuários, foi-se também a publicidade. Em países como Inglaterra e Estados Unidos, a mídia digital já deixou a mídia impressa muito para trás em faturamento publicitário.



E no Brasil, ainda que numa velocidade menor, o quadro é exatamente o mesmo. Que anunciante quer vincular sua marca a um produto obsoleto, consumido por pessoas “maduras”.



Apenas para lembrar, no mundo das revistas, nunca, em lugar nenhum, funcionou publicitariamente revista para o público “maduro”.



Sucessivas revistas para mulheres “de meia idade” em diversos países fracassaram à míngua de anúncios. O anunciante quer o jovem no auge do consumo. É um fato.



Crises as editoras de revistas enfrentaram muitas. Mas esta é diferente. Desta vez, o caso é terminal.



Antes, e eu vivi várias crises em meus anos de Abril, você sabia que uma hora a borrasca ia passar.



Agora, você olha para a frente e observa apenas o cemitério.



Sobrarão, no futuro, algumas revistas – mas poucas, e de circulação restrita porque serão um hábito quase tão extravagante quanto se movimentar em carruagem.



Na agonia, o que companhias como a Abril farão é seguir a cartilha clássica: tentar extrair o máximo de leite da vaca destinada a morrer.



Para isso, você enxuga as redações, corta os borderôs, piora o papel, diminui as páginas editoriais e, se possível, aumenta o preço.



É uma lógica que vale mesmo para títulos como Veja e Exame, os mais fortes da Abril. Foi demitido, por exemplo, o correspondente da Veja em Nova York, André Petry.



Grandes revistas da Abril, como a Quatro Rodas, passaram agora a não ter mais diretor de redação.



Em breve deixará de fazer sentido uma empresa que encolhe ficar num prédio como o que a Abril ocupa na Marginal do Pinheiros, cujo aluguel é calculado entre 1 e 2 milhões de reais por mês.



É inevitável, neste processo, que a empresa perca o poder de atrair talentos. Quem quer trabalhar num ramo em extinção?



Os funcionários mais ousados tratarão de sair, em busca de carreiras em setores que florescem.



Ao contrário de crises anteriores para a mídia impressa, esta é, simplesmente, terminal.



Corre o boato de que a empresa será vendida. Mas quem compra uma editora de revistas a esta altura? Recentemente, no Reino Unido, correu o boato de que o proprietário dos títulos Evening Standard e Independent estaria vendendo seus jornais. Numa entrevista, isso lhe foi perguntado por um jornalista. “Mas quem está comprando jornais?”, devolveu ele.



É um cenário desolador – e não só para a Abril como, de um modo geral, para toda a mídia tradicional, incluída a televisão.



A internet é uma mídia que se classifica como disruptora: ela simplesmente mata. O futuro da tevê está muito mais na Netflix ou no Youtube do que na Globo.



As empresas de mídia estão buscando alternativas para sobreviver. A News Corp, de Murdoch, separou recentemente suas divisões de entretenimento e de mídia, para que a segunda não contamine a primeira.



A própria Abril vai saindo das revistas e tentando um lugar ao sol na educação.



Mas escolas – supondo que a Abril supere o problema dramático de imagem da Veja, pois isso vai levar muitos pais a recusar dar a seus filhos uma educação suspeita de contaminação pela Veja – não dão prestígio e nem dinheiro como as revistas deram ao longo de tantos anos.



Isso quer dizer que a Abril luta pela vida. Mas uma vida muito menos influente e glamorosa do que a que teve sob Victor Civita, primeiro, e Roberto Civita, depois.



*Publicado originalmente no Diário do Centro do Mundo

Frutos da jornada


ESCRITO POR FREI BETTO   



Em pleno inverno, a presença do papa Francisco no Brasil, para participar da Jornada Mundial da Juventude, foi uma calorosa primavera. Ele trouxe alegria, esbanjou sorrisos, beijou crianças, apertou as mãos do povo.

Os frutos dessa inesquecível visita podem ser resumidos em 15 pontos:

1.        Francisco quer uma Igreja “pra fora”, desenclausurada, missionária, engajada na periferia e servidora dos pobres;

2.        Na favela de Varginha, ele delineou seu perfil de Igreja: “advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam ao céu”;

3.        Nossa atuação pastoral deve dedicar especial atenção às crianças, aos jovens e aos idosos. Os primeiros, por encarnarem o futuro; os segundos, por guardarem sabedoria;

4.        Há que combater a corrupção e, ao mesmo tempo, alentar a esperança em “um mundo mais justo e solidário”;

5.        A solidariedade – “quase um palavrão”, disse o papa – deve ser o eixo de nossa pastoral, disposta a “colocar mais água no feijão”;

6.        Devemos combater a “cultura do descartável”, que ignora o valor das pessoas e estimula o consumismo e o hedonismo;

7.        Precisamos saber “perder tempo” com os pobres, saber escutá-los;

8.        A Igreja deve espelhar a simplicidade de Jesus, como Francisco de Assis e o papa Francisco, que dispensou a capa de arminho, os sapatos vermelhos, o anel e a cruz de ouro, os títulos de Sumo Pontífice e Sua Santidade, por preferir ser chamado apenas de papa, bispo de Roma, servo dos servos de Deus;

9.        A segurança dos cristãos deve estar na confiança em Deus, e não no excessivo conforto que nos afastam dos pobres e do povo;

10.   É preciso recuperar a confiança dos jovens nas instituições políticas, alentá-los na esperança; e “reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade”;

11.   A política deve “evitar o elitismo e erradicar a pobreza”, condenando os opressores, como fez o profeta Amós ao denunciar que “vendem o justo por dinheiro e o pobre por um par de sandálias”;

12.   Precisamos promover a “cultura do encontro”, favorecendo o diálogo sem preconceitos, combatendo os fundamentalismos e as segregações;

13.   A sociedade futura, “mais justa, não é um sonho fantasioso”, mas algo que podemos alcançar;

14.   Os jovens devem ser os “protagonistas da história”, construtores do futuro, de um mundo melhor.

15.   As manifestações dos jovens nas ruas merecem o nosso apoio, pois eles “saíram nas ruas do mundo para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna”.

Francisco iniciou a reforma da Igreja pelo papado, como quem está convencido de que, para mudar o mundo, é preciso primeiro mudar a si mesmo. Agora, há algo de novo na barca de Pedro, cujas velas são tocadas pelo sopro do Espírito Santo.


Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
Twitter:@freibetto.

Vazam mais páginas do Globogate!


As novas páginas disponibilizadas referem-se à decisão final da Receita de condenar a Globo ao pagamento de multa de 150%, mais juros de mora, sobre o valor sonegado


Miguel do Rosário,

Mais algumas páginas do relatório da Receita Federal que trata da milionária sonegação da Rede Globo acabam de vazar. O Cafezinho mais uma vez divulga o fato em primeira mão.
As novas páginas disponibilizadas referem-se à decisão final da Receita de condenar a Globo ao pagamento de multa de 150%, mais juros de mora, sobre o valor sonegado. Importante anotar a data deste documento: 21 de dezembro de 2006. Alguns dias depois, estes documentos seriam roubados pela servidora Cristina Maris Meinick Ribeiro.
No documento, os auditores votam, por unanimidade, pela culpa do réu e dão 30 dias para a Globo pagar a dívida, a menos que recorresse ao Conselho de Contribuintes no mesmo prazo. O roubo do processo, alguns dias depois, permitiu à Globo adiar por um longo tempo a renegociação deste débito.
A informação joga mais pressão sobre o Ministério Público. Por que não se aprofundou nas investigações sobre o roubo do processo? Por que não ligou o roubo à sonegação em si? Ambos fazem parte do mesmo ilícito, do mesmo desejo de lesar o Tesouro Nacional. Tinha obrigação de investigar a suspeita, óbvia, de envolvimento do principal interessado: a Globo.
Em uma de suas respostas, a Globo mencionou dívidas sendo negociadas no Conselho de Contribuintes. Tudo leva a crer que a emissora apelou ao Conselho, que conta com a participação de entidades privadas. Mais uma vez, estamos diante de uma situação nebulosa. A Globo disse que pagou o débito através da adesão ao Refis, em 2009. Como assim? No dia 21 de dezembro de 2006, a Receita deu apenas 30 dias, sob pena de cobrança executiva, para a empresa pagar ou apelar ao Conselho. Ela apelou ao Conselho? O roubo do processo lhe deu quantos meses de alívio? Qual foi a decisão do Conselho? Quem fazia parte do Conselho nesta época?
O mais importante: os novos documentos agora obrigam a mídia a não falar mais em “suposta” sonegação. Eles mostram que os auditores decidiram, com unanimidade, pela culpabilidade da empresa.
Atentem para o trecho no fac-símile abaixo:

To Shoot an Elephant (Atirar num elefante - completo)

[Operação Cunhantã] Sobre abuso e exploração sexual de meninas indígenas



Elaíze Farias
Adital


Seis dos dez presos na Operação Cunhantã da Polícia Federal já estão soltos e de volta a São Gabriel da Cachoeira
A 4ª Vara Federal do Amazonas já entrou na fase de citação dos réus envolvidos no caso de abuso e exploração sexual de meninas indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira (a 853 quilômetros a noroeste de Manaus). No início deste mês, o Ministério Público Federal encaminhou à justiça federal denúncia contra as dez pessoas, acusando-as formalmente. De suspeitos, os detidos passaram a ser réus. A informação foi dada na sexta-feira pela Justiça Federal (26/07) a este blog. As pessoas foram presas em maio passado durante a Operação Cunhantã da Polícia Federal.
Das dez pessoas detidas, seis foram soltas e retornaram a São Gabriel da Cachoeira no início de julho, segundo apurou o blog. Elas estavam em prisão temporária (com prazo para encerrar).


A chegada dos presos a Manaus. Os nomes dos acusados não foram revelados pela
Polícia Federal. Fotos: Márcio Macedo/ Free Lancer

Embora seus nomes não sejam divulgados (pelo fato de o caso estar em segredo de justiça), sabe-se que entre as pessoas soltas estão um professor, um militar, um comerciante, um parente de um deputado estadual do Amazonas e duas mulheres que atuavam como agenciadoras dos aliciadores.
Outros quatro réus permanecem em presídios de Manaus (os locais não foram informados pela Justiça Federal). Entre os acusados que continuam presos estão ricos comerciantes do município.
O delegado que comandou a operação da Polícia Federal, Fábio Pessoa, disse que estas quatro pessoas estão em prisão preventiva devido à gravidade dos fatos e os indícios que pesam sobre elas. Um desses agravantes é a ameaça que as vítimas e suas famílias vinham sofrendo por parte do grupo.
Uma das denunciadoras da rede de pedofilia, irmã Giustina Zanatto, que atuava como presidente do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente de São Gabriel da Cachoeira, foi obrigada a sair do Brasil devido às ameaças de morte.
Segundo informações repassadas pela Justiça Federal ao blog, houve várias tentativas, por diversos meio legais, de soltar as quatro pessoas.
Indagado se os quatro podem continuar presos até o fim do processo, o juiz responsável pelo caso disse, por meio da Diretoria da Secretaria Administrativa (Secad), que existe possibilidade tanto de ficarem presas como serem soltas, dependendo dos elementos de convicção apresentados na hipótese de formulação de novo pedido de soltura. "O juiz analisa de acordo com os elementos trazidos aos autos”, disse a diretoria.

Dos dez presos, seis já foram soltos e estão em São Gabriel da Cachoeira
Programa de proteção
O delegado Fábio Pessoa informou também que três vítimas da exploração sexual que estavam no Programa de Proteção à Criança e Adolescente do Ministério da Justiça pediram para sair. Ele não soube dizer se elas já haviam retornado a São Gabriel da Cachoeira.
Fontes deste blog confirmaram que as três meninas, de fato, pediram desligamento do programa de proteção. Duas delas já retornaram ao município do Alto Rio Negro. Não há informações sobre o paradeiro da terceira, que atualmente tem mais de 18 anos e foi a principal testemunha da rede de prostituição da qual eram vítimas as meninas indígenas. Segundo esta fonte, as meninas retornaram a São Gabriel da Cachoeira há 15 dias.
Pessoa disse ainda que a Operação Cunhantã não terá continuidade. Uma segunda investigação em São Gabriel da Cachoeira pode ocorrer apenas se for requerida.
Inquérito
As dez pessoas foram detidas após investigação da Polícia Federal durante operação que durou seis meses. A investigação foi pedida pelo Ministério Público Federal do Amazonas, que esteve em São Gabriel da Cachoeira no início de setembro de 2012 e recolheu relatos e depoimentos que apontavam a exploração sexual de meninas indígenas entre 10 e 14 anos em troca de alimentos e dinheiro.
Inquéritos com estas denúncias já estavam de posse da Polícia Civil, mas nenhuma investigação vinha sendo realizada no âmbito estadual. Por este motivo, o procurador da República Julio José Araujo Junior transferiu o caso para a esfera federal por envolver menores indígenas. Dois meses após a primeira visita ao município, o procurador retornou a São Gabriel da Cachoeira para dar continuidade à coleta dos depoimentos.
Segundo informações da assessoria de imprensa do MPF, o processo está sob sigilo por causa da natureza do crime e em função da exposição de crianças e adolescentes envolvidas no caso.
Na avaliação do MPF, o fato de os quatro continuarem presos indica que o processo tem
prioridade de tramitação em relação aos outros na justiça federal. O MPF explicou que se trata de uma regra quando há réu preso. Isto ocorre para evitar que fiquem muito tempo presos esperando julgamento e –eventualmente– sejam inocentados depois e venham a processar a União por isso.
Normalidade
Nos primeiros dias após o retorno, os seis acusados optaram pelo recolhimento em suas residências. Passado um tempo, porém, tudo já está "normal” e os agora réus já circulam pelas ruas de São Gabriel da Cachoeira "como se nada tivesse ocorrido”, segundo relatou uma fonte do blog. Esta fonte foi uma das denunciadoras do caso para a imprensa e para o Ministério Público Federal.
"Logo que eles chegaram ficaram apenas nas suas casas, escondidos. Agora, já estão saindo. Pelo que a gente soube, eles foram bem recebidos e tiveram apoio de sua família, apesar do que pesa contra eles. Espero que a justiça federal agilize o julgamento”, disse a fonte, que prefere que seu nome permaneça em sigilo.
Esta fonte disse que até o momento as ameaças que ocorriam contra os denunciadores do grupo aliciador das meninas indígenas não se repetiram. Mas ela teme que isto possa ocorrer novamente. "Eles nos olham estranho, com a intenção de nos intimidar, mas por enquanto ficam na deles. Temos medo, claro, mas não vamos desistir”, disse.
Ela afirmou ainda que a exploração sexual de meninas indígenas em São Gabriel da Cachoeira deu "uma acalmada” diante da repercussão da prisão, mas que a prática pode se repetir com outras garotas e outros (ou até os mesmos) aliciadores.
Segundo informações do MPF, por meio de sua assessoria, se ameaças se repetirem, mesmo que sejam veladas, as vítimas podem formalizar denúncia contra os réus e estes correm o risco de voltarem para a cadeia mesmo durante a tramitação do processo na justiça.
Crimes
Durante a investigação do MPF, 16 pessoas foram ouvidas entre crianças e adolescentes. Todas elas confirmaram ter sido vítimas de abuso e exploração sexual em diferentes ocasiões. Também foram ouvidos a Fundação Nacional do Índio (Funai) e representantes de entidades de defesa dos direitos da Criança e do Adolescentes, além de psicológicos e lideranças indígenas.
Na sua denúncia, o MPF atribui aos réus vários crimes: estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável, rufianismo (tirar proveito da prostituição alheia) e coação no curso do processo.
Dois dos denunciados foram também acusados na prática do crime previsto no art. 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que afirma que "adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.
O MPF/AM também entendeu que a ofensa à dignidade sexual das vítimas prejudica não apenas a elas próprias, mas também a identidade indígena de toda a comunidade a qual pertencem, o que justifica a atuação dos órgãos federais no caso.
[Fonte: acritica.uol.com.br/blogs/blog_da_elaize_farias/, 29julho2013].

Roda Viva | Mídia Ninja | 05/08/2013

PSDB e metrô: quadrilha ou cartel?

PSDB e metrô: quadrilha ou cartel?





Do Blog do Cadu

Segundo o dicionário, cartel significa “acordo comercial entre empresas, que se organizam numa espécie de sindicato para impor preços no mercado, suprimindo ou criando óbices à livre concorrência”. E formação de quadrilha é quando um grupo de pessoas age organizadamente para burlar a lei.

Na prática, qual a diferença? E a denúncia da Siemens, empresa de engenharia alemã, sobre o metrô em São Paulo, o que é?

Desde o governo de Mário Covas (1995 – 2001) que, segundo a denúncia da empresa alemã, existe um forte esquema na construção e aquisição de trens de metrô na capital paulista e do Distrito Federal que já teria desviado algo em torno de 500 milhões de reais. Os governos do PSDB abocanhavam 30% dos valores das licitações. Tudo era feito através de empresas de fachada.

O esquema é alvo de investigações desde 2008 e nada foi feito pelos governos tucanos. Geraldo Alckmin e José Serra, assim como Mário Covas, teriam compactuado com jogo. Na armação para tornar as licitações de mentirinha estavam outras multinacionais como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui.

A denúncia foi feita pela revista Istoé na edição 2279, mas o restante da “grande imprensa” demorou a reverberar – a “coisa feita em papel couché” que atende pela alcunha de Veja ainda não elaborou uma de suas mirabolantes capas sobre o tema – e mesmo assim o partido em questão, o PSDB, não é citado, tampouco o nome de Geraldo Alckmin ou do Serra. Tudo virou “governo paulista”.

Como parte da tática de desviar o foco, agora, de mãos dadas, governo tucano e “grande imprensa” jogam a culpa do esquema no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), autarquia ligada ao Ministério da Justiça. Vale relembrar que o esquema é de 1995, governo Mário Covas, em São Paulo e, FHC era o presidente do país. Se o CADE foi conivente, que os responsáveis paguem por isso com o rigor da lei, mas daí a tentar impor essa desviada de foco, não.

Se algo de bom no comportamento da nossa “querida” autoproclamada “grande imprensa” é mais uma prova de seu partidarismo. Ou você tem dúvidas que se São Paulo fosse governada por partidos de caráter trabalhista as chamadas e trato do tema em geral seria diferente?

Fosse o Fernando Haddad, prefeito eleito de São Paulo no ano passado pelo PT, o governador, as manchetes dos jornalões e as chamadas do Jornal Nacional não seriam muito destoantes dessas: Governo do PT desvia mais de meio milhão de reais do metrô ou Fernando Haddad, do PT, participou de esquema internacional que desviou mais de R$ 500 milhões de reais do transporte público.

A palavra cartel jamais seria usada. A cada cinco linhas, em quatro a palavra quadrilha estaria escrita. As caretas de desaprovação e vergonha moral de William Bonner e Patrícia Poeta na bancada do JN seriam algo digno dos filmes do Jim Carrey. Os comentários do Arnaldo Jabor fariam você ter pesadelos com trens descarrilhando. Folha e Estadão lançariam edições especiais sobre o tema, talvez ligando o esquema às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Mas como se trata de governos do PSDB e de multinacionais - a direita brasileira adora multinacionais – chegam a pedir cautela. Imagine só, a Folha de S. Paulo que publicou uma ficha falsa do DOPS da Dilma, em plena campanha eleitoral, feita de forma tosca e divulgada na internet através de, essencialmente, spams em emails, pediu cautela sobre o envolvimento do PSDB no esquema do “trintão do metrô”.

Essa é a nossa “grande imprensa”: tenta fraudar eleições, manipula a informação de forma descarada, denuncia, julga e condena sem o menos traço de prova. Basta ser do campo progressista e pronto, banho de lama em sua reputação. Mas se for tucano, lustre nos bicos e amaciante nas penas.

E você, o que acha sobre o assunto? Cartel ou quadrilha? As perguntas também valem para a grande mídia.



Clique aqui e aqui, e leia as matérias da Istoé sobre o “Propinoduto tucano”.

domingo, 28 de julho de 2013

A Copa do Mundo, a Crise do Modelo Urbano e a Retomada das Cidades


"Entendemos que os pontos críticos do novo modelo urbano são as políticas de mobilidade baseadas no transporte individual, a política habitacional regulada exclusivamente pelo capital privado e a atração de megaeventos como alavanca para projetos desenvolvimentistas. Os três entrelaçados estão produzindo cidades mais privadas, mais fragmentadas, menos solidárias e de pior qualidade de vida". O comentário é de Paulo Roberto Rodrigues Soares, professor do Departamento de Geografia – UFRGS e membro do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre em artigo publicado no sítio copa em discu$$ão
Eis o artigo.
 
Praça Tahrir, Wall Street, Plaza Mayor, Praça Montevideo (Porto Alegre) e depois São Paulo, Rio de Janeiro, Brasil! As manifestações das últimas semanas nas principais cidades brasileiras ecoam os movimentos de massa que nos últimos anos – especialmente após a eclosão da crise financeira internacional em 2008 – tem (re)tomado praças e ruas das principais metrópoles mundiais em todos os continentes.
 
Se na escala mundial a motivação é a ausência de democracia e a crise do sistema financeiro que afeta a “economia real”, bem como as políticas de austeridade impostas pela Troika, no Brasil a reivindicação inicial dos movimentos populares foi a redução (ou eliminação) da tarifa do transporte coletivo que onera fortemente estudantes, trabalhadores e trabalhadoras que dependem de um serviço público desorganizado e precário. Diariamente milhões de pessoas são aprisionados na nossa (i)mobilidade urbana que estende a jornada de trabalho e subtrai horas de cultura, formação, qualificação, lazer e ócio (afinal, também temos “o direito à preguiça”).
 
Outras questões se agregaram aos protestos brasileiros: a mobilização contra as isenções fiscais e os gastos públicos para a Copa do Mundo de 2014 frente às imensas carências de serviços de saúde, educação e segurança.
 
A visibilidade do país por conta da Copa das Confederações foi aproveitada de modo inteligente e eficaz pelos movimentos de contestação que utilizaram os momentos prévios aos jogos para reunir milhares de pessoas com suas diferentes bandeiras. Não abordaremos aqui os desdobramentos políticos posteriores ao movimento de contestação nas ruas brasileiras. Nos limites deste artigo preferimos apontar três pontos referentes ao modelo urbano que está se implantando no país no último decênio, o qual ainda não conseguiu conciliar (é o projeto?)  crescimento econômico e ligeira redistribuição da renda com bem-estar e qualidade de vida nas cidades.
 
Entendemos que os pontos críticos do novo modelo urbano são as políticas de mobilidade baseadas no transporte individual, a política habitacional regulada exclusivamente pelo capital privado e a atração de megaeventos como alavanca para projetos desenvolvimentistas. Os três entrelaçados estão produzindo cidades mais privadas, mais fragmentadas, menos solidárias e de pior qualidade de vida. Bem ao contrário do que poderíamos esperar de um efetivo programa de reforma social.
 
A crise de mobilidade é resultante da debilidade das políticas de planejamento e investimento no transporte público e de uma opção de crescimento econômico baseado no consumo de massas, na construção civil e na indústria automobilística (um quarto pilar é a exportação de commodities, que transcende os limites deste artigo). A política de financiamento e isenção de impostos para a aquisição de automóveis, sem os devidos investimentos em infraestrutura urbana, levou ao congestionamento das vias de circulação nas grandes e médias cidades. É o problema das políticas corporativas. Incentiva-se apenas um setor industrial visando que este seja o “motor” da economia. As consequências são sentidas no médio prazo. Ao primeiro sinal de fadiga do setor, a economia como um todo trava. Vão-se os benefícios da política. Ficam os prejuízos (congestionamentos, poluição, acidentes de trânsito).
 
Quanto ao transporte público novamente são propostas medidas pouco eficazes no longo prazo. Combate-se os resultados e não a raiz da questão. A política de desoneração para as empresas do setor não irá solucionar os problemas. Os mesmos empresários rentistas que lucram com a desorganização das linhas e com a extensão urbana continuarão a gerir o sistema. É preciso promover uma ampla discussão de uma política nacional de mobilidade urbana, que incentive o transporte público, promova a diversidade de modais de deslocamento nas cidades, desde os individuais (bicicletas, por exemplo) até os mais modernos e que exigem grandes investimentos (VLTs, trens, metrô).
 
Mas é preciso entender a mobilidade na sociedade contemporânea. Nossas cidades, cujo planejamento é herdado do período fordista, necessitam de outra compreensão de planejamento e mobilidade. E esta deve começar por um conjunto de perguntas: o que é a mobilidade hoje? Quem se move nas cidades? Por que nos movemos? As desregulações do capitalismo flexível e da “modernidade líquida” nos colocaram em estado de constante “mobilização geral”. Hoje todos se movimentam em diferentes horários e direções. Aliado a isso, a produção da metrópole e da cidade pós-moderna, mais extensa, mais fragmentada e policêntrica provocou a ruptura dos padrões tradicionais de mobilidade. Mas continuamos presos aos velhos paradigmas de cidade. Por isso é preciso repensar a mobilidade em seus aspectos econômicos, sociais e culturais. As novas tecnologias de informação devem ser utilizadas para promover o planejamento inteligente da circulação urbana. As redes sociais devem ser utilizadas para o planejamento e a gestão participativa da mobilidade, o que pode ser realizado em tempo real nos momentos de crise geral do sistema. É um caminho: democratização e participação.
 
A expansão da indústria imobiliária se dá pela disponibilidade de crédito e um amplo programa de produção habitacional (o Programa Minha Casa Minha Vida). Entretanto, nosso programa habitacional deixou de ser uma política de Estado para se tornar mais uma fonte de acumulação privada. Especula-se com a terra urbana e com o preço dos imóveis. Os projetos são aprovados a bel prazer dos investidores, facilitados por municipalidades ávidas por resultados de investimentos e geração de empregos. O modelo de produto imobiliário hegemônico combina verticalização desenfreada, condomínios fechados e grandes conjuntos habitacionais na periferia, ressuscitando o antigo modelo de expansão periférica dos anos 1960-1970. A densificação dos centros e a extensão dos perímetros urbanos encarecem a infraestrutura urbana e incidem justamente na questão da mobilidade. Resultados: densificação nociva das áreas mais centrais, periferias homogêneas e segregadas, cidades menos coesas e mais fragmentadas.
 
Frente a todos os problemas gerados temos a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Com eles a utilização de fundos públicos, seja na forma de investimentos diretos, seja nas isenções fiscais aos grandes grupos econômicos envolvidos. Estádios de futebol e instalações esportivas suntuosas são construídos com diferentes formas de financiamento público. Obras de infraestrutura urbana (re)valorizam setores das cidades permitindo a apropriação da renda diferencial urbana pelo capital imobiliário.

Ao mesmo tempo temos os impactos perversos da desagregação de comunidades pelas remoções e deslocamentos (“involuntários”) de populações dos setores urbanos valorizados pelas obras. Estas remoções se fazem em nome do “interesse geral” da cidade nas obras relacionadas aos megaeventos. É notório que os governos locais estão aproveitando os megaeventos como aceleradores de projetos de infraestrutura, bem como para alterações e/ou afrouxamento dos marcos reguladores da produção do espaço urbano (planos diretores, leis de zoneamento, instrumentos urbanísticos). Acrescentem-se também as políticas de “higienização” das cidades, de ordenamento controlado dos espaços públicos, convertidos em espaços de vigilância permanente e a militarização da questão urbana empreendida pelos governos locais em associação com os governos estaduais e federal. Tudo isto respondendo aos “cadernos de encargos” e à “privatização do território” imposta pelas corporações esportivas. Chamamos aqui de privatização do território, porque as intervenções vão além das arenas esportivas e de seus espaços públicos circundantes. Praticamente toda a cidade está incluída na “zona de controle”.
 
E todo este processo se realizando com pouca ou nenhuma transparência, com total ausência de democracia local, apesar dos instrumentos do Estatuto da Cidade que prevêem a participação popular e gestão democrática das cidades.
 
Um caso particular é o de Porto Alegre, cidade com longa e aguerrida tradição de lutas sociais e democracia participativa. Aqui a oposição ao “novo modelo urbano” de “cidade-empresa” vem crescendo nos últimos anos após um período de estagnação das mobilizações sociais. São iniciativas independentes, fragmentadas, mas que neste momento conseguiram se conciliar em oposição ao novo projeto de cidade que se impõe. Movimentos pela mobilidade urbana, pela ocupação pública dos espaços públicos, contra a sociedade controle, movimentos ecológicos e pela qualidade de vida nos bairros, além de movimentos populares pela moradia se (re)encontraram na Praça Montevideo em uma nova e ampla coalizão de forças sociais. O futuro dirá se esta nova corrente será capaz de reverter as tendências de privatização da cidade e de submissão da gestão urbana aos interesses de corporações e grupos privados.
 
Enfim, o risorgimento dos movimentos de massa no Brasil é, sobretudo, um levante pelo “direito à cidade”. Pelo direito de participar e decidir na elaboração, discussão e implementação das políticas urbanas. Pelo direito a construir e viver em cidades feitas por e para o interesse público e não pelos interesses privados.
 
Finalizamos com David Harvey e sua conclusão do artigo “O direito à cidade” (2008):
 
“Dar um passo adiante para unificar estas lutas supõe adotar o direito à cidade como slogan prático e ideal político, porque o mesmo coloca a questão de quem domina a conexão necessária entre urbanização e produção e utilização do excedente. A democratização deste direito e a construção de um amplo movimento social para torná-lo realidade são imprescindíveis se os despossuídos vierem a recuperar o controle sobre a cidade que durante tanto tempo estiveram privados e desejam instituir novos modelos de urbanização (…) a revolução tem que ser urbana, no mais amplo sentido do termo, ou não será”.