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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A rede Globo e o sionismo mundial...


Globo, os palestinos não se veem por aí


Em 19 de dezembro, foi ao ar na chamada “novela das oito” da TV Globo, intitulada “Amor à vida”, uma cena que não deixa dúvidas a quem serve a emissora: aos interesses hegemônicos e ao império.

Por Soraya Misleh*, no Instituto da Cultura Árabe


  Resistência Palestina
  Resistência Palestina

A  telenovela líder da audiência em âmbito nacional, seguida pelo Jornal Nacional, apresentou na trama um romance entre um palestino, Pérsio (Mouhamed Harfouch), e uma judia, Rebeca (Paula Braun). No capítulo em questão, o primeiro deles declara que pertenceu a uma “célula terrorista” e se diz arrependido: “Eu queria ser um homem bomba. Achava que era um sacrifício justo pela causa do meu povo. Só não fui porque eu sou filho único, a minha mãe me procurou, insistiu demais pra eu desistir. Mas eu ajudei a organizar um atentado. Um amigo meu, um amigo próximo, foi o homem bomba. Ele entrou num ônibus em Jerusalém e explodiu, matando muita gente. Mulheres, crianças... crianças como o seu irmãozinho, Rebeca. Eu me senti culpado, quando vi o seu irmão, quando falei com a sua família. Eu percebi que a guerra, o terrorismo, atinge pessoas indefesas, crianças. Vendo aquele menino sorrindo, eu percebi que um dia eu quis atacar crianças como ele. Como eu posso dizer que aquele menino é meu inimigo?.” Alguns capítulos depois, no dia 30, em uma nova conversa, Rebeca se recusa a falar com Pérsio, a não ser profissionalmente, pelo que ele quis fazer com “seu povo”. E em cena no dia 7 de janeiro último, a personagem busca conselhos junto a um rabino, já que teria se apaixonado por “um árabe, um palestino”, pertencente a um “grupo terrorista”.

O diálogo que inaugura essa farsa é permeado por desinformação, distorção e manipulação da verdade. Rebeca chega a afirmar que há muitos casais judeus e palestinos em Israel, como conviria a qualquer estado democrático. A verdade é que a própria convivência está comprometida. O apartheid imposto aos palestinos impede até que vivam no mesmo bairro.

Alguém poderia afirmar que conhece um caso assim na atualidade. Mas não é essa a regra. Os palestinos que vivem onde hoje é Israel (território palestino até 1948, ano da criação desse estado como exclusivamente judeu) são considerados cidadãos de segunda ou terceira categoria, discriminados cotidianamente – há 30 leis racistas contra essas pessoas, que lhes impedem ter os mesmos direitos. Há dezenas de aldeias em que vivem que sequer são reconhecidas por Israel, o que significa que não lhes são assegurados serviços essenciais, como fornecimento de eletricidade, água, educação e saúde de qualidade.

Quem é o terrorista?
Em 1948, ano que na memória coletiva árabe é conhecido como “nakba”, a catástrofe, foram expulsos de suas terras e propriedades cerca de 800 mil palestinos e aproximadamente 500 aldeias foram destruídas para dar lugar a Israel. Massacres exemplares são hoje comprovados. Os palestinos, desumanizados desde o início desse projeto de limpeza étnica e colonização de suas terras, não foram apagados da história graças a sua resistência – apresentada na telenovela da Globo como terrorismo. Resistência reconhecida pelo direito internacional como legítima diante da ocupação.

Ademais, os chamados atentados com homens bomba, atos desesperados perante o silêncio do mundo e a falta de alternativas, há muito foram abandonados. A contextualização histórica sobre o terror de Estado que fabricou esses “homens bomba”, durante um tempo determinado, ficou fora da telinha. Assim como os contínuos ataques israelenses, que atingem sobretudo crianças e mulheres, com tecnologias de última geração vendidas depois ao mundo. Os laboratórios humanos em que se transformaram os palestinos no shopping center que se converteu Israel à venda de suas parafernálias militares também não encontraram lugar no diálogo que foi ao ar na “novela das oito”.

O autor de “Amor à vida”, Walcyr Carrasco, reforçou, assim, mitos que são denunciados pelo historiador israelense Ilan Pappe em seu artigo “Os dez mitos de Israel”. Entre eles, de que a luta palestina não tem outro objetivo que não o terror e que Israel é “forçado” a responder à violência. Segundo ele, a história distorcida serve à opressão, à colonização e à ocupação. “A ampla aceitação mundial da narrativa sionista é baseada em um conjunto de mitos que, ao final, lançam dúvidas sobre o direito moral palestino, o comportamento ético e as chances de qualquer paz justa no futuro. A razão é que esses mitos são aceitos pela grande mídia no Ocidente e pelas elites políticas como verdade.”

O Brasil não é exceção. Na contramão da campanha global por boicotes ao apartheid israelense, o governo federal se tornou nos últimos anos o segundo maior importador de tecnologias militares da potência que ocupa a Palestina e porta de entrada dessa indústria à América Latina. E sua cumplicidade com a opressão, ocupação e apartheid a que estão submetidos os palestinos é justificada a milhares de espectadores desavisados da novela da Globo, através de um discurso que reproduz a versão falsificada da história e se fortalece perante a representação orientalista – em que os árabes seriam “orientais” bárbaros e atrasados, ante cidadãos pacíficos e civilizados, segundo explicita o intelectual palestino Edward Said em seu livro “Orientalismo, o Oriente como invenção do Ocidente”.

Democratização já!

Num cenário de concentração midiática, preconceitos como esse – não são os únicos – são especialmente graves. Assim como é bastante preocupante que o tradicional show natalino do cantor Roberto Carlos, exibido na mesma emissora ao final de 2013, tenha sido patrocinado pela marca Café Três Corações, que tem como acionista majoritária uma empresa israelense cuja colaboração com a opressão em terras palestinas já foi amplamente denunciada.

Apesar do crescimento acentuado de usuários da internet – que chegaram à marca de 94,2 milhões ao final de 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) –, a maioria da população brasileira ainda se informa sobretudo pela TV, presente em 96,9% dos domicílios, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE). Enquanto a propaganda nesse meio é o principal impulsionador ao consumo, programas de entretenimento como as telenovelas igualmente moldam comportamentos, conceitos e ideias. E a produção desses encontra-se nas mãos de apenas seis famílias, detentoras das concessões públicas que lhes garantem espaço para difundir livremente preconceitos e falsificações históricas. Outorgas concedidas muitas vezes ao arrepio das leis vigentes, renovadas pelo governo brasileiro sem qualquer critério para garantir a pluralidade e diversidade na produção cultural.

Para transformar a realidade, é fundamental reforçar a luta pela democratização das comunicações e denunciar essas distorções que grassam na TV brasileira. É importante se somar às vozes que, nas manifestações de junho de 2013, protestaram contra o monopólio da mídia e elegeram para tanto o lema: “Globo, a gente não se vê por aqui”.

*Soraya Misleh é jornalista, membro da diretoria do ICArabe, da Ciranda Internacional da Informação Independente e do Mopat (Movimento Palestina para Todos)



domingo, 22 de dezembro de 2013

CARTA ABERTA À REDE GLOBO CONTRA A MENTIRA SOBRE OS PALESTINOS


CARTA ABERTA À REDE GLOBO CONTRA A MENTIRA SOBRE OS PALESTINOS


Federação Árabe Palestina do Brasil
A REDE GLOBO, DIREÇÃO E AUTOR DA NOVELA "AMOR À VIDA", PRESTAM UM TRIBUTO AO ÓDIO E PRECONCEITO AO EXIBIR CENA ONDE TRANSMITE O CONCEITO DE QUE TODOS OS PALESTINOS SÃO TERRORISTAS.
ISSO DEMONSTRA O QUANTO ESSA EMISSORA ESTÁ TOTALMENTE DESCONECTADA COM A REALIDADE DO CONFLITO PALESTINO ISRAELENSE OU ESTÁ CONECTADA COM SETORES MINORITÁRIOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA QUE PREGAM A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ÉTNICA E RELIGIOSA COMO FILOSOFIA DO AGIR E PENSAR.
MAL SABEM ESSES SENHORES DESSA EMISSORA QUE OS PALESTINOS SÃO ÁRABES E QUE NO BRASIL HÁ MAIS DE 12 MILHÕES DE ÁRABES E SEUS DESCENDENTES(LIBANESES, SÍRIOS, LIBANESES, EGÍPCIOS, JORDANIANOS E OUTRAS NACIONALIDADES ÁRABES).
MAL SABEM ESSES SENHORES QUE AO OFENDER E DISCRIMINAR O POVO PALESTINO ESTÃO DISCRIMINANDO NÃO SÓ OS BRASILEIROS ÁRABES, MAS TODA A NAÇÃO BRASILEIRA QUE RECEBEU DE BRAÇOS ABERTOS ESSES ÁRABES QUE SEMPRE CONTRIBUIRAM PARA O DESENVOLVIMENTO E CONSTRUÇÃO DO BRASIL.
A HISTÓRIA DA PRESENÇA ÁRABE NO BRASIL ESTÁ PRESENTE DESDE A CHEGADA DE PEDRO ÁLVARES CABRAL. EM TODOS OS RAMOS DA ATIVIDADE HUMANA ESTÃO PRESENTES OS BRASILEIROS DE ORIGEM ÁRABE: CULTURA, CULINÁRIA, ECONOMIA,MEDICINA, ENGENHARIA, POLITICA, COMÉRCIO E TANTAS OUTRAS ATIVIDADES.
EM VEZ DE PREGAR A PAZ ENTRE ISRAELENSES E PALESTINOS, ENTRE ÁRABES E JUDEUS NO BRASIL, A DIREÇÃO DA REDE GLOBO PREGA O CONFLITO, IMPORTA O CONFLITO DE MANEIRA IRRESPONSÁVEL E ENGAJADA. ÁRABES E JUDEUS NO BRASIL NUNCA TIVERAM NENHUM TIPO DE PROBLEMA DE CONVIVÊNCIA E DIÁLOGO AQUI NO BRASIL. A DIREÇÃO DA GLOBO NÃO QUER QUE CONTINUE ASSIM? A QUEM ESTÁ PRESTANDO ESSE SERVIÇO DE GERAR ÓDIO E CONFLITO?
REPUDIAMOS, CONDENAMOS TAL LINHA DE AÇÃO E EXIGIMOS QUE OS RESPONSÁVEIS PELA CENA SE RETRATEM E SE SE DESCULPEM COM OS PALESTINOS E OS ÁRABES. É O MINIMO QUE PODERÃO FAZER PARA REPARAR ESSA DESASTROSA CENA VISTA POR MILHÕES DE BRASILEIROS.
FEDERAÇÃO ÁRABE PALESTINA DO BRASIL
Representante da comunidade palestino brasileira

Eu não sou terrorista - I am not a  terrorist
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PARA QUEM QUISER E PUDER ENVIAR SEU PEDIDO DE RETRATAÇÃO POR PARTE DO AUTOR DA NOVELA EM RELAÇÃO A EPISÓDIO LAMENTÁVEL, LIGAR PARA A GLOBO, O TELEFONE É 400-22884, SEM DDD. É SÓ CHAMAR DIRETO E FAZER A CRÍTICA.
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PARA ENTENDER MELHOR O FATO:
Não costumo assistir televisão e confesso que não é raro eu me surpreender com algum tipo de discussão envolvendo algum episódio,personagem ou desinformação sendo difundida de forma no mínimo leviana pela televisão brasileira. Se considerarmos que as telenovelas também são possuidoras de uma importância cultural e política, tendo em vista sua grande audiência e o fato de que elas deixaram de ser apenas voltadas para o lazer para se tornarem um espaço cultural de intervenção para a discussão e introdução de hábitos e valores, talvez seja possível percorrer mais um caminho para se compreender a forma como os árabes - e mais recentemente, os muçulmanos, são vistos no Brasil.
Em 2010, realizei um levantamento exploratório com o intuito de verificar a quantidade de novelas em que havia presente um ou mais personagens árabes. O objetivo foi averiguar possíveis mudanças na forma como eles estão presentes no imaginário social da população brasileira. Tal levantamento permitiu constatar que entre 1967 e 2009 personagens árabes apareceram com algum destaque em cerca de 10 telenovelas nacionais. Desse total, os árabes adquiriram status de protagonistas principais em apenas duas delas, a saber: "O Sheik de Agadir" (1967) e "O Clone" (2001).
Um dos aspectos que mais chamou a atenção foi que após 2001, ou seja, período correspondente àquele do atentado de 11 de setembro ao World Trade Center nos EUA, a teledramaturgia brasileira levou quase uma década até contar novamente com algum personagem de origem árabe.
Curiosamente – ou não-, em 2009, a emissora de televisão Record lançou "Poder Paralelo",uma novela que contou com dois personagens de origem árabe, os quais inauguraram uma nova forma de representá-los na teledramaturgia brasileira aos caracterizá-los como terroristas.
De lá para cá, eu não pude acompanhar com a devida atenção o eventual aparecimento de personagens árabes (e/ou muçulmanos) em novelas brasileiras, mas hoje me surpreendi ao ver uma discussão no grupo Somos Árabes sobre um episódio ocorrido em um folhetim exibido atualmente: "Amor à vida".
Como eu desconhecia atrama, tentei ler os comentários deixados no grupo enquanto que me situava um pouco melhor em relação ao assunto que teria gerado a polêmica. Por fim, após pesquisar um pouco - provavelmente não com a atenção necessária, pois meu dia foi super corrido, eu percebi que novamente a televisão brasileira tem prestado um desserviço à população disseminando uma série de desinformações e estereótipos, caricaturas e contribuindo para reforçar aquilo que o intelectual palestino Edward Said já chamava atenção no final da década de 1970: o fato de que cada vez mais o árabe aparece por toda a parte como algo ameaçador.
Se no Brasil esse imaginário demorou algumas décadas até ganhar força, atualmente, parece que a nossa televisão brasileira não tem se esforçado muito para esclarecer à população o quão prejudiciais esses imaginários criados a respeito de culturas estrangeiras, religiões etc. podem ser.
Lamento muito que o autor da novela exibida atualmente, o senhor Walcyr Carrasco, não tenha sido capaz de romper com esse ciclo de preconceito e desinformação a respeito do povo palestino. Inacreditável pensar que cenas como essa que pode ser vista clicando no link entre parênteses (http://extra.globo.com/tv-e-lazer/telinha/amor-vida-persio-revela-que-foi-terrorista-cogitou-ser-homem-bomba-10926733.html)sejam exibidas de forma irresponsável, e que não gerem no mínimo um repúdio por parte de uma sociedade como a nossa, que convive com distintas presenças árabe sem tantas esferas do cotidiano e, a meu ver, deveria possuir esclarecimento suficiente para compreender que o sofrimento de um povo e as dramáticas consequências devem ser tratadas com o devido cuidado e respeito.
Do contrário,enquanto continuarem difundindo desinformação, mais ódio nascerá nos corações das pessoas e mais distante da paz esse povo ficará.
Deixo aqui, em nome do Presença Árabe no Brasil esta nota de repúdio ao autor da novela, sugerindo ainda, que este senhor pesquise melhor sobre aquilo a que se propõe escrever,tratando com respeito e responsabilidade assuntos sérios que envolvem tanto sofrimento e dor. Demonizar uma religião ou um povo é um ato grave,irresponsável e possui consequências desastrosas.
Patricia El-moor –Presença Árabe no Brasil

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Gaza: “Guerra” é inadequado. Terrorismo de Estado soa melhor

 



Desde o início da operação “Pilar Defensivo”, teriam sido mais de 90 palestinos mortos e 700 feridos na faixa de Gaza. Segundo a administração do território, 70% dos feridos e metade dos mortos eram civis. Pelo menos três civis israelenses tombaram no mesmo período, vítimas de mais de 80 foguetes que atingiram seu território dentre centenas lançados a partir de Gaza.
Por enquanto, dá 30 para 1, mas a tendência é aumentar. Número de mortes não deveriam ser comparadas, pois a dor não é algo mensurável. Mas isso serve para ranquear nossa ignorância e estupidez. Se fosse uma ação violenta da polícia carioca junto a favelas, mesmo as classes mais abastadas – muitas vezes lenientes com a morte dos mais pobres – já teria chamado a situação de chacina ou massacre. Nesse caso, relutamos em falar em banho de sangue. O próprio recém-eleito Barack Obama saiu em defesa de seu aliado no Oriente Médio: “nenhum país do mundo toleraria una chuva de mísseis sobre seus cidadãos”. Refere-se a Israel, mas poderia se aplicar à Palestina se os Estados Unidos a reconhecem como país.
Podemos chamar de guerra quando um dos lados é tão superior militarmente ao outro, fato que se traduz na contagem de corpos, como no caso dos ataques israelenses? Considerar normal uma taxa de 50% de “danos colaterais”, ou seja, de morte de civis em confronto? Por que não montamos um placar eletrônico de vez? Ou, melhor ainda, que tal uma tela de LCD gigante, diante da sede das ONU em Nova Iorque, mostrando – em tempo real – quantos anos o Exército israelense está roubando do futuro dos palestinos, tornando real a promessa de seu ministro do Interior, Eli Yishai, de que o país pretende “mandar Gaza de volta à Idade Média”?
Concordo quando dizem que não há crise humanitária em Gaza, aquela pequena faixa de terra entre Israel e o Egito ocupada por palestinos. Crise humanitária existia antes do bloqueio decretado por Israel devido à eleição do Hamas e ao lançamento de foguetes contra seu território anos atrás. Hoje, o que há é algo próximo ao que ficou conhecido como campo de concentração.
Em 2010, uma pequena frota de barcos com ativistas tentava amenizar, levando produtos de primeira necessidade, quando foi atacada pelas forças armadas israelenses, resultando em, ao menos, dez mortos e mais de 30 feridos. Ah, é claro, os barcos também levavam armas de destruição em massa, como estilingues e bastões, com os quais os pobres soldados, armados de simples metralhadoras, foram atacados ao abordá-los. As forças israelenses quase não resistiram às terríveis rajadas de bolas de gude, mais letais que as terríveis pedras lançadas manualmente por palestinos nos protestos em terra.
Presenciamos um massacre unilateral e não uma guerra – dezenas de civis, inclusive mulheres e crianças, morreram desde o início da última operação miliar contra Gaza. E tendo em vista a intensidade e a forma desse cerceamento, o que estamos presenciando soa mais como (mais uma etapa de) genocídio do que crise. Guerra é inadequado, terrorismo de Estado seria melhor.
Se de um lado, estúpidos extremistas palestinos não aceitam a existência de Israel, do outro estúpidos extremistas israelenses reivindicam Gaza e Cisjordânia como parte de seu território histórico. Para estes, árabes em geral são bem aceitos no seu território, desde que sirvam para mão de obra barata. A diferença entre esses dois grupos é que Israel tem poder de fogo para levar esse intento adiante, enquanto o outro lado não.
O certo é que o islamismo radical vai ficando mais forte do que antes. E o Hamas não é o verdadeiro problema nessa equação, há outros grupos mais radicais que não obedecem a sua autoridade. Mesmo que a maioria dos seus líderes morram, surgirão outros, lembrando que as condições de vida em Gaza são uma tragédia, com crianças revoltadas diante de tanta violência social e física, prontas para serem cooptadas por grupos fundamentalistas.
Os dois lados devem parar, mas é estúpido dizer que há um conflito com partes iguais e responsabilidades iguais. Israel acha que vai conseguir controlar os ataques contra seu território com mais porrada? Aliás, será que o governo considera que não foi ele mesmo quem, historicamente, criou essa situação? Portanto, caos queira seguir a política que adotou até agora, não é à Idade Média que Israel terá que mandar Gaza para se sentir segura e sim extirpar um povo do mapa. O tempo passa, os papeis se invertem.
Quais as chances de jovens que vêem seus pais, irmãs, namoradas serem mortos hoje não tentarem vingar suas mortes amanhã?
Nenhuma.

domingo, 1 de julho de 2012

O racismo e a transformação social do Brasil

Por Dennis de Oliveira na REVISTA FORUM

O movimento negro brasileiro notabilizou-se em lutar contra injustiças sociais mais radicalizadas, como a violência social e policial, o extermínio de crianças e adolescentes negros, o aumento da miserabilidade, entre outros. Destaca-se a denúncia feita nos anos 1990 do documento da Escola Superior de Guerra, intitulado “Estrutura do Poder Nacional para o Século XXI”.
Esse texto, produzido em 1988 pelo think tank da ditadura militar, alertava que havia dois focos “perigosos” para a estabilidade do sistema: os “menores” de rua e os cinturões de pobreza. Por essa razão, o documento da ESG sugeria que os poderes constituídos lançassem mão de todos os mecanismos, inclusive “pedir o concurso das Forças Armadas para enfrentar esta horda de bandidos, neutralizá-los e mesmo destruí-los para que seja mantida a lei e a ordem”.

Uma entidade, a União de Negros pela Igualdade (Unegro) denunciou esse documento no I Encontro Nacional de Entidades Negras, realizado em 1991 no ginásio do Pacaembu,em São Paulo, lançando a palavra de ordem “Combate ao extermínio programado da população negra e pobre no Brasil”.
Foi um momento de resistência à ampliação da violência racial por conta da implementação do modelo neoliberal no País. O movimento negro participou ativamente da mobilização em prol do Estatuto da Criança e Adolescente, da campanha contra a esterilização indiscriminada de mulheres negras, contra o recrudescimento da violência policial, entre outras campanhas.
A pressão do movimento negro foi fundamental para que o Estado brasileiro reconhecesse, em1995, aexistência do racismo na sociedade brasileira. Naquele ano, de celebração do tricentenário de Zumbi dos Palmares, dois grandes eventos foram realizados. O primeiro, foi a Marcha Zumbi à Brasília, ocasião em que foi entregue ao então presidente da República um documento reivindicando políticas públicas de enfrentamento do racismo. O governo, ao receber o documento e constituir um grupo de trabalho interministerial, reconheceu publicamente a existência do racismo na sociedade brasileira.
Mas outro evento importante foi o Congresso Continental dos Povos Negros das Américas, realizado no Memorial da América Latina,em São Paulo, em que lideranças de organizações negras do continente se reuniram para discutir o panorama das relações raciais. O resultado disso foi a constituição de redes de articulação de entidades antirracistas na América Latina, que foi fundamental na participação na Conferência da ONU de Combate ao Racismo, em 2001, em Durban, África do Sul.

Racismo estrutural

No decorrer da preparação da Conferência de Durban, participei do Foro Social de las Americas na cidade de Quito, organizado pela Agência Latinoamericana de Información (Alai). Apresentei um texto intitulado “Racismo estrutural: apontamentos para uma discussão conceitual” (disponível em http://www.movimientos.org/dhplural/foro-racismo/noticias/show_text.php3?key=96).

A ideia básica desse texto é discutir o racismo como um mecanismo ideológico que legitima desigualdades sociais, culturais e de acesso ao poder. É retirar o tema do racismo do “comportamento individual” apenas e tão somente e discuti-lo na perspectiva das estruturas sociais de poder. Naquele momento, o neoliberalismo radicalizava a exclusão e a concentração de renda, razão pela qual as formas mais cruéis de racismo apareciam no cenário político – como a ideologia nazista em países europeus.
Dessa forma, o enfrentamento do racismo tem uma natureza política. E, aí, entram aspectos importantes que precisam ser refletidos pelos movimentos sociais na sua atuação.

Primeiro:O racismo como ideologia reproduz e consolida estruturas sociais de poder desigual e de concentração de renda. Dessa forma, a construção de uma sociedade mais justa e igualitária passa, necessariamente, pelo enfrentamento do racismo.

Segundo:O racismo cria privilégios de caráter racial, em maior ou menor grau, que beneficiam sujeitos mesmo entre classes sociais equivalentes. Assim, a vigilância antirracista tem de ser permanente, e não “seletiva” no sentido de “perdoar” eventuais manifestações racistas porque elas acontecem dentro de segmentos sociais que lutam por um mesmo ideal.

Terceiro:A luta contra o racismo necessita de uma ampliação do protagonismo das lideranças negras nos espaços de visibilidade pública dos movimentos sociais e organizações partidárias.
E, finalmente, o quarto aspecto: É preciso que a luta contra o racismo incorpore elementos importantes para a afirmação dos afrodescendentes como portadores de valores simbólicos próprios. A defesa das manifestações culturais de matriz africana não pode ser feita de forma meramente instrumental e até demagógica: deve ser parte efetiva de um projeto de transformação radical do País. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“Se eu encontrar dez justos na cidade não a destruirei”

Waldemar Rossi   no CORREIO DA CIDADANIA

A frase acima faz parte do primeiro livro bíblico e mostra um momento na História daquele povo em que a corrupção corria solta, em que todos os valores humanos tinham sido jogados na lata do lixo. Os escritores fizeram essa narração nos tempos da escravidão na Babilônia, pretendendo mostrar a decadência do império babilônico – cuja derrota se deu algumas décadas mais tarde. Não se trata de querer “catequizar” ninguém. O que se pretende com o título e com este artigo é chamar a atenção para o grau de degradação por que passa a nação brasileira, hoje, quase três milênios depois da narração do fato hipotético.

Cinqüenta anos atrás, imaginar que a degradação do povo brasileiro pudesse chegar ao fundo do poço era inadmissível. Mas está acontecendo. Como de hábito na História dos povos, tudo é fruto da corrupção dos poderes que, marcada pela impunidade e alardeada pelos meios de comunicação – que a praticam em larga escala –, vai impregnando o conjunto da população. Corrupção dos políticos já era bem conhecida. Mas, entre a população havia muito de dignidade e de respeito à vida alheia. Uso e abuso da droga eram ainda bem pequenos; assassinatos geravam revoltas e indignação, e de massacres não se tinham conhecimento, embora esses sempre fizessem parte da nossa criminosa história de colonização e escravatura. Nos meios urbanos do início do século XX havia mais respeito à vida alheia e preservação da honradez.

Mas os interesses do capital são perversos e amorais. E esses valores estão prevalecendo como nunca havia acontecido. Seu único valor é o lucro. Para atingi-lo tudo é válido, desde a destruição de valores humanos, até mesmo destruição de todo tipo de vida, incluída a vida humana. Quanto maior a decadência moral maior a facilidade para a dominação ideológica e a exploração econômica - seu objetivo último e supremo.

Como seu deus é a riqueza, o capitalista usa de todos os recursos para dela se apropriar. Organiza e promove golpes militares, implanta ditaduras; prende, tortura e assassina seus opositores; invade terras dizimando nações indígenas, seus habitantes milenares; massacram trabalhadores rurais (posseiros, quilombolas, ribeirinhos, pequenos proprietários); derrubam matas imensas, extinguindo milhares de espécies animais e vegetais; contaminam águas de lagoas, de rios, subterrâneas e marítimas; provocam acidentes ambientais destruidores de toda espécie de vida.

E os mandantes desses crimes restam impunes e, mais que isto, incentivados e subsidiados por governantes inescrupulosos e corrompidos pelo poder econômico. A justiça se tornou vesga e profundamente manchada de sangue do seu povo. Centenas de juízes e ministros se tornam piores que Pilatos, porque não têm como lavar suas mãos impregnadas do sangue dos inocentes. Neste triste Brasil, a cada dia surgem notícias de assassinatos de trabalhadores, de indígenas e até daqueles(as) que, marcados pelos valores da justiça, decidem fazer frente a tanto banditismo oficial.

É deprimente acompanhar o noticiário e deparar, a cada dia, a revelação de mais um grupo de corruptos dos altos escalões, federais, estaduais e municipais. Assim como já se tornou corriqueiro saber que obras públicas nas três instâncias de governo são superfaturadas ou contratadas em desrespeito às leis e ao direito. Provocam sorrisos irônicos dos cidadãos os desmentidos por parte dos acusados, que não mostram o menor escrúpulo pelos crimes praticados. Sabem que serão preservados de punições maiores, sabem que as cadeias não foram feitas para eles e sim para os pequenos infratores ou mesmo para muitos inocentes.

Felizmente, podemos dizer que há mais de dez justos neste país, não entre os que estão no poder - salvo raríssimas exceções. O que nos alimenta novas esperanças é perceber que a cada ano maior número de pessoas se dá conta do descalabro reinante, vai perdendo antigas ilusões quanto ao sistema e até mesmo quanto a organizações ultrapassadas. São pessoas que, despertando do marasmo e do torpor, vão se indignando e ousando engrossar as colunas - ainda débeis, mas crescentes - do movimento social, se juntando às pessoas que teimam em resistir à degradação oficial.

Sem dúvidas se trata de um fenômeno mundial. De várias partes do mundo surgem notícias que resgatam as esperanças, que alimentam a vontade popular de promover alguma revolução política, econômica e cultural. Em muitos países a evolução é maior que no Brasil.

Mas aqui também a vergonha não desmoronou totalmente e o brio vem promovendo reações positivas. Professores e alunos lutam por mudanças estruturais nas escolas e universidades em vários estados do país; trabalhadores promovem paralisações da produção exigindo melhores condições de trabalho, de salário e de vida; campanhas pela moralização da política vêm ganhando espaços nas cidades; denúncias da corrupção são cada vez mais freqüentes; debates das questões políticas, ambientais, de segurança e econômicas se multiplicam aos poucos, gerando pequenas mobilizações. São luzes tênues ainda, mas sinais inequívocos de que as coisas estão em processo de mudanças. “Debaixo do céu há momento para tudo... Tempo para destruir e tempo para construir;... tempo para rasgar e tempo para costurar;... tempo para chorar e tempo para rir.” (Ec. 3, 1-8).

Está chegando a hora, tempo de o povo rasgar o que está podre e costurar a sociedade da justiça social e da solidariedade entre os homens e mulheres de boa vontade. Perder a esperança, jamais! Não vacilar, mas perseverar com muita confiança e convicção no poder criativo do povo esclarecido e organizado.


Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Racismo contra grupo de Estudantes Negros da Universidade Federal de Santa Maria por Vigilante

Racismo de seguranca Universidade santa maria UFSM
Toda vez que nós estudantes negros nos reunimos para discutir determinados assuntos ou até mesmo conversar entre nós no campus da universidade, somos observados por pessoas e especialmente pela segurança que chega perto para ver, ouvir e vistoriar o que estamos fazendo.
Na quarta feira, por volta das 18:30 estávamos lendo e debatendo o que seria importante dar ênfase no evento. Havia outros grupos próximos a nós, mas sofremos a mira dos olhares oblíquos das pessoas que as vezes se discara.
Chegam, próximos a nós, dois colegas que foram nos cumprimentar e na saída um deles caminhando de costas e falando conosco tropeça e cai por cima de um carro estacionado no campus da universidade. Seguindo a linha de tratamento dela para conosco e a falta de respeito, ela grita a metros de distancia como se o rapaz, também negro fosse um ladrão, este por sua vez permaneceu parado. Ela também estava parada há muito tempo apenas nos observando com dois homens que se identificam como dono do carro e sobrinho deste.
Ela permanece gritando e caminha em direção a nós como se tivéssemos cometido algum crime.O rapaz prontamente se identifica, fornece seu endereço e se dispõe a pagar a antena quebrada. A vigilante não identificada por crachá permanece a coerção grita e abusa de seu poder. Falamos que ela não tinha o direito de assim agir visto que ela era vigilante da universidade e aquele carro não era patromônio. O rapaz que havia tropeçado ja havia pedido desculpas e se comprometido a pagar a antena.
Eles, ao contrário, não haviam se identificado. Não disseram nomes apenas o senhor confirmou o que a vigilante disse sobre ser pai de aluno da universidade. O que de fato não faria do carro dele um patrimônio da mesma. Após sair os dois estudantes, o negro que tropeçou e a testemunha, um rapaz branco o único que ela não ofendeu e não apontou. Continuamos lendo o texto e ela nos mirando de longe como já fazia.
Pouco tempo depois ela volta com o "sobrinho do dono do carro" e fica parada próximo a nós e fica fazendo ameaças para que escutássemos. Disse que se ele não pagasse para falar com ela que ela daria um jeito. Que chamaria a brigada militar para entrar aqui na faculdade. Dissemos que o assunto já tinha sido resolvido e que não era necessário a entrada da Brigada Militar, e que inclusive ela poderia entrar no espaço da Universidade.
A segurança responde que ela pode chamar quem ela quiser e que se fosse de sua vontade os militares entrariam na universidade e resolveriam o problema, pois na UFSM era ela quem mandava. Em todo momento ela estava com a mão na arma e no cassetete para nos intimidar. Dissemos que ela era segurança que não era policial e que deveria saber a diferença entre ambos.
Falamos que eramos estudantes que aquilo era um absurdo, abuso de poder e ela disse que nós não pareciamos estudantes, que não deveriamos estar na universidade e que não tinhamos cara de estudante. Haviam vários grupos tomando mate, pessoas de fora da universidade levando cachorro pra passear no campus e nós não tinhamos cara de estudantes?
Porque nós o único grupo só de negros, com livros e Notebooks não tínhamos cara de estudantes? A segurança permaneceu nos coagindo quando o então "sobrinho do dono do carro" disse que bateria em uma das membras da associação, para que essa se cuidasse, que ele o pegaria lá fora da universidade.
A vítima da ameaça indaga a segurança "ele me ameaça dentro da faculdade e a senhora não vai fazer nada?" A vigilante responde: tu merece, tu que começou. Resolvemos, depois da saída deles que deveriamos ir a policia prestar queixa. Ao sair sempre havia um carro da segurança atrás de nós ou um segurança olhando e seguindo a gente e passando informação no rádio. Entramos e saímos da universidade, não conseguimos registrar queixa na polícia mais próxima.

Dia 3 de novembro

Fomos seguidos desde o café da manhã, dentro do Restaurante Universitário até próximo ao meio-dia, quando estávamos aguardando uns aos outros para almoçar. A vigilante e até mesmo o que não estava envolvida no dia anterior, se mantinham parados ao nosso lado e nos encaravam a todo tempo. No almoço a vigilante racista sentou próxima a nossa mesa e quando saímos ela fez questão de passar o rádio . Ao sair do restaurante universitário já havia segurança atrás de nós novamente. Encontramos amigos próximo ao caminho de casa que estão preocupados com isso, eles viram como estamos sendo perseguidos e se colocaram a disposição para testemunha. Uma das membras da associação tinha aula às 13:30 no prédio 17 - um pouco distante da Casa do Estudante, uma amiga [branca] a levou até lá e testemunhou que foi seguida até o prédio. Quando sai da aula havia três vigilantes me esperando.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Terrorismo político organizado: O massacre norueguês, o Estado, os media e Israel


James Petras [*]
 
James Petras 
O atentado à bomba no gabinete do primeiro-ministro norueguês em 22/Julho/2011, Jen Stoltenberg, do Partido Trabalhista, o qual matou oito civis, e o subsequente assassinato político de 68 activistas desarmados da Juventude do Partido Trabalhista na Ilha Utoeya, a apenas 20 minutos de Oslo, pelo militante neo-fascista cristão-sionista, levantam questões fundamentais acerca do crescimento das ligações entre a extrema-direita legal, os media “de referência”, a política norueguesa, Israel e o terrorismo de extrema-direita.


Os mass media e a ascensão do terrorismo de direita:

Os principais jornais de língua inglesa, The New York Times (NYT), o Washington Post (WP), o Wall Street Journal e o Financial Times (FT), bem como o presidente Obama, culparam “extremistas islâmicos”, desde os primeiros relatórios policiais dos assassinatos, publicando uma série de manchetes incendiárias (e falsa) e reportagens, etiquetando o evento como o “11/Set da Noruega”, o qual reflectia a motivação ideológica e justificação mencionada pelo próprio assassino político cristão-sionista, Anders Behring Breivik. Na primeira página do Financial Times (de Londres) de 23-24/Julho, lia-se “Temores do extremismo islâmico: O pior ataque na Europa desde 2005″. Obama imediatamente citou o ataque terrorista na Noruega para mais uma vez justificar suas guerras além-mar contra países muçulmanos. O FF, NYT, WP e WSJ activaram seus auto-intitulados “peritos” os quais debateram acerca de quais líderes ou movimentos árabes/islâmicos foram responsáveis – apesar de informações da imprensa norueguesa da “prisão de um homem nórdico em uniforme de polícia”.
Evidentemente, os mass media e a elite política dos EUA estavam ansiosos por utilizar o atentado bombista e os assassinatos para justificar guerras imperiais em curso além-mar, ignorando o florescimento de organizações internas de extrema-direita e indivíduos violentos que são a consequência da propaganda de ódio oficial islamofóbica.
Quando Anders Breivik, um conhecido extremista neo-fascista, entregou suas armas à polícia norueguesa, sem resistência, e reivindicou o crédito pelo atentado bombista e o massacre, teve início a segunda fase do encobrimento oficial. De imediato ele foi descrito como “um solitário lobo assassino”, o qual “actuou sozinho” (BBC, 24/Julho/2011) ou como mentalmente demente, minimizando suas redes políticas, seus mentores ideológicos e compromissos com americanos, europeus e israelenses, que o levaram aos seus actos de terrorismo. Ainda mais ultrajante, os media e responsáveis ignoraram o facto de que este ataque terrorista complexo e com múltiplas fases estava além da capacidade de uma pessoa “demente”.
Anders Behring Breivik foi membro de um partido político de extrema-direita, o Partido do Progresso, e colaborador e contribuidor de um sítio web abertamente neo-nazi. Ele frequentemente centrava seu ódio sobre o Partido Trabalhista governante pela sua relativa tolerância de imigrantes. Despreza imigrantes, especialmente muçulmanos, e era um ardente apoiante cristão-sionista repressão e terror israelense contra o povo palestino. Sua acção criminosa foi essencialmente política e integrada numa rede política muito mais vasta.
A elite política e os media fizeram todo o possível para negar o entrecruzamento de ligações entre islamófobos ideológicos “legais”, como os sionistas americanos Daniel Pipes, David Horowitz, Robert Spencer e Pamela Geller, o Partido da Liberdade da extrema-direita holandesa dirigido pelo intriguista Geert Wilders e seus homólogos no Partido do Progresso norueguês que se mobiliza contra a “ameaça muçulmana”. Os terroristas da “acção directa” tomam inspiração em partidos eleitorais, como o Partido do Progresso, o qual recruta e doutrina activistas, como Behring Breivik, os quais deixam então a “estrada eleitoral” para executarem suas carnificinas sangrentas, permitindo aos promotores do ódio “respeitáveis” condená-lo hipocritamente… após a afronta.

O assassino fascista: Um super-homem solitário viaja mais rápido do que uma bala contra a polícia que se move mais devagar do que uma tartaruga reumática:

O caso do “terrorista lobo solitário” desafia a credibilidade. É um tecido de mentiras utilizadas para encobrir cumplicidade do estado, má conduta da inteligência e a aguda viragem à direita tanto na política interna como externa de países da NATO.
Não há qualquer base para aceitar a afirmação inicial de Breivik de que actuou só devido a várias razões relevantes: Primeiro, o carro bomba, que devastou o centro de Oslo, era uma arma altamente complexa que exigir perícia e coordenação – da espécie disponível para estados ou serviços de inteligência, como o Mossad, o qual se especializa em carros bombas devastadores. Amadores, como Breivik, sem treino em explosivos, habitualmente explodem-se a si próprios ou falta-lhes a qualificação necessária para conectar os dispositivos electrónicos de temporização ou detonadores remotos (como provaram fracassados “sapatos” e “cuecas” dos bombistas da Times Square).
Em segundo lugar, os pormenores de (a) movimentar a bomba, (b) obter (roubando) um veículo, (c) colocar o engenho no sítio estratégico, (d) detonar com êxito e (e) então vestir um elaborado uniforme da polícia especial com um arsenal de centenas de munições e conduzir em outro veículo para a ilha de Utoeya, (f) esperar pacientemente enquanto armado até os dentes por um ferry-boat, (g) cruzar-se com outros passageiros no seu uniforme de polícia, (h) acercar-se dos activistas da Juventude Trabalhista e começar o massacre de grande número de jovens desarmados e finalmente (i) liquidar os feridos e caçar aqueles que tentavam esconder-se ou nadar para longe – não é a actividade de um fanático solitário. Mesmo a combinação de um Super-homem, Einstein e um atirador de classe mundial não podiam executar tais tarefas.
Os media e os líderes da NATO devem encarar o público como passivos estúpidos ao esperar que acreditem que Anders Behring Breivik “actuou só”. Ele está disposta a aguentar uma sentença de 20 anos de prisão, pois sustenta que a sua acção colectiva é a fagulha que incendiará seus camaradas e promoverá a agenda dos partidos violentos e legais de extrema-direita. Frente a um juiz norueguês, em 25 de Julho, ele declarou publicamente a existência de “mais duas células na minha organização”. De acordo com testemunhas na Ilha Utoeya, foram ouvidos tiros de duas armas distintas vindos de diferentes direcções durante o massacre. A política, dizem eles, está a … “investigar”. Não é preciso dizer que a polícia nada encontrou; ao invés disso simularam um “show” para encobrir a sua inacção com a invasão de duas casas longe do massacre e rapidamente libertaram os suspeitos.
Contudo, a mais grave implicação política da acção terrorista é a ostensiva cumplicidade de altos responsáveis da polícia. A polícia levou 90 minutos para chegar a Ilha Utoeya, localizada a menos de 20 milhas [32 km] de Oslo, 12 minutos de helicóptero e 25 a 30 minutos de carro e barco. O atraso permitiu aos assassinos da extrema-direita utilizaram toda a munição, maximizando a mortes de jovens, activistas anti-fascistas, e devastando o movimento trabalhista juvenil. O chefe de polícia, Sveinung Sponheim, deu a mais fraca das desculpas, afirmando “problemas com transporte”. Sponheim argumentou que não estava pronto um helicóptero e que “não podiam encontrar um barco” (Associated Press, 24/Julho/2011).
Mas havia um helicóptero disponível. Ele conseguiu voar a Utoeya e filmar a carnificina em curso, e mais da metade dos noruegueses, um povo marítimo há milénios, possui ou tem acesso a um barco. Uma força policial, confrontada com o que o primeiro-ministro chama a “pior atrocidade desde a ocupação nazi”, a mover-se ao ritmo de uma tartaruga reumática para resgatar jovens activistas, levanta a suspeita de algum nível de cumplicidade. A questão óbvia que se levanta é o grau em que a ideologia do extremismo de direita – neo-fascismo – penetrou a polícia e as forças de segurança, especialmente os escalões superiores. Este nível de “inactividade” levanta mais questões do que respostas. O que sugere que os sociais-democratas só controlam parte do governo – o legislativo, ao passo que os neo-fascistas influenciam o aparelho de estado.
O facto claro é que a polícia não salvou uma única vida. Quando finalmente chegou, Anders Behring Breivik havia esgotado a sua munição e rendeu-se à polícia. A polícia literalmente não disparou um único tiro; ela nem mesmo teve de caçar ou capturar o assassino. Um cenário quase coreografado: Centenas de feridos, 68 desarmados, activistas pacíficos mortos e o movimento da juventude trabalhista dizimado.
A polícia pode afirmar “crime resolvido” enquanto os mass media tagarelam acerca de um “assassino solitário”. A extrema-direita tem um “mártir” para mascarar um novo avanço na sua cruzada anti-muçulmana e pró Israel. (Recorda o celebrado fascista israelense-americano, assassino em massa, Dr. Baruch Goldstein, que massacrou dúzias de palestinos desarmados, homens e rapazes e um pregador, em 1994).
Apenas dois dias antes dos assassínios políticos, o responsável do Movimento da Juventude do Partido Trabalhista, Eskil Pederson, deu uma entrevista ao Dagbladet, o segundo maior tablóide da Noruega, na qual anunciava um “embarco económico unilateral de Israel por parte da Noruega” (Gilad Atzmon, 24/Julho/2011).
O facto que importa é que os militares noruegueses não têm problemas e despachar rapidamente 500 tropas para o Afeganistão, a milhares de quilómetros e proporcionar seis jactos e pilotos da Força Aérea Norueguesa para bombardear e aterrorizar a Líbia. E ainda assim eles não podem encontrar um helicóptero ou um simples barco para transportar a sua polícia algumas centenas de metros para impedir um acto terrorista interno da direita – cujo comportamento assassino estava a ser descrito segundo a segundo pelas jovens vítimas aterrorizadas nos seus telemóveis aos seus pais desesperados.

As raízes imperiais do fascismo interno: Conclusão

Claramente, as decisões da Noruega e outros países escandinavos de participar nas cruzadas imperiais dos EUA contra muçulmanos e especialmente árabes no Médio Oriente excitaram e revigoraram a direita neo-fascista. Eles agora querem “trazer a guerra para casa”: querem que a Noruega vá mais além, “expurgar a nação, pela expulsão de muçulmanos. Eles querem “enviar uma mensagem” ao Partido Trabalhista: Ou aceita uma plena agenda neo-fascista a favor de Israel ou aguarda mais massacres, mais fascistas eleitos, mas seguidores de Anders Behring Breivik.
O “Partido do Progresso” é agora o segundo maior partido político na Noruega. Se uma coligação “conservadora” derrotar os trabalhistas, neo-fascistas provavelmente terão assento no governo. Quem sabe, após uns poucos anos de bom comportamento, eles possam encontrar uma desculpa para comutar a sentença do seu ex-camarada … ou proclamá-lo mentalmente reabilitado e livre.
O que é claramente necessário é a retirada imediata de todas as tropas de guerras imperiais e um combate sistemático, coerente e organizado contra terroristas internos e seus padrinhos intelectuais na América, Israel e Europa. A Juventude Trabalhista deve ir em frente com o seu pedido de que o governo trabalhista, sob o primeiro-ministro Jen Stoltenberg, reconheça a nação da Palestina e implemente um boicote total a bens e serviços de Israel. Uma campanha de educação política nacional e internacional deve ser organizar para revelar as ligações entre fascistas eleitorais respeitáveis e terroristas violentos. Os mártires da Juventude Trabalhista da Ilha de Utoeya deveriam ser guardados no coração e os seus ideais ensinados em todas as escolas. Seus inimigos e apoiantes de extrema-direita, abertos, encobertos ou directamente cúmplices, deveriam ser revelados e condenados. A melhor armas contra o renovado ataque neo-fascista é uma ofensiva política e educacional, assumindo as tradições de combate anti-fascista e anti-Quisling (o notório colaborador nazi da Noruega) dos seus avós. Não é demasiado tarde – se o Partido Trabalhista, os sindicatos noruegueses e a juventude anti-fascista actuarem agora antes do dilúvio do fascismo ressurgente.
31/Julho/2011

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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Caingangue defende trabalho como camelô: “Não assaltamos bancos, como os brancos fazem”


"Muita coisa mudou e ainda vai mudar muito. Hoje tem índio vereador, índio motorista. Estamos pensando, para 2014, em ter um deputado” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Felipe Prestes no Sul21

Felipe da Silva encontrou na Praça da Alfândega e na Rua da Praia o seu sustento. Na mais tradicional via de Porto Alegre, vende bijuterias, lenços e outros badulaques – no inverno, se destacam os gorros e as luvas. Sentado em uma cadeira de praia, aguarda pacienciosamente os transeuntes, ou joga conversa fora com amigos que trabalham por ali. Com os clientes, é monossilábico. Limita-se a responder o que perguntam. Em outra cadeira, a esposa, Rosalina, maneja cipós com uma faca, produzindo pequenos artigos de decoração.
Felipe é líder de uma comunidade caingangue que reúne 35 famílias e cerca de 190 pessoas no bairro Lomba do Pinheiro, na periferia da capital gaúcha. Como ele e a esposa, mais de uma dezena de famílias caingangues vive do comércio de rua no centro da cidade. Nos finais de semana, eles rumam para o Brique da Redenção.
Rosalina faz artigos para decoração com cipó e intervém: "Os índios são os donos do Brasil" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Foi Felipe quem os aglutinou, há cerca de dez anos, em uma comunidade formada por caingangues de diferentes partes do Estado. “Os caingangues se conhecem. Eu fui chamando: ‘Quer morar comigo, meu primo? Quer morar comigo, meu irmão?’”. Felipe atualmente ocupa o posto de vice-cacique. Foi cacique durante bastante tempo, depois entregou o cargo para um de seus oito filhos, Claudir, mais conhecido como Preto. “Temos 23 casas de material, posto de saúde, escola estadual indígena”, gaba-se Felipe.
O vice-cacique veio do extremo norte do Rio Grande do Sul, região que os caingangues já habitavam desde os primeiros contatos com homens de origem europeia, onde ainda hoje vive a maioria deles, que são cerca de 30 mil em todo o sul do Brasil. Felipe nasceu há 63 anos em Tenente Portela e vivia em Nonoai quando decidiu se estabelecer de uma vez em Porto Alegre. Durante cerca de dez anos ele vinha sazonalmente à Capital como ainda fazem muitos caingangues. Na época de Páscoa, por exemplo, muitos dos que vivem em aldeias no norte do Estado viajam para grandes cidades para vender macela e artesanatos. Numa dessas visitas, há cerca de uma década, Felipe resolveu ficar.
“Aqui dá para tirar mais dinheiro”, ele explica. Nas aldeias, o trabalho com o plantio de feijão leva 90 dias para dar algum resultado, conta. Outra alternativa dos caingangues tem sido a criação de galinhas, mas os indígenas não costumam ter capital para que este negócio dê certo.
Lojistas e feirantes temem que indígenas como Felipe “ocupem toda a rua” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Muita coisa mudou e vai mudar mais”

Há quem não concorde com o trabalho dos caingangues no centro de Porto Alegre. Lojistas e integrantes de uma feira de artesanato na Rua da Praia temem que eles “ocupem toda a rua” e clamam por “igualdade”. Isso porque eles precisam regularizar seu trabalho, pagar impostos, mas os indígenas não. Também entendem que os indígenas só devem ter autorização para vender produtos feitos por eles, e não produtos industrializados. “Eles fugiram de suas características, são camelôs. O branco não pode botar uma banca para vender camelô. O índio pode”, diz o feirante Paulo. A prefeitura também tem se movimentado para que os indígenas trabalhem em outros locais que não as concorridas Praça da Alfândega, Rua da Praia e Brique da Redenção.
“Hoje, o índio está quase igual ao branco. Eu tenho que ter relógio para controlar o horário do ônibus, tenho que usar roupa de branco, porque não posso andar quase pelado no meio de vocês”, diz Felipe. Exatamente por este motivo defende que os caingangues não podem ficar apenas vendendo os artesanatos que produzem. “Muita coisa mudou e ainda vai mudar muito. Hoje tem índio vereador, índio motorista. Estamos pensando, para 2014, em ter um deputado”, diz.
O líder caingangue considera legal o trabalho que faz.“O índio trabalha legalmente. Não assalta bancos, como os brancos fazem”, diz. No comércio está justamente a opção, segundo Felipe, para que ele e seus companheiros tenham uma vida digna. “Leio o jornal todos os dias, sei das malandragens que existem. Não quero que a minha comunidade se envolva com maconha”, exemplifica. Quando diz que “a rua é pública”, Rosalina intervém. “Os índios são os donos do Brasil”.
Apesar da veemência com que defende seu trabalho, o próprio Felipe também fica ressabiado. Quando pedimos para tirar fotos, ele orienta que tiremos apenas dos produtos artesanais feitos por sua esposa, e por dois arcos e flecha que já estavam prontos.
"O índio trabalha legalmente. Não quero que a minha comunidade se envolva com maconha" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sérgio, um amigo, negro, que estava batendo papo com Felipe quando chegamos, observa que os artigos de artesanato indígena não sustentam uma família em Porto Alegre, porque o turismo é fraco. “Não há turismo em Porto Alegre, não tem como ficar apenas vendendo flechas. Se fosse no Nordeste, venderiam como água”, projeta. “No interior, os índios têm as terras deles. Na capital trabalham vendendo as coisas deles, mas precisam mais, não é suficiente”, defende.
Em pouco tempo, o comércio deve deixar de ser a única opção para os indígenas que optaram pela vida em uma grande cidade. A universidade já é uma realidade para alguns integrantes da comunidade caingangue da Lomba do Pinheiro. Um dos caingangues que trabalha no comércio de rua estuda enfermagem em uma universidade particular e espera que o trabalho na Rua da Praia seja apenas temporário. Um dos filhos de Felipe cursa Odontologia. Na escola indígena da comunidade, o vice-cacique conta que todos os profissionais são caingangues. “Só o diretor da escola é branco, porque ainda não temos ninguém capacitado”.

sábado, 25 de junho de 2011

Xenofobia difícil de acabar


por Marcela Valente, da IPS

Buenos Aires, Argentina, 24/6/2011 – Embora a nova legislação sobre imigração da Argentina seja considerada das mais progressistas da América Latina, a persistência de acentuados sinais xenófobos e discriminatórios em várias camadas da sociedade mostra que o avanço ainda é mais teórico do que prático. A rejeição ao estrangeiro, sem papéis legais, atinge milhares de imigrantes em escritórios públicos, nas ruas, nos diferentes empregos, nas escolas ou nos hospitais da Argentina, apesar de a lei lhes reconhecer direito de acesso a todos os serviços livremente.
1351 218x300 Xenofobia difícil de acabar“Passo sempre pelo hospital e está cheio de peruanos e paraguaios que tiram lugar dos argentinos”, diz à IPS uma mulher que garante reconhecer, apenas passando pela porta, “o sotaque” dos pacientes atendidos no centro médico estatal de San Isidro, uma localidade da região metropolitana de Buenos Aires. A socióloga Corina Rodríguez Enriquez, do Centro Interdisciplinar para o Estudo de Políticas Públicas (Ciepp), seleciona outra frase de igual teor, anotada em seu estudo, dita por taxistas: “Estes negros de merda, porque não voltam para o seu país?”.
Corina é autora de um trabalho, ainda inédito, sobre a imigração de mulheres paraguaias para a Argentina, uma dinâmica que ela insere nas “cadeias globais de cuidado”, para trabalhar cuidando da casa, dos filhos e dos idosos. A pesquisa integra um projeto da ONU Mulheres que também analisa “as cadeias de cuidado” entre imigrantes equatorianas e bolivianas na Espanha, peruanas no Chile e nicaraguenses na Costa Rica.
Na América Latina, a emigração feminina passou de 44,7% do total em 1960 para 50,5% em 2000. Esta feminização do fenômeno se acentuou a partir dos anos 1990 devido às crises econômicas que atingem seus países de origem. Corina afirmou que a transnacionalização dos cuidados cai em um regime injusto, no qual são vulnerados direitos, tanto dos que emigram quanto dos que devem enfrentar as tarefas familiares deixadas por quem parte.
As imigrantes, que deixam seus países em busca de melhores oportunidades de emprego, e que têm, em geral, pouca qualificação, costumam deixar para trás filhos aos cuidados de familiares para trabalhar em casas das classes média e alta. O principal ramo onde as mulheres se empregam é o serviço doméstico. Na Argentina, 58,1% das paraguaias trabalham nesse setor e, apesar de cuidar de uma instituição apreciada neste país como é a família, costumam ser discriminadas. Essa marginalização também atinge as mulheres em outros estratos sociais.
No artigo, a socióloga diz que a nova legislação migratória “é progressista” e “ampliou direitos”, mas, alerta, ainda persistem “travas culturais” no acesso à saúde ou educação, que respondem a uma “inércia” da burocracia. “A xenofobia e a discriminação continuam sendo uma realidade palpável na Argentina”, afirmou a autora. “A igualdade de direitos com o imigrante nem sempre é bem-vinda pelos argentinos”, acrescentou.
Para sua pesquisa, Corina fez diversas entrevistas com imigrantes empregadas na limpeza e no cuidado de crianças e idosos. Também ouviu patroas e funcionários e associações de imigrantes e de defensores dos direitos humanos. Dos depoimentos constam expressões discriminatórias de algumas empregadoras, um grupo que, por ter contratado estrangeira para trabalhar em sua casa, supõe-se que teria menos preconceitos.
“Há paraguaias que são muito sujas”, disse uma. “Tive duas experiências ruins com paraguaias porque são meio mentirosas”, afirmou outra. “Estes estereótipos de características vinculadas a nacionalidades também aparecem nos meios de comunicação, no discurso de funcionários e de vizinhos”, disse Corina à IPS. “São sinais persistentes da sociedade argentina”, acrescentou.
Estes males convivem com uma série de reformas em torno das migrações que foram pioneiras na região. Por um lado, a lei de 2004, que revogou uma norma da última ditadura (1976-1983) e, por outro, um programa que facilitou a regulamentação de estrangeiros sem os documentos necessários. Em conversa com a IPS, Luciana Litterio, da Direção Nacional de Migrações, assegurou que a Argentina foi o primeiro país da América Latina a avançar em uma lei reconhecendo a imigração como um direito humano.
“Depois o Uruguai promoveu uma lei semelhante, que teve a da Argentina como modelo, e agora, no Equador, se trabalha em uma lei que também coloca eixo nos direitos da pessoa”, acrescentou Luciana. A lei argentina, entre outras disposições, ordena que seja garantido o acesso de imigrantes à saúde e à educação públicas e elimina a obrigação de os funcionários públicos denunciarem os estrangeiros ilegais.
Já o Programa Pátria Grande, lançado em 2006, permitiu a mais de 400 mil imigrantes acesso a residência temporária apenas apresentando seu documento nacional e não tendo antecedentes criminais. Isto é, sem contrato de trabalho. Entretanto, Pablo Asad, representante da organização humanitária Centro de Estudos Legais e Sociais, que trabalha na cobertura legal com imigrantes, considera que ainda há muitas falhas na concretização dos direitos.
Asad destacou que há imigrantes que não conseguem matricular seus filhos em escolas públicas ou que são rejeitados em hospitais por não terem documento de identidade argentino e, ainda, que não existe um órgão onde denunciar estas falhas. Também ressaltou que a política argentina privilegia imigrantes de países próximos, facilitando os trâmites, mas age de forma mais rígidas com imigrantes de fora da América do Sul, como dominicanos ou senegaleses. 

Envolverde/IPS