Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente
contra o representante do PRI, Enrique Peña Nieto, sua irrupção na cena
política foi muito mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132
instaurou um espaço de debate e diálogo que soube liberar-se da camisa
de força tradicional com que os meios de comunicação do sistema oficial
envolvem as sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY
132 criou um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado
mexicano que não tem precedentes no país. A reportagem é de Eduardo
Febbro.
Cidade do México
- O impensável sempre tem lugar. Em pleno processo eleitoral mexicano, o
impensável se chamou #YoSoY 132, um movimento estudantil que surgiu na
Universidade Iberoamericana contra o candidato do PRI, Enrique Peña
Nieto, e contra o ultraje da informação simbolizado para os jovens no
canal Televisa. Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente
contra o representante do PRI, sua irrupção na cena política foi muito
mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132 instaurou um espaço de
debate e diálogo que soube liberar-se da camisa de força tradicional
com que os meios de comunicação do sistema oficial envolvem as
sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY 132 criou
um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado mexicano
que não tem precedentes no país.
Ainda que o contexto seja
diferente e o México seja uma democracia, a sua maneira repentina e
mobilizadora #YoSoY 132 segue a trajetória dos jovens revolucionários do
Egito que, graças à internet, conseguiram plasmar uma rebelião contra
todo um sistema. Acusado de partidarismo, de servir aos interesses do
candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, dividido,
contaminado pela contrapropaganda, # YoSoY 132 sobreviveu aos ataques e
manipulações para deixar uma marca fresca e duradoura.
Como no
Egito da Revolução da Praça Tahrir, ou como ocorreu com os indignados
espanhóis, #YoSoY 132 se inscreve em uma corrente universal de renovação
e saneamento da democracia contra os poderes e interesses incrustados
nos grandes meios de comunicação. Como desse chamado quarto poder que é a
mídia depende em grande parte a qualidade da democracia, o movimento
estudantil agrupado em #YoSoY 132 inventou um quinto poder: a
possibilidade de difundir uma verdade não coincidente com a informação
normalizada da indústria da informação. De ator periférico #YoSoy 132 se
converteu em ator central e chegou até a realizar um debate
presidencial com três candidatos, do qual Enrique Peña Nieto não
participou.
Ana Rolón, estudante da Universidade Iberoamericana, e
Rodrigo Serrano, estudante de Comunicação na mesma universidade, fazem
parte do comitê logístico de #YoSoY 132. Têm apenas 22 anos, mas se
expressam com a convicção e a maturidade herdada de uma luta política
que não sonhavam protagonizar quando saltaram ao primeiro plano há
apenas alguns meses.
Neste diálogo com Carta Maior mantido em
uma praça do bairro boêmio de Coyoacán, os estudantes-dirigentes
delineiam a sociedade na qual se projetam no futuro.
Com que postulado central nasceu e se manteve o #YoSoy 132.
Rodrigo Serrano:
Nosso principal postulado é a democratização dos meios de comunicação e
a democracia verdadeira. Acreditamos que o candidato do PRI, Peña
Nieto, pode ganhar a eleição, mas pensamos que a fraude está também na
manipulação da informação. Os meios de comunicação distorcem a
informação. Queremos que a democracia mexicana seja uma democracia
informada e não uma democracia puramente formal.
Ana Rolon:
A democratização dos meios de comunicação vai muito além desta
conjuntura eleitoral. Parte do movimento lutou muito pelo voto
informado, ou seja, que se ofereça uma informação que integre as
propostas dos candidatos e o que cada um deles fez. O que dizemos para
as pessoas é: “não vá atrás do marketing político, da propaganda, da
cara do candidato”.
Como se situa o movimento com respeito à
violência que sacudiu o México nos últimos seis anos e às propostas
bastante tímidas dos candidatos?
Ana Rolon: Somos um movimento pacifista. Trata-se de lutar, mas com nossas armas: educação, conhecimento, leitura, cultura, arte.
Rodrigo
Serrano: Nos criticaram porque protestávamos contra o governo e não
contra os narcos. Mas isso é uma contradição porque o narco é criminal,
não obedece à sociedade, mas sim a interesses privados. Protestar contra
o narco é como protestar contra uma árvore. Em troca, em teoria, o
governo funciona para escutar os cidadãos. Por isso, se queremos acabar
com a violência, primeiro precisamos de um governo que escute os
cidadãos. E essa é a causa pela qual estamos lutando.
Ana Rolon:
Nosso movimento exige este diálogo entre governo e cidadania. Por isso
nós organizamos um debate entre os candidatos onde o formato mudou
totalmente em relação aos debates anteriores organizados pelo IFE, o
Instituto Federal Eleitoral. O formato que escolhemos foi: “escuta os
que os cidadãos têm a dizer”. Recebemos as perguntas formuladas por toda
a cidadania através da internet. E aí se abriu o debate para todos, não
importando se o autor da pergunta fosse ou não estudante, do Distrito
Federal ou de outra parte. Recebemos 7.100 perguntas provenientes de
todo o país. Tomamos o debate desde um lado distinto, dizendo:
“Escutem-nos, nós somos a cidadania”.
Vocês, graças às
chamadas novas tecnologias, romperam o bloco tradicional no qual
funcionam os processos políticos, ou seja, onde os meios de comunicação
são intermediários absolutos entre os partidos e os eleitores.
Ana Rolon:
Nosso movimento partiu de um vídeo feito por 131 alunos da Universidade
Iberoamericana que respondiam aos ataques. Só quisemos dizer: “cuidado,
quero usar meu direito de resposta, não preciso enviar uma carta aos
editores. Posso usar as tecnologias e te desmentir”.
As novas tecnologias foram então determinantes para o auge do movimento estudantil mexicano.
Rodrigo Serrano:
A tecnologia é a espinha dorsal desse movimento. Nos primeiros dias
havia uma imagem muito interessante que circulava no Facebook e que
dizia: “não é que o México estivesse adormecido, é que não havia a
internet”. Há muita gente que está aqui enojada e com as redes sociais
se abre a possibilidade de se organizar.
As redes sociais serviram para romper o cerco da informação.
Ana Rolon:
Sim. Graças às redes sociais não precisamos ficar esperando que os
meios tradicionais informem sobre uma marcha. Não faz falta mais. Nós
jogamos muito com tecnologia e com a rua. Assim nós podemos saltar por
cima desses meios que nós consideramos de “duvidosa neutralidade”. Por
exemplo, como os meios tradicionais sempre distorcem a informação sobre
quanta gente participa realmente das marchas, nós cantamos para eles:
“não somos um, não somos cem, imprensa vendida, conta-nos bem”. As
tecnologias tem nos ajudado muito a limpar o viés dos meios oficiais e
ir muito mais além.
Rodrigo Serrano: Muitos canais de
televisão não entenderam que, agora, nós somos o meio. Transmite-se
através de nosso canal. Esses canais não gostam que não necessitemos
deles. Chegaram até a dizer que havíamos firmado um contrato de
exclusividade com o Youtube. Mas o Youtube não é um meio, o meio é nosso
canal, o canal 131. O sinal está aberto para que seja acessado, mas a
produção é nossa. Isso eles não aceitam. Não conseguem entender que
agora os cidadãos também podem ser meios de comunicação. O problema
central no México não está no fato de que os meios de comunicação e o
poder político sejam cúmplices, mas sim que são a mesma coisa. Por isso,
não temos uma democracia real.
Ana Rolon: O tema da
democratização dos meios de comunicação vai mais além desta eleição
presidencial. Vai para sempre. Ganhe quem ganhe, vamos seguir exigindo
esse diálogo, essa interação muito mais direta entre cidadãos e
políticos. Seguiremos em cima dos meios de comunicação que não respeitam
os interesses da cidadania, mas sim os interesses políticos e os
interesses privados. Não vamos dormir. Seguiremos exigindo o diálogo.
Esse é o grande símbolo.
Como vocês projetam o futuro? Qual papel e que estratégia pretendem adotar?
Rodrigo Serrano:
O México já tem um século de governos autoritários e paternalistas onde
o governo acredita fazer o favor de promover algumas melhoras para
alguns. Mas isso não deve ser assim. Nos últimos 12 anos, nossa
democracia foi meramente formal, não se meteu na vida pública. Isso que
ocorreu é um sintoma de que os cidadãos se deram conta de que podem
exigir e serem escutados. Nós estamos hoje em condições de organizar
debates. Os candidatos, o governo ou o presidente não são deuses com os
quais não podemos falar. São pessoas e estão aqui para nos atender. São
servidores públicos. O que importa agora não é nosso movimento como
organização, mas sim como símbolo. Graças ao debate que organizamos com
os candidatos, aos protestos contra Peña Nieto, aos protestos contra a
Televisa, demonstramos que é possível falar cara a cara com os
governantes. Isso, no México, era algo impensável. Eu creio que, ganhe
quem ganhe, isso veio para ficar. Pode ser que o PRI conserve ainda o
gene autoritário e repressor, mas nós temos agora novas tecnologias de
comunicação e um novo modo de pensar. Não vai ser tão fácil.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer