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domingo, 2 de fevereiro de 2014

O drama das pessoas intersexuais



Reprodução
Elas nascem sem genitália definida como feminina ou masculina, mas não formam, necessariamente, um terceiro gênero. Na Alemanha e em outros países, recebem tratamento especial. No Brasil, não há políticas públicas que as atendam

por Natália Mendes,

Da Retrato do Brasil

No início de novembro passado entrou em vigor na Alemanha uma lei que permite registrar recém-nascidos sob a classificação “sexo indefinido”. Ou seja, a opção “masculino” ou “feminino” poderá ficar em branco no documento. Voltada para aqueles que nascem com características físicas que não se enquadram nos padrões médicos “masculino” ou “feminino”, chamados pessoas intersexo, a lei – que, aparentemente, representa uma ampliação dos direitos dessas pessoas – tem sido questionada por militantes da causa. Isso porque traz à tona questões sobre a discriminação e os preconceitos sofridos por pessoas intersexo e, a partir daí, surgem os debates acerca de sua eficácia e dos verdadeiros benefícios que traria para o público ao qual é destinada.
Artigo publicado pelo site BBC Brasil considerou a lei uma vitória: “A Alemanha passa a ser o primeiro país europeu a oficializar o terceiro gênero. Essa mudança é uma opção para pais de bebês hermafroditas, que nascem fisicamente com ambos os sexos”. O site da emissora de rádio alemã Deutsch Welle também saudou a legislação – “Os órgãos públicos alemães passarão a reconhecer legalmente que o sexo de uma pessoa pode ser outro além do masculino ou feminino” –, mas questionou alguns pontos que não teriam sido esclarecidos: “Como será, por exemplo, o futuro passaporte? Em alguns países, a falta de uma definição clara do sexo pode levar a um problema na imigração. Também a questão de se futuramente os intersexuais poderão se casar ou somente firmar uma união civil ainda precisa ser esclarecida”.

Discriminação

Esses e outros problemas foram igualmente apontados por militantes. A Organisation Intersex International Europe (OII Europe), por exemplo, publicou nota em seu site analisando o texto legal na qual evidencia que o caminho para a não discriminação de pessoas intersexo é mais longo do que pode parecer. “Quem determina que uma criança não pode ser definida como sendo nem do sexo masculino nem do feminino? De acordo com a prática atual, apenas a medicina.” Ou seja, como a definição do sexo da criança ainda está nas mãos de médicos, a lei não representaria um avanço – e o que parece uma escolha, na verdade, seria uma determinação, pois o sexo do recém-nascido ainda teria que ser classificado de acordo com padrões binários.
Hailey Kass, tradutora e pesquisadora das áreas de linguística e gênero, reforça a visão da OII Europe. Em texto publicado pelo site revista o Viés, ela afirma que a nova lei “parece ser só aplicável para pessoas intersexo”. “Pessoas não intersexo não poderiam ser designadas fora do binário para no futuro escolherem? Por que só as pessoas intersexo?” Ela menciona outra passagem da nota da organização europeia: “Em vez de permitir que o registro de sexo fique aberto para todos(as), e não apenas para crianças intersexuais, novamente regras especiais são criadas, o que produz exclusão. As condições de vida da maioria das pessoas intersexo não irão melhorar como resultado disso”.

Depois da lei

“Os efeitos dessa lei podem, na prática, apresentar-se em forma de discriminação e estigmatização”, diz Shirley Monteiro de Lima a Retrato do Brasil. Ela é doutoranda da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e trabalha no Centro de Referência da Diversidade (CRD). “Uma diferença que está no corpo e poderia ser manejada pelo círculo familiar e por decisão do indivíduo intersexo, ao tornar-se pública no registro de nascimento, expõe a pessoa a julgamento social, discriminação e pressão por normatização. A lei abre espaço para mais violações de direitos”, conclui.
“Ainda não sabemos ao certo o impacto dessa lei na dinâmica da família e se a criança sofrerá algum tipo de restrição social por não ter o sexo determinado no registro de nascimento”, diz Ana Canguçu-Campinho, psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a RB. Ela trabalha desde 2002 com a temática intersexo, acompanhando pessoas nascidas intersexuais e suas famílias. Apesar das dúvidas, Ana enxerga possíveis pontos positivos na mudança. “Até o momento, acho uma alternativa interessante, uma vez que, ao não identificar o sexo no registro, permite-se que o tempo seja usado como um aliado pela própria pessoa intersexual. A criança passa a ser considerada cidadã, ao mesmo tempo em que é dado, ainda que provisoriamente, um tempo para definição do sexo.” Ela esclarece que a “lei de registro não prevê um terceiro gênero, pois no formulário não existe uma nova categoria além do masculino e do feminino. A opção de deixar ‘em branco’ o item implica uma flexibilização na forma de registrar o sexo”.
Poucos países têm leis voltadas exclusivamente para pessoas intersexo. Segundo levantamento publicado pelo site da Deutsch Welle, desde 2010 vigora no Paquistão legislação que reconhece intersexuais como cidadãos, embora não existam dados oficiais sobre o número de pessoas intersexo vivendo no país. Antes disso, as pessoas intersexo não podiam ser registradas – ou seja, não podiam votar ou ter conta em banco, por exemplo. “Com a lei, os intersexuais passaram a ter acesso à educação gratuita, ao sistema público de saúde e a eles é reservada uma cota de 2% dos postos de trabalho em órgãos governamentais.”

Diferente

Na Austrália, os documentos de pessoas intersexo contam com um terceiro campo, ao lado dos de “masculino” e “feminino”, em que é empregado o termo “diferente”. Países como Afeganistão e Nepal também reconhecem pessoas intersexo. Já na Índia existem as Hjiras, pessoas que não são consideradas “nem homem nem mulher” e que possuem um papel social definido: são encarregadas de batizar crianças e abençoar casamentos. Nesse país, “as crianças intersexuais são abandonadas em templos e criadas em uma comunidade específica”, explica Ana.
O tema da intersexualidade, além de complexo, tem sido submetido a interpretações equivocadas. Em 1993, o termo hermafrodita ficou conhecido no Brasil após o sucesso da novela “Renascer”, transmitida pela TV Globo, que contava com a personagem Buba, interpretada pela atriz Maria Luísa Mendonça. Mas o assunto não foi aprofundado e essa passou a ser uma das únicas referências comuns sobre intersexualidade. Hoje, a expressão “hermafroditismo” não é mais usada por pesquisadores, especialistas e militantes, por trazer um conceito equivocado.
Shirley explica, em sua dissertação de mestrado, que o termo hermafrodita é oriundo da mitologia grega, da história de Hermafroditus, um jovem muito bonito, filho de Hermes e Afrodite, que despertou a paixão da bela ninfa Salmacis. Mas Hermafroditus a rejeitou e dizia preferir a morte ao amor de Salmacis. Já a ninfa pediu aos deuses que nunca se separasse dele. Para atender aos dois pedidos, os deuses uniram Salmacis e Hermafroditus em um único ser com dois sexos.
“Pela definição médica, uma pessoa nascida sob a condição de intersexualidade não apresenta sexo cromossômico, genitália externa ou sistema reprodutivo interno dentro do padrão considerado normal para o sexo masculino ou feminino”, diz Shirley. Isto é, não se trata de um homem e de uma mulher em um único corpo, nem de uma pessoa que seja homem e mulher ao mesmo tempo.
Em maio de 2004, o site da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA, na sigla em inglês) publicou declaração assinada por Mauro Cabral, ativista argentino intersexual, que afirma que, para a medicina ocidental, os intersexuais são “pessoas com genitália ambígua, indefinida, deformada ou patológica”. Cabral explica que, “para o movimento internacional de pessoas intersexuais e seus aliados, no campo da teoria e dos direitos humanos, intersexuais são aqueles cuja genitália difere dos estereótipos masculino ou feminino, sem que tal variação na aparência genital signifique uma deformação ou uma patologia herdada”. Assim, conclui ele, “intersexualidade é um termo guarda-chuva, descrevendo uma grande variedade de situações em que os genitais de uma pessoa não correspondem aos estereótipos sociais, culturais e políticos atuais”.

Terceiro gênero?

Mas, ao contrário do que muitos acreditam, isso não significa que as pessoas intersexuais se identifiquem, necessariamente, com um “terceiro gênero”. Da mesma forma como no caso de pessoas transexuais, pessoas intersexo podem se identificar como homens ou como mulheres, independentemente de seus órgãos genitais e reprodutivos. “No Brasil, ainda é muito raro que uma pessoa nascida intersexual reivindique um espaço distinto dos já consolidados homem e mulher”, explica Ana. “O que acontece com maior frequência é uma tentativa de ajustar seus corpos aos padrões estabelecidos para o sexo. O poder exercido pela medicalização destina pouco espaço para expressão de corpos e identidade que destoem dos padrões estabelecidos socialmente.”
Ou seja, há diversas variações nos corpos e identidades de intersexuais, e generalizar afirmando que pessoas intersexo são, necessariamente, um “terceiro gênero” pode acabar tendo o efeito contrário do que se pretende, limitando as possibilidades de ser de cada indivíduo e obscurecendo as questões específicas relacionadas aos intersexuais. “O sexo, no fim das contas, pode ser mais social do que biológico”, disse Gerald Callahan, imunologista e professor da Universidade do Colorado, nos EUA, em entrevista publicada pelo site da revista semanal Época em 2007. “Por isso, acho que a opinião da pessoa é um fator determinante.” Em sua dissertação de mestrado, Shirley também aborda a questão de identidade, colocando-a como “uma consequência das relações vivenciadas pelo indivíduo com os outros, com o seu contexto social e consigo mesmo”.
Callahan também tocou em uma das questões mais polêmicas relacionas ao tema: a das intervenções cirúrgicas realizadas em recém-nascidos com genitália ambígua. Mesmo não havendo nenhum indício de que a condição de intersexualidade traga problemas de saúde ao indivíduo, esse é um dos principais problemas relatados por pessoas intersexo. As intervenções – questionadas por especialistas e militantes – podem ocorrer, inclusive, sem o conhecimento e a autorização dos pais. “Na maioria das vezes não há nada a ser feito do ponto de vista cirúrgico na infância. Não é uma condição que ameace a vida nem que necessite de tratamento imediato”, disse o imunologista.
“Considero o principal desafio o reconhecimento social do intersexo como uma diversidade de existência e não como uma anormalidade”, diz Ana. Ela entende que esse é um dos pontos mais importantes na luta das pessoas intersexuais. “A visão do intersexo como anormalidade é histórica. Na Idade Média, as pessoas intersexuais eram percebidas como monstros ou aberrações e muitas vezes eram executadas. Hoje, com a medicalização das sociedades, o intersexo é classificado como doença e anormalidade.”
A OII USA publicou um texto para explicar algumas ideias falsas sobre pessoas intersexo, traduzido por Hailey Kass e publicado no blog Transfeminismo. A organização afirma que as cirurgias que visam a uma “normalização” dos corpos intersexo é equivalente à eugenia, isto é, uma tentativa de “remover diferenças, as quais algumas pessoas decidiram como indesejáveis e que, constantemente, criam problemas que não existiam”. A organização também salienta que as práticas médicas, como as cirurgias e tratamentos hormonais, podem ser contrárias à identidade de gênero da pessoa.

Políticas Públicas

Na declaração publicada pelo site da ILGA, Cabral afirma que estudos apontam que pelo menos uma em cada 2 mil pessoas nasce com órgãos genitais fora dos padrões médicos e que essas pessoas acabam submetidas a cirurgias para a “correção” da genitália. Shirley explica que, “na prática, os neonatos, quando têm identificada a condição intersexual, são submetidos a intervenção cirúrgica e a registro de nascimento no sexo masculino ou feminino de acordo com a assignação realizada na cirurgia”. Ou seja, recém-nascidos que são identificados com genitália ambígua passam por cirurgia para poderem se enquadrar nos padrões médicos de masculino e feminino e serem registrados com o sexo que foi definido com o procedimento. Mas não há dados precisos sobre o número de procedimentos como esse e sobre o número de pessoas intersexo.
Em artigo publicado há uma década, a revista Super Interessante já apontava a dificuldade de obtenção de informações confiáveis e precisas a respeito. “Os cálculos mais conservadores admitem que um em cada 3 mil bebês nasce com essa morfologia, em suas várias formas (no Brasil, isso significaria uma população de mais de 56 mil pessoas).” Segundo a revista, pesquisadores como Anne Fausto-Sterling, professora de Biologia Molecular da Universidade de Brown, no estado americano de Rhode Island, especialista no tema, “garantem que o número é o dobro: um bebê em cada 1,5 mil”. O texto também explica que a prática de cirurgias em recém-nascidos não é novidade. “As cirurgias para determinar o sexo de bebês são aceitas desde a década de 1960, o que reduz as possibilidades de estudos de longo prazo que confirmem ou neguem virtudes para essa intervenção na natureza dos recém-nascidos e, principalmente, seus efeitos na vida adulta do indivíduo.”
De acordo com o artigo, uma das regras ditadas em manuais oficiais de medicina é operar recém-nascidos que tenham pênis de tamanho inferior a 0,9 centímetro, na tentativa de enquadrar o genital nos padrões femininos, transformando-o em um clitóris. Depois da cirurgia, é recomendado começar um tratamento hormonal. Embora a ideia de que a maioria das cirurgias em pessoas intersexo é para as designar como do sexo feminino, a OII USA desfaz esse mito. “Muitas condições intersexo em bebês designados homens são constantemente ignoradas e seus pais são simplesmente informados de que existe algum problema em urinar adequadamente ou que um testículo não foi formado, etc. Ademais, em várias partes do mundo, pessoas intersexo são designadas como homens o quanto mais possível for, porque ser homem é visto como mais socialmente desejável.”
Sem registros oficiais, com discriminação médica e social, intersexuais acabam por encontrar muita dificuldade em serem reconhecidos e aceitos socialmente e, dessa forma, também enfrentam muitos obstáculos na luta por políticas públicas que realmente atendam às suas demandas. Segundo Shirley, um dos maiores desafios dos intersexuais é “conquistar o direito de decidir em assuntos que afetam seus corpos e sua saúde, decidir se desejam realizar alguma intervenção cirúrgica e pensar criticamente sobre o espaço social que desejam ocupar”.
No Brasil, não há políticas públicas específicas para intersexuais. Assim como não há nenhuma associação atuante que seja exclusivamente voltada para a demanda de pessoas intersexo. “As demandas são expressas e resolvidas isoladamente ou articuladas às reivindicações e projetos de leis de outros grupos indentitários, como transexuais e travestis”, explica Ana. Assim, “a visibilidade pode ser considerada como um instrumento de emancipação e de promoção da dignidade em pessoas nascidas intersexuais”.

domingo, 1 de dezembro de 2013

De deusas à escória da humanidade...


blog acortesamoderna

Por Patrícia Pereira em UOL-Leituras da História
Que a prostituição é popularmente conhecida como a profissão “mais antiga do mundo”, todos sabem. E, desde que o mundo é dito civilizado, sempre houve prostitutas pobres e prostitutas de elite. O lado desconhecido dessa história é que a imagem a respeito delas nem sempre foi a que temos atualmente. As meretrizes já foram admiradas pela inteligência e cultura, e também já foram associadas a deusas – manter relações sexuais com elas era necessário para conseguir poder e respeito. As “mulheres da vida” sempre tiveram um lugar na História, mas, ao longo dos anos, seu status passou de respeitável à condenável.
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Maria Regina Cândido, professora de graduação e de pós-graduação em História, e coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), explica que a conotação de ser ou não bem-vista pela sociedade é um olhar de nosso tempo sobre as prostitutas. “Na antiguidade, elas tinham seu lugar social bem definido. Era uma sociedade que determinava a posição de cada um, que precisava cumprir bem o seu papel em seu espaço e não migrar de função”, diz Maria Regina.
Lá atrás, no período da pré-história, a mulher era associada à Grande Deusa, criadora da força da vida, e estava no centro das atividades sociais, explica Nickie Roberts, no livro As Prostitutas na História. Com tal poder, ela controlava sua sexualidade. Nessas sociedades pré-históricas, cultura, religião e sexualidade estavam interligadas, tendo como fonte a Grande Deusa, conhecida inicialmente como Inanna e mais tarde como Ishtar. Os homens, ignorantes de seu papel na procriação, não eram obsessivos pela paternidade. Foi essa preocupação com a prole que, mais tarde, levou ao surgimento das sociedades patriarcais, com a submissão da mulher.

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Por volta de 3.000 a.C., tribos nômades passaram a criar gado e tornaram-se conscientes do papel masculino na reprodução. As sociedades matriarcais da deusa começaram a ser subjugadas. As primeiras civilizações da era histórica desenvolveram-se na Mesopotâmia e no Egito, e nasceram desse levante. Novas formas de casamento foram introduzidas, especificamente destinadas a controlar a sexualidade das mulheres, afirma a escritora. “Foi nesse momento da história humana, em torno do segundo milênio a.C.,
que a instituição da prostituição sagrada tornou-se visível e foi registrada pela primeira vez na escrita”, explica Nickie.
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AS PRIMEIRAS PROSTITUTAS DA HISTÓRIA
As grandes cidades da Mesopotâmia e do Egito continuaram centralizadas nos templos da Grande Deusa. As sacerdotisas dos templos, que participavam de rituais sexuais religiosos, ao mesmo tempo mulheres sagradas e meretrizes, foram as primeiras prostitutas da História, conta Nickie Roberts. O status dessas mulheres era elevado. Os reis precisavam buscar a benção da deusa, por meio do sexo ritual com as sacerdotisas, para legitimar seu poder. “Nessa época, as prostitutas do mais alto escalão do templo eram, por direito nato, agentes poderosas e prestigiadas; não eram as meras vítimas oprimidas dos homens, tão protegidas pelas feministas modernas”, escreve Nickie Roberts.
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A Suméria criou a segregação feminina ao colocar em lados opostos a esposa obediente e a prostituta má.
Julio Gralha, professor do NEA/UERJ, lembra que a visão sobre as prostitutas da época é pouco documentada de forma escrita, mas pode ser inferida pelas imagens das iconografias. “Pela análise da iconografia, a prostituta existia no Egito e atuava de forma remunerada.
Há contos iconográficos, cômicos, em que a prostituta é vista como poderosa, o homem não agüenta. Como aparecem o colar e outros símbolos ligados à deusa, elas são vistas como protegidas. A prostituição não era algo repulsivo ou condenado pela religião”, diz Gralha.
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UM NEGÓCIO ORGANIZADO NA GRÉCIA
Com o passar do tempo, a independência sexual e econômica da prostituta tornou-se uma ameaça à autoridade patriarcal. Por isso, a religião da deusa foi combatida pelos sacerdotes hebreus e, aos poucos, suprimida. Os rituais sexuais viraram pecados graves e as sacerdotisas, pecadoras.
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“As principais religiões patriarcais que se seguiram – o cristianismo e o islamismo – reconheceram o impacto devastador do estigma da prostituta na divisão e regulamentação das mulheres”, explica Nickie Roberts.
A Grécia antiga foi uma típica sociedade patriarcal. As mulheres não podiam participar da vida política e social. No entanto, como aconteceu a todas as sociedades antigas, os primeiros habitantes da Grécia foram povos adoradores da deusa, afirma Nickie. Os deuses masculinos só vieram mais tarde, por volta de 2.000 a.C., com os invasores indo-europeus. As duas culturas fundiram-se e produziram o híbrido que chegou até nós. Basta lembrar que Zeus, divindade suprema indo-européia, casou-se com Hera, poderosa deusa sobrevivente do culto anterior.
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A negação total do poder da mulher na sociedade grega é decorrente do governo de uma série de ditadores homens. Sólon, que governou Atenas na virada do século VI a. C., foi o principal deles, tendo institucionalizado os papéis das mulheres na sociedade grega. Passaram a existir as “boas mulheres”, submissas – e as outras. Foi também Sólon quem, percebendo os lucros obtidos pelas prostitutas – tanto as comerciais quanto as sagradas -, organizou o negócio, criando bordéis oficiais, administrados pelo Estado. Neles, havia grande exploração das mulheres, que eram praticamente escravas. Junto com os bordéis oficiais, muitas meretrizes independentes exerciam o seu comércio, apesar da legislação de Sólon. “Pela primeira vez na História, as mulheres estavam sendo cafetinadas – oficialmente. (…) Assim, de mãos dadas, nasceram a cafetinagem estatal e privada”, afirma Nickie.
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Maria Regina Cândido, historiadora da UERJ, lembra que foi a pressão sobre a terra, com o grande aumento da população grega, que levou Sólon a criar os primeiros bordéis. Isso porque ele trouxe para a região estrangeiros ceramistas, com o intuito de ensinar à população excedente uma nova atividade, já que a agricultura não absorvia mais a todos.
“Para que os estrangeiros não molestassem as esposas e filhas de cidadãos gregos, ele criou um espaço de prostituição oficial na periferia da cidade, os bordéis”, explica a coordenadora do NEA.
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Segundo Maria Regina, as prostitutas ficavam em frente ao cemitério, na região do cerâmico, onde estavam instaladas as oficinas dos ceramistas, e também na região do Porto do Pireu, onde eram chamadas de pornes, daí vem a palavra pornografia.
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As prostitutas dos bordéis eram estrangeiras, trazidas para a Grécia exclusivamente para cumprir esse papel. Mas muitas mulheres gregas, depois de casamentos desfeitos por suspeita de traição ou outros desvios de comportamento, não viam outro caminho a não ser prostituir-se. Essas, estigmatizadas, juntavam-se às estrangeiras nos bordéis oficiais.
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SÍMBOLO ÀS AVESSAS
Maria Madalena, famosa prostituta arrependida da Galiléia, representa que, para ser salva, a mulher precisa abandonar a profissão. Conhecida como a ex-prostituta da Galiléia, Maria Madalena foi uma das mais fiéis seguidoras de Jesus Cristo. De acordo com a Bíblia, ela estava presente em sua crucificação e em seu funeral. Foi ela quem encontrou vazio o túmulo de Jesus, ouviu de um anjo que ele havia ressuscitado e foi dar a notícia aos apóstolos.
Prostituta com papel de destaque na história de Cristo – foi, inclusive, canonizada pela igreja católica -, Maria Madalena poderia ter se tornado um símbolo na luta pela aceitação da atividade. Mas o que ocorreu foi o contrário: como personificou o estereótipo de “prostituta arrependida”, acabou por disseminar uma imagem negativa sobre a prostituição, ao reforçar a idéia de que é preciso abandonar a atividade para redimir-se dos pecados e ser perdoada por Deus.
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Durante a Idade Média, as prostitutas atuantes eram excomungadas da igreja católica. Mas as que se arrependiam eram perdoadas e aceitas pela sociedade. Houve até um movimento de conversão, em que a igreja estimulou fiéis a “recuperar” prostitutas e casar-se com elas. Também surgiram comunidades monásticas de ex-prostitutas convertidas, que receberam o nome de “Lares de Madalena”. Elas proliferaram pela Europa, tendo sido financiadas, em sua maioria, pelo clero. Além de Maria Madalena, a igreja enalteceu diversas outras prostitutas que salvaram suas almas pelo arrependimento, como Santa Pelágia, Santa Maria Egipcíaca, Santa Afra e outras.
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O curioso é que nenhuma passagem na Bíblia afirma que Maria Madalena foi prostituta. Os textos sagrados a mencionam como pecadora, de quem Jesus expulsou sete demônios, mas não especificam qual seria seu passado. Provavelmente, o que a levou a ser vista como prostituta foi a identificação com um relato de Lucas (7:36-50) sobre uma pecadora anônima, descrita de forma a sugerir ser uma prostituta, que em certa passagem unge os pés de Cristo. O relato de Lucas, a respeito de tal mulher arrependida, antecede a citação nominal de Maria Madalena. No Ocidente cristão, a versão de que Maria Madalena seria essa mulher foi a mais difundida. No Oriente, a mulher anônima e Maria Madalena são vistas como pessoas diferentes.
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As prostitutas do templo de Afrodite deixaram de ser vistas como sacerdotisas e viraram escravas. Muitas prostitutas eram cultas e instruídas, e cumpriam o papel de entreter os líderes daquela sociedade. Cobravam alto preço por sua companhia e podiam ou não ceder aos desejos sexuais do cliente. São as hetairae, amantes e musas dos maiores poetas, artistas e estadistas gregos, explica Maria Regina. “As hetairae conduziam seus negócios abertamente em Atenas, trabalhando independentemente tanto dos bordéis do Estado quanto dos templos”, diz Nickie.
A prostituição sagrada também sobreviveu, embora timidamente, durante o período da Grécia clássica. Havia templos em toda a Grécia, especialmente em Corinto – dedicado à deusa Afrodite. As prostitutas do templo não mais eram vistas como sacerdotisas, eram tecnicamente escravas. Mas, por serem consideradas criadas da deusa, mantinham a aura de sacralidade e eram homenageadas pelos clientes. “Demóstenes pagava caro por essas prostitutas. Ele ia de Atenas até Corinto só para ter relações sexuais com elas”, diz
Maria Regina.
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LIVRES NO IMPÉRIO ROMANO
Roma foi diferente da Grécia. Até o início da República, a prostituição não era tão disseminada no território romano. “Roma ainda era muito provinciana, fechada”, explica Ronald Wilson Marques Rosa, historiador e pesquisador do NEA/UERJ. A prostituição apenas se difundiu com a expansão militar do império romano e a conquista de escravos.
Antes desta expansão, há indícios de que entre os primeiros romanos, que eram povos agrícolas, existia a antiga religião da deusa, diz Nickie Roberts. Ela também afirma que, em tempos posteriores, a prostituição religiosa estava ligada à adoração da deusa Vênus, que era considerada protetora das prostitutas.
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Após a expansão militar e territorial, “os escravos eram os prostitutos, tanto homens quanto mulheres. E não havia estigmatização, não era algo mal-visto. Era normal o uso comercial do escravo para a prostituição. E, muitas vezes, eles usavam esse dinheiro para conseguir a liberdade”, diz Ronald Rosa.
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De acordo com Nickie, Roma foi uma sociedade sexualmente muito permissiva. ”Eles escarneciam de qualquer noção de convenção moral ou sexual e desviavam-se de toda norma que houvesse sido inventada até então”, afirma. A grande expansão urbana favoreceu o crescimento da prostituição. A vida era barata, e o sexo, mais barato ainda, diz a autora. Prostituição, adultério e incesto permearam a vida de muitos imperadores romanos. “Falando de modo geral, a prostituição na antiga Roma era uma profissão natural, aceita, sem nenhuma vergonha associada a essas mulheres trabalhadoras”, comenta Nickie.
A vida permissiva levava mulheres a rejeitar o casamento, a ponto de o imperador Augusto estabelecer multas para as moças solteiras da aristocracia em idade casadoira. Muitas se registraram como prostitutas para escapar da obrigação. O sucessor de Augusto, Tibério, proibiu as mulheres da classe dominante de trabalhar como prostitutas.
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Diferente da Grécia, os romanos não possuíam e nem operavam bordéis estatais, mas foram os primeiros a criar um sistema de registro estatal das prostitutas de classe baixa. Isso resultou na divisão das prostitutas em duas classes, explica Nickie: as meretrices, registradas, e as prostibulae (fonte da palavra prostituta), não registradas.
A maior parte não se registrava, preferia correr o risco de ser pega pela fiscalização, que era escassa.
CONDENADAS NA IDADE MÉDIA
Com o declínio do Império Romano, começou a Idade Média. Os invasores, guerreiros bárbaros, organizam a vida não mais em grandes cidades e sim em aldeias agrícolas, que não favoreciam a prostituição como a vida urbana. “As artes civilizadas do amor, do prazer e do conhecimento – o erótico e os demais – desapareceram durante a Idade das Trevas. (…) a antiga tradição de uma sensualidade feminina orgulhosa e exaltadora desapareceu para sempre”, afirma Nickie Roberts. A igreja cristã perpetua-se e reprime a sexualidade feminina, ao censurar a prostituição.
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Apesar de condenada, a prostituição foi tolerada pela igreja, que a considerou “uma espécie de dreno, existindo para eliminar o efluente sexual que impedia os homens de elevar-se ao patamar do seu Deus”, explica Nickie. A igreja condenava todo relacionamento sexual, mas aceitava a existência da prostituição como um mal necessário. De acordo com Jacques Rossiaud, autor de A Prostituição na Idade Média, “pode-se afirmar, sem receio de erro, que não existia cidade de certa importância sem bordel”.
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Havia bordéis públicos, pequenos bordéis privados e também casas de tolerância - os banhos públicos. Além disso, continuavam a existir as prostitutas que trabalhavam nas ruas. Em tese, o acesso aos prostíbulos públicos era proibido para homens casados e padres, mas eles encontravam meios de burlar a legislação. Rossiaud escreve que as prostitutas não eram marginais na cidade, mas desempenhavam uma função.
Nem eram objeto de repulsão social, podendo, inclusive, ser aceitas na sociedade e casar-se depois que deixassem a vida de prostituta.
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A liberdade sexual só era tolerada para os homens. As mulheres casadas e suas filhas, de boa família, deviam temer a desonra. Mas, de acordo com Rossiaud, essa liberdade masculina não sobreviveu à “crise do Renascimento”. Houve uma progressiva rejeição da prostituição, que revelava nas comunidades urbanas a precariedade da condição feminina. “Lentamente, a mulher conquistou uma parte do espaço cívico, adquiriu uma identidade própria, tornou-se menos vulnerável”, explica Rossiaud. E houve uma revalorização do casal.
Prostituição e violência aparecem pela primeira vez associadas, devido a brigas, disputas e assassinatos nos locais públicos. Autoridades municipais, apoiadas pela Igreja, passaram a coibir a prostituição que, a partir de então, “aparecia como um flagelo social gerador de problemas e de punições divinas”, afirma Rossiaud. Um após outro, os bordéis públicos foram desaparecendo. “A prostituição não desapareceu com eles, mas tornou-se mais cara, mais perigosa, urdida de relações vergonhosas”, diz Rossiaud. Para o autor, foi o “duplo espelho deformante do absolutismo monárquico e da Contra-Reforma” que fizeram parecer “decadência escandalosa o que era apenas uma dimensão fundamental da sociedade medieval.”
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UMA PATOLOGIA PARA A MODERNIDADE
Na modernidade, segundo Margareth Rago, professora titular do departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de “Os Prazeres da Noite”, a prostituição ganhou feições diferenciadas. Isso porque as mulheres conquistam maior visibilidade e atuação na sociedade. Surgiram novas formas de sociabilidade e de relações de gênero, com a criação de fábricas, escolas e locais de lazer e consumo. “Foram outros modos de vida, nos quais a mulher vai ter maior participação”, diz Margareth. Apesar da modernização dos costumes, a sociedade ainda é conservadora em relação às prostitutas.
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Nesse contexto, nasceu o feminismo e a mulher reivindicou o direito de trabalhar e de estudar. O discurso sobre a prostituição ficou forte nesse período e virou debate médico e jurista. “Há um uso, não consciente, da prostituição para dizer que mulher direita não fuma, não sai de casa sozinha, não assobia na rua, não goza. O médico vai dizer que a mulher não tem muito prazer sexual, ela tem desejo de ser mãe. Já o homem tem e, por isso, precisa da prostituta” , afirma Margareth. De acordo com Margareth, é nessa época que as prostitutas passam a ser condenadas como anormais, patológicas, sem-vergonhas; uma sub-raça incapaz de cidadania. E a justificativa vai vir de teorias médico-científicas. “O que acontece é que a medicina do século XVIII usa os argumentos misógenos de Santo Agostinho e de São Paulo, e fundamenta cientificamente o preconceito contra a prostituta”, explica Margareth. “Diz que a prostituta é um esgoto seminal, uma mulher que não evoluiu suficientemente. São pessoas que têm o cérebro um pouco diferente, o quadril mais largo, os dedos mais curtos. Criam toda uma tipologia” , diz Margareth.
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Para a autora de “Os Prazeres da Noite”, podemos diferenciar a imagem que se construiu da prostituta na modernidade para a visão que temos dela hoje em dia: ”Nos últimos 40 anos, mudou muito. O sexo está deixando de ser patológico, de estigmatizar o que pode e o que não pode. Não sei se acontecem mais coisas na cama de casados ou de uma prostituta. ”
“A revolução sexual transformou os costumes. Mas a sociedade ainda é conservadora e há forte preconceito contra essas mulheres”, diz Margareth.
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REFERÊNCIAS
ROSSIAUD, Jacques. A Prostituição na Idade Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. 224 pág.
RAGO, Margareth. Os Prazeres da Noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). São Paulo: Paz e Terra, 2008. 360 pág.

10 mulheres fantásticas que lideraram rebeliões


Homens revolucionários como Che Guevara são rotulados como heróis por liderarem as principais rebeliões contra “o Homem”. Porém, esquecidas pela história são mulheres que assumiram poderes muito maiores do que Fulgencio Batista. Ao longo dos séculos, elas estiveram à frente de rebeliões e revoluções que tomaram o poder do Império Romano e da grande riqueza da Companhia Britânica das Índias Orientais. Confira:

10. Yaa Asantewaa

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Yaa Asantewaa, descrita como a Joana D’Arc africana, foi Rainha Mãe da região Edweso, parte do antigo Reino Asante e agora Gana moderna. Nascida por volta de 1830, ela era a irmã de Kwasi Afrane Panin, que se tornou chefe de Edweso quando Yaa era jovem. Nas proximidads ficava a chamada Costa do Ouro, de onde os britânicos conduziram uma campanha contra o Império Asante, taxando, convertendo e tomando o controle de grandes áreas de seu território tribal, incluindo minas de ouro.

Quando o Asante começou a resistir à dominação britânica, o governador Lord Hodgson decidiu tomar o Sika ‘dwa, uma espécie de trono sagrado daquele povo e símbolo de sua independência. Para impor as suas exigências, o capitão C. H. Armitage foi enviado para intimidar a população. Armitage ia de aldeia em aldeia batendo em crianças e adultos, na esperança de obter o trono. Eventualmente, o Rei de Asante, Nana Osei Agyeman Prempeh I, junto com 55 de seus chefes e parentes, foram forçados ao exílio.
Pouco tempo depois, em 28 de março de 1900, o que restou da monarquia foi reunido e o capitão britânico exigiu mais dinheiro. Yaa, a única mulher presente, fez um famoso discurso para os britânicos, no qual se recusava a pagar mais de seus impostos. Ela também ofereceu suas roupas íntimas em troca das tangas de qualquer chefe Asante não disposto a lutar governo imperial tirânico.
Este discurso provocou a Guerra de Independência Yaa Asantewaa, que começou naquele mesmo dia. Como líder da revolução, Yaa montou um exército pessoal de mais de 4.000 soldados. Durante três meses, ela foi capaz de sitiar a fortaleza britânica em Kumasi. Depois de sofrerem baixas no combate inicial, reforços britânicos da Nigéria precisaram ser chamados para lidar com a problemática Yaa. Utilizando tecnologia superior, a tática da terra arrasada e recompensas financeiras para os traidores, a Rainha Mãe foi presa em 3 de março de 1901. Ela foi enviada para o exílio, onde acabou por morrer aos 90 anos.

9. Corazon Aquino

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Corazon “Cory” Aquino era uma mulher filipina que, em 1986, liderou o primeiro governo democraticamente eleito das Filipinas desde antes da ocupação japonesa. Nascida em 1933, casou-se com Benigno “Ninoy” Aquino depois de se formar na Mount St. Vincent College, em Nova York (EUA). Ninoy Aquino tornou-se um crítico ferrenho do ditador das Filipinas, Ferdinand Marcos, que estava no controle do país desde 1965. Em 1972, Ninoy foi detido pela polícia, preso por oito anos e depois exilado para os EUA. Quando ele foi autorizado a voltar para casa, em 1983, foi assassinado pelo governo no momento em que chegou.

Esta execução sangrenta, juntamente com uma economia em declínio, deram à oposição de Ferdinand um impulso. Cory, indignada com a morte do marido, assumiu o controle da oposição, apesar da possibilidade de estar potencialmente enfrentando o mesmo destino que ele. Em 1985, uma eleição encenada foi realizada para legitimar o governo de Marco. Relutante em se candidatar num primeiro momento, ela só fez isso depois de receber um livro de um milhão de assinaturas que expressavam apoio à sua campanha.
Durante um debate, depois de ter sido agredida verbalmente por seu gênero e inexperiência política, Cory mostrou um dedo do meio metafórico a Marco, concordando que ela “não tinha experiência em enganar, mentir para o povo, roubar o dinheiro do governo e matar adversários políticos”.
No final da eleição, em fevereiro de 1986, Marco “ganhou” com uma grande porcentagem dos votos. O Senado dos EUA e Igreja Católica acusaram o ditador de fraude eleitoral e Cory pediu protestos pacíficos, greves e boicotes. O movimento ficou conhecido como People Power Revolution – freiras e famílias inteiras, incluindo crianças, participaram do momento histórico. Em uma última tentativa de recuperar o controle da população, Marcos ordenou ao exército disparar contra os revolucionários pacíficos. Os militares se recusaram a seguir suas ordens e muitos desertaram ou retornaram às suas bases.
Até o final de fevereiro, o ditador foi forçado a fugir e Corazon Aquino tornou-se presidente de um governo democraticamente eleito.

8. Laskarina Bouboulina

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Laskarina Bouboulina era uma comandante naval grega e capitã revolucionária que lutou na bem-sucedida Guerra da Independência grega contra os otomanos. Em maio de 1771, Laskarina nasceu durante a visita de sua mãe a uma prisão de Constantinopla. A menina era filha de um capitão naval grego que tinha sido preso e separado de sua esposa grávida durante um golpe de Estado fracassado contra o Império Otomano.

Após a morte de seu pai, Laskarina mudou com sua mãe para a ilha de Spetses. Foi lá que se casou duas vezes, ambas em famílias ricas. Usando o dinheiro que ela tinha recebido a partir dessas relações, construiu quatro navios, incluindo o Agamenon, um dos maiores navios da época. Bouboulina tornou-se a única mulher a participar do Filiki Etairia, um movimento revolucionário grego que tinha o intuito de expulsar os otomanos. Em 13 de março de 1821, 12 dias após o grupo começar a Guerra da Independência, Laskarina levantou a primeira bandeira revolucionária do conflito sobre a ilha de Spetses.
Em 3 de abril, Spetses se juntou à revolução, seguida pelas ilhas de Hydra e Psara. Agora comandando oito navios, Laskarina juntou-se ao bloqueio da fortaleza otomana em Nafplion. Mais tarde, ela atacou Monemvasia e Pylos, gastando quase toda sua enorme fortuna apenas nos dois primeiros anos da guerra que, ao final, levou à criação de um Estado grego.
Como a Grécia tornou-se fragmentada em facções, Laskarina foi presa duas vezes antes de ser exilada em Spetses. Sem um fim heróico, ela mais tarde foi baleada em uma disputa familiar. Não há dúvida, porém, que sem os seus navios, dinheiro e comando, a revolução poderia não ter sido bem sucedida.

7. Rainha Mavia da Arábia

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Mavia era uma rainha guerreira que enfrentou o poder de Roma e venceu. Após a morte de seu marido, al-Hawari, que não tinha herdeiro do sexo masculino, Mavia tornou-se rainha dos sarracenos que habitavam o sul da Palestina e norte do Sinai em torno de 375 aC. Até aquele momento, a tribo de Mavia tinha sido constantemente subjugada pelo poder do Império Bizantino, a frente leste do Império Romano.

Quando o Imperador Romano Valens solicitou que Mavia mandasse soldados mercenários para lutar contra os godos, surgiu um conflito a respeito dos termos do acordo. A revolta eclodiu à medida que Mavia procurava provar-se competente, enfrentando a superpotência de Roma. A revolta foi tão rápida e eficaz que tem sido comparada à Blitzkrieg alemã.
Cidades nas fronteiras da Palestina e da Arábia sucumbiram rapidamente sob ataque de suas forças. Ataques surpresa seguidos por massacres foram decretados contra Fenícia, Palestina e até mesmo lugares tão distantes quanto o Egito. Províncias romanas foram reduzidas a ruínas e os exércitos romanos enviados às pressas para lidar com Mavia foram derrotados ou obrigados a fugir. Em um mosteiro no Sinai, os exércitos da rainha foram capazes de massacrar os monges relativamente sem oposição.
Enfraquecido e incapaz de conter a rainha guerreira, Valens foi forçado a fazer um acordo de paz nos termos de Mavia. Um monge local escolhido pela rainha foi eleito como bispo da região, dando à tribo muito mais liberdade. Sua filha também foi casada com um oficial militar proeminente de Valens, dando a Mavia acesso interno à administração romana.

6. Kittur Rani Chennamma

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Kittur Rani Chennamma era uma rainha indiana que lutou contra a Companhia Britânica das Índias Orientais. Ela nasceu na pequena aldeia de Kakati em 1778. Desde tenra idade, andava a cavalo e treinava arco e flecha e esgrima. Aos 15 anos, casou-se com Chennamma Mallasarja Desai, governante de Kittur, um pequeno principado indiano. Seu marido morreu em 1816 e seu único filho morreu pouco depois.

Chennamma, agora o governante legítima, mas não reconhecida, de Kittur, adotou um filho na tentativa de continuar a linhagem real. No entanto, para assumir o controle da Índia, o governo britânico e a Companhia das Índias Orientais aplicaram a Doutrina da Preempção.
Esta declaração proibia governantes nativos de adotar crianças se não tivessem nenhum filho biológico. Ou seja, após a morte do governante, a terra se tornaria território britânico. Não reconhecendo a criança adotada como governante, o Estado de Kittur caiu sob o controle da insanamente poderosa Companhia Britânica das Índias Orientais, sob as ordens do Sr. Chaplin, comissário da região. Rani se recusou a reconhecer o governo britânico de seu povo e encontrou as forças britânicas com um exército próprio quando elas entraram em Kittur.
Centenas de soldados britânicos foram mortos na batalha que se seguiu, juntamente do Sr. Thackeray, o governante de Kittur indicado pelo governo britânico. Eventualmente, exércitos imperiais muito maiores de Mysore e Sholapur cercaram a rainha em sua fortaleza. Ela segurou o cerco britânico por 12 dias, até que traidores sabotaram seus suprimentos de pólvora. Depois de sua derrota, Kittur Rani Chennamma foi mantida presa até sua morte, em 1829. Apesar de não ter obtido sucesso, Chennamma agiu como uma heroína e foi um símbolo durante o Movimento de Libertação.

5. Leymah Gbowee

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Leymah Gbowee, juntamente com as mulheres da Libéria, organizou um movimento pacífico que conseguiu pôr fim a uma guerra civil que matou mais de 250 mil pessoas em 14 anos. O presidente Charles Taylor chegou ao poder após uma revolução sangrenta que ocorreu no período de 1980 até 1995. Logo após sua eleição, Taylor começou a apoiar matanças étnicas e peculato. Isso levou a um novo conflito no país, a Segunda Guerra Civil da Libéria, que começou em 1999 e foi caracterizada por sua brutalidade e o uso de crianças como soldados.

Nascida na região central da Libéria em 1972, Leymah rapidamente se tornou envolvida na violência que se alastrou e destruiu o país. Ela recebeu treinamento para ser conselheira de trauma para meninas e mulheres estupradas por milícias, também trabalhando na conturbada República Democrática do Congo. Em 2002, Leymah organizou o movimento Women of Liberia Mass Action for Peace. Mulheres de diversas origens se reuniram para orar e cantar em público, exigindo paz. Fazendo piquetes, jejuando e ameaçando uma “greve de sexo”, as mulheres arriscaram suas vidas em protestos na capital, para exigir que Charles Taylor fizesse algo para acabar com o conflito.
Depois da pressão feminina e condenação internacional, o presidente brutal finalmente voou para a região neutra de Gana para as negociações de paz. As mulheres o seguiram até lá para continuar os seus esforços. A violência terminou em 2003, com Taylor forçado a renunciar e preso por Haia por crimes contra a humanidade. Eleições democráticas em 2005 levaram ao poder Ellen Johnson Sirleaf, eleita pelo povo como a primeira mulher chefe de Estado em um país africano.
Leymah Gbowee recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2011.

4. Condessa Emilia Plater

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A condessa Emilia Plater, nascida de patriotas poloneses em Wilno (Lituânia) em 13 novembro de 1806, cresceu ressentindo a Rússia, que estava governando faixas da Polônia e suprimindo costumes poloneses durante o século XIX. Os pais de Emília se separaram quando ela era jovem e seu pai, o conde, tinha pouco contato com ela. Ela aprendeu a lutar com seus primos, tornando-se uma boa esgrimista. Em 1831, a notícia da Insurreição de Varsóvia, em fevereiro de 1830, chegou a Wilno. Patriotas começaram a planejar sua própria rebelião, não permitindo Emilia em suas reuniões por causa de seu gênero.

Ela cortou os cabelos e preparou um uniforme para si mesma para que pudesse se juntar à revolução. Às suas próprias custas, reuniu e montou uma força de 500 combatentes lituanos. Em 30 de março de 1831, seu exército enfrentou uma patrulha da cavalaria russa. Mais tarde, em 2 de abril, ela forçou uma divisão de infantaria a recuar.
Em sua maior façanha, Emilia e seu grupo tomaram a cidade de Jeziorosy. Mais tarde, ela juntou forças com Karol Zaluski, outro líder de uma unidade revolucionária. Junto com os homens de Konstanty Parczewski, Emilia provou-se nas batalhas de Kowno e Szawle, ganhando o posto de capitã em campo. Em 23 de dezembro de 1831, a Condessa da Revolução faleceu depois de ficar fatalmente doente durante a revolta infrutífera.

3. Nanny dos quilombolas

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Nanny, ilustrada na nota de 500 dólares jamaicanos, foi a líder de um grupo de escravos que se revoltaram contra seus opressores britânicos. A rainha Nanny nasceu na escravidão em algum momento durante a década de 1680, uma filha da Costa do Ouro, que atualmente é Gana. Em algum momento Nanny, supostamente de sangue real, foi capaz de escapar de uma colônia britânica na Jamaica e levar um grupo de escravos às áreas montanhosas no interior da ilha. Logo, grandes comunidades de ex-escravos, que se autodenominavam quilombolas, tinham nascido. Nanny Town, fundada por volta de 1723, foi a primeira e, de longe, a maior dessas comunidades. A partir desta cidade, Nanny foi capaz de conduzir ataques contra as plantações, a fim de libertar escravos.

No entanto, a revolução rapidamente chamou a atenção dos britânicos. Uma série de campanhas contra os quilombolas problemáticos foram lançadas e Nanny foi forçada a liderar seu povo em uma operação de defesa da guerrilha. Para explorar a natureza defensiva do interior da Jamaica, Nanny assegurou que os assentamentos dos quilombolas fossem construídos no alto das montanhas. Muitas vezes, eles tinham apenas um acesso, o que significa que soldados britânicos eram facilmente abatidos por um pequeno número de quilombolas para quem Nanny tinha ensinado a arte da camuflagem.
Nanny Town, em si, foi atacada em várias ocasiões: em 1730, 1731, 1732, e por diversas vezes em 1734. Um ataque britânico em 1734 conseguiu assumir o controle do local, o que obrigou Nanny e os sobreviventes a fugirem e encontrarem um novo campo, a partir do qual se mostraram ainda mais desafiadores. Alguns historiadores sugerem que Nanny foi treinada na arte de pegar balas com as mãos.
Embora Nanny e seu povo tenham enfrentado ataques quase constantes e a fome, eles permaneceram unidos e fortes contra os britânicos. Em 1739-1740, estes assinaram um tratado de paz com os quilombolas, dando-lhes 500 hectares de terra para chamar de seus. Nanny, uma heroína nacional da Jamaica, recebe os créditos pela preservação da cultura e da liberdade de seu povo e é um poderoso símbolo da resistência à escravidão.

2. Toypurina

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Toypurina era uma curandeira nativa norte-americana que se opôs a colonização espanhola de suas terras tribais. Em 1771, quando apareceu o primeiro espanhol, Toypurina era uma menina de 10 anos de idade que testemunhou em primeira mão o sofrimento que o seu povo, a Nação Kizh, encarou nas mãos deles. Em um exemplo, depois que os colonos tinham reivindicado terreno para construir a missão de San Gabriel Arcanjo, a esposa de um chefe local foi estuprada por soldados da missão espanhol. Quando o chefe protestou, ele foi morto e teve a cabeça presa em uma lança como um exemplo.

Após a construção da missão, Toypurina viu mais de mil nativos norte-americanos serem subornados ou forçados a se converter ao cristianismo. Estes convertidos eram frequentemente utilizados como escravos no trabalho agrícola.
Conforme Toypurina cresceu, se tornou uma influente curandeira e xamã. Em 1785, um membro indígena da missão, Nicolas Jose, contactou Toypurina. Jose estava irritado porque a missão proibia a dança tradicional da tribo. Juntos, eles conspiraram para provocar uma rebelião contra os espanhóis. Também receberam o apoio do irmão de Toypurina, de um chefe da nação Kizh e guerreiros de oito aldeias.
Para ter alguma chance contra os mosquetes e artilharia dos espanhóis, Toypurina planejava matar os líderes da Igreja espanhola com magia, permitindo que guerreiros nativos facilmente tomassem a força de defesa. Certa noite, escalando a parede com dezenas de guerreiros em uma noite sem lua, o grupo de ataque correu para os quartos dos sacerdotes da missão. Duas figuras estavam imóveis no chão, como se a magia do xamã tivesse funcionado. De repente, os corpos se levantaram – os dois padres mortos eram, na verdade, soldados espanhóis disfarçados, que soltaram um grito de reforços. Em segundos, os rebeldes nativos americanos foram cercados.
Os espanhóis haviam sido avisados sobre o ataque e, no final das contas, a magia não é uma arma muito eficaz. Dois meses mais tarde, quando os líderes rebeldes foram levados a julgamento, eles se voltaram contra Toypurina, dizendo que ela era uma bruxa que os tinha controlado. Toypurina usou o julgamento para dizer a seu povo para lutar contra os homens brancos que invadiam suas terras e espoliavam suas tradições e também aconselhou que não tivessem medo dos “pedaços de madeira espanhóis que cospem fogo”. Toypurina foi condenada ao exílio e, possivelmente, ao batismo forçado em uma missão espanhola, onde passou o resto de sua vida.

1. Margarita Neri

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A Revolução Mexicana começou em 20 de novembro de 1910 e se prolongou até a década de 1920. Foi uma tentativa dos revolucionários de derrubar o governador e ditador Porfirio Díaz Mori e implementar uma Constituição, que teria como objetivo garantir vida mais justa para as classes agrícolas. O conflito foi sangrento, com cerca de 900 mil pessoas perdendo suas vidas. Essa vastidão de morte e destruição significava que ambos os lados estavam mais do que dispostos a envolver as mulheres e crianças no combate.

Um exército de 5.369 revolucionários inspecionados por autoridades norte-americanas incluía 1.256 mulheres e 554 crianças. Enquanto as crianças principalmente faziam pilhagens e cozinhavam, as mulheres geralmente eram armadas e lutavam ao lado dos homens. Apesar de enfrentar a desigualdade constante e o sexismo, as mulheres ainda estavam dispostas a desempenhar um papel importante na eventual queda de Mori. Essas soldados do sexo feminino que o lado revolucionário trouxe à ação foram chamadas de soldaderas.
Talvez a mais famosa de todas as soldaderas foi Margarita Neri, que não só lutou na guerra, mas também atuou como comandante. Descendente de maias e holandeses de Quintana Roo, a partir de 1910 ela comandou uma força de mais de mil que varreu Tabasco e Chiapas saqueando, queimando e matando. Neri foi tão eficaz em sua matança de tropas antirrevolucionárias, que o governador de Guerrero se escondeu em uma caixa e fugiu da cidade assim que soube de sua aproximação. Se Margarita lutou pela revolução diretamente, sob o comando de Francisco Madero, ou se sua unidade trabalhou independentemente, permanece um mistério. O que é claro como o dia é que ela e seus soldados eram uma séria ameaça para o governo, com Neri prometendo ela mesma decapitar Diaz. [Listverse]