segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Os Estados Unidos lêem erradamente a política mundial do Brasil


Artigo de Immanuel Wallerstein na Agência de notícias Nova Colômbia

“O Grupo de Trabalho recomenda que os Estados Unidos construam sua colaboração existente com o Brasil no que diz respeito ao etanol para desenvolver uma sociedade mais consistente, coordenada e ampla que incorpore um amplo leque de assuntos bilaterais, regionais e globais”, escreve Immanuel Wallerstein em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, 06-02-2010. A tradução é do Cepat.

Quando, por volta de 1970, os Estados Unidos se aperceberam pela primeira vez de que sua dominação hegemônica estava ameaçada pela crescente força econômica (e, consequentemente, política) da Europa ocidental e do Japão, mudou sua postura, buscando evitar que assumissem uma posição muito independente nos assuntos mundiais.

Os Estados Unidos disseram, com efeito, mesmo que não com palavras: até agora os tratamos como satélites, pedimos que nos seguissem sem questionamentos no cenário mundial. Mas agora vocês são mais fortes. Assim que os convidamos para serem sócios, sócios menores, que tomarão parte conosco na tomada de decisões coletivas, sempre e quando não se afastarem muito por conta própria. Esta nova política norte-americana se institucionalizou de múltiplas maneiras – especialmente na criação do G-7, no estabelecimento da Comissão Trilateral e na criação do Fórum Econômico Mundial de Davos como espaço de encontro da amigável elite mundial.

O objetivo principal dos Estados Unidos era desacelerar a decadência de seu poder geopolítico. A nova política funcionou talvez durante 20 anos. Finalmente, os acontecimentos posteriores a desfizeram. O primeiro foi a desintegração da União Soviética em 1989-1991, que desmantelou o argumento principal que os Estados Unidos usaram com seus sócios, de que não deviam ser muito independentes no cenário mundial. E o segundo evento foi o militarismo macho unilateral e autoderrotado do regime de Bush. Em vez de restaurar a hegemonia norte-americana, resultou no devastador fracasso dos Estados Unidos em 2003, quando não conseguiu o respaldo do Conselho de Segurança da ONU para a sua invasão do Iraque. As políticas neoconservadoras de Bush foram um rotundo tiro pela culatra e converteram o lento declinar do poder geopolítico norte-americano em uma queda precipitada. Hoje, quase todos reconhecem que os Estados Unidos já não têm a influência que alguma vez tiveram.

Alguém poderia pensar que os Estados Unidos poderiam ter aprendido algumas lições com os erros do regime de Bush. Mas, parece que hoje estão tentando repetir o mesmo cenário com o Brasil. Não demoraram 20 anos para que esta tentativa se enfraquecesse.

A principal jogada geopolítica que Obama empreendeu foi converter a reunião do G-8 em uma reunião do G-20. O grupo crucial que foi acrescentado à reunião são os chamados países do BRIC, que outros chamaram de países emergentes. O BRIC é a sigla para Brasil, Rússia (já incluída no G-8), Índia e China.

O que os Estados Unidos estão oferecendo ao Brasil é associar-se. Isto está muito claro em um recente relatório de um Grupo de Trabalho do Conselho de Relações Exteriores intitulado US-Latin America Relations: A New Direction for a New Reality [As relações Estados Unidos-América Latina: uma nova direção para uma nova realidade]. O Conselho de Relações Exteriores é a voz do establishment centrista, e este relatório provavelmente reflete o pensamento da Casa Branca.

Há duas frases cruciais neste relatório no que diz respeito ao Brasil. A primeira diz: o Grupo de Trabalho considera que aprofundar as relações estratégicas com o Brasil e o México e reformular os esforços diplomáticos com a Venezuela e Cuba, não apenas estabelecerão uma maior interação frutífera com estes países, mas que também transformará positivamente as relações Estados Unidos-América Latina.

E a segunda frase do documento aborda diretamente o Brasil: o Grupo de Trabalho recomenda que os Estados Unidos construam sua colaboração existente com o Brasil no que diz respeito ao etanol para desenvolver uma sociedade mais consistente, coordenada e ampla que incorpore um amplo leque de assuntos bilaterais, regionais e globais.

Este relatório foi publicado em 2009. Em dezembro, o Centro de Relações Exteriores organizou, junto com a Fundação Getúlio Vargas, um seminário sobre o Brasil emergente. Por coincidência, o Seminário foi realizado exatamente no momento em que ocorria a crise política hondurenha e a visita do presidente Mahmud Ahmadinejad ao Brasil. Os participantes norte-americanos no Seminário não falavam a mesma linguagem que os brasileiros.

Os norte-americanos consideravam que o Brasil deveria agir como uma potência regional, ou seja, como um poder subimperial. Os participantes norte-americanos não podiam entender a desaprovação do Brasil para os nexos militares e econômicos da Colômbia com os Estados Unidos. Pensavam também que o Brasil deveria assumir algumas responsabilidades na manutenção da ordem mundial, o que significava unir-se aos Estados Unidos em sua pressão sobre as políticas nucleares do Irã, enquanto os brasileiros sentiam que a posição norte-americana em relação ao Irã era hipócrita.

Finalmente, mesmo que os participantes dos Estados Unidos olhassem para a Venezuela de Chávez como longe de ser democrática, os brasileiros faziam eco à caracterização da Venezuela feita pelo presidente Lula ao dizer que sofre de um excesso de democracia.

Em janeiro de 2010, Susan Purcell, uma analista norte-americana conservadora, publicou no Miami Herald uma crítica à política de seu país sobre o Brasil, e o chamou de pensamento ilusório. Bem, ela pode ter razão. Do seu ponto de vista, Washington necessita repensar suas suposições acerca do grau em que pode depender do Brasil para enfrentar problemas políticos e de segurança na América Latina em modos que sejam compatíveis com os interesses norte-americanos.

Também em janeiro, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores, o partido de Lula, disse que a intenção norte-americana de constituir um G-20 era “uma tentativa de absorver e controlar os pólos alternativos de poder... uma tentativa de manter a multipolaridade sob controle”. Ele insistiu em que, diante do conflito entre respaldar os interesses capitalistas no mundo como poder subimperial e respaldar os interesses democrático-populares, o Brasil terminaria assumindo esta segunda postura.

Dada a maior força da Europa ocidental e do Japão no começo dos anos 1970, os Estados Unidos lhes ofereceram promovê-los ao status de sócios menores. França e Alemanha optaram por continuar ainda mais em um papel independente no mundo em 2003. E o Japão, em suas eleições nacionais de 2009 e sua eleição de prefeitos em Okinawa em 2010, parece optar pelo mesmo caminho.

Dado seu crescimento em força, oferecerão ao Brasil ser sócio menor apenas em 2009. Parece que insistirá em um papel independente no mundo, quase de imediato.

Japão, entre a estagnação e a deflação – Um retrato do sistema capitalista mundial


Do blog da Marcia, da revista o militante


Durante os anos 70 e 80 do século passado era habitual ouvir-se falar do «milagre» japonês.
A economia japonesa crescia a uma taxa média anual de quase 5% (1) , a taxa de desemprego rondava os 2% e as exportações cresciam quase 8% ao ano.
«Milagre» que causava admiração nas fileiras governantes do sistema capitalista mundial, mas também receios, sobretudo nos EUA, para onde se dirigia o grosso das exportações nipónicas, do aço ao automóvel passando pela electrónica de consumo. Receios que levaram à tomada pela Administração Reagan de medidas comerciais de restrição à entrada de produtos japoneses no mercado dos EUA e à imposição dos denominados Acordos de Plaza (1985) aos seus principais concorrentes da Tríade (Alemanha e Japão), impondo uma desvalorização concertada do dólar, com vista a melhorar os termos de troca e as condições de rentabilidade das suas empresas multinacionais.Mas no início dos anos 90, após o rebentar da bolha financeira gerada nos mercados financeiro e sobretudo imobiliário (1992), o Japão entrou num período de estagnação e deflação (Gráfico 1), com uma taxa média de crescimento anual inferior a 1%, pontuado com recessões (1998-1999 e 2008-2009) e por um forte aumento do desemprego – com a taxa de desemprego média a aumentar cinco vezes face aos anos 60, ou seja, mais de 2,5 milhões de desempregados (Gráfico 2). Período no qual ainda se encontra e cujas previsões económicas apontam para que permaneça.

 

Um caso de estudo
O Japão tornou-se um caso de estudo para os economistas e comentadores da praça, tornando-se para muitos, como Paul Krugman, um exemplo de uma economia que caiu na «armadilha da liquidez» (2) , exemplo que podemos encontrar se recuarmos para a economia dos EUA nos anos 30, na altura da Grande Depressão. Apesar de taxas de juro reais muito baixas (quer de curto, quer de longo prazo), mesmo em alguns anos próximas do zero, o motor do crédito não «arrancou», o investimento continuou a regredir (-1,4% ao ano em média nos últimos 20 anos) e o crescimento do consumo continuou quase estagnado (1,1% ao ano em média nos últimos 20 anos).
Mas como no actual episódio de crise, já nos anos 90, o Japão utilizou o investimento público para tentar relançar a economia, entre 1992 a 1996, passou de um superavit para um défice orçamental de 5,1% do PIB, com a dívida pública a aumentar 45% e o seu valor a representar 100% do PIB em 1996. E apesar disso, o crescimento económico médio anual cifrou-se em apenas 1,3% e na primeira tentativa de controlo do défice por parte do governo nipónico, a economia paulatinamente mergulhou na recessão.
Em 1998, tal como agora em 2008, o Japão voltou a tentar relançar a economia por via do investimento público e pela injecção directa de dinheiro na recapitalização do sistema bancário (cerca de 500 mil milhões de dólares, o equivalente face ao PIB a 2 milhões de milhões de dólares de injecção nos EUA), o défice atingiu um valor histórico de 11,2% do PIB, mas a economia cresceu de forma anémica, apesar do estímulo interno.
O estímulo externo, por via do crescimento das exportações para os EUA e a China, entre 2004 e 2007, o período que mediou a bolha financeira do «dot.com» (2000-2003) e a acumulação da bolha financeira do «subprime» (2007-?) voltou a trazer taxas de crescimento na ordem dos 2% ano. Contudo, acabado o estímulo, a recessão voltou, com o recuo estimado do produto de 5,8% em 2009, uma das recessões mais severas da Tríade e a maior contracção do produto desde os anos 50. Com a dívida pública a atingir 190% do PIB em 2009 e o défice orçamental os 8%.
É por isso que o exemplo japonês carece de reflexão particular, não só no contexto da análise da resposta do sistema capitalista à crise que atravessa, mas pelo retrato que tece sobre a profundidade dessa mesma crise e da sua natureza sistémica. Retrato da crise que teve o seu regresso visível no final nos anos 60, mas sobretudo com o denominado «primeiro choque petrolífero» (1974-1975), mas que se encontrava em gestação com o dissipar das condições que permitiram relativamente elevadas taxas de acumulação de capital no centro do sistema capitalista mundial, sobretudo nos anos 50 e 60.
Da expansão à estagnação
Finda a ocupação pelos EUA em 1952, o Japão encetou uma rápida industrialização, com uma forte restauração monopolista apoiada pelo Governo, a par de um investimento na reconstrução de infra-estruturas de base. Taxas de câmbio favoráveis e elevadas taxas de produtividade do trabalho potenciaram as exportações e o aprofundamento do mercado interno, com a indústria do aço e depois a automóvel a terem rápido crescimento, apesar da forte dependência do Japão de alimentos, matérias-primas e energia.
Nos anos 60, a economia crescia em média mais de 10% ao ano, a produtividade do trabalho quase 9%, o que, mesmo com o crescimento dos salários reais de mais de 7%, permitia a transferência de ganhos de produtividade do trabalho para o capital, que se reflectia na redução dos custos salariais unitários reais em média de 1,2% ao ano e o crescimento do volume de lucros em média de 26,7% ao ano.
O exemplo do Japão nos anos 60 poderia ser em grande medida transposto, para a Coreia do Sul nos anos 80, ou para a China desde os anos 90, que tem mantido uma taxa média anual de crescimento do produto superior a 10%.
 O caso da Coreia do Sul é interessante, pois tendo atingido uma taxa média anual de crescimento do produto de quase 9% nos anos 80, desde então as taxas de crescimento médias tem vindo a desacelerar de década para década, seguindo um padrão equivalente aos países capitalistas mais avançados.
Contudo, no final dos anos 60 o crescimento económico começou a não ser suficiente para cobrir o crescimento da capacidade produtiva. A pressão para a baixa das taxas de lucro crescia na medida do ritmo de elevação da composição orgânica do capital, devida ao aumento da eficiência e escala da produção, a par de um crescimento médio de 4,8% ao ano do stock de capital líquido por pessoa empregada. A rápida industrialização da Alemanha contribuía também para o excesso de capacidade produtiva, tornando mais visível a sobreprodução de amplos segmentos industriais do sistema capitalista mundial. A pressão para a queda das taxas de lucro acentuava a crescente concorrência intercapitalista pela obtenção de quotas de mercado, fontes de matérias-primas e «stocks» de força de trabalho barata a nível mundial.
O retorno visível da crise dos anos 70 é, assim, precedido por um declínio da rentabilidade das empresas capitalistas nas potências do centro do sistema capitalista mundial, particularmente no Japão, acentuado depois pelo forte aumento do preço das matérias-primas e da energia, nomeadamente do preço do petróleo. Crise de rentabilidade da qual ainda não houve recuperação cabal, apesar da intensificação da exploração do trabalho, da crescente internacionalização da produção, da expansão das relações sociais de produção capitalistas a quase todos os pontos do globo e da progressiva financeirização do capital, que permitiu o crescimento exponencial do crédito e do capital fictício, nos últimos 30 anos.
Sendo a taxa de lucro o orientador do processo de acumulação, a não obtenção de taxas de lucro esperadas por parte do capitalista provoca um declínio no investimento (logo do ritmo de acumulação) e consequentemente do consumo (logo da realização da mais-valia), provocando a prazo a interrupção do processo de valorização de capital. Por outras palavras, existe um esgotamento progressivo das oportunidades de investimento rentáveis para a aplicação da massa de mais-valias extraída e acumulada, o que se manifesta pela tendência para a queda das taxas médias de lucro no longo prazo. Entre 1950-1970 e 1970-1993, as taxas médias de lucro líquida na indústria transformadora no Japão reduziram-se quase 50%, continuando mesmo assim a ser mais elevadas que no resto da Tríade (3) .
Na altura em que a ocidente se falava do «milagre japonês», já a economia japonesa crescia a uma taxa média anual que era menos de metade da dos anos 60, inferior a 5%, para depois confirmar a tendência para estagnação verificada, não só nos outros pólos da Tríade, mas no sistema capitalista mundial, com a desaceleração das taxas de crescimento do produto de década para década, demonstrativas do abrandamento do «motor» de acumulação de capital.
O excesso de capacidade fazia-se notar, não só com o aumento estrutural do desemprego de década para década (Gráfico 2), mas por uma evolução do produto abaixo do produto potencial, com excepção dos períodos de bolha financeira, de inflação artificial do preços dos activos mobiliários e imobiliários assentes no crédito (como 1969-1973, 1988-1992 e 2004-2007). Excesso de capacidade e esgotamento de oportunidades de investimento que também se traduziram na contracção acumulada do investimento em quase 26% nos últimos 20 anos.
Com uma tendência inversa ao desemprego, as taxas de crescimento dos salários reais desaceleram fortemente, para um crescimento médio anual de 0,5%, mas inferior ao crescimento médio anual da produtividade do trabalho. Facto que mostra a pressão do crescimento do exército industrial de reserva na baixa dos salários. Esta transferência de ganhos de produtividade do trabalho para o capital permitiu continuar a redução dos custos unitários do trabalho e é um indicador do aumento da taxa de exploração do Japão, com o peso médio dos salários no produto a reduzir-se de década para década. Em termos médios, desde os anos 70, o peso médio dos salários reduziu quase 12 pontos percentuais (Gráfico 3).
Isto num quadro de estímulos externos, com a manutenção de excedentes comerciais nas trocas com os EUA, e internos, com o défice orçamental e a dívida pública a aumentarem sistematicamente de década para década. Esta substituição de dívida privada por dívida pública, levou a que o peso da dívida pública passasse, em termos médios, de cerca de 28% nos anos 70 para mais de 178% na última década. A questão que se coloca é da sustentabilidade desta política de «estímulos», quando têm sido estes «défices» a sustentar, mesmo assim, o parco crescimento económico.

O «espelho» da crise
O Japão constitui assim o cenário que os «governantes» do centro do sistema capitalista mundial pretendem a todo custo evitar. Hoje, quando se afirma que a crise bateu no fundo, apontando uma lenta e insípida «retoma económica», a verdade é que o exemplo do Japão vem sempre à memória. Apesar dos meios que o sistema possui para responder à crise, nomeadamente por via do peso e papel do Estado na economia, apesar de 20 anos de consenso de Washington, a verdade é que depois da maior operação de «salvamento» do sistema concertada a nível mundial, com a descida para níveis históricos das taxas de juros, com a injecção de milhões de milhões de dólares no sistema financeiro (também para sustentar o consumo) e com o forte aumento do investimento e consumo público, não só a recessão mundial não foi «evitada», como o crescimento económico previsto para os próximos anos será anémico, confirmando a tendência para a desaceleração das taxas médias de crescimento do produto mundial de década para década.
O Japão demonstra também que o sistema poderá sobreviver mesmo num estado letárgico de crescimento, com crescente desemprego e renovada violência na exploração da força de trabalho. O sistema não cairá por si. O capitalismo já deu mostras da sua capacidade de adaptação e de sobrevivência, nomeadamente com a alteração dos seus paradigmas produtivos, tecnológicos e energéticos.O Japão, não negando as condições objectivas próprias que caracterizam o desenvolvimento do capitalismo neste país, torna-se assim um «espelho» da evolução desta crise de rentabilidade desde os anos 70, mas também da ineficácia das respostas política e económica do sistema à crise, sejam elas de índole keynesiana ou neoclássica/neoliberal, num quadro de sobre-acumulação de capital sobre todas as formas, de sobre-extensão do sistema a nível planetário, com o esgotamento progressivo de recursos naturais não renováveis.
A questão central continua por isso a ser qual o grau de destruição de capital sobre todas as formas necessário para garantir as condições de valorização do capital, para garantir um novo ciclo de expansão da acumulação capitalista. A «saída» da Grande Depressão dos anos 30 só se verificou com o eclodir da II Guerra Mundial, entre respostas políticas que conduziram ao surgimento do fascismo e do nazismo. O desenvolvimento do militarismo a nível mundial e o progressivo rearmamento da Alemanha e do Japão têm que ser enquadrados neste contexto, como também das «arrumações» geopolíticas a nível mundial, com a afirmação de «novas» potências económicas e militares, como a China, o Brasil, a Índia e a Rússia, num quadro de declínio económico da potência hegemónica central – os EUA.
Contudo, hoje, a delapidação dos recursos naturais atingiu um tal nível, em consequência da irracionalidade e anarquia do modo de produção capitalista, assente no pressuposto da acumulação ilimitada de capital, que a superação do sistema se torna uma condição sin qua non para a Humanidade.
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A centralidade da lei do valor escapa às ferramentas dos economistas convencionais, presos a um modelo de equilíbrio de longo prazo e de racionalidade perfeita, que só existe nos manuais de economia. Lei da qual decorre a tendência para a queda das taxas de lucro demonstrativa do limite do sistema e da sua principal contradição, entre uma crescente socialização da produção e apropriação privada das condições de produção. Esta é a causa da crise sistémica em que nos encontramos.
Para pôr a satisfação das necessidades humanas como a principal prioridade da organização económica, do trabalho social de uma sociedade, a questão da propriedade e da apropriação privada das condições de produção tem de ser posta em causa, ou seja, pôr em causa a relação social (de exploração) que o capital corporiza. Qualquer outro caminho será sempre uma «fuga para a frente», que conjunturalmente poderá apresentar uma «saída», mas não resolverá os limites e as contradições internas no sistema. Este é o limite do reformismo.
O Japão encontra-se há vinte anos mergulhado numa depressão de crescimento da qual não encontra saída, preso entre a estagnação e a deflação. Este microcosmos do sistema capitalista dá-nos uma imagem de um sistema preso numa crise de rentabilidade para qual ainda não encontrou resposta, mas entre os riscos de derivas destrutivas do sistema e a certeza do aprofundamento da ofensiva de classe contra o trabalho torna-se cada vez mais urgente a tomada de consciência dos trabalhadores das causas profundas da crise e das desigualdades, da destruição ambiental e da barbárie que grassam a nível local e planetário. O sistema só será superado pela luta. Como sempre o resultado da história dependerá da luta de classes e na continuação da construção da alternativa que germina nos limites do sistema – o socialismo.
Notas
(1) Todos os valores apresentados no presente artigo correspondem a cálculos próprios efectuados a partir de valores extraídos da base de dados macroeconómicos AMECO da Comissão Europeia, que teve a última actualização em Novembro de 2009 com a publicação das previsões económicas de Outono.
(2) Krugman, Paul, «The return of depression economics and the crisis of 2008», Norton, 2009.
(3) Brenner, Robert, «The economics of global turbulence», Verso, 2006.