terça-feira, 6 de maio de 2014

Big Farma: Como estão sugando seu sangue no preço dos remédios - Viomundo - O que você não vê na mídia

Big Farma: Como estão sugando seu sangue no preço dos remédios


De mãos dadas com o governo norte-americano, grandes laboratórios brigam por mais lucros
29 de abril de 2014



Em janeiro deste ano, o ministro da Saúde da África do Sul, Aaron
Motsoaledi, denunciou: ele estava publicamente irado com a campanha
criada pelos Estados Unidos (um falso “movimento de base” de fato
liderado por interesses monetários) com o objetivo de minar os esforços
do país para reduzir os preços dos remédios através de uma emenda à
legislação das patentes.
Categorizando a trama como sendo de “magnitude satânica” e próxima do
“genocídio”, Motsoaledi bateu nos criadores da campanha, um verdadeiro
quem é quem de empresas farmacêuticas e grupos conservadores e
pró-negócios.
A aliança tripartite responsável pela trama consistia no Public
Affairs Engagement (PAE), uma empresa de relações públicas com base em
Washington DC liderada pelo embaixador norte-americano James Glassman,
que já foi subsecretário de estado para relações públicas no governo
George W. Bush; a Pharmaceutical Research and Manufacturers of American,
ou PhRMA, uma das entidades mais poderosas da indústria farmacêutica; e
um grupo farmacêutico local, Innovative Pharmaceutical Associaton of
South Africa (IPASA).
O grupo tentava persuadir o público da África do Sul de que uma
política de patentes fortes é positiva para os investimentos e que os
problemas da saúde do país são resultado de uma política de saúde
pública falida e não resultado de leis de patentes e preços de remédios.
A versão da política sul sfricana que os grupos tentaram solapar
busca definir de forma mais estrita como as patentes devem ser
concedidas, o que pode sem patenteado e que medidas o governo pode tomar
se as patentes farmacêuticas impactarem negativamente a saúde pública,
um esforço para conter os crescentes custos da saúde.
Com uma classe média crescente, as “doenças dos ricos”, como
diabetes, hipertensão, obesidade, problemas cardíacos e câncer estão
aumentando. Isso, combinado com o alto índice de HIV, tuberculose e
outras doenças historicamente “de pobres”, e somado aos custos das
patentes dos medicamentos, significa que a demanda por remédios está em
alta na África do Sul, mas os preços muitas vezes são inacessivelmente
altos.
O plano era simples: por menos de meio milhão de dólares, pago em boa
parte pela PhRMA, a empresa de relações públicas dos EUA daria apoio ao
esforço da IPASA de barrar a reforma da lei de patentes da África do
Sul, montando um grupo de faixada a ser denominado Forward South Africa e
dirigido a partir de Washington DC. O grupo tentaria convencer o
público da África do Sul de que uma política de patentes fortes é
positiva para os investimentos e que os problemas da saúde do país são
resultado de uma política pública de saúde falida e não resultado de
leis de patentes de preços de remédios.
E mais: a África do Sul está tentando conter os custos enquanto as
empresas farmacêuticas querem uma fatia maior do bolo – com o aumento da
riqueza, leis simpáticas às patentes e uma população mais doente, a
África do Sul parece uma receita deliciosa, um mercado relativamente não
explorado. Se a África do Sul der para trás, não apenas o lucro atual e
futuro pode ser menor dentro do país, mas também, e ainda mais
importante, outras economias emergentes que também exercem apelo para os
laboratórios podem seguir o exemplo, eliminando lucros potencias para
as empresas que têm fome de novos mercados.
É fácil ver como empresas farmacêuticas multinacionais se assustariam
com o potencial das reformas na África do Sul. O país atualmente
oferece proteção às patentes além do que é exigido pela lei
internacional e não revê as patentes depois que são concedidas. Como
resultado, dá milhares de patentes de remédios anualmente e distribui
várias patentes para um remédio, oferecendo uma proteção ao monopólio de
uma única droga por décadas.
Quase todas as patentes farmacêuticas do país são dadas a empresas
multinacionais e o departamento de indústria e comércio do país cita os
remédios como razão-chave do déficit comercial da África do Sul. O país
também é um líder continental no qual outros países da África e países
de renda média se espelham para a adoção de políticas públicas.
As palavras duras de Motsoaledi em reação ao escândalo liderado pela
PAE significa raiva mas não necessariamente um espanto: afinal, o país
já lidou com a interferência dos Estados Unidos e da indústria em sua
política farmacêutica antes.
Em 1988, a administração de Nelson Mandela foi processada por dúzias
de empresas farmacêuticas em reação às tentativas do país de aprovar
pequenas revisões em sua lei de medicamentos (o caso eventualmente foi
abandonado em 2001, depois de anos de pressão popular). A campanha
liderada pelo PAE, que morreu diante de uma gritaria popular, é apenas
mais um exemplo de vários nos quais a indústria farmacêutica dos EUA,
com a ajuda de norte-americanos graúdos conectados ao governo,
pressionam países mais pobres, em guerra com altos índices de doenças,
para garantir que o problema das patentes seja organizado da maneira que
lhes interessa.

Um legado de influência

A batalha sobre os direitos da propriedade intelectual em escala
global é um fenômeno relativamente novo. Antes do fim do século 20, cada
país tinha seu próprio regime de propriedade intelectual: a Índia, por
exemplo, não oferecia proteção aos produtos farmacêuticos, e muitos
outros países, entre eles a África do Sul, ofereciam entre 10 e 20 anos
de proteção às patentes medicinais.
Tudo isso mudou quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) adotou
o Acordo de Propriedade Intelectual (TRIPS), em 1995. O TRIPS trouxe
não apenas uma nova era de proteção da propriedade intelectual – todos
os países membros da OMC são obrigados a dar 20 anos de proteção às
patentes farmacêuticas – mas também uma era na qual os laços do governo
dos EUA com a indústria farmacêutica têm uma camisa de força sobre a
propriedade intelectual na arena internacional.
Susan Sell, professora da Escola Elliot de Relações Internacionais da Universidade George Washington, autora de Private Power, Public Law: The Globalization of Intellectual Property Rights explica
que antes do TRIPS, as empresas dos EUA, preocupadas com o desrespeito
aos seus direitos de propriedade intelectual tinham que contar com a
ajuda das embaixadas dos EUA, que nem sempre ajudavam, ou com a
intervenção da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, que não
tinha os mecanismos para fazer cumprir o respeito a esses direitos.
Na medida em que o governo dos EUA começou a negociar novos acordos
de comércio na segunda metade do século XX, as indústrias nas quais a
propriedade intelectual têm peso passaram a ver o comércio exterior –
historicamente separado das questões de propriedade intelectual – como
uma nova via através da qual poderiam defender seus interesses. Através
de uma série de campanhas internas, a propriedade intelectual se tornou
parte das negociações de comércio dos EUA; o governo dos EUA, em
particular a administração de Ronald Reagan, foi convencido de que a
decadência da manufatura norte-americana deveria ser substituída por
outras indústrias e que aquelas nas quais as patentes têm peso poderiam
ajudar a catar os cacos.
Enquanto isso, o Office of the United States Trade Representative
(USTR), responsável pelas negociações internacionais de comércio em nome
do governo dos EUA, foi fortalecido em parte por conta do lobby bem
sucedido do setor de propriedade intelectual. “(As indústrias de PI)
fizeram lobby pelo incremento de recursos para o USTR”, diz Sell. Em
resposta, o escritório “defende as propostas deles”.
No fim do século XX, as regras do comércio internacional passaram por
uma série massiva de mudanças, e as indústrias de PI, agora bem
próximas do USTR, novamente viram uma oportunidade.
Organizadas em uma coalização chamada Comitê de Propriedade
Intelectual, e originalmente liderada por John Opel da IBM e Edmond
Pratt da Pfizer, as indústrias norte-americanas de peso, baseadas em PI,
começaram uma campanha sobre o governo para incluir a PI nas
negociações em andamento no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)
(que depois seria substituído pelo do OMC, mais forte).
Aliando-se a indústrias da Europa e do Japão, o guarda-chuva da PI
redigiu um documento trilateral listando o que queria ver em um acordo
internacional de PI, uma lista de desejos que a Câmara de Comércio
norte-americana defendeu em negociações domésticas e internacionais com a
promessa de novos acessos ao mercado norte-americano e a ameaça de
sanções se os países não aceitassem.
“Esse documento trilateral se tornou muito importante, e muito do que
está no TRIPS saiu direto dali”, nota Sell. “Era o rascunho de um
tratado; incluía o que devia haver nos capítulos, o que deveria estar
ali. O (governo do EUA) praticamente aceitou essa análise do setor
privado como fato que deveria ser incluído internacionalmente”.
O TRIPS entrou em vigor em 1995. Sob os auspícios da OMT, que também
nasceu em 1995, o acordo é notável não só por tornar homogêneas as
fortes regras de propriedade intelectual em todo o planeta, mas também
porque é obrigatório; a OMC pode impor sanções contra os membros que não
o adotarem.

Os países de renda média reagem

O TRIPS foi assinado justamente quando a epidemia de HIV explodiu, um
cenário que ofereceu uma fresta para se ver porque a África do Sul – e
outros países de renda média que enfrentam grandes problemas por causa
do HIV – têm consciência do impacto que a propriedade intelectual pode
ter sobre os preços dos remédios.
Quando o tratamento para HIV apareceu, a primeira linha de
anti-retrovirais, que a maioria dos portadores do HIV tomou, era
patenteada e custava US$ 10.000,00 por ano – um preço fora de alcance
não somente para a maioria da população da África, mas para muitos nos
Estados Unidos também. A horrenda taxa de mortalidade da epidemia
somente começou a declinar quando remédios genéricos para o tratamento
do HIV se tornaram disponíveis, resultado de brigas na justiça,
campanhas internacionais e globais de conscientização a respeito da
injustiça da enorme taxa de mortalidade diante dos preços exorbitantes
dos remédios.
Em 2010, o custo do tratamento com a primeira linha de
anti-retrovirais, agora disponíveis como genéricos, custava US$ 100,00
por ano.
O TRIPS permite algumas variações nas leis de remédios do país,
incluindo a permissão para que cada país determine exigências-chave do
que é patenteável e o uso de licenças compulsórias, donde um governo
pode anular a patente. Diante da epidemia de HIV, alguns países estão
formulando suas políticas de propriedade intelectual para usar a chamada
“flexibilidade do TRIPS” para prevenir outra catástrofe.
O Brasil propôs recentemente reformas na propriedade intelectual que
vão garantir que novas versões de antigos remédios não sejam
re-patenteados, e que o uso de licenças compulsórias se torne mais
fácil.
Em 2012, a China também emendou sua lei para permitir o licenciamento compulsório.
A Índia é o mais ousado de todos: enquanto a África do Sul – assim
como Estados Unidos e Europa – permite o re-patenteamento de produtos
antigos sob novas formas e indicações, a lei da Índia limita isso
expressamente. Por isso a Índia pode anular a patente da Novartis para o
remédio para câncer Gleevec. O resultado é chocante: enquanto o
tratamento com a droga custa aproximadamente US$ 70.000,00 por ano nos
Estados Unidos, em 2013, na Índia, a versão genérica sai por cinco por
cento desse preço. Em 2012, a Índia também aprovou uma licença
compulsória do remédio para câncer sorafenib, chamado de Nexavar pela
companhia farmacêutica Bayer. A empresa indiana Natco agora vende o
remédio por menos de US$ 200,00 por mês, enquanto o preço mensal do
remédio da Bayer é de US$ 5.600,00.
Os países que estão adotando as medidas mais agressivas para mudar
suas leis de propriedade intelectual são também os mais lucrativos para a
indústria farmacêutica. Enquanto as empresas descem a ladeira do sempre
discutido penhasco da patente – no qual as patentes de algumas das
grandes máquinas de dinheiro da indústria expiram – as empresas
farmacêuticas buscam mercados ainda virgens.
Países de renda média, que tem um número crescente de pessoas com
renda em expansão, seguro de saúde e doenças dos ricos e pobres – como
Brasil, China, Índia e África do Sul – foram rotulados países
“pharmamerging” (poderia ser traduzido como emergentes farmacêuticos)
por seu potencial lucrativo para o setor farmacêutico. Apesar dos
mercados emergentes terem representado apenas 10% dos gastos globais das
farmacêuticas em 2013, espera-se uma exposição de 30% até 2016.
A indústria farmacêutica não tem sido muito sutil a respeito de suas
esperanças de expansão nos mercados fora dos Estados Unidos e da Europa:
William Looney, editor chefe da revista Pharmaceutical Executive e
ex-diretor da Pfizer, descreveu os sentimentos das farmacêuticas em um
artigo de 2013:
“Você tem um bom número de reguladores e consumidores rabugentos,
conscientes dos preços e avessos a risco? Considere as vastas
oportunidades em países com infraestrutura de saúde subdesenvolvida, uma
grande sistema de pagamento à vista e sem exigências de negociação para
acesso”.
“Você está enfrentando a perda de exclusividade em campeões de venda?
Preencha a lacuna com genéricos de alta margem de lucro que se
beneficiam de posições de mercado privilegiadas e proteções locais à
indústria ainda em fase infantil”.
“Muitos consumidores exaustos e descrentes dos remédios ‘prá mim
também’? Atinja os bilhões de aspirantes a consumidores de saúde de
classe média na Ásia, na África e na América Latina, todos com doenças
crônicas não tratadas”.
Preocupadas com os precedentes que as emendas às lei nacionais de
propriedade intelectual poderiam criar internacionalmente e com a perdas
de lucros potenciais em países “pharmamerging”, as empresas
farmacêuticas estão tentando reagir – e o governo dos EUA está ajudando a
fazer o trabalho.
Todo ano, o USTR publica a “lista especial 301”, essencialmente uma
versão do governo norte-americano da lista dos meninos travessos de
Papai Noel. Nela, o USTR, que conta com pesada contribuição da
indústria, destaca os países cujas leis de propriedade intelectual e
ações são consideradas ameaças à indústria dos EUA; aqueles considerados
mau comportados podem ser ameaçados com sanções comerciais, mesmo se
suas ações forem consideradas legais pelo TRIPS.
Brasil, Índia e África do Sul enfrentaram essa ira; este ano, diante
da iminência da licença compulsória e do caso da Novartis, PhRMA e
outros grupos de indústrias recomendaram que a Índia seja incluída na
lista, ou seja, é o país mais passível de sofrer sanções comerciais.
A pressão aberta é em geral combinada com o lobby nos bastidores.
Veja o caso do Equador: em 2009, o Presidente Rafael Correa pediu que o
país incluísse provisões da licença compulsória em sua legislação, como o
TRIPS permite.
Documentos divulgados pelo Wikileaks em 2011 mostram a pressão
exercida pelo embaixador americano sobre o ministro das Relaçoes
Exteriores do Equador, com o governo dos EUA sugerindo que a adoção das
medidas ameaçaria a possibilidade de o Equador fechar acordos
comerciais.
Os documentos também mostram que a embaixada norte-americana manteve
vários encontros com as empresas farmacêuticas multinacionais para
discutir as medidas, além de ter se encontrado com oficiais do governo
equatoriano para discutir o assunto. Apesar da pressão, o Equador adotou
sua primeira licença compulsória – um remédio para HIV – em 2010.
Pressão e retaliação também podem ser feitas de formas mais vis.
Em 2006, o Dr. William Aldis, representante da Organização Mundial da
Saúde (MS) na Tailândia, escreveu um artigo publicado em um jornal de
alcance nacional alertando o país a respeito das medidas incluídas
naquele momento ainda como propostas (hoje descartadas) no Tratado de
Livre Comércio EUA-Tailândia que dificultariam o acesso a remédios.
Em seu artigo Aldis destacou o papel essencial que os genéricos
desempenharam no combate à epidemia de HVI no país (o país expediu
licenças compulsórias para remédios chave contra HIV permitindo a
produção de versões genéricas de remédios patenteados, uma decisão que
resultou na inclusão do país na ‘lista Especial 301′ várias vezes).
Poucos meses depois da publicação do artigo, Aldis foi removido de sua
posição pelo diretor geral da OMS; ele serviu apenas um quarto de seu
mandato de quatro anos. O Asia Times Online descobriu
que a pressão do lobby norte-americano estava por trás da remoção, e que
representantes do governo tiveram encontros privados com o
diretor-geral da OMS e escreveram para ele dias antes da remoção de
Aldis.

Estados Unidos e indústria na ofensiva

A indústria farmacêutica, de mãos dadas com o governo
norte-americano, também está na ofensiva. Utilizando acordos comerciais,
o governo dos EUA está forçando outros países a adotar proteções cada
vez mais rígidas de propriedade intelectual além do exigido pelo TRIPS.
O Acordo de Comércio Trans Pacífico, ou TPP, oferece excelente
exemplo das provisões “TRIPS plus” incluídas nos acordos de comércio.
Atualmente sendo negociado com 12 países, as primeiras versões do TPP
incluíam “algumas das piores provisões de propriedade intelectual em
relação ao acesso a remédios” que Judit Rius Sanjuan, administradora e
conselheira de políticas legais do Médicos Sem Fronteiras, jamais viu e
chamou de “uma lista dos desejos da indústria farmacêutica”.
Os primeiros textos do TPP exigiam, entre outras coisas, que os
países signatários explicitamente tornassem ilegal a linguagem adotada
na Índia que limita novas patentes para remédios antigos; que as
empresas possam processar diretamente os governos cujas políticas as
empresas acharem que estão infringindo seus investimentos; e que as
empresas ofereçam 12 anos de dados exclusivamente biológicos – o que
pode estender o direito de monopólio sobre um produto.
As primeiras propostas também limitavam a habilidade dos países em
negociar preços de remédios. Em troca do incremento da proteção da
propriedade intelectual os Estados Unidos ofereceram maior acesso ao
mercado norte-americano, particularmente aos produtos agrícolas.
Peter Maybarduk, diretor do programa de Acesso Global à Medicina da
organização Public Citizen, diz que é notável que “as regras globais
(através do TRIPS) foram em parte desenhadas pela e para a Grande Farma,
e hoje a Grande Farma reclama que essas regras não respondem
suficientemente às suas necessidades”. Como Sell notou, o TRIPS se
tornou o patamar mínimo e não o teto.
O TPP foi negociado em segredo, com os que estavam foram do USTR
virtualmente impossibilitados de conseguir uma cópia do texto inicial;
mesmo algumas pessoas do governo dos EUA estavam às cegas com relação
aos pontos específicos das negociações.
Através do anos em que o TPP vem sendo negociado, San Ruis se
encontrou com membros do Congresso para discutir as preocupações do
grupo com as provisões de PI. Um, que pediu para se manter anônimo por
causa da delicadeza das negociações, destacou, “em geral, nós dizíamos a
eles que o que estávamos ouvindo estava no texto, e eles diziam ‘não
fazia ideia!’, Nem eles tinham acesso”.
Sell também notou que este segredo se deve, em parte, ao lobby da
indústria para fortalecer e isolar o USTR. “É a única agência que não se
submete aos pedidos do Ato de Liberdade de Informação. Não se submete
ao mesmo tipo de fiscalização e prestação de contas a que quase todas as
agências têm que se submeter. Nós não temos regras para negociações
internacionais de comércio como temos para outras áreas do governo does
EUA”, diz ela.
As indústrias de PI, por outro lado, têm acesso aos textos secretos. Em 2013, o Washington Post
notou que uma meia dúzia de representantes da indústria, mas nem um
grupo da sociedade civil, se sentou no comitê consultor da indústria de
comércio (ITACs) do USTR.
O Post notou que “o assento no ITACs dá acesso à informação
confidencial sobre as posições negociadas pelos Estados Unidos que não
estão disponíveis para o público… Quando o USTR quer conselho técnico
para transpor a lei norte-americana em lei internacional, ele
naturalmente busca os representantes da indústria no ITACs”.
O USTR também prontamente marca reuniões com a indústria, enquanto
grupos da sociedade civil têm que brigar muito para participar das
discussões com o órgão; discussões em  geral às cegas, já que o público
não tem acesso às provisões que estão sendo discutidas em acordos
comerciais em momento algum. Os documentos do Wikileaks sobre o capítulo
de PI do TPP, divulgado no fim do ano passado, mostra que 600
representantes da indústria farmacêutica foram convidados a participar
das discussões sobre o acordo comercial.
Além disso, a PhRMA e outros grupos de empresas fizeram lobby pesado
desde os primeiros dias de negociação do TPP. A Fundação Sunlight relata
que de 2009 a 2013, empresas de remédios e associações farmacêuticas
mencionaram o TPP em 251 relatórios de lobby separados.
Os relatórios de lobby da indústria farmacêutica mencionam o TPP mais
do que qualquer outra indústria (estes são divulgados voluntariamente, e
a análise da Sunlight inclui apenas os documentos nos quais o TPP é
mencionado. Ela pode, então, subestimar os esforços de lobby da
indústria no acordo). De todos os representantes e empresas
farmacêuticas envolvidos, a análise da Fundação Sunlight mostra que a
PhRMA foi a que fez a campanha mais intensa.

Cansado

As coisas podem estar mudando. Além do aumento da conscientização do
público em lugares como Índia, Brasil e África do Sul, os
norte-americanos estão mais e mais preocupados com os custos dos
remédios.
As dívidas médicas atualmente lideram os motivos de falências nos
Estados Unidos, e novas “especialidades médicas”, como para câncer,
diabetes e hepatite, são em parte responsáveis pelo aumento do preço dos
remédios.
Os preços dos remédios vendidos com prescrição aumentaram 5,4% no ano
passado, e enquanto “drogas especiais” representam apenas 1% das
prescrições, elas são 28% de todo o gasto com produtos farmacêuticos
(apenas o preço dos remédios para câncer aumentou 24,1% no ano passado).
Steve Miller, médico chefe do Express Scripts, a maior administradora
dos Estados Unidos de benefícios farmacêuticos, disse ao Wall Street Journal, “a atual mentalidade de preços de produtos inovadores não tem precedentes e não é razoável”.
Um remédio em particular – Sovaldi, patenteado pela Gilead e usado no
tratamento da hepatite C – custa US$ 84.000,00 for um período de 12
semanas, preço que Miller considera “insustentável”.
Em boa parte pro conta do alto preço da droga, a Express Scripts
espera que o custo da hepatite C aumente 102% este ano. A droga deve
faturar US$ 16 bilhões em vendas somente em 2016, e metade do atual
valor de mercado da Gilead, de US$ 1237 bilhões, é resultado das grandes
expectativas em torno da droga. O CEO da empresa, John Martin, tem um
salário líquido de US$ 1,2 bilhão. A Gilead comprou o Sovaldi da
Pharmasset Inc, em 2012, por US$ 11 bilhões.
Assim como eles fizeram internacionalmente, os esforços de lobby
farmacêutico também impactaram os preços dos remédios domesticamente.
Veja o tão divulgado acordo entre a Casa Branca e a PhRMA com relação ao
Obamacare. Em troca da oferta da indústria farmacêutica de reduzir os
custos com remédios em US$ 80 milhões ao longo de uma década e gastar
dezenas de milhões de dólares para angariar o apoio popular à Lei
Affordable Care (notadamente feito em parte através de dois grupos), a
administração Obama não brigou por proposta-chave que reduziriam os
preços farmacêuticos nos Estados Unidos.
E não se trata apenas de política doméstica, o que acontece
internacionalmente afeta o que acontece em casa. Ao brigar por 12 anos
de exclusividade sobre os dados biológicos dentro do TPP, o governo dos
Estados Unidos minou os esforços do presidente Obama para reduzir este
período, domesticamente, para sete anos (os Estados Unidos, como
qualquer outro signatário, seria obrigado a acatar a provisão incluída
no acordo final).
“Você vê um setor de política no qual as regras não estão sendo
escritas e as práticas não estão sendo determinadas de acordo com a
lógica e o interesse público”, reflete Maybarduk. “Não existe nenhum
grande cálculo sendo vislumbrado a respeito da maneira certa para
promover inovação e acesso… Isso é simplesmente dirigido por lobistas
com exceções ocasionais, quando defensores da saúde conseguem um
espaço”.
A conscientização pública a respeito dessas tramoias produziu ódio
popular. Os documentos sobre o TPP divulgados pelo Wikileaks no ano
passado deram uma pequena mostra de quão danoso o acordo pode ser, e
quanto não transparente o processo tem sido. Em março deste ano, 16
membros do congresso escreveram ao USTR listando preocupação com o
quanto o acesso aos remédios pode ser impactado pelo acordo; até o
Vaticano expressou preocupação com as medidas de PI do acordo.
Organizações da sociedade civil e professores de direito pediram mais
transparência no processo.
Em novembro, 151 democratas escreveram a Obama dizendo que não vão
apoiar o “fast-tracking” do TPP (o fast-tracking essencialmente tiraria o
Congresso do processo permitindo a ele apenas aceitar ou rejeitar o
acordo final sem nenhuma fiscalização das negociações). Grupos
preocupados com a liberdade de informação, liberdade na internet,
proteção do consumidor e de empregos norte-americanos estão se unindo
com os grupos preocupados com o acesso à medicina, destacando propostas
danosas em todas as frentes. Com a continuação das negociações, grupos
de acesso aos remédios têm esperanças de que a pressão popular e o
escrutínio ajudarão a remover ao menos as provisões mais danosas.
Sell espera que as discussões dentro dos Estados Unidos a respeito do
preço dos remédios e o acesso ao sistema de saúde leve algum juízo à
administração Obama, que Maybarduk nota ser “até mais agressiva do que a
de Bush” em seus esforços para ampliar a proteção da propriedade
intelectual internacionalmente.
“Eu acho realmente esquisito que Obama queira que sua marca seja o
serviço de saúde acessível, e no exterior estamos forçando essas
coisas”, nota Sell. “Existe uma desconexão realmente profunda entre
nossa política externa e as conversas que estamos tendo em casa e (as
empresas farmacêuticas) estão tentando manter este modelo de negócios
que já não funciona. Por que estamos agressivamente exportando essa
política que questionamos mais e mais aqui em casa?”.

Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil | Brasil de Fato

Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil


  • Estados do Brasil:


Divulgação MTE
Dois meninos e 11 anos estão entre os 21 resgatados trabalhando para
ex-prefeito Gean Campos de Barros e seu genro, Oscar da Costa Gadelha


Por Daniel Santili

Da Repórter Brasil



O ex-prefeito de Lábrea, Gean Campos de Barros (PMDB) e seu genro, Oscar
da Costa Gadelha, foram responsabilizados pela exploração de 21 pessoas
em condições análogas a de escravos na produção de castanha-do-pará em
Lábrea, no Amazonas. Entre os resgatados estavam dois adolescentes e
quatro crianças, incluindo dois meninos de 11 anos que, assim como os
demais, carregavam sacos cheios de castanhas em trilhas na mata e
manuseavam facões longos, conhecidos como terçados, para abertura dos
ouriços, os frutos da castanha. A reportagem tentou entrar em contato
com os empresários para ouvi-los sobre o flagrante, mas não conseguiu
localizá-los.A libertação aconteceu em operação conjunta do Ministério
do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal,
realizada entre 16 a 28 de março em castanhal localizado dentro
da Reserva Extrativista do Médio Purus, acessível a partir da comunidade
ribeirinha de Lusitânia, nas margens do rio Purus. “O que mais nos
chamou a atenção foi a questão das crianças. Vimos meninos carregando
sacos de 25 kg dentro da floresta, andando até quatro quilômetros
descalças”, conta o auditor André Roston, coordenador do Grupo Especial
de Fiscalização Móvel do MTE. “Para ajudar, um policial pegou o saco e
começou a carregar, mas ele não aguentou chegar até o final. É um
trabalho muito pesado e as crianças estavam submetidas ao sistema de
exploração estabelecido.”
Garoto de 11 anos manuseia facão no barco e na
abertura de ouriço de castanha-do-pará.
Foto: Divulgação MTE
Os facões, mais longos que o antebraço de alguns dos meninos, como é
possível visualizar na foto ao lado, eram utilizados para abrir os duros
frutos da castanheira e extrair as sementes. Nenhum dos trabalhadores
utilizava proteção e, segundo a fiscalização, um dos garotos de 11 anos
estava com o dedo indicador cortado, ferimento decorrente de acidente
enquanto exercia a atividade. Tanto o “transporte, carga ou descarga
manual de pesos” acima de 20 kg para atividades raras ou acima de 11 kg
para atividades frequentes, quanto a “utilização de instrumentos ou
ferramentas perfurocortantes, sem proteção adequada capaz de controlar o
risco” estão entre as piores formas de trabalho infantil,
conforme estipulado pela lei número 6.481/2008, com base na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
 Àequipe de fiscalização, em depoimento, Oscar Gadelha confirmou o uso de
trabalho infantil e defendeu que o emprego de crianças e adolescentes
na atividade é “uma certa forma é até uma maneira de educar”.

Reserva extrativista e o sistema de barracão 
A exploração de trabalho escravo infantil aconteceu em uma unidade de
conservação federal, a Reserva Extrativista do Médio Purus. A área de
preservação foi criada como resultado de intensa mobilização social,
processo detalhado na obra “Memorial
da Luta pela Reserva Extrativista do Médio Purus em Lábrea, AM:
Registro da mobilização social, organização comunitária e conquista da
cidadania na Amazônia””
, e garante às comunidades ribeirinhas o direito de desenvolver atividades extrativistas na região.
Os castanhais, em questão, porém, eram tratados como propriedade privada, e
o grupo econômico formado por Oscar Gadelha e o ex-prefeito Gean Barros
determinava exclusividade na extração. Além de ser encaminhado ao MPT e
à PF, que acompanharam a ação, o relatório da fiscalização foi enviado
também ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Não é a primeira vez que Gean
Barros se posiciona contra as áreas de proteção. Durante sua gestão, o
político chegou a tentar impedir fiscalizações de crimes ambientais
ocorridos nas reservas extrativistas, e foi processado pelo MPF por
ter, em 9 e 10 de março de 2010, incitado “uma manifestação popular na
praça central do município, com o objetivo de impedir a fiscalização do
ICMBio e expulsar os fiscais do município”.
O controle da exploração comercial na reserva federal era feito por Oscar Gadelha, e o
sistema era financiado e estruturado pelo ex-prefeito, o que
configurou a formação de grupo econômico familiar, segundo a
fiscalização. O coordenador da ação explica que a escravidão foi
caracterizada por diferentes fatores, incluindo o uso do sistema de
barracão, mecanismo clássico de exploração de trabalhadores, ribeirinhos
e comunidades indígenas, ainda comum em frentes de trabalho e áreas
isoladas na Amazônia. No controle das redes de abastecimento, os
regatões (comerciantes de grandes barcos) e senhores de barranco como
são conhecidos os que monopolizam o comércio, vendem itens básicos com
sobrepreço e compram a preços irrisórios, criando relações de
dependência, se beneficiando de dívidas e impondo restrições de
locomoção.
No caso específico, Gadelha fornecia desde itens
básicos como açúcar, café, óleo vegetal, sabão, arroz, carne em
conserva, leite em pó, bolacha, até itens essenciais para o trabalho,
como gasolina e diesel para o transporte por barcos, além de botas,
terçados e lanternas. Na mata, ele cobrava cerca de 20% a mais do que o
preço que os mesmos itens eram comercializados em Lábrea.Os
trabalhadores só recebiam após o fim da safra, e dependiam do barracão
para sobreviver.
Nesse contexto, mesmo os programas sociais têm
limitações de alcance. Na área urbana de Lábrea, há denúncias
de que comércios locais retêm cartões de benefícios como Bolsa Família e
Bolsa Floresta, com as respectivas senhas a título de garantia de
dívidas de ribeirinhos e índios.Os bens adquiridos em um armazém eram
descontados aos ganhos com produção, e, sem controle ou opção, alguns
recebiam R$ 100 ou R$ 200 por todo trabalho realizado durante a safra.
Há também depoimentos de trabalhadores que terminaram o período
endividados e tiveram de trabalhar na safra seguinte para pagar o
barracão. O emprego das crianças pelos pais está relacionado à
preocupação das famílias em tentar aumentar os ganhos. “Estamos falando
de um sistema de barracão com um barracão físico. Um paiol para
armazenas as castanhas, além do armazém e da casa grande. É um sistema
clássico”, explica o auditor André Roston.

Condições degradantes 
Além dos 21 trabalhadores resgatados, a fiscalização também constatou que
outros 16, incluindo mais crianças e adolescentes, foram submetidos
anteriormente às mesmas condições. Eles não foram libertados porque não
estavam trabalhando no período do resgate, mas também receberam seus
direitos trabalhistas. Ao todo, o valor líquido das rescisões pagas ao
grupo é de R$ 58.978,42.
Os trabalhadores viviam e trabalhavam em
condições de degradação humana. Entre os resgatados durante a
fiscalização, parte vivia em um abrigo improvisado, parte em um barco
apertado e os demais em casas nas comunidades ribeirinhas vizinhas. Sem
estrutura mínima, os alojamentos inadequados não garantiam nem
privacidade nem proteção contra chuvas ou temporais. Nas frentes de
trabalho, algumas distantes a mais de uma hora e meia de caminhada, não
havia estrutura ou abrigo na mata, nem abastecimento de água potável,
banheiros ou itens básicos de higiene, como papel higiênico. Os rios
eram utilizados tanto como fonte de água quanto como espaço para lavar a
louça e tomar banho. Sem banheiros ou fossas, as necessidades eram
feitas na mata ou nas águas. Na fiscalização, a equipe encontrou a
comida de todo o grupo, peixe com farinha, armazenada em um balde que já
havia servido para transportar tinta. Sem pratos ou talheres, as
pessoas comiam direto do balde com as mãos.
Além da degradação
humana, também foram constatados riscos de segurança onde os adultos,
adolescentes e crianças ficavam. Entre eles, a ameaça de o ouriço, o
pesado e duro fruto da castanheira, se desprender da árvore e
atingir pessoas. Nem capacetes, nem malhas metálicas para o manuseio de
facas ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção eram fornecidos
pelos empregadores.
Além de André Roston, que coordenou a ação
junto com a também auditora fiscal Márcia Ferreira Murakami, da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia, também
participaram os auditores João Ricardo Dias Teixeira, Júlio César
Cardoso da Silveira, Marco Aurélio Peres; o procurador Rogério Rodrigues
de Freitas da Procuradoria Regional do Trabalho de Bauru; e os
policiais federais Camila Pinheiro Simmer e Fabiano Ignacio de Oliveira,
da 11ª Delegacia; Júlio de Melo Arnaut, da 2ª Delegacia; Ruan Cleber
Torres Cruz, 4ª Delegacia; Wandercleysson de A. Souzada da 1ª Delegacia;
e Willian Pascoal Pereira da 14ª Delegacia.
* Matéria produzida com apoio da Fundação Rosa Luxemburg

ODiario.info » A maioria das pessoas queimadas vivas em Odessa eram do Partido Comunista ou de esquerda

A maioria das pessoas queimadas vivas em Odessa eram do Partido Comunista ou de esquerda

Editorial de odiario.info


Em 1905, Odessa foi palco do massacre de trabalhadores grevistas em solidariedade com os marinheiros revoltosos do couraçado “Potiómkine”. Em 2014, os nazis da Junta que o golpe imperialista instalou na Ucrânia cometeram mais um hediondo massacre na cidade, assassinando e queimando vivas dezenas de pessoas. A tresloucada agressão imperialista em marcha mostra a cada dia a face criminosa e bárbara. E nem os grandes media ao seu serviço podem já ocultá-la.

Nas redes sociais começam a aparecer as primeiras informações acerca da filiação política das vítimas da carnificina na zona do “campo de Kulikovo” que os activistas de “Praviy Séktor” em Odessa organizaram ontem. A maioria dos que ontem foram queimados vivos pertencia a organizações de esquerda, ao Partido Comunista e ao “Borotba”.
“A “druzhina” de Odessa continua viva. Há feridos, detidos, gente que passou à clandestinidade, mas não parece que haja mortos. As organizações de esquerda, PCU e “Borotba”, foram quem mais sofreu. São na sua maioria membros seus os que foram queimados na Casa dos Sindicatos”, informam os utilizadores das redes sociais.
Aqueles que sobreviveram na Casa dos Sindicatos são sujeitos a prisão preventiva, acusados de terrorismo e separatismo, informa o utilizador @pmzher
Todas essas fábulas sobre supostos agentes russos entre os queimados que os media ucranianos difundem são desmentidas pelas Forças da Ordem de Odessa e pelos registos que mostram que os falecidos tinham documentação ucraniana.
Uma vez extinto o incêndio no edifício da Federação regional dos Sindicatos foram encontrados 36 corpos de falecidos, informa o serviço de imprensa da Direcção Geral da Protecção Civil da região de Odessa.
A informação é de que, no total, após os confrontos entre “Praviy Sektor” e militantes “anti-Maidán”, há 43 falecidos e 174 feridos entre os partidários da federalização.
Um dos sobreviventes: “Encurralaram-nos dentro do edifício e fecharam todas as vias de saída”
O redactor de “Antifascista” conseguiu pôr-se em contacto telefónico com um dos activistas no campo de Kulikovo, que sobreviveu milagrosamente ao terrível incêndio ateado pelos assassinos da Junta no edifício da Casa dos Sindicatos de Odessa. Yuri, este alferes da reserva de 49 anos, várias horas passadas, continua em estado de choque e dá graças a Deus por ter podido regressar do inferno.
Nas palavras de Yuri, em Kulikovo no momento dos confrontos com os “cães” de Praviy Séktor”, não estavam mais de 250 companheiros. Esse número incluía cerca de três dezenas de jovens do serviço de segurança; o resto eram naturais de Odessa de meia-idade e pessoas de idade avançada, entre os quais muitas mulheres.
“Após os confrontos na rua Gréchaskaya e na praça Sobornaya, os fascistas começaram o ataque no campo de Kulikovo. Eram milhares. As forças eram claramente desiguais e para além disso nós não tínhamos qualquer tipo de arma. Vimo-nos obrigados a retroceder e a refugiar-nos na Casa dos Sindicatos, que se encontrava próximo. Tudo o que sucedeu depois é algo que não me cabe na cabeça”, prossegue a voz trémula da testemunha.
Segundo Yuri, dispararam contra ele com armas de fogo e pistolas de ar comprimido. “O jovem que tinha a meu lado foi um dos primeiros a cair. Encurralaram-nos dentro do edifício e fecharam todas as vias de saída. Eu vim dar à ala direita do terceiro piso. Éramos umas dez pessoas num compartimento. Os nazis de Praviy Séktor começaram a lançar cocktails molotov e a disparar contra as janelas. O primeiro piso estava em chamas e estas iam subindo. O fumo invadia os corredores. Não havia forma de sair. Houve quem saltasse das janelas. Lá em baixo acabavam de os matar. Ouviam-se gritos de “Slava Ukrainie” e “Smiert vragam” (gloria à Ucrânia, morte aos inimigos) …Era um autêntico inferno. Chegaram os bombeiros e começaram a extinguir o primeiro piso…”, relata a testemunha.
Com dificuldade consegue recordar o que fez depois. “Todos à volta estavam a asfixiar, no edifício ouviam-se gritos de desespero e súplicas pedindo compaixão…
Recordo como despi o fato camuflado, e o jovem “à civil” que tinha ao lado deu-me uma camisola desportiva. Lançámo-nos ao corredor, tropeçando nos cadáveres. Havia una grande quantidade, não saberia dizer quantos, mas muitos…estava tudo às escuras, alguma coisa rangia em volta. Chegámos como zombies à escada de incêndio do 1º piso. Nem sei como o conseguimos. No 1º piso o fogo já tinha sido controlado. Junto à saída de emergência vimos vários nazis. Estavam a fazer-se de foliões e quando nos mandaram parar, respondemos-lhes: “eh rapazes, somos dos vossos”. Fosse pelo que fosse não quiseram averiguar mais. Pelo visto tinham outras tarefas encomendadas… Conseguimos assim sair para o exterior e, sem nada que nos identificasse, confundir-nos entre a multidão…”, relata Yuri.
“Perdemos essa batalha porque não estávamos preparados nem organizados. Mas todos os caídos em Kulikovo são uns heróis. Enfrentaram uma morte certa. É o Kátyn de Odessa… quando pude respirar e voltar a mim (estalava-me a cabeça, apenas podia falar), marquei o número do meu amigo que estava no edifício da Casa dos Sindicatos, em algum dos pisos inferiores…alguém atendeu e disse que estava morto…nunca esquecerei este horror…” resumiu o nosso interlocutor e pusemos fim à entrevista, enquanto nos dizia que ia continuar a ligar para todos os companheiros dos quais possui o número de telefone, para tentar averiguar quem sobreviveu.

sábado, 3 de maio de 2014

Noam Chomsky: o pânico dos EUA sobre a Crimeia se dá pelo medo de perder a dominação global | Portal Fórum

A linha vermelha dos EUA está firmemente localizada nas fronteiras russas… E a anexação da Crimeia a violou



Por Noam Chomsky, em Alternet | Tradução: Vinicius Gomes




A atual crise na Ucrânia é séria e perigosa, tanto, que até alguns
comentaristas chegam a compará-la com a Crise dos Mísseis Cubanos de
1962.
A colunista Thanassis Cambanis resume
o problema central da questão sucintamente no Boston Globe: “A anexação
da Crimeia por Putin é uma quebra na ordem a qual os EUA e seus aliados
vieram a depender desde o fim da Guerra Fria – notoriamente, uma na
qual as maiores potências apenas interveem militarmente quando eles
contam que o consenso internacional esteja do lado deles; se isso não
acontecer, que ao menos eles não atravessem a “’linha vermelha” de uma
potência rival.
Assim sendo, o maior crime internacional de nossa era: a invasão do
Iraque por parte dos EUA e Reino Unido, não foi uma quebra nessa ordem
mundial, pois quando falharam em contar com o apoio internacional, os
agressores não atravessaram as linhas vermelhas da Rússia ou da China.
Em contraste, a tomada da Crimeia por Putin e suas ambições na Ucrânia, atravessaram as do norte-americanos.
Consequentemente, “Obama está focado em isolar a Rússia de Putin ao
cortar os laços econômicos e políticos com o resto do mundo; limitando
suas ambições expansionistas em sua própria vizinhança e, tornando-a
efetivamente, em um Estado pária”, escreveu Peter Baker no New York
Times.
As linhas vermelhas dos EUA, em resumo, estão localizadas nas
fronteiras russas, o que faz com que as ambições russas “em sua própria
vizinhança” violem a ordem mundial e criem uma crise.
Esse argumento é generalizador. Outros países também possuem suas
linhas vermelhas, que são suas fronteiras. Mas isso não aplicado ao
Iraque, por exemplo, ou até mesmo o Irã – onde os EUA continuam a
ameaçar com um ataque (“nenhuma opção está descartada).
Tais ameaças violam não apenas a Carta das Nações Unidas, mas também a
resolução da Assembleia Geral condenando a Rússia, a qual os EUA
acabaram de assinar. A resolução começa dizendo que a Carta da ONU bane a
“ameaça ou o uso da força” em assuntos internacionais.
A crise dos mísseis em Cuba também revelou as linhas vermelhas das
grandes potências. O mundo chegou perigosamente próximo a uma guerra
nuclear quando o presidente Kennedy rejeitou a oferta do premiê Kruschev
em acabar a crise ao simultaneamente retirarem seus mísseis de Cuba
junto com os dos EUA instalados na Turquia. (Os mísseis norte-americanos
já estavam agendados para serem substituídos pelos muito mais letais
submarinos Polaris, sendo parte de um maciço sistema ameaçando a Rússia
com destruição).
Nesse caso também, as linhas vermelhas dos EUA estavam nas fronteiras russas e isso era aceito amplamente.
A invasão dos EUA na Indochina, assim como a invasão do Iraque, não
cruzou linha vermelha alguma; assim como muitas ações predadoras dos EUA
ao redor do mundo.
Sobre a atual situação, o professor de Oxford, Yuen Foong Khong
explica que existe uma “longa tradição no pensamento estratégico dos
norte-americanos: sucessivas administrações têm enfatizado que o
interesse vital dos EUA é evitar a existência de uma hegemonia hostil –
no caso, a Rússia – de dominar qualquer outra região importante do
mundo.
Além disso, é normalmente aceito que os EUA devem “manter sua
predominância”, pois “foi a hegemonia dos EUA que manteve a paz e a
estabilidade ao redor do muno” – sendo que a última parte pode ser
traduzida como: subordinação às exigências norte-americanas.
Como era de se esperar, o mundo pensa de maneira diferente, e considera que os EUA que são um “Estado pária” e a “maior ameaça à paz no mundo”, com nenhum outro competidor chegando perto nas pesquisas. Mas afinal, o que o mundo sabe?
O artigo de Khong também fala sobre a crise na Ásia, causada pelo
crescimento da China, que cada vez mais se aproxima de se tornar a
“maior economia da Ásia”, e assim como a Rússia, tem “ambições
expansionistas em sua própria vizinhança”, cruzando também as linhas
vermelhas dos EUA.
A recente viagem do presidente Obama à Ásia foi para afirmar a “longa tradição” dos EUA, mas em um linguajar diplomático.
A condenação quase universal de Putin para com o Ocidente inclui seu
discurso emocionado no qual ele reclamou amargamente que os EUA e seus
aliados “os enganou várias vezes, tomaram decisões por suas costas, e
apresentaram fatos completamente mentirosos sobre a expansão da OTAN em
direção ao leste, com instalações e infraestruturas militares nas
fronteiras russas”. E sempre a mesma conversa era: “Bem, isso não
envolve vocês”.
As queixas de Putin são de fato precisas. Quando o presidente
Gorbachev aceitou a unificação da Alemanha como parte da OTAN – uma
surpreendente concessão histórica – foi acordado com Washington que a
OTAN não se moveria um centímetro para o leste, se referindo à Alemanha
Oriental.
A promessa foi imediatamente quebrada e quando Gorbachev reclamou,
ele foi instruído apenas à fazer isso verbalmente, sem o uso da força.
O presidente Clinton continuou com a expansão da OTAN para muito mais
ao leste, até às fronteiras russas. Hoje, existem pedidos para que a
OTAN se estenda até à Ucrânia, indo à fundo na “vizinhança” histórica da
Rússia. Mas isso não “envolver os russos”, pois a responsabilidade de
“manter a paz e segurança” exige que as linhas vermelhas dos EUA estejam
nas fronteiras russas.
A anexação russa da Ucrânia foi uma ação ilegal, que violou a lei
internacional e tratados específicos. Mas não é fácil encontrar nada
comparável nos últimos anos com um crime ainda maior como foi a invasão
do Iraque.
Mas um exemplo próximo seria o controle norte-americano da Baía de
Guantánamo, no sudeste de Cuba; Guantanamo foi tirada de Cuba à força e
não foi devolvida desde então, apesar das frequentes exigências dos
cubanos desde que obtiveram sua independência em 1959.
Mesmo assim, a Rússia tem um ponto muito mais forte. Mesmo se
desconsiderar um forte apoio interno pela anexação, a Crimeia é
historicamente russa: ela tem o único porto em águas quentes, é o lar da
frota russa e possui enorme significância estratégica. Os EUA não
possui qualquer argumento por Guantanamo exceto seu monopólio de força.
Uma razão de os EUA se recusarem a devolve-la à Cuba é,
presumivelmente, ser uma grande maneira dos norte-americanos controlarem
a região – prejudicando severamente o desenvolvimento cubano. Essa é
uma das principais políticas dos EUA e um de seus grandes objetivos há
50 anos, incluindo uma guerra econômica e de terror, em larga escala.
Os EUA alegam que ficam chocados com as violações dos direitos
humanos em Cuba, esquecendo-se de suas próprias violações em Guantánamo –
fazendo com que as válidas acusações contra Cuba não possam ser
comparadas com as práticas regulares dos aliados norte-americanos na
América Latina; e que Cuba tem estado sobre ataque severo dos EUA desde
sua independência.
Mas nenhuma dessas violações cruzam linha vermelha alguma ou causa
alguma crise. Elas caem na categoria de invasões norte-americanas na
Indochina e Iraque; a derrubada constante de regimes parlamentares e a
instalação de ditaduras criminosas e nosso hediondo histórico de outros
atos para “garantir a paz e a estabilidade”.

A mais poderosa "organização" sobre a qual você jamais ouviu falar | Revista Fórum Semanal


A mais poderosa “organização” sobre a qual você jamais ouviu falar





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Acadêmico britânico investigou como cada vez mais
países do mundo todo estão se baseando em recomendações internacionais
para aprovar leis “antiterrorismo” repressivas que negligenciam os
direitos humanos 



Por Vinicius Gomes


ben
Hayes: ‘Dar as notas máximas para os seus piores alunos’ (foto: tni.org)
Ben Hayes tem trabalhado com organizações de liberdades civis desde
1996 e é especialista em segurança internacional e em de políticas
públicas de segurança. Um dos seus principais estudos é acerca do
impacto que a Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF, sigla em inglês) tem na sociedade civil e organizações sem fins lucrativos.


Os países sujeitos aos requerimentos da FATF, no que concerne ao
combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento terrorista, devem
introduzir leis criminais específicas sobre bloqueio de contas
bancárias, retenção de dados, regulamentações na indústria do serviço
financeiro e a cooperação internacional – tudo com a FATF guiando. Os
países participantes passam por rigorosas avaliações de suas políticas
nacionais e sistemas judiciários que analisam o quanto estes estão
cumprindo as recomendações da FATF. A recompensa que o FATF garante
àqueles que as cumprem é o “carimbo” confirmando o país como um lugar
seguro para se realizar negócios.


Quanto mais recomendações adotadas (leia-se: quanto mais repressiva
forem as leis), melhor a pontuação do país, de acordo com Hayes, o
resumo seria: “Dar as notas máximas para os seus piores alunos”.


Fórum – Fale um pouco sobre aquela que você chamou de “a mais poderosa organização da qual nunca ouvimos falar”.


Ben Hayes - Sim, eu a chamo assim, mas, na realidade, a FATF
nem chega a ser uma organização como a palavra pode sugerir. Ela não tem
diretor, ou sede e coisas assim. Bem, de qualquer maneira, tudo começou
durante a década de 1990, quando os países do G7 criaram essa
força-tarefa que escreveu 40 recomendações para o combate à lavagem de
dinheiro ao redor do planeta. Os países que seguiam essas recomendações
em suas legislações recebiam notas e eram reconhecidos como “detentores
de boa governança” – no sentido global. Então, funcionários do FMI ou do
Banco Mundial passavam relatórios dizendo que o país X era um bom local
para se investir, era seguro, entre outras coisas, pois prezava pelo
combate à lavagem de dinheiro de cartéis de drogas ou outras
organizações criminosas. O que acontece é que, depois do 11 de Setembro,
criaram-se mais nove recomendações – essas específicas para o combate
ao financiamento ao terrorismo.


Fórum – E quando isso passou a ser ruim?


Hayes - Bem, basicamente pelo fato de a FATF não prestar
contas a ninguém e passar a exigir cada vez mais que os países
signatários aplicassem leis mais rigorosas no combate ao financiamento
ao terrorismo. Funcionaria mais ou menos assim:  de um lado, se os
países se recusam a cooperar – vamos dizer, por não terem a intenção ou
necessidade de criar uma lei “antiterrorismo”, por exemplo –, a FATF
chega e diz: ‘Nós vamos te colocar na lista negra’. Se você é colocado
na lista negra, isso pode ser um grande problema. Eles exercem pressão
na comunidade internacional para que todos digam “você deve fazer isso”.
As notas para os países que seguem as recomendações vão de ‘Não
Cumprido’/'Parcialmente Cumprido’/'Amplamente Cumprido’ e ‘Cumprido’.
Então você tem 40 notas diferentes que em seguida são transformadas em
uma média e daí vem o seu resultado final. E você tem o caso de que
alguns países estão desesperados para receber uma avaliação boa. Quando
isso não acontece, a FATF usa o relatório para apontar que lei eles
devem “melhorar” e o país tem de mostrar o progresso, dizendo ‘olha, foi
isso que nós fizemos’. E o que temos testemunhado são algumas leis bem
repressivas a respeito.


Então, como eu disse, tudo começou com lavagem de dinheiro, mas com o
11 de Setembro vieram essas nove novas recomendações sobre terrorismo –
que envolvem, em muito, a implementação das resoluções da ONU em
contraterrorismo. Principalmente a Resolução 1373.
De qualquer maneira, duas dessas nove recomendações da FATF são
particularmente contenciosas: uma é sobre organizações sem fins
lucrativos e outra é sobre grupos terroristas na lista negra – que
basicamente querem dizer que os países devem criar suas listas de
terroristas domésticos.


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Fórum – Qual o maior exemplo disso?  


Hayes - Ah, a Turquia… A Turquia é o maior lugar no mundo onde
se realizam operações antiterroristas nos últimos 20 anos. A Turquia já
prendeu mais pessoas sob sua legislação antiterrorista que qualquer
outro país no mundo: jornalistas, advogados, ativistas curdos, políticos
da oposição, entre outros. Uma legislação antiterrorista extremamente
repressiva e, pouco tempo atrás, a Turquia foi avaliada pela FATF,
certo? E a FATF disse que eles não tinham uma lei para o congelamento de
contas bancárias por suspeita de terrorismo, e eles dizem que, se a
Turquia não aprovar uma lei assim, eles irão para a lista negra. O
governo turco vem e responde que eles não precisam implantar uma lei
dessa, mas o que aconteceu é que o ministro da Justiça turco foi ao
Parlamento e disse aos outros parlamentares: ‘Escutem, eu sei que vocês
não gostam dessa lei. Eu sei que vocês acham que nós não precisamos
dela, mas, se não a aprovarmos, isso afetará a ajuda e o comércio do
país. O suprimento de dinheiro entrando no país será prejudicado e isso
atingirá nossa economia, então, por favor, tapem o nariz e votem’.


Eles aprovaram a lei e, no dia seguinte, a Fitch, uma agência de classificação de risco de países, emitiu uma nota elogiando
a adoção do governo turco em sua lei antiterrorista sobre congelamento
de bens. Quero dizer, isso te faz pensar sobre se é assim que leis estão
sendo criadas – especialmente leis para o combate ao terrorismo… Se
isso aconteceu em um país como a Turquia, que tem seus problemas, mas é
de fato democrática, o que pode acontecer com países que têm problemas
verdadeiros com o estado de direito? E os governos que dizem que não
sabem como criar essas leis, eles [FATF] dizem: ‘Sem problemas, nós a
escrevemos para você’. Então é a basicamente assim que as leis
antiterroristas têm se espalhado pelo mundo.


'A Turquia já prendeu mais pessoas sob sua legislação antiterrorista que qualquer outro país no mundo' (foto: anarquista.net)
A Turquia já prendeu mais pessoas sob sua legislação antiterrorista que qualquer outro país no mundo’ (foto: anarquista.net)
Fórum – Mesmo com o fato de que muitos países não possuírem provas de atividades terroristas em seu território? 


Hayes - Mesmo assim. A FATF não trabalha sozinha, certo?
Existem outras convenções, como a da ONU, que diz que todos os países
devem se ajudar na luta contra o terrorismo, e isso é algo que eu ouvi e
não tenho provas por escrito, mas eu de fato já ouvi que os avaliadores
– os caras cujo trabalho é supervisionar a implantação dessas
recomendações, vão aos países e dizem: ‘Certo,
vocês têm de criar uma lista de terroristas’; e o país diz que não tem
qualquer grupo terrorista ali. Os avaliadores não querem saber, a FATF
diz para eles lhes darem nomes, ‘vocês têm de ter alguns nomes para que
possamos colocar na lista e congelar suas contas bancárias
‘,
diriam eles. E para mim – isso como um veículo para se espalhar essas
leis – é algo maluco, porque, primeiro: poucas pessoas estão cientes de
que isso está de fato acontecendo; segundo: quando o Estado propõe essas
leis, ninguém sabe de onde elas estão vindo.



No mês passado, no Sri Lanka, diversos ativistas tâmeis fizeram
denúncias contra o governo por crimes de guerra. No dia seguinte, o
governo do Sri Lanka colocou 429 nomes em sua lista de terroristas domésticos
e, de acordo com a Resolução 1373, todos os países devem ajudar o Sri
Lanka, seja os impendido de viajar, de realizar transações bancárias
internacionais, ou qualquer outra coisa. Então nós temos esse conjunto
de leis extremamente repressivas sendo recomendadas ao redor do mundo
por alguém que não presta contas a ninguém. Não estou dizendo que não
existe um problema com terrorismo no mundo, porque existe e a comunidade
internacional deve trabalhar unida para lidar com isso, mas, se você
olhar para o regime da FATF e suas recomendações, não existe uma só
frase que diga de maneira significativa: “Isso é como você protege os
direitos humanos; isso é como você protege o direito a um julgamento
justo; à liberdade de associação; à liberdade de expressão etc. Não há
nada que diga como evitar que essas leis sejam abusadas por governos
repressivos e isso para mim é o maior problema. Nós tivemos isso em
países democráticos, nós tivemos grandes problemas com a maneira que
essas leis foram aprovadas e implantadas, como no Reino Unido, nos EUA,
na Turquia ou Austrália – e você leva essas leis para partes
democráticas do globo e as forças a serem adotadas. É como dar um cheque
em branco para a repressão.


Fórum – No Brasil, temos tido um debate sobre a aprovação de uma
Lei Antiterrorismo também. Você acredita que a FATF tenha algo a ver?



Hayes - Não, eu acho que isso não tem conexão com a FATF,
porque ela é sobre o financiamento ao terrorismo. Eu acho que, aqui no
Brasil, isso se trata apenas de uma maneira óbvia de pisar em cima de
protestos, pois, assim como na Europa, antes do 11 de Setembro, você
tinha seis ou sete países com uma legislação antiterrorista. Depois
disso, a União Europeia veio com todas essas leis e muitos países
adotaram – até mesmo países europeus, que nunca tiveram experiência
alguma com terrorismo.


Mas de qualquer jeito, todos esses atos terroristas são crimes mesmo
assim. Mesmo que você exploda um banco, ou um jornalista morra, como
aconteceu aqui, tudo isso já são crimes. Você não precisa de uma
legislação específica para lidar com isso, pois o que essas leis
antiterroristas dão são poderes para a polícia ou o governo irem além da
lei criminal já existente, certo? Elas são usadas para banir
organizações com financiamento internacional – ou não -, para prender
preventivamente, prendendo pessoas por mais tempo do que o necessário e
sem qualquer justificativa ou acusação para tal. Então, em minha
experiência, muitas dessas leis são usadas como um sistema judiciário
secundário – dispensando muitas das leis criminais vigentes, algo como
dizer: ‘Isso é terrorismo, então nós temos esses poderes extras’, e
acredito que esse seja o caso do Brasil.


Fórum – Você comentou sobre banir organizações com financiamento
internacional. Há poucos meses, a Venezuela foi palco de uma série de
protestos de rua, onde o governo as acusou de terem financiamento
norte-americano com fins golpistas. Como um país “antagonista” dos EUA,
por exemplo, lida com essa questão de interferência sem cair na tentação
da repressão?





Hayes - É uma questão difícil… E eu entendo… Veja, eu não nego
que isso aconteça – que algumas ONGs sejam usadas por países
estrangeiros –, nós temos o mesmo argumento na Ucrânia, certo? Os russos
dizem que tudo isso foi programado pela Europa ou ONGs estrangeiras e
isso é complicado.


Eu não vou dizer que toda ONG que receba dinheiro da UE e da Usaid,
por exemplo, seja agente dos EUA ou da Europa – isso é absurdo. Eles de
fato financiam trabalho pró-democracia, defesa dos direitos humanos, sem
qualquer segunda intenção – mas, ao mesmo tempo, eu não vou dizer que
os EUA não tenham uma agenda política, quando falamos de países como a
Venezuela… É difícil.


O que eu de fato sei é que em qualquer lugar do mundo onde os países
passaram a adotar leis que dizem ‘nós temos que tomar um cuidado extra
com ONGs, nós temos de impor limites ao financiamento estrangeiro’ ou
qualquer coisa do gênero, essas leis, invariavelmente prejudicavam ONGs
que realmente fazem parte de movimentos sociais locais também, e isso é
fato. A realidade é que se você quer desafiar a corrupção, ou fazer
trabalho para direitos humanos ou pró-democracia – de uma maneira
organizada – onde essas questões são um grande problema, é frequente os
casos onde o financiamento estrangeiro é a única esperança deles para
sobreviver como uma ONG.


Nós vimos a mesma coisa na Índia: eles possuem uma regulação
extremamente restritiva chamada Regulação da Contribuição Estrangeira,
que foi adotada pela Indira Gandhi em 1976, pois ela estava preocupada
com o dinheiro entrando no país para financiar a oposição – essa lei é
utilizada hoje e foi recentemente atualizada, e está sendo usada contra
qualquer movimento social; como nos protestos maciços contra uma usina nuclear de uma joint venture
da Índia com a Rússia. Protestos maciços, centenas de milhares de
pessoas, manifestantes pacíficos, correntes humanas, todas essas coisas
e, de repente, começaram a atirar nas pessoas e 700 organizações – todas
as quais recebiam algum tipo de financiamento estrangeiro, seja se
viesse da Finlândia ou dos EUA – tiveram de uma só vez, sua permissão
para trabalhar revogadas, suas contas bancárias congeladas, escritórios
invadidos e, eu não vou dizer que os Estados não tenham o direito de
combater ações de influência estrangeira, pois elas existem, mas nós
também temos que ter o cuidado ao dizer que isso seja sempre legítimo.


Em minha experiência, os movimentos sociais também estão sendo
colocados no mesmo saco e isso está se tornando um pretexto para os
governos acabarem com qualquer um que proteste contra eles. Nos velhos
dias, eles [os governos] simplesmente vinham, te batiam e te jogavam na
cadeia; nesse mundo globalizado, temos todas essas novas medidas
burocráticas e financeiras que servem ao mesmo propósito: se você pode
congelar os bens de uma organização e invadir o seu escritório, isso tem
o mesmo efeito amedrontador, só que sem a violência.


Colabore
com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da
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Fórum – E considerando que alguns dos países com as leis mais repressivas são aliados de países do Ocidente? 


Hayes - Eu suponho que isso seja uma questão de política
externa. Quer dizer, há pouco tivemos o Tony Blair dando esse discurso
no qual dizia o que temos de fazer no Oriente Médio e se observa como ele mudou de lado na situação da Síria:
ele costumava apoiar os rebeldes sírios e agora apoia a participação de
Assad – dizendo que esse é o menos pior dos males – e continuou como se
estivesse em uma cruzada neoconservadora, chamando o extremismo
islâmico de a maior ameaça que nós temos no mundo hoje em dia, mas não
diz uma palavra sobre a Arábia Saudita: o mais brutal dos regimes e um
dos maiores patrocinadores desse mesmo extremismo islâmico. Digo, países
como EUA e Reino Unido pregam uma coisa sobre direitos humanos e
aplicam esse discurso de maneira muito seletiva. Extremamente seletiva.


Fórum – Como no Egito. 


Hayes - Exato.


Fórum – Centenas de pessoas sentenciadas à morte em um julgamento de 40 minutos. 


Hayes - Exato. E agora nós os apoiamos – foi um bom “golpe”.
Mas você sabe, a hipocrisia é a marca padrão na diplomacia ao redor do
planeta, desde que mundo é mundo. E então, é isso o que nós temos
tentado trabalhar em um nível internacional, você tem todos esses
discursos sobre dar poder à sociedade civil, sempre usando a Primavera
Árabe como exemplo, e um financiamento maciço pelos EUA e Europa a esses
movimentos; mas de outro lado, você cria um ambiente desestabilizador
para essa mesma sociedade civil por conta dessas recomendações da FATF.
Então o que temos tentado fazer é equilibrar essa balança e tendo
conversas com os governos dos EUA e da Europa.




'Vocês acabaram de ter o Marco Civil aprovado e, nessa nova lei, um dos maiores debates era sobre a retenção de dados e por quanto tempo as teles deveriam reter informações sobre seus clientes (foto: Roberto Stucker Filho/PR)
‘Vocês
acabaram de ter o Marco Civil aprovado; um dos maiores debates era
sobre a retenção de dados e por quanto tempo as teles deveriam reter
informações sobre seus clientes’ (foto: Roberto Stucker Filho/PR)
Fórum – E hoje, 2014, um contexto de vigilância em massa e retenção de dados por governos, o que mudou?




Hayes - Sim, algo que eu deveria ter comentado antes sobre a
FATF é que quando eu comecei a pesquisar sobre o efeito das
recomendações deles nas organizações sem fins lucrativos, alguns anos
atrás… Bem, hoje estamos em um contexto pós-Snowden, certo? Toda a
questão de vigilância acontecendo e vocês acabaram de ter o Marco Civil
aprovado e, nessa nova lei, um dos maiores debates era sobre a retenção
de dados e por quanto tempo as teles deveriam reter informações sobre
seus clientes; acredito que aqui no Brasil são seis meses, certo? Na
União Europeia, o debate é sobre ser dois anos ou não. Enfim, a questão é
que levando esse tópico para os padrões da FATF, as informações
financeiras, todos os dados dos clientes, todas as informações que você
dá quando abre uma conta no banco e todas suas transações, devem ser
retidas por 5 anos – e isso em todo o planeta.


E não existe qualquer regra dizendo: ‘Bem, e se os governos quiserem
acessar esses dados, eles precisariam de um mandato? Eles precisam
recorrer a um juiz?’ Então, nós temos esse problema com vigilância em
massa e retenção de dados na Europa, com o debate sobre dois anos acerca
dos dados de comunicações – mas e quanto aos dados financeiros?


Outro ponto: uma das coisas que o FATF fez com os bancos é que eles
praticamente os tornaram delegacias de polícia. Os bancos têm uma
obrigação legal de reportar qualquer transação financeira suspeita e
isso gera pelo menos 1 milhão de relatórios diferentes – só em Londres –
todos os anos. Nos EUA, o número chega a 50 milhões de relatórios. O
que acontece é esse acúmulo gigantesco de informações e nós não sabemos o
que acontece com esses dados; para onde eles vão, o que é feito com
eles ou para o que eles são usados. Essa vigilância em massa
indiscriminada é compatível com os direitos humanos, por exemplo?


Fórum – E está funcionando? 


Hayes - Essa é a pergunta: está funcionando? Bem, nós temos
todos esses filtros para controle de lavagem de dinheiro e financiamento
de terrorismo, mas de repente acontece uma transação que envolve, sei
lá, metade do PIB do Burundi e talvez um funcionário vá até seu chefe
para reportar e ouve um ‘Esqueça isso, não faça nada’ – o que geralmente
acontece com cartéis de drogas, por exemplo. Então essa é a pergunta
que deveríamos estar fazendo: o sistema é funcional para o seu
propósito, ou tem consequências imprevistas?


Estão criando um sistema que deveria ir atrás do 1%, certo? Aquele
dos bilhões suspeitos, mas eles estão indo para cima de todo mundo –
movimentos sociais, ONGs e manifestantes -, enquanto esse 1% está indo
muito bem, obrigado. E o crime organizado continua lucrando, a corrupção
continua subindo, a evasão fiscal está em alta e então, 25 anos depois,
eles deveriam perguntar: isso realmente está funcionando?


terça-feira, 29 de abril de 2014

Silvio Tendler apresenta “O veneno está na mesa 2″ – Escrevinhador

Silvio Tendler apresenta “O veneno está na mesa 2″


No Youtube
Direção: Silvio Tendler
Após impactar o Brasil mostrando as perversas consequências do uso de agrotóxicos em O Veneno está na Mesa, o diretor Sílvio Tendler apresenta no segundo filme uma nova perspectiva. O Veneno Está Na Mesa 2 atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública.
O filme apresenta experiências agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores.
Com este documentário, vem a certeza de que o país precisar tomar um posicionamento diante do dilema que se apresenta: Em qual mundo queremos viver? O mundo envenenado do agronegócio ou da liberdade e da diversidade agroecológica?

Realização: Caliban Cinema e Conteúdo

Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Fiocruz
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Bem Te Vi
Cineclube Crisantempo
Leia outros textos de Plenos Poderes

Os barões da banca e da droga - Carta Maior

Os barões da banca e da droga

Na última década, o HSBC colaborou com os cartéis da droga do México e da Colômbia na lavagem de dinheiro num montante de cerca de 880 bilhões de dólares.


Eric Toussaint
Arquivo

O caso do banco britânico HSBC constitui um exemplo suplementar da doutrina «demasiado grandes para serem encarcerados». Em 2014, o grupo mundial HSBC emprega 260.000 pessoas, está presente em 75 países e declara 54 milhões de clientes.

No decurso do último década, o HSBC colaborou com os cartéis da droga do México e da Colômbia – responsáveis por (dezenas de) milhares de assassinatos com armas de fogo – na lavagem de dinheiro num montante de cerca de 880 bilhões de dólares.

As relações comerciais do banco britânico com os cartéis da droga perduraram, apesar das dezenas de notificações e avisos de diversas agências governamentais dos EUA (entre as quais o OCC - Office of the Comptroller of the Currency).

Os lucros obtidos não só levaram o HSBC a ignorar os avisos, mas, pior ainda, a abrir balcões especiais no México, onde os narcotraficantes podiam depositar caixas cheias de dinheiro líquido, para facilitar o processo de lavagem.

Apesar da atitude abertamente provocatória do HSBC contra a lei, as consequências legais da sua colaboração directa com as organizações criminais foram praticamente nulas. Em Dezembro de 2012, o HSBC teve de pagar uma multa de 1900 milhões de dólares – o que equivale a uma semana de receitas do banco – para fechar o processo de lavagem.

Nem um só dirigente ou empregado foi sujeito a procedimento criminal, embora a colaboração com organizações terroristas ou a participação em actividades ligadas ao narcotráfico sejam passíveis de cinco anos de prisão. Ser dirigente de um grande banco dá direito a carta branca para facilitar, com total impunidade, o tráfico de drogas duras ou outros crimes.

O International Herald Tribune (IHT) fez uma reportagem sobre os debates realizados no departamento de Justiça. Segundo as informações obtidas pelo jornal, vários procuradores pretendiam que o HSBC se declarasse culpado e reconhecesse ter violado a lei que o obriga a informar as autoridades sobre a ocorrência de transações superiores a 10.000 dólares identificados como tendo origem duvidosa. Daí resultaria a cassação da licença bancária e o término das actividades do HSBC nos EUA. Após vários meses de discussão, a maioria dos procuradores tomou outro rumo e decidiu que melhor seria não processar o banco por atividades criminosas, pois era necessário evitar o seu encerramento. Convinha mesmo evitar manchar demasiado a sua imagem.
 
A modesta multa de 1900 milhões de dólares é acompanhada duma espécie de liberdade condicionada: se, entre 2013 e 2018, concluírem que o HSBC não pôs fim definitivo às práticas que originaram a sanção (não é uma condenação), o Departamento de Justiça poderá reabrir o processo. Em resumo, a medida pode resumir-se assim: «Anda, meu patife, passa para cá uma semana do teu ordenado, e não voltes a repetir a brincadeira nos próximos cinco anos». Aí está um belo exemplo de «demasiado grande para ser condenado».

Em Julho de 2013, numa das reuniões da comissão senatorial que investigou o caso HSBC, Elizabeth Warren, senadora democrata do Estado de Massachusetts, apontou o dedo a David Cohen, representante do Ministério das Finanças e subsecretário responsável pela luta contra o terrorismo e a espionagem financeira.
 
A senadora disse, grosso modo, o seguinte: «O governo dos EUA leva muito pouco a sério a lavagem de dinheiro (…) É possível encerrar um banco que se dedica ao lavagem de dinheiro, as pessoas envolvidas podem ser interditas de praticar uma profissão ou actividade financeira e toda a gente pode ser mandada para a prisão. Ora, em Dezembro de 2012, o HSBC (…) confessou ter lavado 881 bilhões de dólares dos cartéis mexicanos e colombianos da droga; o banco admitiu igualmente ter violado as sanções. O HSBC não o fez apenas uma vez, é um procedimento recorrente. O HSBC pagou uma multa mas nenhuma pessoa foi banida do comércio bancário e não se ouviu falar dum possível encerramento das actividades do HSBC nos EUA. Gostaria que respondesse à seguinte questão: quantos bilhões de dólares um banco tem de lavar, antes de se considerar a possibilidade de encerrar a prática?»
 
O representante do Tesouro acusou o golpe, respondendo que o processo era demasiado complexo para permitir uma conclusão. A senadora declarou a seguir que quando um pequeno vendedor de cocaína é apanhado, fica uns quantos anos na prisão, enquanto um banqueiro que lava bilhões de dólares de droga pode regressar tranquilamente a casa, sem receio da Justiça. Esta passagem da audiência está disponível em vídeo e vale a pena vê-la. (ver abaixo)


 

 
A biografia de Stephen Green ilustra bem a relação simbiótica entre a finança e a governança. A coisa vai ainda mais longe, pois ele não se contentou em servir os interesses do grande capital, enquanto banqueiro e ministro; é também prior da igreja oficial anglicana e escreveu dois livros sobre ética e negócios, um dos quais intitulado «Servir a Deus? Servir a Mamom?». O título do livro remete para o Novo Testamento. «Ninguém pode servir dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao Mamom». Mamom representa a riqueza, a avareza, o lucro, o tesouro. Encontramos esta palavra em aramaico, hebraico e fenício. Por vezes Mamom é usado como sinónimo de Satã. Quanto a Stephan Green, é elogiado pelas mais altas autoridades universitárias e é manifestamente intocável.

Passemos em revista alguns elementos da sua biografia. Começa a sua carreira no ministério britânico do Desenvolvimento Ultramarino, depois passa para o setor privado e trabalha para o consultor internacional McKinsey. Em 1982 é contratado pelo HSBC (Hong Kong Shanghai Banking Corporation), o mais imporrtante banco britânico, onde ascende rapidamente a funções de alta responsabilidade. Finalmente, em 2003, torna-se director executivo do HSBC e em 2006 acede à presidência do grupo, onde permanece até 2010.

As acusações feitas pelas autoridades americanas em matéria de lavagem de 881 bilhões de dólares do dinheiro dos cartéis da droga e de outras organizações criminosas dizem respeito ao período 2003-2010. Segundo o relato das 334 páginas tornadas públicas por uma comissão do Senado norte-americano em 2012, Stephan Green, desde 2005, foi informado por um empregado do banco que o HSBC tinha mecanismos de lavagem no México e levava a cabo múltiplas operações suspeitas. Ainda em 2005, a agência financeira Bloomberg, com sede em Nova Iorque, acusa o HSBC de lavagem de dinheiro da droga.
 
Stephen Green responde que se trata de um ataque irresponsável e sem fundamento, que põe em causa a reputação dum grande banco internacional acima de todas as suspeitas. Em 2008, uma agência federal norte-americana comunica a Stephen Green que as autoridades mexicanas descobriram a existência de operações de lavagem realizadas pelo HSBC México e uma das suas filiais num paraíso fiscal das Caraíbas («Cayman Islands Branch»). A agência acrescenta que a situação pode implicar uma responsabilidade penal para o HSBC.
 
A partir desse momento, as autoridades norte-americanas de controle dirigem repetidos avisos à direção do banco, muitas vezes aflorando a gravidade dos fatos. O banco promete alterar os seus comportamentos, mas na realidade prossegue as práticas criminosas. Finalmente os avisos dão lugar em Outubro de 2010 a um aviso para pôr termo às práticas ilegais. Em finais de 2012, após a apresentação pública do relatório da comissão senatorial e meses de debate entre diferentes agências de segurança dos EUA, é aplicada uma multa de 1900 milhões de dólares à HSBC.

Stephen Green está em boa posição para saber o que fazia o banco no México, nos paraísos fiscais, no Médio Oriente e nos Estados Unidos, pois além de dirigir o conjunto do grupo HSBC, dirigiu no passado o HSBC Bermudas (estabelecido num paraíso fiscal), o HSBC México, o HSBC Médio Oriente. Presidiu igualmente o HSBC Private Banking Holdings (Suíça) SA e o HSBC América do Norte Inc.

Quando veio a público, em 2012, que o HSBC teria de pagar uma considerável multa nos EUA por branqueamento de dinheiro dos cartéis da droga, Stephen Green já tinha passado de grande patrão do HSBC a ministro do governo conservador-liberal conduzido por David Cameron.

Voltemos um pouco atrás para descobrir que o timing seguido por Stephen Green foi perfeito. Coisa de artista. Em Fevereiro de 2010, publica o livro O Justo Valor: Reflexões sobre a Moeda, a Moralidade e Um Mundo Incerto. O livro é apresentado ao público nestes termos: «Será que alguém pode ser ao mesmo tempo uma pessoa ética e um homem de negócios eficaz? Stephen Green, simultaneamente sacerdote e presidente do HSBC, acha que sim.» Reparem que a «pessoa ética e o homem de negócios eficaz» são identificados com o «sacerdote e presidente do HSBC». A publicidade é patente. Na mesma época recebe o título de doutor honoris causa, concedido pela School of Oriental and African Studies (SOAS) da Universidade de Londres.

Em Outubro de 2010, pela segunda vez desde 2003, a justiça dos EUA avisa o HSBC para que ponha termo às suas actividades criminosas. O público ainda não está ao corrente. É tempo de Stephen Green abandonar o navio. Em 16 de Novembro de 2010, a pedido de David Cameron, é nobilitado pela rainha de Inglaterra e passa a ser o «barão» Stephen Green de Hurstpierpoint do condado do Sussex ocidental. Nada disto pode acontecer por acaso. Para um homem de negócios que permitiu o branqueamento de dinheiros dos «barões» da droga, trata-se duma bela promoção. À conta disso torna-se membro da Câmara dos Lordes em 22 de Novembro de 2011. Se lessem isto num blog, diriam certamente que o autor estava a exagerar.

Em Dezembro de 2010 demite-se da presidência do HSBC e em Fevereiro de 2011 sobe a ministro do Comércio e Investimento. Depois de empossado no cargo, coloca os seus bons serviços à disposição do patronato britânico, com o qual mantém relações muito frutuosas e estreitas, uma vez que desde Maio de 2010 ocupa o posto de vice-presidente da Confederação da Indústria Britânica.
 
Desempenha um papel igualmente importante na promoção de Londres, que se prepara para receber os Jogos Olímpicos em Julho de 2012. É durante esse mês que uma comissão norte-americana envia o seu relatório sobre a questão do HSBC. Stephen Green recusa responder às perguntas dos membros da Câmara dos Lordes em relação à sua implicação no escândalo. É protegido pelo presidente do grupo dos lordes conservadores, que diz que um ministro não tem de vir diante do Parlamento dar explicações sobre negócios estranhos ao seu ministério.

David Cameron afirmou em 2013 que lorde Green fez um «soberbo trabalho» ao intensificar os esforços do Governo britânico para reforçar as exportações britânicas, para fazer avançar os tratados comerciais e especialmente o tratado transatlântico entre a União Europeia e os EUA. Lorde Green esforçou-se muito para aumentar as vendas de armas britânicas nos mercados mundiais. Terminou o seu mandato de ministro em Dezembro de 2013 e dedicou o seu precioso tempo a dar conferências (certamente muito bem remuneradas) e a receber os favores propiciados por numerosas autoridades acadêmicas.

A sua carreira certamente não ficará por aqui. A sua hipocrisia não tem limites. Em Março de 2009, quando o HSBC estava metido até ao pescoço na lavagem de dinheiros de organizações criminosas, Green teve o descaramento de declarar, numa conferência de imprensa a propósito das responsabilidades na crise iniciada em 2007-2008: «Estes acontecimentos evocam a questão da ética do sector financeiro. Dá a impressão que, muito frequentemente, os responsáveis não se perguntam se as suas decisões são correctas e apenas se ralam com a sua legalidade e conformidade aos regulamentos. É necessário que este sector retome o sentido da correcção ética como motor das suas actividades.» É assim que Stephen Green, vampiresco tubarão, navegando acima das leis, se dirige aos sabujos que vão pressurosos repercutir as suas belas palavras na grande imprensa.

Green e todos quantos organizaram o branqueamento de dinheiro no seio do HSBC devem responder pelos seus atos perante a justiça e ser condenados severamente, sofrer privação de liberdade e ser obrigados a realizar trabalhos de utilidade pública. O HSBC deveria ser encerrado e a direcção despedida. Em seguida o mastodonte HSBC deveria ser retalhado, sob controlo cidadão, numa série de bancos públicos de média dimensão, cujas missões seriam estritamente definidas e exercidas no quadro dum estatuto de serviço público.

Tradução: Rui Viana Pereira

Revisão: Maria da Liberdade