sábado, 23 de janeiro de 2010

pobre professor.....

Por que a educação é o lugar de nosso tropeço?

 

Desanimando o professor, prejudicando o aluno

Não sei o que pode criar maior desânimo em um professor e, conseqüentemente, nos alunos, que ele iniciar o ano recebendo míseros 7reais para cada hora-aula. Ah, quer dizer, eu não sabia! Agora vi que há como criar coisa pior. Pode-se colocar o professor com um carimbo na testa escrito “professor reprovado”. Não consigo entender qual a lógica de José Serra, governador de São Paulo e candidato à Presidência da República, e seu secretário da Educação Paulo Renato, por oito anos titular no MEC no período de FHC. Diante de uma escola pública tratada a tapas há anos, e com a educação do Estado de S. Paulo mostrando os piores índices nacionais em todas as avaliações, eles acreditaram que o melhor para essa escola seria massacrar de vez o professor. Será isso o que pensaram?
Talvez eles tenham acreditado que ao fazer um exame para o professor temporário, eles iriam dar classe apenas para os “aprovados”. Mas, se acreditaram nisso, não poderiam estar no cargo que estão, pois qualquer pessoa minimamente informada sobre a rede pública de educação poderia prever o resultado. Além disso, fosse qual fosse o resultado, o número de professores necessário para a rede é bem superior do que aquilo que se tem, portanto, qualquer um saberia que, de algum modo, haveria na sala de aula o agora tachado de “professor reprovado”.
É claro que o “reprovado”, no caso, não é o professor, tenha ela passado ou não na prova do governo. O reprovado aí é o governo estadual e o seu secretário de Educação.  Nada poderia ser pior do que 7 reais a hora-aula, era o que eu acreditava. Mas José Serra e Paulo Renato conseguiram chegar a uma situação mais degradante, que é dizer para o aluno o seguinte: “estude se quiser e pode até ficar reprovado, pois, afinal, o professor que está aí também é reprovado”. Não creio que a escola pública paulista irá se recuperar depois desse golpe. Um novo governo no Estado de São Paulo terá que começar tudo de novo. O PSDB nunca foi bem na área educacional em São Paulo, durante essas quase duas décadas no comanda do estado, mas a gestão Serra é realmente, de longe, a mais catastrófica.
O governo federal não fornece socorro
Diante de tal situação, poderíamos imaginar um socorro. Talvez pudéssemos recorrer ao governo federal. Mas também nesse plano as coisas vão de mal a pior. Os relatórios da Unesco e outros, publicados no início deste ano, 2010, mostram que o Presidente Lula e seu ministro da Educação, Fernando Haddad, deram um empurrão quantitativo no ensino superior público, mas não conseguiram fazer o mesmo quanto ao ensino básico. Claro que há um atenuante para salvar a pele desses dois: o ensino básico, em sua maioria, está nas mãos dos estados e todos os estados pagam muito pouco e cuidam mal de seus professores. Todavia, as ações do MEC não têm ajudado como poderíamos esperar.  O piso salarial unificado, proposto por Haddad, gerou um impasse: em alguns lugares, fez o salário ficar estagnado, em outros lugares, travou prefeitos e governadores. Haddad deveria ter feito um estudo regional e proposto não um piso, mas uma remuneração condizente com a de outros profissionais, na base de um índice de ganhos e possibilidades de cada região. Uma idéia simples! Mas parece que Haddad adora pensar complicado e, como no Enem, ele sempre termina complicando também a vida de outros.
O relatório da UNESCO que diz que o Brasil, nos últimos anos, piorou em educação, mostra isso em termos classificatórios. Entre 128 países o nosso figurava na posição 76 e foi para a posição 88. Isso foi devido, principalmente, ao número reduzido de crianças que chegam à quarta séria e também a um aumento da taxa de repetência. Nossa educação é fraca e nossos alunos se dão mal nos exames internacionais. Mesmos diante de uma escola que pouco solicita, nossa taxa de repetência ultrapassa atualmente a casa dos 12%. Não à toa temos esses resultados, pois somos ainda um país que gasta por aluno muito pouco se comparado com outros. Em 2005 gastávamos US$ 1.257 por aluno contra US$ 5.312 por aluno dos países desenvolvidos que, por sinal, já nem precisam de tanto. Atualmente, não mostramos grande alteração nesses números.
A relação de amor-ódio com o professor
A verdade é que após 16 anos de nossos dois melhores governos pó-ditadura, FHC e Lula, a área da educação parece continuar sendo um nó, e não há quem o desate.  Talvez só uma análise meio que psicanalítica poderia explicar tudo isso.
As melhores cabeças viriam para o magistério e tudo funcionaria a contento se o salário do professor fosse atrativo. Mas não é, e com um tipo de atuação como a do Serra, o desânimo é ainda maior. Por que os governantes relutam tanto em ser generosos com os professores como são com outras áreas? Nunca vi um operário do setor automobilístico, em uma greve, ser chamado para uma negociação e ouvir do governo o seguinte questionamento: “você colocou na praça um carro com defeito, e isso foi admitido pela sua própria fábrica em comunicado oficial, sendo assim, acreditamos que isso deva pesar para que você não tenha aumento, aliás, é até bom eu ver se não é o caso de você nunca mais ter aumento, e isso vai depender do exame que vou lhe aplicar no dia X”. Isso não ocorre com nenhum trabalhado como ocorre com o professor. Há algo de perverso na relação do patrão com o professor, seja o patrão-estado ou o patrão-empresário. Parece que com o professor, os dirigentes governamentais (e particulares, sem dúvida!) agem segundo uma relação de amor-ódio, como aquela que têm com seus pais. Sim, é claro, os professores sempre representarão seus pais – pois de fato o foram – e isso pode levantar situações edipianas. Além do mais, a figura do professor sempre lembra, para o adulto, aquele que o viu como criança, em uma posição infantil. Ora, não há adulto que não se irrite quando o chamam de “infantil”. A figura do professor, para muitos adultos que não amadureceram, sempre será aquela que lhe parecerá dizendo “ah, você é o menino tal”. É como se o professor fosse a testemunha de tudo que você se envergonha e que é, enfim, a sua própria infância. Ora, assim, não há como não pensar no professor como alguém que o patrão até pode conceder algo, mas somente se puder exercer sobre ele algum tipo de controle, talvez vingança.
Pode ser que Haddad e Paulo Renato não fujam dessa quase regra. Outros argumentos? Outras explicações? Não! A essa altura do campeonato só a hora aula chegando ao mínimo de 21 reais para todos, sem cobrança, sem “cursos de capacitação” e sem carimbo de “reprovado”, é que vamos conseguir algum resultado positivo na educação brasileira. Mas duvido que os que estão no poder possam se libertar dessa relação psicológica complicada que possuem com a figura do professor.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo.

Literatura comparada.....

Autores-tradutores do mundo árabe-muçulmano

Por Mônica Kalil Pires*

O  contato de culturas é, antes de mais nada, o encontro de pessoas oriundas de sociedades com valores e histórias diferentes. Para haver o entendimento, é preciso não apenas traduzir a língua, mas também apresentar uma cultura para a outra. Comunidade de origem e comunidade de recepção têm identidades próprias, construídas com base na história, na língua e na religião, entre outros aspectos. A tradução respeita essas diferenças, mas procura pontos e de contato e aceita as perdas inevitáveis.

Em minha tese de doutorado, investiguei como e por que autores contemporâneos, de origem libanesa mas vivendo fora de seu país de nascimento, apresentam a cultura árabe-muçulmana para o ocidente judaico-cristão. As obras escolhidas – Léon, l´africain e A incrível e fascinante história do Capitão Mouro, de Amin Maalouf e Georges Bourdoukan, respectivamente – são romances históricos que se passam entre o século XV  e o XVII, quando muçulmanos e judeus estavam em paz e eram perseguidos pela Inquisição cristã. Esses romances dialogam com o tempo dos autores, ou seja, durante e imediatamente depois da Guerra Civil do Líbano, que durou de 1975 a 1990 e opôs, esquematicamente, muçulmanos contra cristãos e judeus.

Léon, l´africain se passa entre 1490 e 1530, principalmente nas cidades de Granada, Fez, Cairo e Roma. A incrível e fascinante história do Capitão Mouro transcorre entre os anos de 1693 e 1694, período que antecedeu a tomada do Quilombo de Palmares, na Capitania de Pernambuco.
Por uma série de peripécias, os protagonistas, muçulmanos, acabam vivendo entre cristãos e têm com eles posturas distintas.

Leon aprendera a odiar os cristãos, responsáveis pela expulsão dos muçulmanos de Granada; em sua vida adulta, como comerciante e diplomata, mostra-se um ser aberto, em transformação: aprende com os antigos inimigos e questiona seus próprios valores, sem necessariamente negá-los. O Capitão Mouro, por outro lado, é um guerreiro, que defende sua identidade muçulmana mesmo arriscando sua vida, e enfrenta os cristãos, apresentados em bloco, como hipócritas, brutais e ignorantes.

Bourdoukan tem um discurso idealizado e simplificado sobre a relação entre judeus e muçulmanos, afirmando que nunca aqueles foram perseguidos por estes em terras do Islã; Maalouf mostra que havia, sim, algumas perseguições aos judeus, mesmo que elas não fossem a regra.
Nestes romances, a compreensão da História não é mais a mesma que a do século XIX, por isso amplia-se a noção de fontes e são valorizadas vozes de seres tradicionalmente emudecidos nos relatos oficiais, como as mulheres e os escravos, por exemplo.

Além dos fatos históricos, os autores também exploram outras características da cultura árabe-muçulmana, especialmente o uso de histórias que ajudam a compreender um conceito (os chamados mathal). Também nos romances são apresentados costumes e rituais muçulmanos e cristãos, fazendo com que o leitor perceba as diferentes leituras do mundo possíveis.

Várias diferenças se evidenciam quando se faz a comparação das obras, e isso porque Bourdoukan e Maalouf têm projetos literários distintos. Em Léon, l´africain, Maalouf prega a tolerância e isso se revela no romance com a apresentação dos diversos ângulos da História; cria personagens complexos e que têm dúvidas. Nesse espaço criado pela dúvida, reside a possibilidade de Paz. Bourdoukan, por sua vez, defende a Justiça como forma de atingir a Paz, e, pelo excesso de críticas já presentes na mídia ocidental, evita apresentar aspectos negativos da cultura e da história árabe-muçulmana. Em A incrível e fascinante história do Capitão Mouro, une os oprimidos contra os opressores; muda o conteúdo, não a estrutura da violência. O Islã vira um bloco sem problemas, à custa da exclusão de personagens e fatos que poderiam macular esta imagem.

Maalouf e Bourdoukan, cada um a seu modo, mostram como a literatura pode ampliar a visão de mundo dos leitores e propiciar intimidade com o outro, sem demonizá-lo. Para quem descobre o outro, esse pode ser o início de um relacionamento, com aceitação e interação cultural.

Este artigo é o resumo da tese de doutorado em Literatura Comparada “A tradução cultural em romances históricos: análise comparativa entre Léon, l´africain, de Amin Maalouf, e A incrível e fascinante história do Capitão Mouro, de Georges Bourdoukan”, defendida na UFRGS, em 2009, com o apoio do CNPq.

Publicado originalmente no site do Instituto de Cultura Árabe -http://mail2.terra.com.br/86.1trr/reademail.php?id=27594&folder=Inbox&cache=da7bfaf6f9d8dba78990ba0bca687e74@ecmailing.ecomm.com.br