No início dos anos 1970, quando o barril de "ouro negro" valia menos de US$ 2, ninguém jamais iria imaginar que um presidente americano se encontraria um dia na situação de ser obrigado a implorar perante o rei da Arábia Saudita por um aumento da produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), com o objetivo de forçar uma redução dos preços. O Ocidente, entretanto, chegou a este ponto.
Por Jean-Michel Bezat, para o Le Monde
Depois de esbarrar numa primeira recusa grosseira, em meados de janeiro, George W. Bush voltou a insistir neste pedido, na sexta-feira (16/05), por ocasião do seu encontro em Riad com o rei Abdala. A tentativa fracassou mais uma vez, pois tudo o que o presidente americano conseguiu foi um aumento limitado e temporário.
Já vai longe a época em que a Standard Oil of New Jersey, a Anglo-Persian, a Gulf Oil e suas quatro outras "irmãs" dominavam o mercado mundial. O tempo em que o presidente Roosevelt conseguiu obter do então rei Ibn Saud a abertura dos poços sauditas para as companhias estrangeiras em troca da proteção militar americana (1945). A época em que era possível derrubar impunemente o primeiro-ministro iraniano Mossadegh (1953), culpado de ter nacionalizado os hidrocarbonetos. O tempo em que fingiam acreditar que o petróleo era uma riqueza inesgotável.
O poder de mercado mudou de lado. Ele escapou dos países consumidores e das grandes multinacionais do setor (Exxon, Chevron, Shell, BP). A evolução do preço de referência do barril (que se aproxima atualmente de US$ 130) está sendo decidida nos bastidores do Kremlin e nas obscuras ante-salas do poder iraniano, no meio dos manguezais nigerianos e nas ribanceiras do Orenoco venezuelano, nos corredores vienenses da Opep e nas agitadas salas da New York Mercantile Exchange (NYMEX, a bolsa especializada na energia e nos metais). E, sobretudo, nos palácios sauditas.
Duzentos dólares
O mundo está vivendo um terceiro choque do petróleo - mais lento do que os anteriores, de 1973 e de 1980. O preço do barril, cujo montante foi multiplicado por seis no espaço de seis anos, é hoje mais elevado em dólares constantes do que era no início de 1981. O seu preço poderá eventualmente refluir de dez ou vinte dólares dentro dos próximos meses, mas nada é menos certo. Alguns analistas tão influentes como os do banco de negócios Goldman Sachs prevêem a manutenção da sua cotação em US$ 141 em média no decorrer do segundo semestre, e em US$ 148 em 2009. A OPEP, por sua vez, não exclui mais que ele venha a alcançar US$ 200.
A Arábia Saudita, o único país capaz de liberar a injeção de um milhão de barris suplementares no mercado, está relutando a proceder desta forma. Ele até mesmo modificou a orientação do seu discurso, recentemente, anunciando que iria limitar o teto da sua produção cotidiana a 12,5 milhões de barris entre 2009 e 2020, de maneira a preservar as suas reservas e, junto com elas, os interesses das gerações futuras. "Toda vez que vocês descobrirem novas jazidas, deixem-nas no solo, pois os nossos filhos delas irão precisar", decidiu o rei.
Nada consegue convencer os sauditas a abrirem as comportas. Eles avaliam que o mercado está suficientemente abastecido e que os estoques de petróleo bruto e de gasolina se mantêm em níveis satisfatórios. Eles estão preocupados, acima de tudo, com a política energética dos Estados Unidos, que visa a reduzir a sua "dependência petroleira" em relação ao Oriente Médio - uma palavra de ordem que foi lançada pelo presidente Bush e retomada em coro pelos pré-candidatos à eleição presidencial John McCain e Barack Obama. Basta ouvir os inflamados discursos acusatórios do ministro saudita da energia contra os biocombustíveis que vêm sendo desenvolvidos no continente americano, para compreender os interesses que estão em jogo. A isso, deve ser acrescentada a vontade de alguns parlamentares americanos de submeter o mercado petroleiro às regras anticartéis do comércio internacional, e até mesmo de suspender as vendas de armas se Riad continuar se recusando a aumentar a sua produção de petróleo.
Essas iniciativas preocupam e irritam os dirigentes da Opep. A estratégia do cartel de Viena, que renunciou desde 2003 a determinar um valor máximo e outro mínimo para o preço do petróleo, parece simples: seguir abastecendo o mercado para evitar toda ruptura, reduzir o "colchão de segurança" ao mínimo (2 milhões de barris por dia) e manter desta forma os preços tão elevados quanto possível, sem comprometer o crescimento econômico. Por serem proprietários dos três quartos das reservas mundiais, os treze Estados membros da Opep detêm todo o poder de barganha necessário para imporem a política que eles bem entendem.
Explosão dos preços
A dependência dos países consumidores está vinculada à fragilidade das multinacionais. Os Estados petrolíferos e as suas companhias públicas nacionais compartilham entre si 85% das reservas mundiais. Com isso, os gigantes multinacionais hoje não detêm mais do que 15% dessas reservas e enfrentam problemas para reconstituí-las à medida que elas vão extraindo a matéria-prima.
Qual será o peso real do "gigante" ExxonMobil, a maior companhia cotada, se comparado com a Gazprom ou a Saudi Aramco? O acesso das grandes companhias ocidentais aos campos petrolíferos - após se verem "barrados" na Arábia Saudita, no Kuwait e no México, a sua penetração está cada vez mais difícil na Rússia, na Venezuela e na Argélia - implicaria "no retorno ao período anterior ao das nacionalizações realizadas nos anos 1970", avalia Nicolas Sarkis, o diretor da revista especializada "Pétrole et gaz arabes".
Será preciso travar uma guerra para reconquistar o precioso líquido? Esta opção é inimaginável, mesmo se a necessidade de petróleo veio a ser um dos motivos da invasão americana do Iraque em 2003, conforme reconheceu o antigo presidente do Fed (o banco central americano), Alan Greenspan. Além disso, esta guerra permitiria obter qual benefício? Ao atiçar as tensões no Oriente Médio e ao reduzir a oferta, a guerra no Iraque contribuiu para a explosão dos preços. A luta para tomar posse dessas reservas por meio da força não passaria de "uma batalha de retaguarda", uma vez que os países petroleiros se encontram atualmente "numa posição de força", comenta Nicolas Sarkis. Eles podem vender as suas enormes reservas em dólares e impedir que os beligerantes do petróleo dele se apoderem, oferecendo-as a países mais pacíficos. Antes para a China do que para a América!
Um bom número de países industrializados tirou as lições das crises de 1973 e 1980 e optou por reduzir a sua dependência. Hoje, eles precisam de menos "ouro negro" para criarem a mesma riqueza. Nos Estados Unidos, as administrações sucessivas tomaram decisões que foram na contramão desta tendência, valendo-se de argumentos do tipo: "O modo de vida americano não é negociável". Por conta disso, a sua taxa de dependência em relação ao petróleo importado acabou passando de 60% para 80%.
Neste exato momento, o problema é de natureza geopolítica: o acesso ao recurso petroleiro está minguando. Num futuro próximo, ele passará a ser geológico. Nas reservas conhecidas, hoje sobra o equivalente a 1,2 trilhão de barris de petróleo, ou seja, o suficiente para quarenta anos de consumo mundial, seguindo-se o ritmo de extração atual. Os mais otimistas multiplicam este número por três, acrescentando os tipos de petróleo bruto chamados de "não-convencionais" (óleos pesados, areias betuminosas). Infelizmente, a extração destes últimos é muito mais cara. Enquanto isso, as reservas dos campos vêm diminuindo inexoravelmente na Arábia Saudita, na Rússia, na Noruega, no México, na Indonésia...
A única resposta prática reside numa diminuição do consumo. Ora, a explosão dos preços não resultou numa redução da demanda, a não ser de maneira marginal, uma vez que os transportes funcionam, numa proporção de 97%, apenas por meio dos derivados do petróleo bruto. Contudo, a redução do consumo nunca foi tão vital, seja para reforçar a segurança energética, seja para lutar contra o aquecimento climático.
O mais barato e o mais limpo de todos os tipos de petróleo continua sendo aquele que não é queimado.