Por Carola Chávez.
Lembro até onde minha memória consegue lembrar, que sempre houve quem se sentisse incômodo por possuir a nacionalidade venezuelana que, segundo eles, é uma nacionalidade de terceira. Esses que fingem sotaques no exterior para serem confundidos com os nativos, eles que morriam de nojo frente a uma arepa[1] quando tinha tantos croissants, tantas quarter pounders, tantas deliciosas New York cheesecakes, e que agora, repentinamente, acreditam ter recuperado seu ser venezuelano.
Mais não se confundam, não se refere ao ser venezuelano do povo, aquele que cheira a terra molhada, a sabonete matinal dentro do ônibus, o ser que não se contém quando escuta um tambor, o salseiro, o festeiro, aquele que ri a gargalhadas cada vez que a vida lhe dá um motivo, o que encontra motivos para rir mesmo quando a vida os negue.
Eles descobriram um ser venezuelano sintetizado meio de aqui muito de lá. São venezuelanos envasados com ingredientes seletos trazidos das mais exóticas paragens maiameiras[2]. Vibram com o hino quando o escutam de longe, se amarram a bandeira ao pescoço como a capa do Superman, dançam ao som dos tambores em casamentos elegantíssimos e quando agonizam de amor pátrio cantam “Savaaaaaanaaaaaa!!!” e mais nada, porque nunca escutaram o restante da música.
Pensam que a Venezuela é um país que lhes fora usurpado a seus legítimos donos: eles. Por isso decidiram construir um país paralelo, com outra bandeira, com outro fuso horário, com outra moeda, com um presidente colombiano, com um rei que os mande calar, um exército de chicanos[3], negros e brancos pobres que lhes traga o sossego com suas bombas inteligentes.
Acontece que seu país não tem pretensões de soberania, para eles entregar o que pertence a todos para beneficio próprio é um ideal. O país que querem não tem dignidade, abririam as suas portas para que o pisotearam as botas de qualquer exército e se uniriam a elas para acabar com seus compatriotas não desejados. O país que eles querem não clama por justiça e a liberdade se leiloa ao melhor proponente.
Sonham com um país de escravos de distintas categorias, mas escravos todos de um poder voraz, que lhes deixa migalhas para que eles as recolham enquanto se sentem honrados por tal distinção.
Sonham com um país que conhecemos de perto porque existiu faz pouco tempo. Aquele, com sua bandeira de sete estrelas, seu hino, o mesmo que cantamos agora, mas que antes nos soava oco, triste, ultrajado. Com seu povo dormido pela desesperança e suas vinte barrigas de gravatas escondidas em baixo de papadas inchadas de gula e egoísmo.
Sonham com ter aquele país que sempre lhes envergonhou. A Venezuela de ladrões, a feia, aquela das crianças mortas de diarréia, da fome, a ignorante, aquela das esperanças rotas, a que só caminhava para trás. Sonham pesadelos enquanto dormem tão tranqüilos. Isso não é sonhar, isso não é pensar, isso não tem nome o pior ainda, ou tem sim: isso é ser apátridas.
Os apátridas não sei se chama-los de compatriotas, não é coerente, não queremos o mesmo, enquanto avançamos nos põem pedras esperando nos ver cair, nos odeiam, nos têm nojo, nos têm medo.
E claro que nos devem temer, não os culpo, nada como a mediocridade que eles semearam para se manter vivos. Medíocres eles que não souberam ver o momento em que povo acordava, medíocres eles que não têm idéia de como viver em un país livre.
Medíocres porque temem ao povo educado, consciente e disposto a lutar por sua pátria, a de todos, incluso a deles, os apátridas.
Venezuelanos de sete estrelas, isso são, que é o mesmo que não ser nada. Sofrem nossas conquistas como terríveis derrotas, celebram os ataques a nosso país como se não fosse o país deles e o fazem aos berros sem sentir a mais mínima vergonha. Não percebem o desprezíveis que são para nós e para nossos inimigos.
Na hora da submissão, hora que esperamos que nunca chegue, se dariam conta, tarde demais, que o sangue de todos nossos filhos se derramaria por igual, que para seus “gringos salvadores’’ os destroços que ocasionam em nome “da liberdade’’ são danos colaterais e mais nada.
Não sei se chamá-los compatriotas… pôxa...
Versão em português: Tali Feld Gleiser de América Latina Palavra Viva
[1] Arepa: f. amer. Pastel de milho seco que geralmente se serve com recheio de carne.
[2] De Miami.
[3] adj. e s. Do cidadão de origem mexicana que reside nos Estados Unidos de América ou relacionado con ele.