segunda-feira, 11 de agosto de 2014

redecastorphoto: ISIL consolida-se

ISIL consolida-se


1/8/2014, [*] Patrick Cockburn, LRB, vol. 36, n. 16, p.
3-5
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fosse qual fosse o objetivo de os EUA terem invadido o Iraque em 2003 e
de tantos esforços para derrubar Assad na Síria desde 2011, com certeza não o
fizeram para ver surgir um estado jihadista que só faz crescer no norte do
Iraque e Síria, comandado por movimento cem vezes maior e muito mais bem
organizado que a al-Qaeda de Osama bin Laden. A guerra ao terror, pela qual se
feriram de morte as liberdades civis e na qual se consumiram centenas de
bilhões de dólares, falhou miseravelmente.


Presença do ISIS/ISIL na Síria e no Iraque
Com a atenção do mundo focada em Ucrânia e Gaza, o Estado
Islâmico no Iraque e Síria (ing. ISIL) capturou um terço da Síria além
do um quarto do Iraque que já capturara em junho. As fronteiras do novo
califato [1] declarado dia 29/6/2014
pelo ISIL estão crescendo dia a dia e já cobrem superfície maior que a
Grã-Bretanha e habitada por pelo menos 6 milhões de pessoas, população maior
que da Dinamarca, Finlândia ou Irlanda.




Em poucas semanas de combates na Síria o ISIL já se
estabeleceu como força dominante da oposição síria, deslocando a afiliada
oficial da al-Qaeda, Frente al-Nusra, na província de Deir Ezzor, rica em
petróleo, depois de executar seu comandante local, quando tentava fugir. No
norte da Síria, cerca de 5 mil combatentes do ISIL estão usando tanques
e artilharia que capturaram do exército iraquiano em Mosul, para sitiar meio
milhão de curdos no enclave onde vivem em Kobani, na fronteira turca. 




Na Síria central, perto de Palmyra, ISIL combateu
contra o exército sírio para assumir o controle do campo de gás de al-Shaer, um
dos maiores do país, num ataque surpresa que deixou cerca de 300 soldados e
civis mortos. O exército precisou de vários contra-ataques, até que finalmente
retomou o controle do campo de gás, mas o ISIL está controlando grande
parte da produção de gás e petróleo da Síria. O Califato é pobre e isolado, mas
seus poços de petróleo e as estradas que controlam garantem-lhe renda
considerável, além do que a guerra permite saquear.




O nascimento do novo estado é a mudança mais radical na
geografia política do Oriente Médio desde que o Acordo Sykes-Picot foi
implementado no fim da Iª Guerra Mundial. 




Acordo Sykes-Picot - 1916 (Oriente Médio)
Contudo, essa transformação explosiva criou
surpreendentemente pouco alarme internacional, nem mesmo entre os que, no
Iraque e Síria, ainda não estão sendo governados pelo ISIL. Políticos e
diplomatas tendem a tratar o ISIL como se fosse uma espécie de partido
beduíno que surge repentinamente em pleno deserto, vence vitórias espetaculares
e em seguida recolhe-se para suas fortalezas, deixando o status quo
praticamente inalterado. É cenário possível, mas cada dia menos provável, à
medida que o ISIL consolida o próprio poder numa área que rapidamente se
vai estendendo do Irã ao Mediterrâneo.




A própria velocidade e o inesperado do surgimento e da
ascensão têm induzido líderes regionais e ocidentais a desejar que a queda do ISIL
e a implosão do Califato sejam igualmente rápidas e dramáticas. Mas tudo sugere
que não passe de pensamento desejante, e a tendência parece ser que tudo ande
na direção exatamente oposta, com os opositores do ISIL mais fracos dia
a dia e cada vez menos capazes de resistir: no Iraque o exército não dá sinais
de ter-se recuperado das derrotas iniciais e ainda não conseguiu um único
contra-ataque bem-sucedido; na Síria, outros grupos de oposição, inclusive os
experientes combatentes da Frente al-Nusra e de Ahrar al-Sham, estão
desmoralizados e em desintegração, acossados de um lado pelo ISIL e, do
outro, pelo governo Assad. 




Karen Koning Abuzayd
Karen Koning Abuzayd, membro da Comissão de Inquérito da
ONU sobre a Síria, diz que cada vez mais rebeldes sírios desertam para unir-se
ao ISIL:




Eles veem que é melhor; são mais fortes, vencem batalhas, tomam
territórios. Eles dizem “eles têm dinheiro, podem nos dar treinamento”.




É má notícia para o governo, que em 2012 e 2013 resistiu
com sacrifício a assalto que recebeu de rebeldes muito menos bem treinados,
organizados e armados que o ISIL; e que enfrentará dificuldades reais
para impedir que as força do Califato avancem para oeste.




Em Bagdá houve choque e horror dia 10/6/2014, ante a queda
de Mosul; e as pessoas perceberam que caminhões carregados de bandidos armados
do ISIL estavam a uma hora de distância, de carro. Mas em vez de
assaltar Bagdá, o ISIL tomou quase toda a província de Anbar, a grande
província sunita que se estende pelo oeste do Iraque, na duas margens do rio
Eufrates. Em Bagdá, com população de sete milhões, majoritariamente xiitas, as
pessoas sabem o que esperar, se os assassinos antixiitas do ISIL
capturarem a cidade; mas agarram-se à esperança de que a calamidade ainda não
aconteceu.




Tivemos medo do desastre militar inicial, mas quem vive em Bagdá já se
acostumou com crises ao longo dos últimos 35 anos
– disse uma mulher.




Mesmo com o ISIL às portas dali, os políticos iraquianos
continuaram com seus joguinhos, ocupados só com substituir o desacreditado primeiro-ministro
Nouri al-Maliki.




É verdadeiramente surreal, se se ouve qualquer líder político em Bagdá,
ele fala como se já não tivessem perdido metade do país
− disse um ex-ministro iraquiano.




Ali al-Sistani
Voluntários partiram para o front depois de uma fatwa emitida pelo Grande Aiatolá  Ali al-Sistani, o mais influente clérigo
xiita do Iraque. Mas esses combatentes já estão voltando para casa, reclamando
que passaram fome e foram obrigados a usar as próprias armas e a pagar pela
própria munição. O único grande contra-ataque lançado pelo exército regular e a
recém organizada milícia local xiita foi ação desastrada em Tikrit, dia
15/7/2014, quando foram emboscados e derrotados com pesadas baixas. Não há
nenhum sinal de que a natureza disfuncional do exército iraquiano tenha mudado.




Usaram só um helicóptero para dar apoio às tropas em Tikrit. Queria só
saber: o que, afinal, aconteceu aos 140 helicópteros que o estado iraquiano
comprou em anos recentes?
– disse o ex-ministro.




O mais provável é que o dinheiro para pagar os 139
helicópteros que faltam tenha sido roubado. Há muitos estados completamente
corruptos no mundo, mas poucos põem a mãos em US$ 100 bilhões, da venda de petróleo,
por ano, para roubar. O principal objetivo de muitos oficiais sempre foi ter a
maior mochila possível; e pouco se incomodam se os grupos jihadistas fizerem o
mesmo. Conheci um empresário turco em Bagdá que contou que tivera um grande
contrato de construção em Mosul ao longo dos últimos alguns anos. O emir local
ou líder do ISIL, ainda conhecido então como al-Qaeda no Iraque, pedia US$
500 mil dólares por mês, como “dinheiro de proteção”.




Cansei de denunciar a extorsão ao governo em Bagdá. Nunca fizeram nem
jamais fariam coisa alguma, exceto dizer que eu podia acrescentar ao contrato o
dinheiro que pagava à al-Qaeda
– disse-me o empresário.




O emir acabou morto logo depois, e seu sucessor exigiu que
o dinheiro de proteção aumentasse para US$ 1 milhão por mês. O empresário
recusou-se a pagar; um de seus empregados iraquianos foi assassinado; e o homem
mudou-se, com sua equipe turca e suas máquinas, para a Turquia.




Tempos depois, recebi mensagem da al-Qaeda dizendo que o preço voltara aos
US$ 500 mil dólares e eu podia retornar
– contou-me ele.




Aconteceu pouco antes de o ISIL capturar a cidade.




ISIS/ISIL desfila na conquista de Mosul
Ante esses fracassos, a maioria xiita do Iraque tem-se
consolado com duas crenças que, se confirmadas, indicarão que a atual situação
não é tão perigosa quanto parece. Dizem que os sunitas do Iraque revoltaram-se,
e os combatentes do ISIL não passam de tropa de choque, ou uma espécie
de combatentes de vanguarda de um levante provocado pelas políticas e ações
antissunitas de Maliki. Tão logo Maliki seja substituído, como quase com
certeza será, Bagdá oferecerá aos sunitas um novo acordo de partilha de poder
com autonomia regional semelhante à de que os curdos gozam. Então, as tribos
sunitas, ex-oficiais militares e Baathistas que permitiram que o ISIL
assumisse a liderança da revolta sunita voltar-se-ão contra aqueles seus
ferozes aliados. Apesar dos muitos sinais do contrário, xiitas de todos os
níveis têm investido muita fé nesse mito, de que o ISIL é fraco e pode
ser facilmente descartado por sunitas moderados, tão logo tenham alcançado o que
querem. Um xiita disse-me:




É possível até que o ISIL nem exista, de fato. 




Desgraçadamente, não apenas o ISIL existe, como,
ainda pior, é organização eficiente e cruel, que não tem intenção alguma de
esperar pela traição dos seus aliados sunitas. Em Mosul já exigiu que todos os
combatentes da oposição jurassem fidelidade ao Califato ou depusessem armas. No
final de junho, início de julho, prenderam algo entre 15 e 20 comandantes do
tempo de Saddam Hussein, inclusive dois generais. Grupos que exibiam fotos de
Saddam receberam ordens para recolhê-las, ou enfrentar a punição. 




Não me parece provável que o resto da oposição militar sunita consiga
levantar-se com sucesso contra o
ISIL. Se quiserem fazê-lo,
melhor agirem rápido, antes que o
ISIL torne-se forte demais − disse 
Aymenn al-Tamimi, especialista em grupos jihadistas.




Disse também que a ala supostamente mais moderada da
oposição sunita nada fizera, quando os remanescentes da comunidade cristã em
Mosul foram forçados a fugir, depois que o ISIL decretou que ou se
convertessem ao Islã, ou pagassem um imposto especial, ou seriam executados.
Membros de outras seitas e grupos étnicos denunciados como xiitas ou
politeístas têm sido perseguidos, aprisionados e assassinados. Já vai longe o
momento em que a oposição não-ISIL poderia ter tentado qualquer tipo de
confrontação.




Campos de petróleo & gás no Iraque
Os xiitas iraquianos têm mais uma explicação de por que o
exército desintegrou-se: porque teria sido apunhalado pelas costas pelos
curdos. No esforço para afastar de si a culpa, Maliki tem dito que Erbil, a
capital curda, “é quartel-general do ISIL, de Baathistas, da al-Qaeda e
de terroristas”. Muitos xiitas acreditam nisso: fá-los sentir que as suas
forças de segurança (em termos nominais 350 mil soldados e 650 mil policiais)
falharam porque foram traídas, não porque se recusaram a lutar. Um iraquiano me
disse que esteve num jantar de Iftar durante o Ramadã, com uma centena de
profissionais xiitas, a maioria médicos e engenheiros, e todos aceitavam como
correta a teoria de “os curdos nos apunhalaram pelas costas” para explicar tudo
que saiu errado. 




Massoud Barzan
A confrontação com os curdos é importante, porque torna
possível criar uma frente unitária contra o ISIL. O líder curdo, Massoud
Barzani, aproveitou-se da saída do exército iraquiano para tomar todos os
territórios, inclusive a cidade de Kirkuk, objeto de disputa entre curdos e
árabes desde 2003. Tem agora uma fronteira comum de 600 milhas com o
Califato e é um aliado óbvio para Bagdá, onde os curdos participam do governo.
Ao fazer dos curdos e seu bode expiatório, Maliki garante que os xiitas não
tenham aliados na luta deles contra o ISIL se o ISIL retomar seu
ataque na direção de Bagdá. A fragilidade militar do governo de Bagdá foi
surpresa para o ISIL e seus aliados sunitas. É pouco provável que se
satisfaçam com autonomia regional para províncias sunitas e parte maior na
partilha de empregos e da renda do petróleo. O levante deles está convertido em
ampla contrarrevolução que visa a retomar o poder em todo o Iraque.




No momento, Bagdá vive sob pouco convicta atmosfera de
guerra, como Londres ou Paris no final de 1939 ou início de 1940, e por razões
similares. As pessoas temeram batalha terrível pela capital depois da queda de
Mosul, mas não aconteceu até agora, e os otimistas esperam que não aconteça
nunca. A vida é menos confortável que antes, em alguns dias só há quatro horas
de eletricidade, mas pelo menos a guerra ainda não chegou ao coração da cidade.
Seja como for, algum tipo de ataque militar, direto ou indireto, provavelmente
acontecerá, tão logo o ISIL tenha consolidado seu controle sobre o
território que acaba de conquistar: o grupo vê suas vitórias como inspiradas
por Deus. Creem no processo de matar ou expulsar xiitas, mais do que de
negociar com eles, como já demonstraram em Mosul. Alguns líderes xiitas podem
estar supondo e considerando que os EUA ou o Irã sempre intervirão para salvar
Bagdá, mas essas potências, hoje, relutam em pôr os pés no pântano iraquiano e
apoiar um governo disfuncional.




Os líderes xiitas do Iraque ainda não se renderam ao fato
de que seu tempo de dominação sobre o estado iraquiano até que os EUA
derrubaram Saddam Hussein acabou-se, ou dele só resta bem pouca coisa. Acabou
por causa da própria incompetência e corrupção dos xiitas e porque o levante
sunita na Síria em 2011 desestabilizou o equilíbrio sectário do poder no
Iraque. Três anos depois, a vitória sunita no Iraque liderada pelo ISIL ameaça
romper o impasse militar na Síria.




Situação Geral no Iraque (6/8/2014)

(clique no "link" para aumentar)
Assad tem conseguido avançar lenta mas firmemente contra
uma oposição cada vez mais fraca: em Damasco e arredores, nas montanhas
Qalamoun e na fronteira do Líbano e em Homs, forças do governo têm avançado
devagar, mas já estão bem perto de cercar o encave rebelde em Aleppo. Mas as
tropas de combate de Assad são visivelmente pouco densas em solo, têm de evitar
grande número de baixas e só podem combater num front de cada vez. A tática do governo é devastar um distrito onde
estejam os rebeldes com fogo de artilharia e bombardeio de helicópteros, forçar
a maior parte da população a deixar a área, vedar o que já é um mar de ruínas
e, afinal, forçar os rebeldes à rendição. Mas a chegada de grandes números de
combatentes bem armados do ISIL, ainda movidos pelo entusiasmo de
sucessos recentes, será novo e perigoso desafio que Assad terá de enfrentar.
Eles já arrasaram duas importantes guarnições do exército sírio no leste, no
final de julho (uma teoria conspiracional, para a qual muito contribuíram o
restante da oposição síria e diplomatas ocidentais, segundo a qual o ISIL
e Assad estariam mancomunados, já se comprovou absolutamente falsa).




É possível que ISIL decida avançar sobre Aleppo, em
vez de avançar para Bagdá: é alvo mais vulnerável e com menos probabilidade de
desencadear intervenção internacional. Assim se criará um dilema para o
ocidente e seus aliados regionais – Arábia Saudita e Turquia: sua política
oficial visa a derrubar Assad, mas o ISIL vai-se convertendo na segunda
mais poderosa força militar na Síria. Se Assad cair, o Califato estará em boa
posição para ocupar o lugar dele. 




Situação Geral na Síria de 17 - 25/7/2014
(clique no "link" para aumentar)
Como os líderes xiitas em Bagdá, os EUA e aliados
responderam com mergulho num universo de fantasia, ao crescimento do ISIL.
Tentam convencer-se (e fazer-crer) que estariam alimentando uma ‘'terceira
força'’ de rebeldes sírios moderados para combater contra simultaneamente Assad
e ISIL, embora, em conversas privadas, diplomatas ocidentais admitam que
tal grupo realmente não existe fora de um poucos bolsões sob ataque. Aymenn
al-Tamimi confirmou que essa oposição apoiada pelo ocidente “está mais e mais
fraca, a cada dia”; acredita que fornecer-lhe mais armas não fará qualquer
grande diferença. A Jordânia, pressionada por EUA e Arábia Saudita, deve
garantir plataforma de lançamento para essa aventura arriscada, mas já está
procurando meio para “tirar o corpo”.




A Jordânia tem medo do ISIL disse, em Amã, um funcionário da Jordânia. – A maioria dos jordanianos deseja que Assad
vença essa guerra
. Disse também que a
Jordânia tem de enfrentar a pressão de acomodar grande número de refugiados
sírios
, o equivalente a toda a
população do México mudar-se, em um ano, para os EUA.




********************




Os pais adotivos do ISIL e de outros movimentos de
sunitas jihadistas no Iraque e na Síria são a Arábia Saudita, as monarquias do
Golfo e a Turquia. Não significa que os jihadistas não tenham fortes raízes
locais, mais o crescimento dos movimentos foi crucialmente apoiado por
potências sunitas externas. A ajuda de sauditas e qataris é basicamente
financeira, em geral mediante doações privadas, que Richard Dearlove,
ex-diretor do MI6, diz que foram essenciais para que o ISIL tomasse as províncias sunitas no norte do Iraque: Essas coisas não acontecem espontaneamente.
Em conferência em Londres, em julho, ele disse que




(...)
a política saudita para os jihadistas tem dois motivos contraditórios: medo de
ter jihadistas operando dentro da Arábia Saudita; e um desejo de usá-los contra
potências xiitas fora da Arábia Saudita
. Disse que: (...) os sauditas são profundamente atraídos a
favor de qualquer militância com chances de efetivamente desafiar o xiismo
. 




É bem pouco provável que a comunidade sunita como um todo,
no Iraque, se tivesse aliado ao ISIL sem o apoio que a Arábia Saudita
deu direta ou indiretamente a muitos movimentos sunitas. O mesmo vale para a
Síria, onde o príncipe Bandar bin Sultan, ex-embaixador dos sauditas em
Washington e chefe da inteligência saudita de 2012 até fevereiro de 2014,
estava fazendo todo o possível para garantir apoio à oposição jihadista, até
ser demitido. Agora, assustados ante o que ajudaram a criar, os sauditas tentam
mover-se agora noutra direção, prendendo voluntários jihadistas, mais do que
fingindo que não veem quando partem para Síria e Iraque. Mas pode ser tarde
demais.




Os jihadistas sauditas não têm grande amor pela Casa de
Saud. Dia 23/7/2014, o ISIL lançou um ataque contra um dos últimos
quartéis do exército sírio na província de Raqqa, no norte. Começou com um
ataque de suicida em carro-bomba. O veículo era dirigido por um saudita, Khatab
al-Najdi, que colou, nas janelas do carro, fotos de três mulheres presas em
prisões sauditas; uma delas, Hila al-Kasir, sua sobrinha. 




Fronteira Líbano-Síria - Religiões
O papel da Turquia tem sido diferente, mas não menos
significativo que o da Arábia Saudita, ajudando o ISIL e outros grupos
jihadistas. A mais importante ação da Turquia tem sido manter aberta sua
fronteira de mais de 800
quilômetros, com a Síria. Com isso, ISIL,
al-Nusra e outros grupos da oposição têm sempre uma saída/entrada pela
retaguarda, por onde receber homens e armas. Os pontos de passagem na fronteira
têm sido locais da disputas mais encarniçadas durante a “guerra civil dos
rebeldes, dentro da guerra civil”. Muitos jihadistas estrangeiros cruzaram a
Turquia na viagem rumo à Síria e ao Iraque. É difícil obter números precisos,
mas o Ministério do Interior do Marrocos disse recentemente que 1.122
jihadistas marroquinos haviam entrado na Síria, incluídos os 900 que viajaram
em 2013, 200 dos quais foram mortos. A segurança iraquiana suspeita de que a
inteligência militar turca tenha-se envolvido profundamente na ajuda ao ISIL,
quando se reconstituía, em 2011. Relatos que chegam da fronteira turca informam
que o ISIL já não é bem-vindo; mas com as armas capturadas do exército
iraquiano e a tomada de campos de petróleo e gás sírios, o ISIL já não
carece tanto de ajuda externa.




Para EUA, Grã-Bretanha e demais potências ocidentais, o
crescimento do ISIL e do Califato é desastre total, absoluto.
 




Fosse qual fosse o objetivo de terem invadido o Iraque em
2003 e de tantos esforços para derrubar Assad na Síria desde 2011, com certeza
não o fizeram para ver surgir um estado jihadista que só faz crescer no norte
do Iraque e Síria, comandado por movimento cem vezes maior e muito mais bem
organizado que a al-Qaeda de Osama bin Laden. A guerra ao terror, pela qual se
feriram de morte as liberdades civis e na qual se consumiram centenas de
bilhões de dólares, falhou miseravelmente. 




A crença de que o ISIL estaria interessado só em
lutas de “muçulmanos contra muçulmanos” é mais um exemplo de pensamento
delirante desejante: o ISIL já mostrou que combaterá contra qualquer um
que não se renda à sua variante puritana, pervertida e violenta de islamismo. A
grande diferença ente o ISIL e a al-Qaeda é que é movimento militar bem
organizado, que se dedica a selecionar cuidadosamente os próprios alvos e o
momento ótimo para atacá-los.




Em Bagdá, muitos contam com que os excessos do ISIL
– explodir mesquitas e violar santuários, como em Younis (Jonah) em Mosul –
acabará por levar os sunitas a se afastarem do movimento. É possível que
aconteça, no longo prazo; mas opor-se ao ISIL é extremamente perigoso e,
por sua brutalidade, está podendo oferecer vitórias a uma comunidade sunita
sempre perseguida e derrotada. Até os sunitas em Mosul, que não gostam deles,
temem um retorno de algum governo iraquiano vingativo dominado por xiitas. Até
aqui, a resposta de Bagdá ante a própria derrota foi bombardear Mosul e Tikrit
indiscriminadamente, o que indica claramente à população local que o governo de
Maliki não está preocupado nem com a sobrevivência de civis. O medo não mudará,
nem se Maliki for substituído por um primeiro-ministro mais conciliador. 




Em Mosul, um sunita, pouco depois de um míssil disparado
por forças do governo explodir na cidade, escreveu-me:




Forças de Maliki já demoliram a Universidade de Tikrit. São só escombros e
confusão por toda a cidade. Se Maliki nos pegar em Mosul, matará todo mundo ou
criará uma multidão de refugiados. Rezem por nós.




Esse tipo de avaliação é frequente e indica que é cada vez
menos provável que os sunitas se levantem em oposição ao ISIL e seu
Califato.




Nasceu um estado: novo e aterrorizante.
___________________
[*] Patrick Cockburn (nasceu 05 de março de 1950) é um jornalista
irlandês que tem sido correspondente no Oriente Médio desde 1979 para o Financial
Times
e, atualmente, The Independent.
Está entre os comentaristas mais experientes no
Iraque; escreveu quatro livros sobre a história recente do país. Recebeu o
vários prêmios por seu trabalho incluindo o Prêmio Gellhorn Martha em 2005, o
Prêmio James Cameron em 2006 e o Prêmio Orwell de Jornalismo em 2009. Cockburn
escreveu três livros sobre o Iraque: One, Out of the Ashes: The Resurrection
of Saddam Hussein
, escrito em parceria com seu irmão Andrew Cockburn, antes
da guerra no Iraque. O mesmo livro foi mais tarde re-publicado na Grã-Bretanha
com o título:  Saddam Hussein: An
American Obsession
. Mais dois foram escritos por Patrick sozinho após a
invasão dos EUA e após a sua reportagem premiada do Iraque.
Escreve também para CounterPunch e London Review of Books.
__________________
Observação da
redecastorphoto


[1] Califato (neologismo)
termo tal como é escrito nas traduções do pessoal da Vila Vudu não
foi encontrado registro em nenhum dicionário na língua portuguesa que tenhamos tido
acesso Todos reproduzem, com mais ou menos detalhes, as definições de califado do Dicionário Houaiss a
seguir:


.


califado (Dicionário
Houaiss)


s.m. (1651)
1  jur no direito muçulmano, conjunto de princípios seguidos por
chefes políticos e religiosos após a morte de Maomé (c570-632) 2 dignidade
ou jurisdição ('poder') de califa 3 
p.met. área ou território governado por um califa 3.1  p.ext. governo de um califa 3.2  p.ext. tempo de duração do governo de
um califa
¤ etim califa + -ado.


Definições
semelhantes podem ser encontradas nos Dicionários Caldas Aulete e Laudelino
Freire
(Ed. A Noite) por nós consultados.




Existe um registro de “Califato” no Dicionário Nossa Língua
Portuguesa
que diz:




No momento não dispomos do significado
de califato
. Ou a grafia da palavra califato está incorreta ou essa palavra ainda não
foi adicionada ao nosso banco de dados.




Provavelmente
é um anglicismo derivado de califate:




Translation
and Meaning of califato in Almaany English-Portuguese Dictionary


califate:


califato, domínio de um califa


























Synonyms and
Antonymous of the Word califato in
Almaany dictionary

Magistério de Curitiba em greve....

Curitiba: professores fazem greve por aumento e plano de carreira


Professores da rede municipal de Curitiba iniciaram greve nesta segunda-feira (11) por reajuste e Plano de Cargos e Carreiras. De acordo com o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Simmac), a adesão ao movimento paralisou 90% das 184 escolas do município.


Sismmac
 Educadores saíram em passeata até a prefeitura de Curitiba
Educadores saíram em passeata até a prefeitura de Curitiba
 
Pela manhã, a categoria realizou ato em frente à Câmara Municipal de Vereadores e saiu em passeata até a prefeitura. Empunhando faixas e cartazes, os professores reivindicam aumento salarial e exigem a implantação imediata do Plano de Carreira, que garanta o crescimento linear por titulação e valorização.
A prefeitura propõe que o plano seja implantando em 27 meses, ou seja, mais de dois anos. A categoria, em assembleia, rejeitou a contraproposta: “27 meses não dá. Plano de Carreira já!”, é a palavra de ordem do Sindicato.
Segundo dirigentes, a perda que os profissionais acumularão nesse período é expressiva e chega a mais de R$ 17 mil para quem tem mais tempo de rede. Eles argumentam ainda que há uma defasagem de mais de 20 anos.
A categoria, que aprovou a greve dia 31 de julho, tentou, sem sucesso, audiência com o prefeito Gustavo Fruet para negociar a pauta antes do início da paralisação. Na tarde de hoje (11), representantes da categoria devem se reunir com a administração para tentar chegar a um acordo.
Fonte: Sindicato dos Professores de Curitiba

A reforma agrária aconteceu? — CartaCapital

A reforma agrária aconteceu?

Ainda que as redistribuições não tenham ocorrido como
propostas por lideranças da esquerda, rearranjos sociais autônomos
acabaram por realizá-las




 
por Rui Daher















Flickr/Alexandre Kuma




Plantador

Contamos com milhões de pequenas
propriedades rurais bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá
ou os que por ali passam de olhos e boa vontade abertos.
Na coluna da semana passada fiz referência ao
livro “A Crise Agrária”, de Alberto Passos Guimarães, escrito no final
da década de 1970. Através de conjunturas e estatísticas históricas e da
época, o autor projetava um futuro auspicioso para a agricultura no
Brasil.



A vitória, no entanto, só viria se as forças do campo promovessem uma
reforma agrária profunda e em moldes distributivos. Dicotomia polêmica e
frequente que dura até hoje.


Vista assim do alto, poderá parecer que apenas parte da profecia se
realizou. Escorados na ampliação da fronteira agrícola para os cerrados
de terras baratas, com tecnologias modernas aqui desenvolvidas ou vindas
de fabricantes multinacionais, concentrou-se a produção em culturas de
exportação e nos transformamos numa potência agrícola.


Muitas decorrências negativas? Sem dúvida. Algo natural em processos
amplos e agudos, ainda mais numa Federação de Corporações regida por
interesses pouco gerais.


Se vamos à lupa, percebemos que as “forças do campo”, como entendidas
pelo autor, parecem não terem sido suficientes para promover uma
reforma agrária de resultados produtivos e sociais efetivos.


Será?


A considerar como modelo de reforma agrária assentamentos
desassistidos, estigmatizados acampamentos de sem-terra, projetos
inacabados do governo e a imensa massa rural que nas últimas décadas se
deslocou para os centros urbanos, certamente não.


Arriscando-me a um muro poucas vezes frequentado, penso que não foi bem assim.


Ainda que as formas redistributivas no campo não tenham ocorrido nas
bases estudadas pelo autor e propostas por lideranças políticas e
eclesiásticas da esquerda, rearranjos sociais autônomos acabaram por
realizá-las. Vou mais longe: com resultados melhores do que se
conduzidas na forma de coletivos agrários.


Com exceção do excelente Globo Rural (TV e revista), o destaque nas folhas e telas cotidianas acaba sempre reservado aos grandalhões do agronegócio.


Grande equívoco. Contamos com milhões de pequenas propriedades rurais
bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá ou os que por ali
passam de olhos e boa vontade abertos.


Sim, enfrentam vários entraves. Situações climáticas adversas sem
garantia de seguro rural, burocracia nos financiamentos, insumos e
processamentos precificados em condições oligopolistas, armazenagem
insuficiente, comercialização concentrada em poucos receptores.


Suas dificuldades são maiores do que as dos beneficiários da escala
em áreas mais extensas, níveis de mecanização, acesso a formas
diferenciadas de financiamento, apropriação precoce das inovações
tecnológicas, poder de barganha na venda da colheita.


Mas, depois das transformações na economia do planeta, a partir da
década de 1980, seria possível impedir a concentração que ocorreu em
praticamente todos os setores?


O Censo Agropecuário do IBGE, com dados de 2006, revelou existirem
5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, com área média de 68
hectares. Em 1970, a média era de 60 hectares. Assim, se houve um
processo de concentração fundiária ele não é recente, fato reconhecido
no próprio livro de Alberto Guimarães.


Os agricultores brasileiros pequenos e médios superaram suas
dificuldades, evoluíram comprando ou arrendando áreas para plantio, e
permitiram a interiorização do desenvolvimento, fazendo surgirem
municípios prósperos com repercussões positivas nos demais setores da
economia.


No Brasil, são cultivados mais de 100 “produtos da terra”,
importantes por seus valores de produção e comercialização. Uns pelos
volumes que representam, outros pela agregação de valor que trazem.


Uma diversificação fantástica que relativiza o protagonismo que se dá
às grandes extensões de terras ou, como trata o livro “A Crise
Agrária”, latifúndios improdutivos ou capitalistas.


O levantamento Produção Agrícola Municipal, do IBGE, entre culturas
temporárias e permanentes, informa área plantada e colhida, quantidade
produzida, rendimento médio e valor da produção para as 64 culturas mais
importantes, em cada município brasileiro. Uma pesquisa que encanta e
surpreende.


Meu ponto: nada disso aconteceria sem que tivesse autogestado algum tipo de reforma agrária.


Até chegar aí foi doloroso o processo? Sim. Poderia ter sido melhor
como pensada pela esquerda, na década de 1970? Não sei. Muitos
campesinos ficaram fora do processo e hoje ralam sem terras e apoio? Com
certeza.


Mas que o panorama atual é completamente diferente do preconizado
quando se iniciou o arranque agrícola, isto é. Para arredondar o
processo, agora, bastam dar importância e aumentar os recursos
financeiros, técnicos e educacionais para os programas de agricultura
familiar.


Na próxima coluna, a corrida dos candidatos aos corredores do agronegócio. Se eu não mudar de ideia, é claro.









quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Rexurdimento: o nascer de uma nova Galiza

rosaliaGaliza - Diário Liberdade - [Rodrigo Moura] Na primeira metade do século XIX, nota-se a permanência de um silêncio na literatura galega. É certo que ainda persistem gêneros tradicionais, de caráter oral, assim como uma literatura de circunstâncias centradas nos acontecimentos políticos e sociais destes anos: a guerra contra os franceses, a defesa da Constituição, a luta contra a Inquisição e contra os absolutistas e liberais. 



Grande parte dos escritores desta época são versos e prosas propagandísticos que adotam com frequência a forma de diálogos. Distante de qualquer pretensão estética, esses autores e obras ficam à margem da literatura culta, sendo estimáveis apenas pelo seu valor documental.

Da mesma forma, como acontecera durante os Séculos Obscuros, háouve algumas pequenas mostras de um caráter literário específico: uma delas diz respeito à uma pequena peça dramática intitulada A casamenteira (1812), de Antonio Benito Fandiño em que inside numa pintura costumista, anunciando uma das temáticas preferidas da literatura galega deste século; as outras mostras pertencem a Nicomedes Pastor Díaz, poeta ilustre do Romantismo espanhol. Trata-se de uma Égloga e de uma Alborada (datadas em torno de 1828), caracterizadas com elementos neoclássicos e pré-românticos, que apresentam motivos recorrentes no posterior Rexurdimento: a temática amorosa, a percepção animada e simbólica da paisagem ou a abundância do diminutivo com valor afetivo.

Por último, na segunda metade do século XIX ganha destaque o chamado Rexurdimento na literatura galega. Nesse contexto, concorrem várias circunstâncias: a retomada do pensamento Iluminista une-se ao pensamento romântico europeu, que valorizava as singularidades de cada país e a variedade cultural. O levantamento de 1846 deu lugar ao nascimento do galeguismo como fonte ideológica. Aparece, assim, uma literatura culta em galego, com tons costumistas, elegíacos e, em todo caso, reveidicativos. Para entendermos melhor a importância destes acontecimentos, temos que valorar todo o esforço humanista de alguns autores que, desconhecendo a existência da rica tradição literária medieval, se esforçaram por dignificar esteticamente um idioma desprezado e relegado ao âmbito rural e familiar.

Neste caminho tiveram um destacado papel alguns editores, como Andrés Martínez Salazar, que publicou inúmeros títulos fundamentais do Rexurdimento, assim como textos literários - A crónica Troiana, por exemplo, e documentos inéditos até então, favorecendo os trabalhos dos historiadores. Entre eles, dever-se-ia destacar a figura de Manuel Murguía, que na sua Historia de Galicia dá inúmeras explicações acerca da cultura galega. Além disso, pode-se considerar Murguía como um autêntico promotor do Rexurdimento literário, devido ao seu prestígio e influência sobre Rosalía de Castro, Eduardo Pondal e Curros Henriques, os três grandes mestres do século XIX.

Em 1861 celebraram-se os primeiros Xogos Florais de Galiza, acontecimento que propiciou o aparecimento de uma antologia poética do nascimento do Rexurdimento. Nela figuram muitos autores que adiantam toda uma nova estética da literatura galega: a temática de costumes, rural e paisagista, entendida como reveindicação e procura dos sinais de identidade do povo galego, e a consciência do abandono e marginalização que Galiza sofre.

Xosé Manuel Pintos (1811-1876) publicou em 1853 o primeiro livro da literatura galega moderna: A gaita gallega. Trata-se de uma miscelânea de prosa, verso, vocabulário e anotações linguísticas, que tem como fio condutor a iniciação do rapaz castelhano Pedro Luces no cargo de gaiteiro - representante da consciência galega. Em todo caso, a obra supõe uma defesa de Galiza, denunciando ora os desmandos dos setores alienados em processo de aculturação, ora os efeitos negativos do êxodo migratório. Para tanto, utiliza-se de uma voz reveindicativa em prol da restauração do uso do idioma galego.

Rodrigo Barreto da Silva Moura - Mestrado (Conceito 5/CAPES) em Literatura Portuguesa e Galega Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem diversos trabalhos publicados em periódicos brasileiros e apresentações em Congressos Internacionais em que defende uma aproximação entre os estudos literários galegos e a lusofonia. Participa da organização das Jornadas das Letras Galegas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

domingo, 3 de agosto de 2014

CPERS NA LUTA...

Lançada campanha que busca limitar CCs e impedir o nepotismo no serviço público

Campanha, que estará nas  ruas a partir de hoje, 30, é protagonizado por oito entidades que representam servidores públicos, além do Fórum dos Servidores Públicos Estadual e do apoio de outros movimentos.

Oito entidades representativas de servidores públicos (SIMPE/RS, SINDJUS/RS, SINDIÁGUA/RS, SINDPPD/RS, CPERS/SINDICATO, SINDISPGE/RS, APROJUS e SINDET/RS), além do Fórum dos Servidores Públicos Estadual, participaram nesta quarta, 30, no auditório do CPERS/Sindicato, do lançamento da campanha “Basta de CCs”. O movimento tem o objetivo de reunir 60 mil assinaturas para instituir um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) Popular propondo a limitação do número de Cargos de Cofiança (CCs) no setor público, em todas as suas esferas, bem como impedir os casos de nepotismo, direto ou cruzado.
Segundo Alberto Ledur, presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Públicos do RS (SIMPE/RS), uma das entidades idealizadoras da proposta, a PEC objetiva a redução do números de Cargos em Comissão no serviço público, medida que, segundo ele, dialoga com a necessária moralidade e eficiência no setor. “Nossa proposta faz uma delimitação clara,  para restringir os cargos em comissão que hoje estão nos mais diversos setores, fazendo atividades exclusivas dos servidores de carreira e em número muito acima no moral e do legal”, disse ele.
De acordo com o dirigente, a campanha abrirá o debate com a sociedade, que precisa conhecer esta situação.  Para isso, as entidades desenvolverão ações políticas e jurídicas, inclusive para enfrentar topicamente algumas situações situações de abusos já identificadas.


Ledur informou que nos próximos dias, as entidades iniciarão roteiros pelo interior do Estado, para organizar atividades junto a sindicatos, movimentos sociais e outros espaços. Ele destaca que não há prazo para entrar com o Projeto,  embora o grupo esteja trabalhando para agilizar seu andamento e protocolar na Assembleia Legislativa antes das eleições, em outubro. “Esperamos uma boa adesão da população”, finalizou.


Falando em nome do CPERS/Sindicato, Rejane Oliveira, destacou a importância da medida. “A sociedade tem se dado  conta que o atendimento qualificado no setor público está relacionado à valorização do servidor e que a política de CCs, em detrimento do concurso publico, é uma política de atrelamento a um determinado projeto político”. Para Rejane, os trabalhadores em educação são um bom exemplo. Enquanto a categoria teve, no primeiro ano do governo, 10,91% de reajuste, os CCs do Executivo tiveram um reajuste nos salários de 120%. “Se a justificativa foi de que este elevado reajuste era para qualificar o serviço, porque não foi dado também aos funcionários de carreira?”,questiona ela.  


A dirigente reiterou que a PEC será um instrumento de compromisso com o serviço público de qualidade e com a sociedade.
O Diretor de Imprensa e Divulgação do Sindjus/RS, Fabiano Zalazar,  que representou os servidores do Judiciário, informou que no órgão a situação também é grave. Ele revelou que existem situações de inconstitucionalidade em relação aos CCs e que estes têm crescido em privilégios.  “No judiciário gaúcho, que tem cerca de 6,8 mil servidores efetivos, celetistas e transpostos, há aproximadamente 1,2 mil pessoas atuando de forma comissionada”, acrescentou. Ratificando a colocação, o Coordenador-Geral da entidade lembrou que o Judiciário é um prestador de serviços, cujo atendimento tem que ser de qualidade. “E não é com CCs que vamos garantir esta qualidade”, frisou.  
Outras entidades que estão engajadas na campanha, como Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado (Sindiágua), Sindicato dos Servidores do Detran (Sindet), Associação dos Servidores do Ministério Público (Aprojus),  Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados (SINDPPD) e Sindicato dos Servidores da Procuradoria Geral do Estado (Sindpge), também colocaram a realidade em suas áreas. Elas reiteraram a importância da PEC e convocaram a sociedade a se envolver com a campanha.
A PEC
A PEC busca uma nova redação para os artigos 20 e 32 da Constituição Estadual, para objetivar critérios e para provimento de cargos. Entre os vetores que norteiam a iniciativa, estão, quanto ao nepotismo, a de acabar com a discussão sobre cruzamento e troca de favores entre agentes do Estado. Em relação aos CCs, trata da redução do percentual dos cargos em comissão, estabelecendo que 60% dos cargos devem ser providos por funcionários de carreira. Quanto as funções gratificadas, que devem ser providas exclusivamente por funcionários de carreira, garante que 80% delas sejam por servidores do próprio órgão e os restantes 20% por servidores de outros órgãos. Também trata da restrição aos locais onde estes cargos em comissão podem ser lotados, assegurando que o número de CCs será restrito e que não contemplarão atividades que devem ser claramente de servidores de carreira.

As assinaturas podem ser feitas via site – bastadeccs.org.br – e também serão realizadas atividades públicas em todas as regiões do Estado para coletar assinaturas.

Nara Roxo, da assessoria do Simpe-RS

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ladislau Dowbor: A dura tarefa de se opor ao que está dando certo - Le Monde Diplomatique Brasil

A dura tarefa de se opor ao que está dando certo
Vivemos uma situação no mínimo esdrúxula, em que legítimas manifestações por mais realizações do governo se veem confundidas com movimentos de direita, com amplo apoio na mídia, que quer reverter o que se conseguiu. Do lado da oposição positiva, vale a pena deixar as coisas mais claras...
por Ladislau Dowbor


Oposição nos traz a ideia de resistência, de buscar travar um processo que consideramos errado ou nocivo. Os seringueiros se opuseram ao desmatamento, buscavam bloquear as máquinas. É uma guerra dura contra interesses dominantes, mas pelo menos as coisas são claras. Bastante mais complicado é se posicionar quando se trata não de reverter tendências, mas de acelerar e aprofundar o processo. De certa maneira, trata-se de empurrar esse imenso paquiderme chamado governo, carcomido por interesses de grandes grupos agarrados por todas as partes, para que avance mais e melhor. A grande realidade, o elefante na sala, para ficarmos nos paquidermes, é que as políticas adotadas nos últimos anos no Brasil estão dando certo. Mas poderiam dar muito mais.

Isso gera sem dúvida problemas grandes para a direita, a que quer reverter os processos, pois não pode dizer a que vem: os programas sociais, o avanço da repartição do produto, os programas para os segmentos mais pobre da sociedade e semelhantes só são atacáveis por quem queira fazer um suicídio eleitoral. Sobra a improbidade administrativa, esse eterno cavalo de batalha que é a corrupção (que soberba lição de ética nos deram Jânio Quadros com a “vassourinha”, os militares no poder ou o caçador de marajás de Alagoas), ou a frágil proclamação de maior eficiência para fazer o mesmo. A direita, para travar os avanços, apela para elevados sentimentos de ética, o que pode gerar confusão, mas não constrói alternativas.

Mas, para os que apoiam os avanços do país, é também bastante complicado. Não dá para negar os imensos avanços, mas não dá para negar a imensa paralisia política que gera a tal da governabilidade, o travamento da reforma agrária, os imensos atrasos do saneamento, a continuidade do financiamento dos grandes grupos de comunicação pela publicidade oficial, o escandaloso nível dos juros dos bancos comerciais, a fortuna transferida anualmente para os bancos pela taxa Selic, a imensa injustiça do sistema tributário, e assim por diante. Muitos simplesmente baixam os braços e se tornam espectadores, quando não se juntam a alguma alternativa que esperam ser mais promissora.

O resultado é uma situação no mínimo esdrúxula, em que legítimas manifestações por mais realizações, ajudando de certa maneira a empurrar as coisas, se veem confundidas com movimentos de direita, com amplo apoio na mídia, que quer reverter o que se conseguiu. Essa política da direita, pegando carona em reivindicações legítimas, faz parte da confusão gerada. Do lado da oposição positiva, da oposição “para a frente”, por assim dizer, vale a pena deixar as coisas mais claras.



Interiorização do desenvolvimento

Já era tempo de termos boas cifras sobre como anda o Brasil em sua base territorial. O Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 apresenta a evolução dos indicadores nos 5.565 municípios do país. A confiabilidade é aqui muito importante. No caso, trata-se de um trabalho conjunto do Pnud, que tem anos de experiência internacional e nacional de elaboração de indicadores de desenvolvimento humano, do Ipea e da Fundação João Pinheiro de Minas Gerais, além de numerosos consultores externos. Os dados são do IBGE. Não há como manipular cifras ou dar-lhes interpretação desequilibrada com esse leque de instituições de pesquisa.1

Outro fator importante: o estudo cobre os anos 1991-2010, o que permite olhar um período suficientemente longo para ter uma imagem de conjunto. Para os leigos, lembremos que o índice de desenvolvimento humano (IDH) apresenta a evolução combinada da renda per capita, da educação e da saúde. Isso permite desde já ultrapassar em parte a deformação ligada às estatísticas centradas apenas no PIB, que mede a intensidade de uso dos recursos, e não os resultados. Um desastre ambiental como o vazamento de petróleo no Golfo do México, só para dar um exemplo, elevou o PIB dos Estados Unidos ao gerar gastos suplementares com a descontaminação, “aquecendo” a economia. O fato de prejudicar o meio ambiente e a população não entra na conta. A Inglaterra acaba de melhorar seu PIB ao incluir estimativas de tráfico de drogas e prostituição, no valor equivalente a R$ 37 bilhões.2

O dado mais global mostra que nessas duas décadas o IDH municipal (IDHM) passou de 0,493, ou seja, “muito baixo”, para 0,727, “alto”. Isso representa um salto de 48% no período. Em 1991, o Brasil contava 85,8% de municípios no grupo “muito baixo”, portanto, abaixo de 0,5, e em 2010, apenas 0,6%, ou seja, 32 municípios. É um resultado absolutamente impressionante e retrata um avanço sustentado na base da sociedade. A tendência já foi sentida nos anos 1990: claramente, a Constituição de 1988, com a democratização, e a quebra da hiperinflação em 1994 permitiram os primeiros passos.

O número de municípios com IDHM “alto” ou “muito alto” passou de 0 em 1991 para 134 no ano 2000, e em 2010 atingiu 1.993 municípios. O que os dados gerais representam para este país tão desigual é imenso: a interiorização do desenvolvimento.

A esperança de vida ao nascer passou de 64,7 anos em 1991 para 73,9 anos em 2010, o que significa que na média o brasileiro ganhou nove anos extras de vida. Em 2012, segundo o IBGE, atingimos 74,5 anos. Não há como mascarar esse imenso avanço. Os saudosos da ditadura têm hoje em média dez anos de vida a mais para protestar contra a democracia.

No plano da educação, a porcentagem de adultos com mais de 18 anos que tinham concluído o ensino fundamental passou de 30,1% para 54,9%. Em termos de fluxo escolar da população jovem, segundo indicador do item educação, passamos do indicador 0,268 em 1991 para 0,686 em 2010, o que representa um avanço de 128%. A área de educação é a que mais avançou, mas também continua a mais atrasada, pelo patamar de partida particularmente baixo que tínhamos. E em termos de renda mensal per capita, passamos de 0,647 para 0,739 no período, o que representou um aumento de R$ 346. Isso é pouco para quem tem muito, mas, para uma família pobre de quatro pessoas, aumentar em mais de R$ 1.000 a renda muda a vida.

São avanços extremamente significativos. Pela primeira vez o Brasil está começando a resgatar sua imensa dívida social. Aqui não há voo de galinha, e sim um progresso consistente. Por outro lado, os mesmos dados mostram quanto temos de avançar ainda. É característico o dado de população de 18 a 20 anos de idade com o ensino médio completo: 13% em 1991, 41% em 2010. Grande avanço, triplicou o nível, mas também revela o imenso campo pela frente, e copo meio vazio permite gritos e denúncias, em particular quando se aproximam as eleições. O Nordeste ainda apresenta 1.099 municípios, 61,3% do total, com índice “baixo”, na faixa dos 0,5 e 0,6 no IDHM. Não se trata de questionar o processo, e sim de reforçá-lo e aprofundá-lo. Guiar-se pelos dados, e não pelos ódios ideológicos, é fundamental.



Além do PIB

Resumir os resultados do desenvolvimento de uma nação em uma cifra apenas beira o surrealismo. Uma metodologia interessante apresentada em 2014 mede o desempenho de 132 países, focando os resultados efetivos em termos de qualidade de vida das pessoas. São 54 indicadores agrupados em três questões:3

1) O país assegura as necessidades mais essenciais de sua população?

2) Os fundamentos básicos que permitem aos indivíduos e às comunidades alcançar e sustentar seu bem-estar estão assegurados?

3) Há oportunidades para todos os indivíduos alcançarem seus plenos potenciais?

Com o apadrinhamento de Michael Porter e o peso da Universidade Harvard, os resultados dificilmente poderão ser tingidos de viés progressista. Fazendo coro com os já numerosos aportes metodológicos que se multiplicam pelo mundo, o estudo desloca com clareza o foco das medidas. “Tornou-se cada vez mais evidente que um modelo de desenvolvimento baseado apenas no desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade que deixa de assegurar as necessidades básicas, de equipar os cidadãos para que possam melhorar sua qualidade de vida, que gera a erosão do meio ambiente e limita as oportunidades de seus cidadãos não é um caso de sucesso. O crescimento econômico sem progresso social resulta em falta de inclusão, descontentamento e instabilidade social” (p.11).

Na análise dos autores, “entre os países dos Brics, o Brasil apresenta o perfil de progresso social mais forte e ‘equilibrado’” (the strongest and most “balanced”). Exibe uma fraqueza em Necessidades Humanas Básicas (puxada pelo score muito baixo de 37,5 para Segurança Pessoal), mas tem uma performance consistentemente boa em todos os componentes tanto dos Fundamentos de Bem-Estar como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior (38,09, 76o) (p.50).

O Brasil ocupa o 46o lugar entre 132 países, com um índice médio geral de 69,957. A Colômbia ocupa o 52o lugar; México, o 54o. O PIB per capita brasileiro utilizado na pesquisa é de US$ 10.264 em valores de 2012. Os dados sintéticos para o Brasil podem ser observados na Tabela 2.

Para termos uma referência, os Estados Unidos ocupam o 16o lugar, com um PIB per capitade US$ 45.336 e um índice médio geral de 82,77. No caso do item Fundamentos do Bem-Estar, que envolvem “Acesso ao conhecimento”, “Acesso à informação e comunicação”, “Saúde e bem-estar” e “Sustentabilidade”, há uma dinâmica inversa interessante: os Estados Unidos estão recuando para uma maior desigualdade nos últimos anos e gerando danos ambientais muito elevados, enquanto o Brasil progride, o que explica os números muito semelhantes da tabela: 75,96 para os Estados Unidos e 75,78 para o Brasil.



Produtividade dos recursos

Um segundo eixo de análise que essa pesquisa permite é em termos da repartição dos recursos. Constata-se uma forte correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das necessidades básicas (no caso, “Nutrição”, “Água e saneamento”, “Habitação” e “Segurança”), mas apenas para os mais pobres: “As necessidades humanas básicas melhoram rapidamente quando o PIB per capita aumenta, nos níveis baixos de renda, mas depois [a tendência] se torna mais horizontal [flattens out] à medida que a renda continua a aumentar” (p.54).

Para nós, isso é muito importante, pois mostra que o aumento de renda nos estratos mais pobres melhora radicalmente o progresso social em geral. Em outras palavras, o dinheiro que vai para a base da sociedade é muito mais produtivo em relação aos resultados para a sociedade, o que bate plenamente com as pesquisas do Ipea sobre a produtividade dos recursos. Estamos aqui no centro do problema da baixa produtividade econômica gerada pela concentração de renda, confirmando os efeitos multiplicadores que geram a redistribuição, inclusive para o próprio PIB.

Isso nos leva de volta ao principal desafio: avançar na redução da desigualdade. Esta continua crescendo no mundo e está atingindo limites insustentáveis. É a razão do imenso sucesso do livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI.A desigualdade foi tema central do último Fórum Econômico Mundial. Grande impacto gerou também o relatório da Oxfam, Working for the few,4 que com cifras insuspeitas do Crédit Suisse, que gerencia fortunas e sabe do que fala, constata que 85 pessoas acumularam mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial.

A dimensão brasileira aparece no relatório da Forbes, com os principais bilionários brasileiros.5 A origem das fortunas, no nosso caso, é particularmente interessante: trata-se essencialmente dos banqueiros (concessão pública, com carta patente, para trabalhar com dinheiro do público); de donos de meios de comunicação (concessão pública de banda de espectro eletromagnético para prestar serviço de comunicação à população); de construtoras (as grandes, que trabalham com contratos públicos, nas condições que conhecemos); e de exploração de recursos naturais (solo, água, minérios), que são do país e os quais mais se extraem do que se produzem. É o divórcio crescente entre quem enriquece e quem contribui para o país. Piketty é claro: “A experiência histórica indica que desigualdades de fortuna tão desmesuradas não têm grande coisa a ver com o espírito empreendedor e não têm nenhuma utilidade para o crescimento”.6

Moral da história? O avanço social, a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental não constituem entraves, e sim condição do desenvolvimento em geral. No nosso caso, ao mesmo tempo que se constatam avanços impressionantes, temos um imenso caminho pela frente. Dizer que a dinamização do desenvolvimento pela inclusão se esgotou é bobagem. Estamos no caminho certo, mas o processo precisa de um sólido impulso.



Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).

Ilustração: Lollo

1  Documento completo disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130729_AtlasPNUD_2013.pdf; vídeo explicativo de treze minutos disponível no site do Pnud: www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3771.

2  Angela Monaghan, The Guardian, 29 maio 2014. Disponível em: www.theguardian.com/society/2014/may/29/drugs-prostitution-uk-national-accounts?CMP=twt_gu.

3  Social Progress Index 2014, from the Social Progress Imperative – 2014. Disponível em:www.socialprogressimperative.org/data/spi.

4  Disponível em: http://dowbor.org/2014/01/working-for-the-few-janeiro-2014-34p.htm; e disponível em espanhol em: www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/bp-working-for-few-political-capture-economic-inequality-200114-es.pdf.

5  Ver lista das famílias mais ricas do Brasil em Carta Capital, 16 maio 2014. Disponível em: www.cartacapital.com.br/economia/15-mais-ricos-tem-patrimonio-10-vezes-mais-ricos-que-14-milhoes-do-bolsa-familia-3783.html. Artigo original Forbes, 5 mar. 2014. Disponível em: www.forbes.com/sites/andersonantunes/2014/05/13/the-15-richest-families-in-brazil/.

6  Thomas Piketty, Le capital au XXIe siècle[O capital no século XXI], p.944; texto completo em inglês disponível em:  http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2014/06/14Thomas-Piketty.pdf

sábado, 26 de julho de 2014

Os 7 saberes necessários à educação do futuro, segundo Edgar Morin




260714 Edgar-Morin-esquemaPGL
- [José Paz Rodrigues] Com o presente capítulo inicio uma série de seis
dedicados a grandes educadores, psicopedagogos e sociólogos da
educação. No verão de 2013, em “As Aulas no Cinema”, tiveram
importante espaço, por próprios merecimentos, educadores destacados como
Froebel, Steiner, Dewey, Claparède, Piaget, Wallon, Vygotsky, Freinet e
os pedagogos brasileiros da Escola Nova. Reservei para o presente verão
de 2014 capítulos da minha série para Edgar Morin, Howard Gardner,
Tagore, J. B. de La Salle, B. F. Skinner e Carl Rogers, sobre os quais
irei falando cada semana até o mês de setembro próximo.


O grande educador e pensador Edgar Morin, pseudónimo de Edgar
Nahoum, nasceu em Paris a 8 de julho de 1921 e, felizmente, ainda vive.
Destacou também como antropólogo, sociólogo e filósofo. É um judeu de
origem sefardita. Foi pesquisador emérito do CNRS. Formado em Direito,
História e Geografia, realizou assim mesmo estudos em Filosofia,
Sociologia e Epistemologia. É autor de mais de trinta livros, entre os
que destacam: O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexoCiência com consciência e Os sete saberes necessários para a educação do futuro.


Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da Resistência Francesa.
Hoje está considerado como um dos principais pensadores contemporâneos e
um dos principais teóricos da complexidade. Filho único de uma família
judia sefardita, seu pai, Vidal Nahoum, era um comerciante originário de
Salonica. Sua mãe, Luna Beressi, faleceu quando ele tinha 10 anos. Ateu
declarado, descreve-se como um “neo-marrano”. Em 1942, obteve a
licenciatura em direito e em história e geografia. Em 1941, adere ao
Partido Comunista, «num momento em que se sentia, pela primeira vez, que
uma força poderia resistir à Alemanha nazista». Entre 1942 e 1944,
participou da Resistência, como tenente das forças combatentes
francesas, adotando o codinome Morin, que conservaria dali em diante.
Durante a Liberação, é transferido para a Alemanha ocupada, como adido
ao Estado Maior do Primeiro Exército Francês na Alemanha, em 1945, e, em
1946, como chefe do departamento de propaganda do governo militar
francês. A partir de 1949, distancia-se do Partido Comunista, do qual
será excluído em 1951, por suas posições antiestalinistas. Aconselhado
por Georges Friedmann, que conheceu durante a ocupação alemã, e com o
apoio de Maurice Merleau-Ponty, de Vladimir Jankélévitch e de Pierre
George, entra para o CNRS em 1950. Em 1955, coordena um comitê contra a
guerra da Argélia e defende particularmente Messali Hadj, pioneiro da
luta anticolonial e um dos próceres da independência da Argélia. Em
1960, funda, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), o
Centro de estudos de comunicação de massa (CECMAS), com Georges
Friedmann e Roland Barthes, com a intenção de adotar uma abordagem
transdisciplinar do tema, e cria a revista Communications. Morin é também fundador da revistaArguments (1957-1963).
Nomeado diretor de pesquisa do CNRS em 1970, será também, entre 1973 e
1989, um dos diretores do Centro de Estudos Transdisciplinares da EHESS,
sucessor do CECMAS.


Em 4 de junho de 2002, Edgar Morin publicou no jornal Le Monde,
com Sami Naïr, professor da Universidade de Paris VIII e ex-membro do
Parlamento Europeu, e Danièle Sallenave, jornalista e ex-professora da
Universidade de Paris X – Nanterre, um artigo intitulado
“Israël-Palestine: le cancer
(“Israel-Palestina: o câncer”). Segundo o artigo, “o câncer
israelo-palestino formou-se, alimentando-se, por um lado, da angústia
histórica de um povo perseguido no passado e de sua insegurança
geográfica; por outro, da infelicidade de um povo perseguido no seu
presente e privado de direitos políticos”. O artigo critica o
unilateralismo da visão israelense. “É a consciência de ter sido vítima
que permite a Israel tornar-se opressor do povo palestino. A Shoah, que
singulariza o destino vitimário judeu e banaliza todos os outros (do
Gulag, dos ciganos, dos africanos escravizados, dos índios das
Américas), torna-se a legitimação de um colonialismo, de um apartheid e
de uma guetificação para os palestinos. Acrescenta que “os judeus de
Israel, descendentes das vítimas de um apartheid denominado ghetto,
guetificam os palestinos. Os judeus que foram humilhados, desprezados,
perseguidos, humilham, desprezam e perseguem os palestinos. Os judeus,
que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem sua ordem impiedosa aos
palestinos. Os judeus, vítimas da desumanidade, mostram uma terrível
desumanidade.” Este artigo valeu aos seus autores um processo por
difamação racial e apologia de atos de terrorismo movido pela Associação
França-Israel. O processo provocou protestos, inclusive de outras
entidades judaicas. Afinal, o filósofo acabou sendo inocentado pela
Corte de Cassação, a mais alta instância judiciária francesa. Muito
surpreende este pensar de Morin, num momento que volta a ser de grande
atualidade o conflito palestiniano-israeliano.


A principal obra de Edgar Morin é a constituída por seis volumes, La Méthode (O Método).
Foi escrita durante três décadas e meia. Trata-se de uma das maiores
obras de epistemologia disponível. Morin inicia os primeiros escritos
desta obra em 1973, com a publicação do livro O Paradigma Perdido: a Natureza Humana,
uma transformação epistemológica por questionar o fechamento ideológico
e paradigmático das ciências, além de apresentar uma alternativa à
conceção de “paradigma” encontrada em Thomas Kuhn. Seu primeiro livro
traduzido para o português é O cinema ou o homem imaginário, em 1958.


De Morin o que mais nos interessa é a sua original teoria sobre o que denominou Os sete saberes necessários, que
logo foi um seu livro em que afirma que diante dos problemas complexos
que as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, apenas estudos de
caráter inter-poli-transdisciplinar poderiam resultar em análises
satisfatórias de tais complexidades. Por isto chega a dizer: “Afinal,
de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma
configuração que responda a nossas expectativas, nossos desejos, nossas
interrogações cognitivas?” 
Com este seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin apresenta o que ele mesmo chama de inspirações para o educador ou os saberes necessários a uma boa prática educacional.


Em 2006, a produtora brasileira Atta Mídia e Educação, em colaboração
com a Paulus Editora, sob a direção de Edgard de Assis Carvalho,
realizou um interessante documentário dedicado a Edgar Morin, que serve
de apoio aos comentários meus do presente capítulo, com que inicio a
série dedicada a grandes educadores.




FICHA TÉCNICA DO FILME-DOCUMENTÁRIO:


Título original: Edgar Morin.


Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2006, 55 min., a cores, documentário).


Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.


Roteiro e Apresentação: Edgard de Assis Carvalho. É
professor titular de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, pós-doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales
da França e Coordenador do Núcleo de Estudos da Complexidade, entre
outros importantes méritos.


Argumento: Edgar Morin, um dos maiores intelectuais
da atualidade, é um crítico da fragmentação do conhecimento. Propõe o
desenvolvimento do pensamento complexo, uma reforma do pensamento por
meio do ensino transdisciplinar, capaz de formar cidadãos planetários,
solidários e éticos, aptos a enfrentar os desafios dos tempos atuais.
Este DVD apresenta os principais conceitos presentes no pensamento de
Morin. Segundo Edgard de Assis Carvalho, “a educação do futuro exige um
esforço transdisciplinar que seja capaz de rejuntar ciências e
humanidades (…) precisamos enfrentar os paradoxos que o desenvolvimento
tecnoeconómico trouxe consigo, globalizando de um lado e excluindo do
outro”. Na fita aparece também opinando o próprio Morin acerca das suas
ideias educativas.


Conteúdos do Documentário: Biografia de E. Morin.
Reorganizações genéticas. Pensamento complexo. Operadores da
complexidade. Totalidade. Razão, racionalidade, racionalismo e
racionalização. Tetragrama organizacional. A reforma do pensamento.
Transdisciplinaridade. Os sete saberes necessários à educação do futuro.
A escola.




OS SABERES QUE CONDICIONAM O ENSINO DO FUTURO:


O número 7 teve sempre um senso redondo e de perfeição: os 7 dias de
cada uma das fases luares, os 7 dias da semana, as 7 maravilhas do
mundo, as 7 colinas de Roma, os 7 tonos da escala musical, o candelabro
judeu das 7 lâmpadas, os 7 olhos de Javeh que dominam toda a terra, e
até os 7 anõezinhos do famoso conto Branca de Neve. O pensador
galo Edgar Morin escolheu também o número 7 para condensar o que ele
acredita que hão ser os saberes importantes e necessários a ter em conta
no ensino do futuro. A sua proposta é o resultado de uma sua
investigação que lhe encarregou fazer no seu momento a Unesco. Sobre o
tema de um futuro viável para a educação do mundo. O pensador galo opina
acertadamente que não se pode desenvolver uma autêntica educação se
está não se apoia na justiça, na democracia verdadeira, na igualdade e
na harmonia com o entorno. Para levar um modelo assim à prática Morin
pensa, e eu comparto plenamente seu pensamento, que sete hão ser os
saberes necessários à educação do futuro, que já tinham que ser do
presente, e que a seguir resenho:




1.-Um conhecimento capaz de criticar o próprio conhecimento: As
cegueiras do conhecimento são o erro e a ilusão. Cada pessoa está
condicionada pelo seu próprio mundo emotivo, pelas suas perceções da
realidade, pelo seu mundo cultural e por influências sociológicas. As
teorias científicas não estão para sempre imunizadas contra o erro.
Resulta difícil entender que tenhamos uma educação que visa transmitir
conhecimentos e seja cega quanto ao que é o próprio conhecimento humano.
Sem aprofundar sobre os seus dispositivos, enfermidades, dificuldades,
tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupe em fazer conhecer o que
“é conhecer”. Temos, por tanto, que introduzir e desenvolver na
educação o estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos
conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições
tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão.


2.-Discernir as informações chave, tendo claros os princípios do conhecimento pertinente: Os
estudantes têm que saber escolher os pontos clave dentro da abundância
atual de informação. É preciso escolher o prioritário e analisar os
contextos dos problemas e das informações. O que antigamente, utilizando
uma bela metáfora, entendíamos como “saber tirar o grau da palha”.
Existe um problema capital, sempre ignorado, que é o da necessidade de
promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e
fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais ou locais. A
supremacia do conhecimento, fragmentado de acordo com as disciplinas,
impede frequentemente de operar o vínculo entre as partes e a
totalidade, e deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de
apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade e seu conjunto. É
necessário desenvolver a aptidão natural do espírito humano para situar
todas essas informações em um contexto e um conjunto. É preciso ensinar
os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências
recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo. O que pode
fazer-se baseando-se sempre no método científico de pesquisa, nas
relações causa-efeito e no uso nas aulas do método didático integral da
globalização e interdisciplinar.


3.-Ensinar a condição humana: Reconhecer a nossa
humanidade comum em que vivemos. E, ao mesmo tempo, a diversidade da
nossa condição humana. A humanidade é uma e diversa. Compreender que o
“humano” é sempre físico, biológico, psicológico, social e cultural, e
essa unidade complexa da natureza humana é totalmente “desintegrada”,
não entendida, porque foi artificialmente dividida ou desligada, na
educação atual, pelas várias disciplinas. Tomando isto como base, devem
levar-se os estudantes a compreender a unidade e a complexidade do ser
humano. Utilizando a Didática interdisciplinar.


4.-Ensinar a identidade terrena: A revolução
tecnológica permitiu voltar a unir o que antes sempre esteve disperso. A
pátria comum é a Terra, por isso temos que lograr um sentimento de
pertença à mesma, embora existam diferenças essenciais. É necessário
ensinar aos jovens alunos a história da era planetária, iniciada com as
navegações portuguesas, seguidas das castelhanas, francesas, inglesas e
holandesas, que puseram em comunicação todos os continentes a partir do
século XVI. Para o bem e para o mal, o mundo interligou-se. A
problemática atual é planetária, porque todos os seres humanos têm
problemas e um destino comum.


5.-Enfrentar as incertezas: O século XX derrubou a
preditividade do futuro. Caíram impérios que pensavam perpetuar-se. A
educação deve ir já unida à incerteza e às reações e ações
impredizíveis. Temos que ensinar aos estudantes a estratégia que leve a
pensar o imprevisto, pensar a incerteza, intervir no futuro através do
presente, com as informações obtidas no tempo e a tempo. É preciso
aprender a navegar um oceano de incertezas. O futuro é aberto e incerto,
mas temos dados para, pelo menos, tentar minorar as dificuldades.


6.-Ensinar a compreensão: Devemos melhorar a nossa
compreensão dos demais, o respeito pelas ideias dos outros e os seus
modelos de vida, sempre e quando não atentem contra a dignidade humana.
Há que entender os outros códigos éticos, os ritos e costumes. Não
marcar ninguém com uma etiqueta. Evitar o egoísmo e o etnocentrismo.
Caraterístico este das ditaduras, o nazismo, o estalinismo e o fascismo.
Compreender que a compreensão é meio e fim da comunicação humana mas,
infelizmente, a educação para a compreensão não se faz em quase que
nenhum lugar. Precisamos de compreensão mútua. Precisamos de estudar a
incompreensão, o racismo, a xenofobia, o dogmatismo. Para isso temos que
desenvolver em todas as aulas e estabelecimentos de ensino de todos os
níveis a “Educação para a Paz e a Não Violência”. Como faziam Tagore e
Gandhi.


7.-A ética do género humano: Ensinar a verdadeira
democracia é um dever ético. Mas também necessita diversidade e
antagonismos: a democracia não consiste numa ditadura da maioria. À que
soem tender os governos que conseguem nas eleições maiorias absolutas.
Os nossos estudantes têm que compreender a natureza “trinitária” do ser
humano: indivíduo-sociedade-espécie. A ética indivíduo-espécie consiste
no controlo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade,
por meio de uma democracia autêntica. A ética indivíduo-espécie implica,
no presente século, a construção e efetivação da cidadania terrestre ou
planetária.


TEMAS PARA REFLETIR E ELABORAR:


Depois de olhar o documentário, organizar um debate-papo ou tertúlia,
sobre os diferentes aspetos que sobre a figura de Edgar Morin aparecem
no mesmo, assim como as opiniões que ele manifesta de viva voz. Refletir
sobre o seu pensamento educativo e comentar, dando alternativas
concretas, sobre como se poderia pôr em prática hoje nas nossas escolas
uma didática prática para desenvolver entre os estudantes os 7 saberes
necessários na sociedade e mundo atuais do século XXI.


Elaborar uma monografia, procurando informações em livros e na
internet, sobre Edgar Morin e o seu pensamento educativo, incluindo na
mesma as experiências práticas de escolas que hoje funcionam em
diferentes países que desenvolvem modelos didáticos que, em grande
parte, tratam de pôr em prática as propostas do pensador galo. Com
fotos, textos, cartazes, retalhos de imprensa e materiais elaborados,
poderia organizar-se nas escolas exposições sobre a sua figura e o seu
pensamento pedagógico, incluindo as suas obras mais importantes.


Tomando como base o livro de Morin Os sete saberes para a educação do futuro,organizar um“Livro fórum” para
comenta-lo e debater sobre as palavras, ideias educativas e propostas
práticas que o pedagogo e pensador galo faz no mesmo.


Esboçar um projeto de atividades didáticas a desenvolver nas salas de
aulas e estabelecimentos de ensino dos diferentes níveis educativos,
que tenha presente a proposta de Morin dos 7 saberes a conseguir nos
nossos estudantes. Poderia tomar-se como base do mesmo o que Draper
Kauffman entende pela importância de lograr entre os estudantes, durante
a sua escolaridade obrigatória, habilidades e técnicas básicas como:
habilidade para conseguir acesso à informação com as antigas e novas
técnicas, habilidade para razoar com claridade, habilidade para
comunicar com eficácia, habilidade para compreender o entorno,
habilidade para compreender a sociedade e habilidade para conseguir o
desenvolvimento pessoal.