sábado, 29 de novembro de 2008

A Classe Média Enrustida que carregamos


Por Raul Fitipaldi. Brasil

www.desacato.info

Os acontecimentos que me acompanham desde que sai do PT em 2002, e antes, os que motivaram essa saída vieram à minha memória em várias ocasiões esta semana. Mencionarei apenas três delas. A primeira é fruto da leitura minuciosa de todos os artigos que nossos companheiros da Venezuela têm escrito sobre os resultados da eleição regional acontecida no domingo 23. A segunda é fruto da leitura do belíssimo artigo da companheira Elaine Tavares, titulado Jornalismo é Conhecimento e libertação (Pobres & Nojentas Teórica No 1 P 7). Finalmente, a terceira é de ordem pessoal e, portanto, ficará guardada nos seus dados (nem que dizer dos detalhes) e mudou substancialmente minha rotina diária.

Primeiramente, por que estas três questões, aparentemente sem nexo me lembraram minhas últimas andadas no PT? Porque em 2002 o PT já estava definitivamente carcomido pelo cancro oportunista da classe média enrustida nele, discursando pela classe trabalhadora, repintando o vermelho da bandeira em tons branquelos, pálidos de sem-vergonhas. Porque a retórica humilhante do assistencialismo e o boçalismo já formavam parte do cardápio diário do partido. Porque, em definitivo, a classe média representada pelo burguês pequeno-pequeno tinha se empossado definitivamente e com ares de gloriosa determinação uniformista desde a direita mais radical, então representada pela Unidade na Luta, até a esquerda reformista que então se chamava, quase de forma eufemística, Articulação de Esquerda. O resto era o resto, talvez excetuando a neurótica fábula da classe média típica instalada na Democracia Socialista, redundante como o seu próprio nome.

Afirmei desde então um sentimento nada recomendável que me acompanha desde a infância como “doença incurável”, repugnância pela forma como a classe média repta e se instala encostada no poder institucional (para defender o status quo) fazendo o discurso por esquerda e aumentando a poupança por direita. Sinto repugnância por essa classe média que bebe dos ricos e come dos pobres. Que me desculpem meus amigos que a ela pertencem e não tem se locupletado nos determinismos obseqüentes de sua classe.

No belo artigo da Elaine Tavares há um trecho titulado Os Pecados do Jornalismo praticado Nos Sindicatos. Ele discorre sobre os paradoxos de uma discurseira sindical que execra a “mídia como instrumento da burguesia” (...) “ao mesmo tempo, esperam que essa mesma mídia dê generosos espaços para suas lutas” diz Elaine. Eu gostaria de avaliar isso desde o ponto de vista do status social e econômico obtido por boa parte das direções sindicais, em muitos casos tornada em cara mobília dos sindicatos, que envelhece dentro deles como madeira e cupim. A fonte informativa dos sindicatos, me parece, e observo que Elaine toca com justeza esse assunto, em geral não tem mais o trabalhador como assunto e sim o dirigente liberado. O jornalismo chapa-branca que promove o dirigente famoso, o presidente, o secretário geral e não o trabalhador na sua planta de afazer. De novo a classe média, através dos modos perfumados, bem vestidos, de carrinho e motorista, está enrustida no coração da organização que deveria nos levar aos pobres à mobilização, à luta de classes capaz de derrotar a miséria que nos impõe o sócio rico, cujas migalhas alimenta o cerne intelectual e estético da classe divisória. Todo presidente ou dirigente “poderoso” de um sindicato (salvo numerosas exceções –ainda bem que numerosas embora em extinção) prefere aparecer no Diário Catarinense do Império Sirotsky e, como não pode, transforma seu jornal de categoria num espelho ridículo da sua imagem adquirida de classe média aburguesada.

Do último caso não darei conta nem nome aos bois, saiba me desculpar o leitor. Porém, mesmo sendo uma experiência da vida privada consta das tinturas oriundas dessa classe maluca que se assenta numa contradição histórica desde sua artesanal existência de cortesã palaciana do pré-capitalismo até essa coisinha apêndice do imperialismo do capital. O fato oculto remete à constante procura da nova certeza, do estímulo novo, da nova partitura que nos faça bailar ao compasso da música sem ficar à margem, da “vida intensamente vivida” e outros chavões, certa e alegre. Aconteceu sem e com a “culpa cristã” dos protagonistas sonegados e em questão. A doença, a fome e a dor, que foi reservada aos pobres mais claramente desde Malthus (séculos 18/19) para sua diminuição como espécie, é um fantasma que persegue à classe média. Chorar pouco para não alagar, rir o suficiente para não enrugar, comer o necessário para ser apetecível, e espirrar pedindo perdão. A classe média sempre estará com sua atitude e aptidão recebendo o benefício dos ricos e despejando uma parte importante dos lucros na culpa que arroja em cima dos pobres. E embora pareça contraditório (homenagem suplementar à dialética) a classe média é o objetivo primordial dos pobres sem consciência de classe, sem desejos reais, práticas verdadeiras de transformação (fora do discurso oral e escrito). Às vezes parece que para a classe média a vida dos pobres é como a morte, os desabamentos e os acidentes, só acontece com os outros, e alguns pobres desejam sentir e viver assim. Porém...

... ESSA CLASSE MÉDIA que me veio à tona esta semana, desde que sai do PT em 2002, até que li no ônibus o belo capítulo da Elaine Tavares, e finalmente até o desfecho peculiar que virou minha rotina diária, está em franca extinção. A concentração de capital dos ricos, e dos mais ricos, e dos mais-mais ricos dos ricos, a fará vir a conviver conosco, aqui abaixo. Lembro-me dos anos 80, quando morava em Buenos Aires, e num conjunto habitacional de pobres e desempregados, chamado Villa Lugano, havia uma faixa enorme de lado a lado da entrada que rezava os dizeres BEM-VINDA CLASSE MÉDIA! E ela virá conosco, sem dúvida, não por que o deseje, apenas porque assim o determina o patrão, mas, cuidado, sempre pode ser a quinta coluna da luta final contra o capitalismo. E, sempre também, quando cometa os erros que lhe são proverbiais, culpará aos ricos e nos passará a fatura aos pobres.

Assumo as dores de quem seriamente emergiu da classe media para exercer a defesa dos pobres e excluídos na Venezuela e o faz com afinco e clareza incomparáveis (nossa boa Carola Chávez), e tomo para mim seus Gritos Digitais que Desacato publicou esta semana. Apelo aos governantes que pretendem encarnar nossos desejos de transformação (Chávez, Evo, Correa, Ortega) que não façam mais esse discurso de GOVERNAR PARA TODOS. O que há é que governar é para as maiorias pobres e excluídas, que os RICOS JÁ TÊM GOVERNOS HÁ SÉCULOS E A CLASSE MÉDIA É SUA CAMAREIRA ENRUSTIDA.

Canção com todo o povo latinoamericano

Mercedes Sosa - Canción con todos


América Latina está deixando de ser quintal dos EUA

Uma das principais mudanças na ordem mundial está sendo vivida agora na América Latina, diz Noam Chomsky, em entrevista. Para ele, a região está começando a superar seus problemas internos e sua subordinação em relação aos EUA. O linguista e pensador americano acredita que a crise atual traz oportunidades de mudanças reais na ordem mundial. ''Até onde essa mudança pode chegar, isso depende daquilo que estamos dispostos a empreender''.


Pelo desmonte da mitologia


A Agencia de Prensa Alternativa Humanista “Sur” (Apah), da Bolívia, entrevistou Noam Chomsky sobre o desenrolar da crise econômica atual. Reproduzimos, aqui, a entrevista, onde Chomsky defende a necessidade de desmontar algumas mitologias relacionadas à crise, destaca o novo papel que a América Latina vem desempenhando no mundo e aponta a abertura de uma janela de oportunidades para mudanças na atual ordem político-econômica global.


Apah: Como explicar que, apesar de muita gente ter visto a crise se aproximando, aqueles que estavam na liderança dos governos e das economias não se mostraram preparados para enfrentá-la?

Noam Chomsky: As bases para a crise eram previsíveis. Um fator constitutivo da liberalização financeira é que haverá crises freqüentes e profundas. De fato, desde que a liberalização financeira foi instituída há cerca de 35 anos, estabeleceu-se uma tendência a incrementar a regularidades crises, e crises cada vez mais profundas. As razões são intrínsecas e entendidas: têm a ver fundamentalmente com as bem conhecidas ineficiências dos mercados. Assim, por exemplo, se você e eu fazemos uma transação, digamos que me vende um automóvel, podemos fazer um bom negócio para nós mesmos, mas não consideramos o efeito sobre os outros.
Se eu compro um automóvel, aumenta o uso da gasolina, aumenta a contaminação, o congestionamento, etc. Mas não levamos em conta esses efeitos. Isto é o que os economistas chamam de externalidades, que não são consideradas nos cálculos do mercado.


Estas externalidades podem ser enormes. No caso das instituições financeiras, são particularmente grandes. A tarefa de uma instituição financeira é assumir riscos. Se é uma instituição financeira bem administrada, digamos, a Goldman Sachs, ela considerará os riscos para si própria, mas a expressão crucial aqui é “para si própria”. Não leva em conta os riscos sistêmicos, os riscos para o conjunto do sistema se a Goldman Sachs tiver uma perda substancial.


Isso significa que esses riscos são subestimados. Assume-se mais riscos do que se deveria tomar em um sistema eficiente que leva em conta todas as implicações. Assim, esta fixação errônea de preços se integra simplesmente como parte do sistema do mercado e da liberalização das finanças.


Como conseqüência dessa subestimação de riscos, estes passam a ser mais freqüentes e quando há fracassos, os custos são mais altos que o esperado. As crises passam a ser mais freqüentes e mais graves à medida que o alcance e o volume das transações financeiras aumentam. Tudo isso se amplifica ainda mais pelo fanatismo dos fundamentalistas do mercado que desmontaram o aparato regulador e permitiram a criação de instrumentos financeiros exóticos e opacos.


É um tipo de fundamentalismo irracional porque fica claro que o enfraquecimento de mecanismos regulatórios em um sistema de mercado incorpora um risco de crise desastrosa. Trata-se de atos sem sentido, salvo para o interesse no curto prazo dos senhores da economia e da sociedade. As corporações financeiras podem, e conseguiram, colher enormes lucros no curto prazo ao empreender ações extremamente aventuradas, incluindo especialmente a desregulação, que trazem dano à economia em geral, mas não para elas, ao menos no curto prazo que é o que orienta o seu planejamento.


Não se podia prever o momento exato de uma crise severa, nem se podia prever o alcance exato da crise, mas era óbvio que ela viria. De fato, ocorreram crises sérias e repetidas durante este período de desregulação crescente. Só que até agora não tinham golpeado tão duramente o centro da riqueza e do poder, mas sim, sobretudo, os países do chamado terceiro mundo.


Vejamos o caso dos Estados Unidos. É um país rico, mas para uma maioria substancial da população, os últimos trinta anos provavelmente figuram entre os piores da história econômica norte-americana. Neste período, não ocorreram crises massivas, grandes guerras, depressões, etc. No entanto, os salários reais permaneceram praticamente estancados para a maioria durante trinta anos.
Para a economia internacional, o efeito da liberalização financeira foi bastante daninho. Líamos na imprensa que os últimos trinta anos, os do neoliberalismo, mostraram o maior decréscimo da pobreza na história do mundo, um enorme crescimento, etc. Há algo de verdade nisso, mas o que falta dizer é que a diminuição da pobreza e o crescimento ocorreram em países que não seguiram as regras neoliberais, como ocorreu no leste asiático. E os países que observaram tais regras sofreram gravemente, como ocorreu na América Latina.

Apah: Joseph Stiglitz escreveu recentemente que esta última crise marca o fim do neoliberalismo. Chávez, durante uma coletiva de imprensa, disse que a crise poderia ser o final do capitalismo. Qual dos dois está mais próximo da verdade?

Chomsky: Em primeiro lugar, devemos ter claro que o capitalismo não pode terminar porque nunca começou. O sistema no qual vivemos deve ser chamado de capitalismo de Estado, não simplesmente capitalismo. No caso dos Estados Unidos, a economia se apóia muito fortemente no setor estatal. No momento, há muita angústia sobre a socialização da economia, mas isso é uma grande brincadeira. A economia avançada de alta tecnologia e similares sempre dependeu amplamente do setor dinâmico da economia estatal. É o caso da informática, da internet, da aviação, da biotecnologia, quase tudo o que está à vista.


O Massachusetts Institute of Technology (MIT), de onde estou falando, é uma espécie de funil no qual o setor público despeja o dinheiro e de onde sai a tecnologia do futuro, que será entregue ao poder privado para que saquem os lucros. Então, temos um sistema de socialização dos custos e riscos e privatização dos lucros. Isso não ocorre somente no sistema financeiro, mas em toda economia avançada.
De modo que, para o sistema financeiro, provavelmente o resultado será mais ou menos o descrito por Stiglitz. É o final de uma certa era da liberalização financeira conduzida pelo fundamentalismo de mercado. O jornal Wall Street Journal lamenta que Wall Street, tal como a conhecemos, tenha desaparecido com a derrocada da banca de investimentos.


Alguns passos serão dados na direção da regulação. Isso é certo. No entanto, as propostas que estão sendo formuladas, por mais extensas e severas que sejam, não mudam a estrutura das instituições básicas subjacentes. Não há nenhuma ameaça ao capitalismo de Estado. Suas instituições fundamentais seguirão sendo as mesmas, talvez, inclusive, sem grandes sacudidas. Elas podem ser reacomodadas de várias maneiras. Alguns conglomerados podem absorver outros, alguns podem ser semi-nacionalizados tibiamente, sem que isso afete fortemente o monopólio privado da tomada de decisões.


No entanto, do jeito que vão as coisas, as relações de propriedade e a distribuição de poder e riqueza não mudarão significativamente, embora a era do neoliberalismo, vigente há uns trinta e cinco anos, seguramente será modificada de maneira significativa. Diga-se de passagem, ninguém sabe o quão grave essa crise poderá se tornar. Cada dia traz novas surpresas. Alguns economistas estão prevendo uma verdadeira catástrofe. Outros pensam que ela pode ser consertada, com um transtorno modesto e uma recessão, que provavelmente será pior na Europa do que nos Estados Unidos. Mas ninguém sabe ao certo.

Apah: Na sua avaliação, veremos algo parecido com a depressão, com pessoas sem trabalho fazendo grandes filas para conseguir alimentos, nos Estados Unidos e na Europa? E, se isso ocorrer, veremos uma grande guerra para repor as economias em pé, uma terapia de choque ou algo tipo?

Chomsky: Não acredito que a situação seja comparável com o período da grande depressão, ainda que haja algumas semelhanças com essa época. Os anos 20 também foram um período de especulação selvagem e de uma enorme expansão de crédito e empréstimos, com a criação de uma enorme concentração de riqueza em um setor muito pequeno da população e a destruição do movimento sindical. Deste ponto de vista, há semelhanças com o período atual. Mas também há muitas diferenças. Existe um aparato muito mais estável de controle e regulação, resultante do New Deal, e ainda que tenha se enfraquecido, boa parte dele permanece intacto.


Além disso, há a compreensão de que os tipos de políticas, vistas como extremamente radicais no período do New Deal, hoje são mais ou menos normais. Assim, por exemplo, no recente debate presidencial dos EUA, John McCain, o candidato da direita, propôs medidas tomadas do New Deal para enfrentar a crise da habitação. Então, há a compreensão de que o governo deve assumir um papel importante na gestão da economia e, de fato, os setores avançados da economia já vivem essa experiência há cerca de 50 anos.


Muito do que se lê sobre isso é pura mitologia. Por exemplo, lemos que a crença apaixonada de Reagan no milagre dos mercados agora está sendo atacada. Atribuiu-se ao ex-presidente o papel de Grande Sacerdote da fé nos mercados. De fato, Reagan foi o presidente mais protecionista da história econômica estadunidense do pós-guerra. Ele aumentou as barreiras protecionistas mais que todos os seus precursores juntos. Convocou o Pentágono a desenvolver projetos para treinar administradores norte-americanos nos métodos avançados de produção japoneses. Ele também operou um dos maiores salvamentos bancários da história norte-americana e conformou um conglomerado baseado no Estado para tratar de revitalizar a indústria de semi-condutores. De fato, ele acreditava em um governo poderoso, de intervenção radical na economia. Quando digo “Reagan” refiro-me a sua administração. O que ele acreditava sobre tudo isso, se é que acreditou em algo, realmente não sabemos e isso não é muito importante.


Há muita mitologia que precisamos desmontar, incluindo aí o que diz a respeito do grande crescimento e da redução da pobreza. Nos próprios Estados Unidos, quando se aplicaram as regras neoliberais, os resultados foram bastante daninhos para a maioria da população. Olhando para além da mitologia, podemos perceber que uma economia capitalista de Estado que, particularmente desde a Segunda Guerra Mundial, dependeu muito fortemente do setor estatal, agora está voltando a depender do Estado para o manejo do sistema financeiro que está desmoronando. Por enquanto, não há sinais de que se produzirá algo parecido com o que ocorreu em 1929.

Apah: Então, você não considera que estamos nos encaminhando para uma mudança na ordem mundial?


Chomsky: Bom, há mudanças muito significativas na ordem mundial e esta crise talvez contribua para isso. Mas elas estão aí há algum tempo. Uma das principais mudanças na ordem mundial está sendo vivida agora na América Latina. Costuma-se dizer que a América Latina é o quintal dos EUA e que, há muito tempo, é uma região controlada pelos EUA. Mas isso está mudando. Em meados de setembro tivemos uma ilustração dramática disso.


No dia 15 de setembro, ocorreu uma reunião da Unasul, a União das Nações Sul-americanas, da qual participaram todos os governos sul-americanos, incluindo a Colômbia, atual favorito dos EUA na região. A reunião foi realizada em Santiago, Chile, outro favorito dos EUA. Dela, saiu uma declaração muito contundente de apoio a Evo Morales, da Bolívia, e de rechaço aos setores quase-secessionistas deste país, que contam com o apoio dos Estados Unidos.


Há uma luta muito significativa na Bolívia. As elites estão se mobilizando pela autonomia e mesmo pela secessão, gerando fortes níveis de violência com a evidente concordância dos EUA. Mas as repúblicas sul-americanas assumiram uma postura firme, em apoio ao governo democrático. A declaração foi lida pela presidente Bachelet, do Chile, uma favorita do Ocidente. Evo Morales respondeu agradecendo aos presidentes pelo apoio e assinalou, corretamente, que esta era a primeira vez em 500 anos que a América Latina havia tomado seu destino em suas próprias mãos, sem a interferência da Europa nem, sobretudo, dos EUA.

Esse é um símbolo de mudança muito significativo que está em curso, às vezes chamado de “maré rosada”. Foi tão importante que não foi reportado pela imprensa dos EUA. Há uma frase aqui, outra ali, que registra que algo aconteceu, mas suprimiram totalmente o conteúdo e a importância do que ocorreu.

Isso é parte de um processo de longo prazo, no qual a América do Sul está começando a superar seus enormes problemas internos e também sua subordinação ao Ocidente, principalmente em relação aos Estados Unidos. A América do Sul também está diversificando suas relações com o mundo. O Brasil tem relações cada vez maiores com a África do Sul, a Índia e, particularmente, a China, país cada vez mais envolvido com investimentos e intercâmbios com países latino-americanos. São processos extremamente importantes, que agora estão começando a chegar também na América Central. Honduras, por exemplo, era a clássica república bananeira. Serviu de base para as guerras do terror perpetradas por Reagan na região e subordinou-se totalmente aos EUA. Mas Honduras somou-se recentemente a ALBA, a Alternativa Bolivariana para os Povos da América, proposta pela Venezuela. É um pequeno passo, mas não deixa de ser muito significativos.

Apah: Você acha que estas tendências na América do Sul, como Alba, Unasul e os grandes acontecimentos na Venezuela, Bolívia e outros países, podem ser afetados por uma crise econômica da dimensão desta que estamos enfrentando agora?

Chomsky: Bem, esses países serão afetados pela crise mas, no momento, não tanto como estão sendo a Europa e os Estados Unidos. Se olhamos o caso da Bolsa no Brasil, ela caiu muito rapidamente, mas os bancos brasileiros não estão quebrando. Do mesmo modo, na Ásia, as bolsas estão declinando agudamente, mas os governos não estão assumindo o controle dos bancos, como ocorre na Inglaterra, Estados Unidos e boa parte da Europa. Essas regiões, América do Sul e Ásia, de alguma maneira conseguiram se separar das calamidades dos mercados financeiros. O que desatou a crise atual foram os empréstimos subprime para ativos construídos sobre areia, e estes, claro, estão em mãos de estadunidenses e de bancos europeus. O fato de possuir ativos tóxicos baseados em hipotecas os envolveu muito rapidamente nestes acontecimentos. Além disso, os europeus têm suas próprias crises de habitação, particularmente a Inglaterra e a Espanha.


A Ásia e a América Latina ficaram muito menos expostas por terem mantido estratégias de crédito mais cautelosas, particularmente a partir do descalabro neoliberal de 1997-1998. Um grande banco japonês, Mitsubishi UFG, acaba de comprar uma parte substancial do Morgan Stanley, nos EUA. Então, não parece, até agora, que a Ásia e a América Latina serão afetadas tão gravemente como Estados Unidos e Europa.

Apah: Você acredita que há uma grande diferença entre Obama e McCain no que diz respeito a temas como o Tratado de Livre Comércio e o Plano Colômbia? Na Colômbia, pode-se sentir que o presidente e seus apoiadores estão assustados frente à eleição de Obama. Sei que você tem a sensação que Obama é como uma folha em branco, mas pensa que ela fará alguma diferença?

Chomsky: Com efeito, Obama tem se apresentado mais ou menos como uma folha em branco. Mas não há motivo para que o governo colombiano se assuste com sua eleição. O Plano Colômbia é uma política de Clinton e há muitas razões para supor que Obama será outro Clinton. Ele é bastante impreciso, a propósito. Mesmo quando explicita políticas, elas se parecem muito a políticas centristas, como Clinton, que modelou o Plano Colômbia e militarizou o conflito.

Apah: Tenho, às vezes, a sensação de que os períodos de Bush se deram em um contexto de mudança da ordem mundial, tratando de manter o poder com o uso da força, e que, em troca, Obama pode representar a cara boa para renegociar a ordem mundial. Qual sua opinião sobre isso?

Chomsky: É importante lembrar que o espectro político nos EUA é bastante estreito. É uma sociedade controlada pelas empresas, basicamente, é um Estado de partido único, com duas facções, democratas e republicanos. As facções têm algumas diferenças e estas, às vezes, são significativas. Mas o espectro é bastante estreito. A administração Bush, porém, se situava bastante além do final do espectro, com nacionalistas radicais extremos, crentes extremos no poder do Estado, na violência no exterior e em um alto gasto governamental. De fato, estavam tão fora do espectro que foram criticados duramente inclusive por parte do poder, desde os primeiros tempos.
Seja quem for que assuma o mandato, é provável que desloque o tabuleiro político para o centro do espectro. Obama talvez faça isso em maior medida. Diria que, no caso de Obama, haverá algo como um renascimento dos anos Clinton, adaptado certamente às novas circunstâncias.


Apah: Agora que estamos chegando ao fim da globalização neoliberal, existe a possibilidade de algo realmente novo, uma globalização boa?


Chomsky: Penso que as perspectivas hoje estão muito melhores do que estavam antes. O poder está extraordinariamente concentrado, mas há mudanças a medida que a economia internacional torna-se mais diversificada e complexa. O Sul está se tornando mais independente. Mas, se olhamos para os EUA, mesmo com todo o dano causado por Bush, segue sendo a maior economia homogênea, com o maior mercado interno, a força militar mais forte e tecnologicamente mais avançada, com gastos anuais comparáveis aos do resto do mundo combinados e com um arquipélago de bases militares espalhadas pelo mundo. Estas são fontes de continuidade, mesmo que a ordem neoliberal esteja sofrendo uma erosão dentro dos EUA, na Europa e internacionalmente, com um crescimento da oposição a ela. Então, há oportunidades para uma mudança real. Até onde essa mudança pode chegar, isso depende da gente e daquilo que estamos dispostos a empreender.

Texto extraído de Carta Maior: http://www.cartamaior.com.br


Zeca Baleiro e Raimundo Fagner

IMPERDÍVEL.....

PINK FLOYD: LIVE AT KQED STUDIOS - 1970

Tamanho : 192 MB
Duração: 59:05
Formato: RMVB (VHS-RIP)
Servidor: Rapidshare (Dividido em 2 partes)




O Vídeo traz imagens de uma apresentação para TV, logo após o lançamento do álbum "Atom Heart Mother".
Concerto filmado em San Francisco, em 29 de abril de 1970

Set List

Atom Heart Mother
Cymbaline
Granchester Meadows
Green Is The Colour
Careful With That Axe Eugene
Set The Controls For The Heart Of The Sun



Screenshots


Clique nas imagens para ver em tamanho real



Cymbaline


Ps. O vídeo é achado em torrent pelo nome: Pink Floyd Atom Heart Mother Live In San Francisco 1970

Créditos: F.A.R.R.A. - escarlath

Yeda transforma o Piratini num museu


A tardia vindita maragata

Vejam o simbolismo das coisas. Hoje, na coluna de Rosane de Oliveira, jornalista e abelhinha, em ZH, há um comentário sobre o tratamento que a governadora Yeda Crusius (PSDB) dá ao Palácio Piratini. Dona Yeda despacha no Centro Administrativo e aproveita o Piratini somente para efemérides e pequenas liturgias do poder.

Não sei se isso é consciente ou inconsciente, mas o fato é que esse “novo jeito de despachar” ilustra bem a forma como a direita liberal encara a administração pública. Está sendo dito, subliminarmente, que o Estado republicano é – ou deve ser – uma peça de museu.

Assim, o Piratini, construído pelos vitoriosos da revolução burguesa de 1893, os chimangos positivistas-castilhistas-borgistas, fica obsoletizado pelo advento do ultra-pragmatismo neoliberal tucano. É uma forma simbólica de fazer a vindita maragata, agora travestida no yedismo vende-pátria.

Por fim, é também significativo que no topo do Piratini se faça um ameno estar para os fins das tardes quentes de Porto Alegre, mesmo que os guarda-sóis ainda tragam estampadoa a logomarca do banco regional fundado por Getúlio Vargas – o filho mais generoso e republicano do castilhismo sul-rio-grandense. Mas, sobre isso, a obtusidade da governadora Yeda sequer suspeita.

O Piratini está de porta aberta, sim, mas vazio de significado e poder.