Do Blog escrevinhamentos - Barone
Portanto, diante do atual conflito na Faixa de Gaza - que no momento em que escrevo este artigo contabiliza cerca de 630 mortos e 3000 feridos, a maior parte destes civis – é preciso estar atento e com o senso crítico elevado ao nível máximo para não engolir os “pacotões” de notícias que se quer vender como fatos, em especial no mainstream.
Até o dia 6, Israel mantinha a proibição da entrada de jornalistas estrangeiros na Faixa de Gaza, apesar da recente decisão da Suprema Corte do País contra esta medida e dos protestos da Associação da Imprensa Estrangeira (FPA). Enquanto a Suprema Corte autorizou a entrada de oito jornalistas estrangeiros na zona de combate (medida que o exército israelense não havia cumprido até o término deste artigo), a FPA emitiu um comunicado condenando o que classificou como "proibição sem precedente" e uma "grave violação da liberdade de imprensa”, que coloca Israel “ao lado de alguns regimes que impedem com freqüência os jornalistas de fazer seu trabalho".
Daniel Seamen, diretor do gabinete de imprensa governamental do governo israelense afirmou que a proibição se deve ao fato de que os soldados "não vão se sacrificar para proteger os jornalistas". Certo, mas a função do jornalista é “escavucar” a verdade e profissionais que optam pela cobertura da frente de batalha sabem bem os riscos que correm. Tenho certeza de que não estão em busca de escolta, mas de liberdade para trabalhar.
O resultado imediato desta opção pelo obscurantismo é a manipulação de informações e, pior, a divulgação de notícias “filtradas” travestida de bom jornalismo.
No artigo “A guerra escondida”, publicado ontem (05/01) no Observatório da Imprensa, o jornalista Luciano Martins resume o sentimento de impotência: “...tudo que se lê hoje na imprensa sobre os combates e até mesmo sobre o eventual cumprimento das normas do direito internacional para situações de guerra é informação limitada e censurada por uma das partes. O público não está sendo servido de jornalismo, mas do trabalho de relações-públicas que selecionam o que pode e o que não pode ser divulgado. Os relatos que enchem as páginas dos jornais, vinte e quatro horas após o início dos combates em terra, são produzidos a partir de textos distribuídos pelo exército israelense.”.
Mas, devemos ser justos. Censura e desinformação em áreas de conflito do Oriente Médio não são exclusividades de Israel. Em 2007, o próprio Hamas – hoje alvo principal da ofensiva de Israel, ao lado da população civil palestina - exerceu esta violência ao impor a jornalistas em atuação na Faixa de Gaza severas restrições, entre elas a necessidade de credenciais e a proibição de divulgar qualquer informação que "cause prejuízo à unidade nacional, incite crimes, ódio ou dissidência religiosa". O artigo “Hamas impõe restrições à imprensa em Gaza”, publicado no Observatório da Imprensa em novembro de 2007, esmiúça o tema.
Outras fontes
Em busca de informação menos comprometida, resta - a quem quer entender o que ocorre de fato pelas ruas de Gaza - recorrer à rede de TV Al-Jazeera e as redes de solidariedade, como a as Redes de Cooperação Comunitária sem Fronteiras (que traduziram e divulgaram os panfletos lançados pela aviação israelense sobre a população sitiada na zona de guerra), relatos isolados de correspondentes que conseguiram furar o bloqueio e de cidadãos que tem usado a web para se comunicarem com o mundo em meio aos bombardeios.
A Al-Jazeera, que tem sede em Doha, no Catar, tem feito uma cobertura intensa do conflito, em especial a partir de seu correspondente in loco, Ayman Mohyeldin. A emissora também abriu mais um canal de comunicação por meio do Twitter, onde notícias sobre os combates e o dia a dia dos palestinos em Gaza são postadas a cada minuto. Além disso, disponibilizaram uma ferramenta para receber relatos e imagens de quem está em Gaza.
Cidadão repórter
Mas não é na mídia oficial ocidental, israelense ou árabe que encontrarão alento os que anseiam pelos fatos.
São os relatos de civis, de gente comum que ainda consegue se comunicar com o mundo, que mais chamam a atenção pela crueza e perplexidade com que o horror da guerra é narrado. De acordo com o Technorati, site que indexa posts do mundo inteiro, somente no domingo (4) foram escritos mais de quatro mil textos sobre Gaza mundo afora. É o que mostra a reportagem “Blogueiros contam o terror da guerra direto da Faixa de Gaza”, publicada ontem (5) pelo jornal O Globo.
Um exemplo destas manifestações é o relato do italiano Vittorio Arrigoni, voluntário do movimento Free Gaza, que conseguiu enviar algumas mensagens após o primeiro dia de bombardeio (veja o relato completo aqui – em inglês).
“Meu apartamento em Gaza fica de frente para o mar, com uma vista panorâmica que provoca milagres em meu humor, desafiando a miséria causada por uma vida em estado de sítio. Quer dizer, antes desta manhã, quando o inferno golpeou minha janela. Nesta manhã despertamos em Gaza com o barulho das explosões das bombas, e muitas caíram a algumas centenas de metros de minha casa. Alguns de meus amigos morreram debaixo delas... É um banho de sangue sem precedentes. Arrasaram o porto em frente a minha janela e pulverizaram as estações das docas”.
Apesar da constante falta de energia, outras pessoas na zona de conflito ainda conseguem enviar notícias através de blogues como o Ingaza. Ontem (05/01), às 11h59, sob o título “I’ll tell you how he died” (Vou lhe dizer como ele morreu), seu autor relata a morte de um amigo no dia 4: “Um homem bom, corajoso e engraçado foi morto ontem enquanto ajudava a colocar o corpo de um civil em uma ambulância. Os membros dos serviços de emergência médica Arafa Hani Abd al Dayem, 35, e Alaa Ossama Sarhan, 21, estavam respondendo a um chamado para socorrer Thaer Abed Hammad, 19, e o corpo de seu amigo, Ali, 19, que haviam sido atingidos por estilhaços, quando foram, eles mesmos, atingidos pelo disparo de um tanque israelense”.
Às 9h34 de domingo, em outro artigo, intitulado “Panicked residents unable to flee” (Habitantes em pânico não conseguem fugir), ele expõe a crueza dos bombardeios e o pânico da população durante os ataques israelenses.
“O que me abala mais neste momento, mais do que os corpos desmembrados e queimados que eu vi há duas noites, mais do que a intensidade dos mísseis atingindo tudo a nossa volta na noite passada e a sensação de que, a qualquer momento, forças especiais israelenses podem entrar disparando… é o pânico no rosto dos moradores. Pânico fugindo, pânico tentando sinalizar para que uma ambulância atenda um ferido, um morto, pânico até mesmo dos motoristas das ambulâncias e times de socorro. Eles viram muita coisa, muitos trabalham nisso há uma década ou mais, mas o que acontece agora, eles me dizem, é muito pior do que tudo o que eles já viram ou imaginaram. Nos primeiros raios da manhã, enquanto nossa ambulância tenta socorrer outro ferido, eu vejo novas levas de mulheres, crianças e homens, carregando consigo poucos pertences”.
Hoje (06/01), às 18h34, ele pergunta: “Se o seu inacreditavelmente pequeno e super-povoado território está sendo aterrorizado, pulverizado por bombas do quarto maior exército do mundo, e suas fronteiras estão fechadas; se sua casa não é segura, sua mesquita (igreja) não é segura, sua escola não é segura, se os campos de refugiados das Nações Unidas não são seguros.... Para onde você irá, correr, se esconder?”
Autor do blog RafahKid ft. Rafah Pundits, o jovem Rafah Kid tecla direto de Gaza: “Antes que todo mundo da Faixa de Gaza esteja morto, entenda que o Hamas é um sintoma e não uma causa. A ocupação é a causa. (...) Estamos sem eletricidade, sem poder chamar ao telefone, na escuridão e chove fogo. As crianças estão gritando”, escreveu no domingo. Kid também mantém um álbum de fotos no Flickr mostrando imagens dos bombardeios. Ontem (05/01), às 18h13, ele postou um vídeo onde crianças interagem com a destruição total.
Escrito por Sharon, uma voluntária na Faixa de Gaza, o blogue Tales to Tell teve seu mais recente registro postado às 20h de ontem (05/01). Em diversos momentos ela relatou o seu dia a dia como integrante de uma das equipes de socorro. “Acabamos de ouvir que a escola Al Fakhoura UNWRA foi bombardeada, achamos que por tanques, e que foi confirmada a morte de 43 membros de uma mesma e grande família. As escolas UNWRA abrigam pessoas cujas casas já foram bombardeadas por Israel ou que estão sob ameaça de bombardeio. Ouvimos também que outras duas escolas UNWRA foram atacadas mais cedo, mas não temos detalhes. Não posso expressar a raiva que estou sentindo neste momento”.
O grupo International Solidary Movement (ISP Gaza) tem tentado estabelecer canais de contato através de seu site. A última postagem registrada, datada de domingo (04/01), foi feita por Sharon do Tales to Tell, às 18h. Dizia: “To Al Awda hospital...”.
Uma outra fonte interessante é o site do Palestine Red Crescent Society (PRCS), que reúne toda a ação dos grupos de resgate e socorro que atuam em Gaza. Em seu relato englobando o período entre 9h do dia 5 (segunda-feira) e 9h de terça-feira (6), a entidade registrou o número de ataques, mortos e feridos a que teve acesso: "Durante as últimas 24 horas, ambulâncias e equipes médicas foram enviadas para pelos menos 47 localidades onde o exército israelense realizou bombardeios aéreos, terrestres e marítimos. De acordo com seus relatos, pelo menos 42 civis palestinos foram mortos, incluindo 17 crianças e 5 mulheres, além de aproximadamente 173 feridos”.
A PRCS também externa no mesmo memorando sua preocupação com ataques israelenses contra missões médicas na cidade: “Ontem o exército israelense abriu fogo contra duas ambulâncias na Faixa de Gaza, danificando uma delas. Por sorte não houve feridos. Além disso, um médico foi ferido e outras duas ambulâncias danificadas após o ataque aéreo israelense na área de Jabaliya, efetuado no momento em que as equipes de socorro tentavam recolher feridos e mortos”.
No blogue Gaza Strip, The Untold Story, Sameh Akram Habeeb, de 23 anos, nascido e criado em Gaza, relata o cotidiano sob o efeito da guerra por um ponto de vista cáustico: diariamente ele apresenta um relatório com os ataques israelenses e as baixas registradas entre seu povo.
Há muitas outras fontes de informação do mesmo gênero que, se não comportam a acuidade e confiabilidade que deveriam ter os canais midiáticos tradicionais, expressam, por outro lado, uma verdade crua e tão válida quanto a que vemos no noticiário da noite, confortavelmente instalados em nossos sofás. Se não posso confiar 100% neles, penso que, ainda assim, possuem mais credibilidade que a pasteurização que nos é apresentada diariamente pela imprensa.
Os blogues e a imprensa
Um grupo de ativistas pelos direitos humanos e cidadãos comuns residentes em Gaza mantém o blogue Moments of Gaza, e se esforça por divulgar os relatos do que está ocorrendo na região. Em sua postagem de hoje (06/01), às 9h56, divulga o link de dois artigos publicados no Le Monde e no holandês De Volksrant Newspaper que, resumidamente, “sustentam que Gaza não é mais lugar para jornalistas (por questões de segurança)... ela se tornou um vibrante local para blogueiros”.
Pode soar estranho, mas o que pensar quando lemos e ouvimos a cobertura feita pelo mainstream?
Em meio à pasmaceira e a falta de foco por parte de imensa fatia de nossa mídia, o blogue Amálgama iniciou uma série de traduções do Electronic Intifada (EI), com notícias que não são publicadas pelo jornalismo tupiniquim. O EI é um site especializado em notícias, comentários, análises e material de referência sobre o conflito entre israelesnses e palestinos. Elucidativo.
Idelber Avelar, em seu blogue O biscoito fino e a massa, tem também realizado um trabalho minucioso para expor os relatos feitos por quem está vivendo a notícia em Gaza. Hoje (06/01), às 15h44, postou um emocionante relato de um pai que, enclausurado pela guerra, conversava por telefone com a filha, palestina, residente na Carolina do Norte.
Meu pai falou calma, eloquentemente, na escuridão de Gaza sitiada, só com o fogo das bombas israelenses iluminando o seu mundo: “eles estão destruindo tudo o que é belo e vivo”, ele disse ao âncora. Suas mãos tremiam, ele confessava, enquanto se apoiavam no chão de sua casa, onde eles moviam os colchões para mais longe das janelas, com as explosões ensurdecedoras rasgando o céu negro ao redor, iluminando-o em enormes nuvens de fogo.
[...]
“O que está acontecendo, o que está acontecendo?”, ele repete em tom exausto, hipnótico. “A sensação é que eles bombardearam nossa rua de dentro para fora. Não vejo nada. Não sei o que está acontecendo. O que dizem as notícias?”, ele pergunta freneticamente, desesperado por qualquer migalha de informação que possa fazer sentido do terror que tomou conta dele.
Laila é uma mãe palestina de Gaza, casada com um palestino refugiado. Seu pai vive o inferno em Gaza. As conversas telefônicas entre Laila e seu pai, relatadas acima, ocorreram no sábado (03/01) à noite. O blog de Laila é o Diary of a Palestinian Mother.
Voltando ao início
"Cerca de 1,4 milhão de pessoas, sobretudo crianças, amontoam-se em uma das regiões mais densamente povoadas do mundo, sem qualquer liberdade de movimento, sem lugar para escapar e nenhum espaço para esconder". A análise, feita em setembro de 2006 por Jan Eliasson, então ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia, e Jan Egeland, então responsável pelo setor de ajuda internacional da ONU, foi publicada no jornal Le Fígaro e reproduzida pelo jornalista John Pilger, no artigo “Terror and starvation in Gaza”, em janeiro de 2007.
É esta região – e as pessoas que nela se amontoam - que está sendo bombardeada incessantemente por uma máquina de guerra moderna e poderosa.
Seria de bom tom que os jornalistas que cobrem as editorias internacionais, os “banbanbans” do impresso e galãs do telejornalismo, olhassem ao largo do óbvio e do “oficialesco” antes de proferirem seus libelos de legalidade e de apoio ao Ocidente agredido pelos bárbaros árabes xiitas.
Ler o trabalho, por exemplo, do historiador israelense Ilan Pappe, segundo quem "a política genocida (em Gaza) não é formulada num vácuo" e sim parte da deliberada e histórica limpeza étnica do sionismo. Ler os repórteres israelenses Gideon Levy e Amira Hass, que descreveram a política da fome implementada sobre os palestinos. Ler, acima de tudo e, aliado a isso, olhar o mundo com olhos de jornalista.
Enfim, enquanto os “jornalões” e emissoras espetaculares reproduzem o óbvio, cidadãos continuarão fazendo o papel da imprensa - e esta permanecerá afastada de seu mais nobre desígnio: expor a verdade nua e crua.
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