O reality show das WikiFugas prosseguirá. O
espectáculo demonstra que a boa informação está na Internet – não nos
média-empresariais globais.
Por Pepe Escobar, Asia Times Online via EsquerdaNet
Obama e Hillary Clinton - Foto wikimedia
Presidente Bush : Frank, estou a criar um cargo, e
peço-lhe que considere a possibilidade de trabalhar connosco. Serão
dias longos e noites perigosas. E você vai trabalhar cercado pela
escória de nossa sociedade.
Frank: Estou a ser convidado para trabalhar no seu Gabinete?
[Corra Que a Polícia Vem Aí 2, estrelado por Leslie Nielsen]
Digam o que disserem os jornais e televisões, o facto é que 1,6
gigabytes de arquivos de texto numa pen-drive espalhando 251.287
telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos EUA de mais de 250
embaixadas e consulados não vão provocar “um terremoto político” – como
se lê na revista alemã Der Spiegel – na política externa da maior potência decadente do mundo.
Por trás das múltiplas hipócritas camadas de um ciclo frenético de
notícias, 24 horas por dia todos os dias da semana, a política aparece,
sobretudo, como um reality show repugnante. Isso é o que as
últimas WikiFugas mostram, em forma escrita, nua e crua. Um Muammar
Kaddafi que usou botox e não seria muito activo com a sua sexy
enfermeira ucraniana é personagem de “Big Brother”.
Embora seja excelente para a televisão, não se pode dizer que seja
novidade que, para os diplomatas norte-americanos, o presidente do Irão
Mahmud Ahmadinejad é "Hitler", que o presidente do Afeganistão Hamid
Karzai é “paranóico”, que o presidente da França Nicolas Sarkozy é
“imperador sem o traje”, que o “tolo e incompetente” primeiro-ministro
da Itália é doido por “orgias”, que a chanceler alemã Angela Merkel
“raramente produz alguma ideia criativa”, que o presidente da Rússia
Dmitri Medvedev “é o Robin do Batman Vladimir Putin [primeiro-ministro
russo]”, ou que o Amado Líder da Coreia do Norte Kim Jong-il é “velhote
flácido”, vítima de “trauma físico e psicológico”.
Mas crer, como a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton, que as
fugas seriam “ataque não só aos interesses da política externa
norte-americana, mas de toda a comunidade internacional”; ou que o
WikiLeaks, como disse o presidente Barack Obama, cometeu crime grave, é
nada além de manifestação de repugnante arrogância imperial. Como se o
mundo não tivesse o direito de também fartar-se da mesma comida política
podre servida em abundância aos selectos comensais dos palácios do
poder em Washington.
Clinton deve ter farejado que o sentimento dominante depois de ler os
telegramas seria de uma Washington à beira de um ataque de nervos digno
de personagem de Almodovar. Por exemplo, um aliado-chave dos EUA, como
Berlusconi, descrito como “ridículo, patético”, “indiferente ao destino
da Europa” e perigosamente íntimo de Putin, do qual parece “o
porta-voz”, visto como ameaça equivalente a Ahmadinejad. Até que ponto
chega a paranóia? A embaixada dos EUA em Moscovo, por falar nisso,
descreve Putin como um “cão alfa” que comanda a Rússia, virtualmente “um
Estado-máfia”; alguém mais cínico lembrará que a mesma definição
aplica-se ao ex-vice-presidente Dick Cheney durante a era George W.
Bush.
Em todo o mundo, quem tenha QI acima de 75 já desconfia que os
diplomatas dos EUA espionam os próprios colegas na ONU (por ordem de
Clinton); que Washington comandou um bazar de liquidação para obrigar
pequenos países a aceitar prisioneiros de Guantánamo; que o establishment
militar/de informações do Paquistão está articulado com os Taliban; e
que o rei saudita Abdullah bin Abdul Aziz, esse defensor paradigmático
da democracia e dos direitos humanos, exigiu que os EUA ataquem o Irão.
Temer o Irão xiita, afinal de contas, sempre foi regra nesse bando de
ditadores/autocratas sunitas impopulares que vivem a suplicar que os EUA
lhes vendam as armas que os mantêm no poder.
Mas a coisa fica muito mais séria, se se tem o embaixador dos EUA na
Turquia, a dizer que o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan “é
um fundamentalista. Ele odeia -nos religiosamente” e que o seu ódio “se
espalha”. Isso é absolutamente falso. É mentira.
Ou que Robert Gates, “O Supremo” do Pentágono, diz ao ministro das
Relações Exteriores da Itália Franco Frattini que o Irão não fornece
armas aos Taliban – e assim desmente toda uma massiva campanha de
propaganda de demolição orquestrada pelo Pentágono que já durava meses.
Não há prova alguma de que a liderança colectiva em Pequim tenha sido o
verdadeiro poder por trás dos ciber-ataques que o Google sofreu. E
quando o ex-vice-ministro de Relações Exteriores da Coreia do Sul Chun
Yung-woo disse ao embaixador dos EUA em Seul que uma nova geração de
líderes do partido chinês já não vêem a Coreia do Norte como aliado
útil, o quanto, nessa ‘informação’, é exclusivamente opinionismo de
auto-preservação e auto-ajuda? Afinal de contas, Chun é hoje conselheiro
de segurança nacional do presidente da Coreia do Sul.
O contexto é a chave, em todas as fugas – cerca de 220 até agora. Os
diplomatas e funcionários de baixo escalão que falam nesses telegramas
dizem, essencialmente, o que o Departamento de Estado deseja ouvir, ou
fazem bluff, repetindo o que quer que já esteja instaurado como pilar da
política de Washington; a quantidade de análise crítica independente
naqueles telegramas é praticamente zero.
O espectáculo tem de continuar
Possibilidade muito mais sumarenta é lembrar que, doravante, nenhum dos
cidadãos mais activos do mundo jamais voltará a crer no que lhes seja
empurrado como “facto” ou como “verdade” naquelas cosmicamente tediosas
sessões de “conferência diplomática/governamental/militar com a imprensa
e fotógrafos”.
Os telegramas Wiki escapados provam que a Europa – incapaz de se
auto-poupar do ridículo – já vinha sendo marginalizada desde a era Bush,
processo que agora culmina, com Obama integralmente dedicado à
Ásia-Pacífico. Quanto ao que já escapou até agora, sobretudo sobre o
Irão e a turma que faz e acontece no Golfo Pérsico, é pura propaganda
israelita-norte-americana mal disfarçada.
Não por acaso, a maioria das manchetes globais batem todas o mesmo
tambor, com variações sobre o tema “Israel festeja os telegramas
divulgados como aval de sua política para o Irão”. Avaliação geral dos
telegramas revela que, assim como Israel e o poderoso lóbi pró-Israel
dos EUA trabalharam a dobrar para conseguir a invasão e destruição do
Iraque, pode-se apostar que agora querem fazer o mesmo ao Irão.
Merece especial atenção o telegrama em que se lê que o
primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu é “elegante e sedutor,
mas nunca cumpre o que promete” (promessas como continuar a construir
colonatos na Cisjordânia e bombas, bombas, bombas sobre o Irão.)
O reality show das WikiFugas prosseguirá, com novidades online
aos borbotões. Pelo menos o espectáculo demonstra, mais uma vez, que a
boa informação está na Internet – não nos média-empresariais globais; e
que os cidadãos globais devem fazer dela o melhor uso possível para
desmascarar, e rir, do poder.
É salutar aprender que o imperador, em segredo, fala mal dos amigos e
sicofantas, tanto quanto dos inimigos. Também é salutar aprender que o
imperador é inimigo da democratização da informação. Mas agora, que já
se sabe que o imperador está mesmo nu, devemos agradecer muito aos
autores dos telegramas, seus amigos, inimigos e sicofantas, por nos
oferecerem esse impagável reality show – espécie de continuação
de “Corra que a Polícia vem aí”. Pena que o grande Leslie Nielsen, que
morreu no domingo, não esteja aqui, para rir connosco.
Tradução do colectivo da Vila Vudu disponível em redecastorphoto
Estou torcendo para que venha ainda uma enxurrada de vazamentos, tão necessários para acabar com a miopia e cegueira de tantos que não querem perceber o real alcance do terrorismo norte americano, da prepotência deste país(o famoso "o que é bom para os EUA é bom para o mundo", agora numa nova versão de que tal vazamento é um“ataque não só aos interesses da política externa norte-americana, mas de toda a comunidade internacional”. Eu quero é que cada vez mais eles sejam desmascarados(como já vem acontecendo com denúncias reiteradas de que a CIA corrompe a mídia e intelectuais internacionais).Para finalizar logo este meu comentário, deixo a recomendação do livro "Protocolos dos Sábios do Sião". Estou paranóica ou tudo o que nele está escrito está no centro da política internacional????
ResponderExcluirMilu, não é paranóia não.Da mesma forma que hoje está comprovado que as denúncias feitas por Moore no documentário Sykto(acho que é assim que se escreve...)eram verdadeiras e até pedidos de desculpas feitos por gerentes de conglomerados da industria da saúde foram feitos a ele.O mundo hoje é dominado pelo sionismo internacional que possui o "poder" do dinheiro e são donos das principais corporações mundiais.Acontece que hoje temos a blogsfera para desmacará-los.E rumo a regulação da mídia, não podemos deixar escapar essa oportunidade.
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