O movimento negro brasileiro notabilizou-se em lutar contra
injustiças sociais mais radicalizadas, como a violência social e
policial, o extermínio de crianças e adolescentes negros, o aumento da
miserabilidade, entre outros. Destaca-se a denúncia feita nos anos 1990
do documento da Escola Superior de Guerra, intitulado “Estrutura do
Poder Nacional para o Século XXI”.
Esse texto, produzido em 1988 pelo think tank da ditadura
militar, alertava que havia dois focos “perigosos” para a estabilidade
do sistema: os “menores” de rua e os cinturões de pobreza. Por essa
razão, o documento da ESG sugeria que os poderes constituídos lançassem
mão de todos os mecanismos, inclusive “pedir o concurso das Forças
Armadas para enfrentar esta horda de bandidos, neutralizá-los e mesmo
destruí-los para que seja mantida a lei e a ordem”.
Uma entidade, a União de Negros pela Igualdade (Unegro) denunciou
esse documento no I Encontro Nacional de Entidades Negras, realizado em
1991 no ginásio do Pacaembu,em São Paulo, lançando a palavra de ordem
“Combate ao extermínio programado da população negra e pobre no Brasil”.
Foi um momento de resistência à ampliação da violência racial
por conta da implementação do modelo neoliberal no País. O movimento
negro participou ativamente da mobilização em prol do Estatuto da
Criança e Adolescente, da campanha contra a esterilização indiscriminada
de mulheres negras, contra o recrudescimento da violência policial,
entre outras campanhas.
A pressão do movimento negro foi fundamental para que o Estado
brasileiro reconhecesse, em1995, aexistência do racismo na sociedade
brasileira. Naquele ano, de celebração do tricentenário de Zumbi dos
Palmares, dois grandes eventos foram realizados. O primeiro, foi a
Marcha Zumbi à Brasília, ocasião em que foi entregue ao então presidente
da República um documento reivindicando políticas públicas de
enfrentamento do racismo. O governo, ao receber o documento e constituir
um grupo de trabalho interministerial, reconheceu publicamente a
existência do racismo na sociedade brasileira.
Mas outro evento importante foi o Congresso Continental dos Povos
Negros das Américas, realizado no Memorial da América Latina,em São
Paulo, em que lideranças de organizações negras do continente se
reuniram para discutir o panorama das relações raciais. O resultado
disso foi a constituição de redes de articulação de entidades
antirracistas na América Latina, que foi fundamental na participação na
Conferência da ONU de Combate ao Racismo, em 2001, em Durban, África do
Sul.
Racismo estrutural
No decorrer da preparação da Conferência de Durban, participei do
Foro Social de las Americas na cidade de Quito, organizado pela Agência
Latinoamericana de Información (Alai). Apresentei um texto intitulado
“Racismo estrutural: apontamentos para uma discussão conceitual”
(disponível em http://www.movimientos.org/dhplural/foro-racismo/noticias/show_text.php3?key=96).
A ideia básica desse texto é discutir o racismo como um mecanismo
ideológico que legitima desigualdades sociais, culturais e de acesso ao
poder. É retirar o tema do racismo do “comportamento individual” apenas e
tão somente e discuti-lo na perspectiva das estruturas sociais de
poder. Naquele momento, o neoliberalismo radicalizava a exclusão e a
concentração de renda, razão pela qual as formas mais cruéis de racismo
apareciam no cenário político – como a ideologia nazista em países
europeus.
Dessa forma, o enfrentamento do racismo tem uma natureza política. E, aí, entram aspectos importantes que precisam ser refletidos pelos movimentos sociais na sua atuação.
Primeiro:O racismo como ideologia reproduz e consolida
estruturas sociais de poder desigual e de concentração de renda. Dessa
forma, a construção de uma sociedade mais justa e igualitária passa,
necessariamente, pelo enfrentamento do racismo.
Segundo:O racismo cria privilégios de caráter racial, em maior
ou menor grau, que beneficiam sujeitos mesmo entre classes sociais
equivalentes. Assim, a vigilância antirracista tem de ser permanente, e
não “seletiva” no sentido de “perdoar” eventuais manifestações racistas
porque elas acontecem dentro de segmentos sociais que lutam por um mesmo
ideal.
Terceiro:A luta contra o racismo necessita de uma ampliação do
protagonismo das lideranças negras nos espaços de visibilidade pública
dos movimentos sociais e organizações partidárias.
E, finalmente, o quarto aspecto: É preciso que a luta contra o
racismo incorpore elementos importantes para a afirmação dos
afrodescendentes como portadores de valores simbólicos próprios. A
defesa das manifestações culturais de matriz africana não pode ser feita
de forma meramente instrumental e até demagógica: deve ser parte
efetiva de um projeto de transformação radical do País.
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