Por Altamiro Borges
As forças políticas aliadas aos EUA e adeptas do
neoliberalismo obtiveram duas expressivas vitórias na América Latina nos últimos
dias. No Paraguai, elas patrocinaram um golpe “parlamentar”, abortando o frágil
ciclo de mudanças iniciado pelo ex-bispo dos pobres Fernando Lugo. No México,
elas garantiram o retorno do PRI ao poder, com a vitória folgada do empresário
Peña Nieto. Com estes dois resultados, as forças direitistas do continente
sentem-se mais fortalecidas, animadas para as próximas batalhas.
Em ambos os casos, o império estadunidense – também envolto
numa disputa presidencial – foi cauteloso no seu posicionamento. Não deu apoio explícito
aos golpistas paraguaios e nem se pronunciou abertamente sobre a eleição
mexicana. Mas é evidente que os EUA saíram satisfeitos com os dois desfechos.
Há muito se opunham ao presidente Lugo, como revelaram documentos vazados dos
Wikileaks, e não gostariam de ver no México um presidente que defendia a
soberania nacional, como Lopes Obrador.
A fragilidade do projeto antineoliberal
Do ponto de vista prático, imediato, os EUA cravaram mais
duas vitórias – que se somam ao golpe em Honduras e às vitórias da direita no
Chile e na Colômbia. México e Paraguai serão fiéis aliados do império na
sabotagem a qualquer projeto de integração soberana da América Latina – seja no
Mercosul, na Unasul e, pior ainda, na Alba. Eles também manterão, na essência,
o projeto neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho, sendo o
contraponto aos governos progressistas do continente.
As duas vitórias da direita revelam ainda a fragilidade dos
projetos mudancistas, antineoliberais, na região. No caso do Paraguai, a frágil
base econômica – num país em que os ricaços não pagam impostos e no qual 70%
das terras estão concentradas nas mãos de 2% dos latifundiários – dificultou a
adoção de políticas sociais mais avançadas. Para piorar, Lugo não contava com
movimentos sociais robustos, nem estrutura partidária e nem base parlamentar –
apenas um senador votou contra o seu impeachment.
Obstáculos à construção de alternativas
Já no caso do México, as três últimas décadas de hegemonia
neoliberal – a princípio lideradas pelo PRI, que traiu totalmente o seu projeto
original transformador, e depois pelos conservadores do PAN – dificultaram a
construção de alternativas políticas mais à esquerda. O país se transformou numa
autêntica colônia dos EUA, a partir da imposição do Nafta. Ele regrediu
economicamente e foi vitimado por todas as suas chagas – subemprego, miséria e
crescimento vertiginoso da criminalidade e do narcotráfico.
Neste trágico cenário, a esquerda não conseguiu construir
alternativas e o bloco neoliberal se recompôs. Como explica o sociólogo Emir
Sader, a regressão foi o caldo de cultura para o fortalecimento do PRI, agora
totalmente controlado por forças de direita. Ele cresceu com o “enfraquecimento
do governo de Felipe Calderón, sobretudo com o fracasso do seu carro-chefe, a
guerra contra o narcotráfico”. Já o PRD de Lopes Obrador “perdeu vários
governos, como resultado de crise internas constantes”.
Luta de classes mais intensa
É certo que os golpistas do Paraguai e os neoliberais do
México terão muitas dores de cabeça pela frente. Na nação vizinha, cresce a
onda de protestos pelo retorno à democracia e os movimentos sociais dão passos para
rearticular a resistência. Além disso, os golpistas cavaram seu isolamento na
região, com o Paraguai sendo suspenso do Mercosul e da Unasul e recebendo
reprimendas até da dócil OEA. Mesmo que o golpe se consolide, novas eleições
deverão ocorrer no início do próximo ano.
Já no México, os neoliberais terão que governar um país
devastado e ensanguentado – como quase 50 mil mortos nos últimos doze anos. Como
aponta o escritor Eric Nepomuceno, “o México vive uma espiral de barbárie que
ninguém sabe onde vai parar. E, pior, ninguém parece saber como parar. Uma
estranha guerra civil, entre traficantes... Esse descalabro é, hoje, o cerne da vida
mexicana. Há uma nuvem permanente de imagens macabras – decapitados
dependurados em postes e pontes, decapitados em automóveis abandonados, corpos
queimados atirados em praças, parques, esquinas –, pairando sobre o cotidiano
de todos e de cada um dos habitantes do país”.
“E é debaixo dessa nuvem que o novo presidente mexicano irá
enfrentar o dia seguinte ao da vitória. Ele herdará um país cada vez mais
atado aos desígnios de Washington. Um México que, graças a esse atestado de boa
conduta, atrai capitais, gera rendimentos, se tornou um país bom para os
investidores. Resta saber quando, e como, o México deixará de estar mergulhado
em sangue e passará a ser um país bom para os mexicanos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário