Mostrando postagens com marcador legalidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador legalidade. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 5 de março de 2013

“O PDT se afastou do trabalhismo”, afirma Carlos Araújo


Aos 75 anos, Carlos Araújo voltará a se filiar ao PDT | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

Ex-deputado estadual e fundador do PDT no Rio Grande do Sul, Carlos Franklin Paixão Araújo afirma que o partido está “descaracterizado” e “afastado das raízes do trabalhismo” no país. Após romper com a sigla em 2004 e permanecer ausente da política desde então, o ex-marido da presidente Dilma Rousseff (PT) voltará a se filiar ao PDT em março deste ano.
O retorno de Carlos Araújo ao PDT ocorre às vésperas da convenção que irá eleger o comando nacional da sigla – que permanece com o ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi desde a morte de Leonel Brizola, em 2004. Carlos Araújo retorna ao PDT para ajudar os netos de Brizola a disputar a hegemonia no partido.
Nesta entrevista ao Sul21, Carlos Araújo fala sobre a situação do PDT no país e no Rio Grande do Sul e defende uma maior formação política dos seus militantes. Para o ex-deputado, o trabalhismo é doutrina que irá levar o brasil ao socialismo. “Pretendo me filiar em março. O trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo. Quero participar dessa luta”, explica.
Com 75 anos de idade, Carlos Araújo é natural de São Francisco de Paula e ingressou clandestinamente na Juventude do Partido Comunista Brasileiro aos 14 anos – sigla na qual militou até 1957. Formado em Direito pela UFRGS, começou a ter contato com Leonel Brizola durante a campanha da Legalidade, em 1961. Após o golpe militar, em 1964, ingressou na luta armada e foi um dos dirigentes da VAR-Palmares. Foi na guerrilha que conheceu sua ex-mulher, Dilma Rousseff, com quem foi casado durante 30 anos, de 1969 a 1999. Graças ao relacionamento com Carlos Araújo, Dilma veio morar em Porto Alegre, já que o marido encontrava-se detido na Ilha do Presídio, durante os anos 1970. Ainda hoje, Carlos Araújo é uma das pessoas mais próximas de Dilma, com quem teve uma filha, Paula, e compartilha um neto, Gabriel.
Após eleger-se deputado estadual em 1982 e reeleger-se por mais duas legislaturas, Carlos Araújo – que também disputou a prefeitura de Porto Alegre em 1988 e 1992 – abandonou a vida pública, devido a um enfisema pulmonar que vem lhe causando complicações desde 1995.
“O trabalhismo é uma corrente de pensamento que tem como base a defesa dos direitos sociais no capitalismo”
Ex-deputado abandonou o partido em 2004 e afirma que, mesmo com o retorno, não irá se candidatar a cargos públicos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Como o senhor avalia a situação atual do PDT no país?
 
Carlos Araújo – O PDT está um pouco descaracterizado, se afastou das raízes do trabalhismo. Falta ao PDT uma prática social maior, uma maior participação nos movimentos sociais. O partido deveria se voltar aos grandes problemas nacionais, mas não faz esses debates. A atuação é muito tímida. Internamente, é preciso haver mais democracia, discussão e revezamento de poder no PDT. Não podemos ter lideranças que se eternizam no poder.

Sul21 – Como o partido vem administrando a era pós-Leonel Brizola?
 
Carlos Araújo – Sempre é difícil administrar um partido após a perda de um grande líder. Leva tempo até que se encontre um rumo. O PDT procura esse rumo, mas não tem encontrado. A perda de um grande líder sempre gera embaraços, cria dificuldades e barreiras a serem superadas.

Sul21 – Foi um erro do partido ficar tão dependente do Brizola?
 
Carlos Araújo – Acho que não. A história tem mostrado, principalmente nos países emergentes, que as forças sociais se estruturam em cima de grandes lideranças. Líderes como Fidel Castro, Hugo Chávez e Leonel Brizola discursam durante muito tempo. Fidel chegou a falar por 14 horas seguidas. O Brizola já discursou por 7 horas. Esses líderes aprenderam que a educação para a consciência das massas é formada, em grande parte, pela audição. Esses líderes se destacam e é muito difícil formar um partido com eles. O PT tem um grande líder, mas o partido depende muito do Lula. É bom para o PT ter estrutura, conseguir caminhar sozinho, mas é algo muito difícil.

Sul21 – O senhor ajudou a fundar o PDT no Rio Grande do Sul. O que o partido representava em sua origem?
 
Carlos Araújo – O PDT sempre representou o trabalhismo. É uma corrente de pensamento que tem como base a defesa dos direitos sociais no capitalismo. Getúlio Vargas, que é o fundador do trabalhismo, quando tomou o poder, em 1930, tinha que responder à seguinte pergunta: “Como vai ser o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil?”. Então ele disse: “O meu governo terá como base uma democracia social, uma democracia política e uma democracia econômica. O Estado será um indutor do desenvolvimento, mas as rédeas do processo estarão nas mãos das forçais sociais”. Ele usava essa expressão: “Forças sociais”. Em seguida, as elites paulistas e mineiras se levantaram, em 1932, dizendo que esse projeto não servia para o país. Eles acreditavam que as forças sociais não conseguiam gerir o capitalismo no Brasil, defendiam que só quem poderia fazer isso era o capital internacional. Queriam que os representantes do capital internacional desenvolvessem o capitalismo brasileiro.
“Embora tenha feito e esteja fazendo grandes governos, o PT perdeu a sua auréola”
Carlos Araújo entende que PDT deve disputar espaço na esquerda | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Esse embate existe até hoje no país?
 
Carlos Araújo – Continua. Por isso tentaram derrubar o Getúlio em 1932 e em 1937. Por isso conseguiram derrubá-lo em 1945 e o levar ao suicídio em 1954. Foi a mesma questão que levou a derrubarem o Jango em 1964. Getúlio dizia que a hegemonia do processo político tem que estar com as forças sociais. Em 1866, quando houve a primeira eleição na Inglaterra, perguntaram ao Marx – que dirigia a Internacional – como os trabalhadores deveriam votar. Havia um candidato capitalista e outro que representava o regime monárquico anterior. O capitalismo naquela época era terrível, com crianças morrendo nas fábricas, trabalhando 20 horas por dia. Marx respondeu que os trabalhadores deveriam fazer uma aliança com os capitalistas. E disse que o ideal seria que, nessa aliança, os trabalhadores tivessem a hegemonia. Ele dizia que os trabalhadores seriam capazes de desenvolver o capitalismo com mais sabedoria do que os próprios capitalistas, dando um sentido mais social a ele. Foi isso que Getúlio falou. É isso que aconteceu nos governos Lula e acontece no governo Dilma. É o desenvolvimento do capitalismo com as rédeas do processo nas mãos das forças sociais. É a única forma de desenvolver o capitalismo e dividir o bolo enquanto ele vai crescendo. Se não vai tudo apenas para um lado. O trabalhismo representa essa visão do desenvolvimento capitalista.

Sul21 – O PDT não alimenta mais o discurso do trabalhismo?
 
Carlos Araújo – Não está mais adotando esse discurso e está muito desvinculado dos movimentos sociais. O PDT perdeu muito espaço, mas ele pode ser recuperado. Há um espaço para que o PDT avance. Embora tenha feito e esteja fazendo grandes governos, o PT perdeu a sua auréola. Isso nos faz pensar em como será no futuro. Sem o PT, surgirá outro partido para ocupar seu espaço? É uma questão muito delicada e o trabalhismo tem um papel a desempenhar nesse contexto, desde que esteja envolvido com os movimentos sociais.

Sul21 – O PDT pode voltar a disputar o poder dentro da esquerda?
 
Carlos Araújo – Sim. Esse é o destino do PDT, por isso o partido precisa retomar o seu caminho. O Brizola concorreu por duas vezes à Presidência. Em uma, ele perdeu por pouco no primeiro turno e apoiou Lula no segundo. Na outra eleição, foi vice do Lula. Nosso caminho é esse, é marchar junto com as forças de esquerda.
“Quem é de esquerda e está na política institucional tem que ser militante. Tem que pular muro e subir morro”
Sul21 – O senhor retornará ao PDT?
 
Carlos Araújo – Pretendo me filiar em março. Eu estava esperando melhorar um pouco a saúde. Sou trabalhista, penso que o trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo. Quero participar dessa luta.
Carlos Araújo dará cursos de formação política a jovens do PDT nas tardes de sábado | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Quando o senhor tomou essa decisão?
 
Carlos Araújo – Essa decisão foi construída. O que me levou a acelerar o processo foi eu pensar que os netos do Brizola têm um papel a cumprir no partido. Eles estão sendo muito injustiçados dentro do PDT. Isso me levou à aproximação com eles.

Sul21 – Foi difícil o rompimento com o PDT em 2004?
 
Carlos Araújo – Foi, eu senti muito. Mas era uma conjuntura em que eu não queria mais permanecer no PDT nem em partido nenhum. Foi um afastamento. Saí para ficar mais livre, para não dizerem que eu desobedeci às normas do partido. Mas continuei muito amigo dos companheiros trabalhistas, nunca me afastei totalmente. Nunca tive vontade de ingressar em outros partidos.

Sul21 – Com o retorno ao PDT, o senhor pretende voltar a disputar eleições?
 
Carlos Araújo - Não vou concorrer. Vou ajudar na formação de quadros e em tudo o que eu puder. Como eu fiquei doente, é muito difícil permanecer na política institucional. Quem é de esquerda e está na política institucional tem que ser militante. Tem que pular muro e subir morro.
“Há uma crise partidária na esquerda. Os partidos estão muito desorganizados e não formam seus militantes”
Ex-marido de Dilma defende democratização do estatuto do PDT | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Qual a importância da convenção nacional do PDT para renovação do partido?
 
Carlos Araújo – É muito difícil que haja uma renovação agora. O estatuto do PDT é muito rígido e autoritário, dá muito poder à executiva e ao diretório nacional. É muito difícil furar esse cerco. Eu estou retornando ao PDT e participando de uma corrente que quer sacudir o partido, que vai disputar a convenção. Estamos tentando fazer uma conciliação, para verificar se há trânsito dentro do partido. Acreditamos que o Alceu Collares é um bom candidato para essa transição. Precisamos ter um candidato que consiga unificar o partido, que está muito dividido. E que seja um candidato de transição, fixando regras para uma nova eleição e aproximando as correntes para construir a unidade possível.

Sul21 – Essa transição seria para realizar reformas no estatuto?
 
Carlos Araújo – Sim, para oxigenar o partido. O estatuto precisa ser mais democrático e adequado a nossa realidade. O estatuto atual foi feito pelo Brizola, que já havia perdido um partido e não queria perder outro. Então ele fez um estatuto extremamente centralizado e muito rígido. Agora não temos mais uma liderança do vulto do Brizola, por isso precisamos adequar o estatuto à nossa realidade.

Sul21 – Então a intenção é lançar um candidato de conciliação? Não haverá um candidato de oposição ao atual grupo que comanda o PDT?
 
Carlos Araújo – Se não der, iremos lançar sim esse candidato. Tentaremos fazer a conciliação até onde der. Se não for possível, lançaremos um candidato, mesmo que seja para perder.

Sul21 – Os irmãos Juliana Brizola (deputada estadual gaúcha), Carlos Brizola (deputado federal licenciado e atual ministro do Trabalho) e Leonel Brizola (vereador do Rio de Janeiro), todos netos de Leonel Brizola, fazem parte deste movimento. Quem mais integra o grupo?
 
Carlos Araújo – Dos integrantes gaúchos eu destacaria o Afonso Mota (secretário estadual do Gabinete dos Prefeitos) e o deputado federal Giovani Cherini. Também há muitos prefeitos.
“O prestígio do Lula e da Dilma é muito grande. Mas essa força eleitoral fantástica não se expressa da mesma forma como grande força política”
Sul21 – É um grupo majoritariamente formado por gaúchos?
 
Carlos Araújo – Não, temos apoios nos estados. Minas Gerais nos apoia. Há esforços em vários estados. Essa análise deve ser feita mais adiante. Na segunda-feira (4) tem uma reunião da executiva nacional que fixará as regras para a convenção nacional.
Para Carlos Araújo, as “consequências do poder” tornaram a esquerda acomodada| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi – afastado da pasta por denúncias de corrupção e presidente nacional da sigla desde a morte do Brizola – prejudicou o partido?
 
Carlos Araújo – Eu não gostaria de pessoalizar nada. Prefiro não abordar esse assunto, ao menos no momento. Quero travar a luta interna em um nível estritamente político.

Sul21 – Mas no entendimento do grupo do senhor, os dirigentes atuais do PDT são responsáveis pela situação que vocês criticam.
 
Carlos Araújo – Sim. Queremos democratizar o partido. Queremos que o PDT tenha uma vida política interna permanente, não só em época de eleição. Há uma crise partidária na esquerda. Os partidos estão muito desorganizados e não formam seus militantes. Os jovens querem cursos, mas os partidos não dão. O PDT tem uns cerca de 600 jovens atuantes em Porto Alegre, que disputaram os DCEs da UFRGS e da PUCRS com chapa própria. Tem bastante dirigente jovem atuando. Mas eles estão sedentos por conhecimento e por discussão política. É um absurdo eles não saberem onde buscar conhecimento, quais livros ler. Eu fiz uma reunião com esses jovens na terça-feira (26), vou começar a dar cursos a eles nos sábados à tarde. Eles querem discutir e participar e a esquerda não está ocupando plenamente esse espaço de debates.
Sul21 – Por que não?
 
Carlos Araújo – Talvez por estar no poder. São as chamadas “consequências do poder”. Há uma certa acomodação. Todos os quadros políticos vão para o aparelho do Estado e ficam envolvidos em atividades burocráticas. Teria que haver uma maior formação política. Mas, ao mesmo tempo, os quadros precisam ir para o aparelho do Estado, precisam governar. É uma questão complicada.
“A principal questão colocada hoje é a do bem estar do conjunto da sociedade ainda no capitalismo. Uma revolução socialista não está na ordem do dia”
Sul21 – Com a chegada do PT e seus aliados ao poder, outros grupos políticos fazem fortes críticas à esquerda deste projeto que está no governo do país há 10 anos.
 
Carlos Araújo – Há uma fragmentação. Mas, veja bem: na sociedade, o prestígio do Lula e da Dilma é muito grande. Todas as pesquisas demonstram muito apoio da população. Mas essa força eleitoral fantástica não se expressa da mesma forma como grande força política. Há um descompasso.
Carlos Araújo defende que PT apoie candidatura do PDT ao governo gaúcho em 2018 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – No campo ideológico, mudou o debate na esquerda? Anteriormente, principalmente nos anos 1960 e 1970, havia mais forças organizadas defendendo a superação total do capitalismo. Essa bandeira já não é mais defendida por muitos desses grupos hoje.
 
Carlos Araújo – Isso muda com o governo Lula. O mundo impôs essa mudança. O Vietnã, a China, Cuba e a União Soviética mostraram que, nos termos em que colocaram, foi inviável a construção do socialismo numa época em que o regime capitalista ainda era muito forte no resto do mundo. Lênin, quando estava no poder na União Soviética, elaborou a Nova Política Econômica, a chamada NEP. Era uma política de desenvolvimento do capitalismo. O que está em discussão hoje é a viabilidade do socialismo. Ele é viável somente em um país? Ou é viável somente quando houver um grande desenvolvimento internacional do socialismo?
Sul21 – Na sua avaliação, existe algum país plenamente socialista hoje em dia?
 
Carlos Araújo – Não. Existe um certo nível de bem estar social em alguns países, como a Suécia. Mas isso foi conquistado em cima de outros países. O capital sueco no Brasil é muito forte. A principal questão colocada hoje é a do bem estar do conjunto da sociedade ainda no capitalismo. Uma revolução socialista não está colocada na ordem do dia. Quem quiser fazer isso pode ter um pequeno espaço em alguns lugares, não terá um espaço significativo. A realidade demonstra isso. O que fazem Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa em seus países? Eles estão desenvolvendo o capitalismo para tirar a população da miséria. Mas é claro que esses governos vão se fortalecendo e a América Latina vai se unindo.
“A internacionalização do capital é um processo em direção ao socialismo. É um processo de desenvolvimento capitalista, mas é, também, um processo em direção ao socialismo”
Sul21 – É possível passar desta etapa de gestor do capitalismo ao socialismo pleno?
 
Carlos Araújo – A internacionalização do capital é um processo em direção ao socialismo. É um processo de desenvolvimento capitalista, mas é, também, um processo em direção ao socialismo. O capitalismo vai se internacionalizando, rompendo fronteiras nacionais e se fragmentando. Hoje um controlador de uma grande empresa tem 10% do seu capital. Socializar essa empresa já não significa mais tirar das mãos de uma única pessoa. Se a GM (General Motors) for nacionalizada hoje, por exemplo, quem irá sentir essa medida a não ser uma meia dúzia de acionistas mais significativos, que possuem 5% ou 8% das ações? Não estou dizendo que já estamos no socialismo. Mas, como dizia Marx, a nova sociedade é gerada no útero da atual sociedade.
Ex-candidato à prefeitura de Porto Alegre, Carlos Araújo diz que Fortunati terá que desdobrar para atender base aliada | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Voltando ao tema do PDT: o partido no Rio Grande do Sul é muito diferente do PDT nacional?
 
Carlos Araújo – O partido sempre foi bastante concentrado no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. E sempre enfrentou resistências históricas em São Paulo. Mas isso não significa que não possam ter lideranças em outros estados, o PDT está se fortalecendo.

Sul21 – No Rio Grande do Sul, o PDT aderiu ao governo Yeda Crusius (PSDB) após perder as eleições de 2006 com Alceu Collares e, em 2010, concorreu ao lado de José Fogaça (PMDB). Como o senhor avalia essas ações?
 
Carlos Araújo – Foram equívocos. Isso se confirmou com a eleição da Dilma. Naturalmente, se formou uma aliança em torno da candidatura dela no Rio Grande do Sul, inclusive com setores do PMDB liderados pelo Mendes Ribeiro Filho. Esses equívocos fazem parte da política, mas não podem se repetir.

Sul21 – O que o senhor defende para o PDT em 2014 no Rio Grande do Sul?
 
Carlos Araújo – Há uma discussão em torno desse assunto. Uns defendem candidatura própria, outros querem aliança com o PMDB e outros querem permanecer apoiando o governo Tarso Genro. Eu defendo que o PDT apoie o atual governo em 2014, mas com uma maior participação política nas decisões e com um acordo para que o PT apoie o PDT em 2018. O PDT é muito forte no estado, precisa ter candidato, mas agora não é o momento, o partido ainda não está suficientemente organizado e com força expressiva para isso.
“Defendo que o PDT apoie Tarso em 2014, mas com uma maior participação política nas decisões e com um acordo para que o PT apoie o PDT em 2018”
Sul21 – O PDT precisa reivindicar a indicação do vice-governador em uma eventual aliança com Tarso em 2014?
 
Carlos Araújo – Isso é inevitável. Parece que o PSB está tentando um caminho próprio, isso faz com que o PDT passe a ser o parceiro próximo do Tarso.
Carlos Araújo entende que PSB deve apresentar um plano de governo para o país | Foto: Ramiro Furquim/Sul2

Sul21 – Em Porto Alegre, depois de muito tempo o PDT conseguiu vencer uma eleição para a prefeitura.
 
Carlos Araújo – Vários fatores influenciaram. Um deles foi a construção de uma ampla frente política. E os candidatos adversários não tinham muita força política e eleitoral. Isso também pode pesar a favor do Tarso. Com todas as críticas que se pode ter ao seu governo, não há uma liderança expressiva para enfrentá-lo.

Sul21 – A senadora Ana Amélia Lemos é a grande aposta do PP. Ela conquistou 3,4 milhões de votos em 2010.
 
Carlos Araújo – Ela tinha mais potencial antes das eleições municipais. Ela é uma candidata que tem uma expressão eleitoral, mas ficou enfraquecida por não seguir as determinações do seu partido em 2012.
“É justo que o PSB tenha candidato à Presidência, mas é preciso apresentar um programa de governo, dizer o que quer e a que vem”
Sul21 – Voltando a Porto Alegre, o senhor disse que um dos fatores que favoreceram a vitória de José Fortunati foi a construção de uma ampla aliança. Mas até que ponto uma aliança tão ampla e diversa se sustenta politicamente? A de Porto Alegre contém partidos aliados e partidos que fazem oposição aos governos Dilma e Tarso, como o DEM, o PPS e o PSDB.
 
Carlos Araújo – As alianças muito amplas são trabalhosas de serem administradas. O Fortunati vai ter que se desdobrar para conseguir governar com uma aliança tão ampla. Começam a vir exigências, principalmente fisiológicas. E essas alianças atingem, de certa forma, o perfil político do governo. Eu sou favorável a alianças. Às vezes são composições que não queremos fazer, mas não existe outra saída. É uma questão delicada, principalmente quando são alianças muito amplas, que podem levar o governo ao imobilismo.

Sul21 – Outro partido que está querendo disputar espaço político e se lançar eleitoralmente à Presidência é o PSB.
 
Carlos Araújo – O PSB tem sido um companheiro de viagem na esquerda. Provavelmente terá um candidato à Presidência, o que é justo, mas precisa apresentar um programa de governo. É indispensável que o PSB diga o que quer e a que vem. O PSB precisa explicar quais as suas diferenças com o PT, o PDT e o PCdoB. Isso ainda não está colocado. Tomara que o partido permaneça sempre como força de esquerda.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Para combater criminalidade, Uruguai pretende legalizar a venda de maconha


Projeto de lei deve ser anunciado nesta quarta-feira pelo presidente José Mujica

Fonte: Zero Hora

O governo do Uruguai decidiu legalizar a venda de maconha para combater a criminalidade no país. O presidente José Mujica deve anunciar nesta quarta-feira um pacote com 16 medidas, conforme o jornal El Pais. Sob a premissa de "guerra à pasta base", o Executivo nacional busca frear o consumo de cocaína entre jovens, apontado como a causa do aumento da delinquência juvenil.

Mujica trabalha em um projeto de lei que transfere ao governo federal a venda de maconha como forma de conter o comércio de entorpecentes, reduzindo assim o lucro dos narcotraficantes. Serão organizadas redes de distribuição estatais e registros de consumidores.

O consumo e a posse para uso pessoal da maconha não são considerados crime no Uruguai. O projeto prevê que o Executivo regule esses pontos, assim como controlará a venda em locais habilitados, os quais terão um registro de usuários para impedir a dependência. Menores de 18 anos não poderão ter acesso ao produto, segundo o jornal.

O Estado ainda deve estabelecer um número máximo de unidades por consumidor. Aqueles que excederem a cota poderão ser submetidos a processos de reabilitação. Outra medida prevê a internação compulsiva de usuários de cocaína.

O preço dos cigarros será tarifado pelo governo e incluirá impostos, posteriormente destinados ao financiamento de tratamento a dependentes.

sábado, 26 de maio de 2012

“Tenho noção da minha responsabilidade”, diz Brizola Neto no RS


PDT-RS
Encontro com Brizola Neto no diretório gaúcho do PDT contou com presença de lideranças estaduais da sigla | Foto: PDT-RS

Rachel Duarte no SUL21

A primeira aparição pública do ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto (PDT) fora de Brasília foi ao estado berço do trabalhismo. Nesta sexta-feira (25), ele cumpre agendas partidárias no Rio Grande do Sul, que incluem conversas com correligionários, visita ao prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT) e um ato de recepção na sede do Partido Democrático Trabalhista. O ministro permanece no estado até sábado (26), quando participa da abertura do XV Congresso Estadual da Juventude Socialista do PDT. Nas primeiras palavras proferidas em solo gaúcho, o ministro afirmou que sabe o peso de ser um brizolista no governo federal. “Tenho noção da minha responsabilidade”, disse na primeira agenda com os trabalhistas.

O primeiro compromisso foi cedo da manhã, em um café de recepção ao novo ministro escolhido por Dilma Rousseff entre uma lista de três nomes oferecidos pelo PDT. O baixo quórum no ato refletiu que as divergências internas com a escolha da presidenta ainda não foram superadas. Os trabalhistas gaúchos desejavam ver uma das principais lideranças do partido no RS, o deputado federal Vieira da Cunha no lugar do neto de Leonel Brizola. Mas a decisão pessoal de Dilma prevaleceu. “A gente entende estas coisas no processo de articulações e preferências pessoais mas, no momento em que isso é definido, nós temos o compromisso partidário e com o trabalhismo brasileiro para nos unir. Eu sei que ele (Vieira da Cunha) sabe que isso é forte nele e em mim, será isso que nos unirá”, falou ao final do ato.

Porém, o parlamentar não esteve no ato e justificou motivos de agenda. “Nos avisaram que ele estava viajando. Eu lamento. Ele é uma grande liderança no partido, mas com certeza deve estar em algum compromisso mais importante que este aqui”, disse a deputada estadual Juliana Brizola. Segundo ela, o momento de disputa já deveria ter sido superado. “Agora já temos um ministro indicado pela presidenta. Espero que os companheiros preteridos por um motivo ou outro também olhem pra frente, para uma construção coletiva”, disse.
Ouvindo as primeiras palavras do ministro ao PDT gaúcho estavam o ex-governador Alceu Collares; o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati; o deputado federal Giovani Cherini; o deputado estadual Gilmar Sossela e os representantes do PDT no governo Tarso Genro, Kalil Sehbe, Ciro Simoni e Afonso Mota. Outros parlamentares do estado e da capital, bem como representantes de outros municípios também estiveram presentes, formando um enxuto grupo de anfitriões.
A ausência do deputado federal Vieira da Cunha estava passando despercebida. Nas saudações a Brizola Neto, muitos votos de êxito ao novo ministro a frente da pasta do Trabalho e reconhecimentos ao legado brizolista que ele carrega em seu nome. E, a afirmação de unidade no partido fez parte da todas as falas.
“Vim buscar a nossa unidade partidária. Todos que fazem gestos assim pensam no crescimento do partido. Estamos à vontade com a sua presença”, disse o presidente do PDT-RS, Romildo Bolzan Jr.. Em nome dos sete deputados da bancada gaúcha na Assembleia Legislativa do RS, Gilmar Sossela disse que “a indicação de Brizola Neto honrou o partido”. Já o deputado federal Giovani Cherini disse que, apesar de alguns processos aguçarem as diferenças internas, o momento exige unidade. “Temos que aproveitar a representatividade no governo federal e reforçar o partido para disputar as eleições”, falou.

“Só vou ficar feliz quando Vieira da Cunha abraçar o ministro”, diz Collares

Prefeito de Porto Alegre José Fortunati (PDT) recebeu confirmação de apoio de Brizola Neto para sua reeleição | Foto: Jefferson Bernardes

Foi quando o ex-governador Alceu Collares usou a palavra para fazer sua saudação “ao menino que recebe uma nobre tarefa”, que a ausência de Vieira da Cunha foi posta na mesa. “Cadê o Vieira da Cunha que eu não to vendo aqui?”, perguntou o líder trabalhista. Ao ser informado da razão da viagem, disse que se tratava de uma velha desculpa. “Eu só vou ficar feliz quando o Vieira abraçar o ministro”, disse arrancando aplausos.
Antes que o ministro se justificasse que pretende resolver qualquer mal-estar ainda existente junto ao parlamentar, Collares seguiu expondo outras feridas do partido. “Os últimos acontecimentos da pasta do Trabalho foram lamentáveis. Este ministério foi criado pelo trabalhismo de Getúlio Vargas. Brizola Neto precisa restabelecer as funções esvaziadas, por diversos motivos, do Ministério do Trabalho”, falou. E deu um conselho digno de um antigo quadro partidário. “Ele assume com obrigação da unidade e terá que construí-la, pois não sei se teremos outra oportunidade”, disse.

Recuperar o tradicional trabalhismo no governo de uma trabalhista

Embora a visita de Brizola Neto ao Rio Grande do Sul não seja ministerial, ele aproveitou para reforçar suas intenções como representante do governo federal. “O trabalho era assunto de polícia antes da era Vargas. Depois da redemocratização, os autênticos trabalhistas e os novos trabalhistas tiveram diferenças de projetos de poder. Hoje, precisamos retomar nossa afinidade pelo bem do crescimento econômico do país com justiça social”, falou.
Brizola Neto diz que está à vontade no governo Dilma, devido à trajetória da presidenta no PDT gaúcho. O ministro disse que reconhece o peso de ser neto de Leonel Brizola, mas que está confiante no espaço dado a ele por Dilma. “Apenas fazer lembrar a memória de Brizola no país já seria suficiente, mas vou cumprir os compromissos pelo tradicional trabalhismo no governo Dilma”, garantiu aos colegas de partido.
Segundo ele, a principal tarefa será devolver o protagonismo da pasta antes dos escândalos de suspeitas de esquema de propinas que resultou na queda do antecessor Carlos Lupi. “Precisamos voltar a contribuir para colocar o trabalho como instrumento principal para o desenvolvimento nacional. O crescimento da economia brasileira esta relacionado com a valorização do trabalho e do trabalhador”, disse.
Sobre o encontro com Vieira da Cunha, o ministro desconversou. “A gente sempre se fala e se procura”. A irmã, deputada Juliana Brizola defendeu que “terão outras oportunidades para ele abraçar o deputado”.
Após deixar o ato na sede estadual do PDT gaúcho, o ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto visitou o ex-marido de Dilma Rousseff, Carlos Araújo. Sobre o apadrinhamento de Araújo na indicação para o ministério, Brizola Neto disse que “é um grande amigo e foi um grande orientador na trajetória que eu tenho”.

1 milhão de vagas para Porto Alegre no Pronatec

Ministro Brizola Neto visita prefeito de Porto Alegre José Fortunati nesta sexta-feira | Foto: Luciano Lanes / PMPA

Em visita ao prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, o ministro Brizola Neto anunciou a abertura de 1 milhão de vagas para cursos de qualificação em Porto Alegre, por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Segundo o ministro, a coordenação do Pronatec será dividida com o ministério da Educação (MEC). A visita ao prefeito teve o objetivo de consolidar a parceria da União com os municípios. “Dependemos 100% das prefeituras para execução dos programas do governo federal na área da qualificação profissional”, destacou.
Segundo Fortunati, a prefeitura já mantém convênios com o ministério para a realização de cursos de qualificação profissional. Este ano, a Secretaria Municipal do Trabalho Emprego projeta a criação de oito mil vagas em cursos na parceria com o governo federal, através dos programas Pronatec e Setorial de Qualificação (PlanSeQ). Os cursos de qualificação em Porto Alegre oferecem vagas em 40 especialidades, em áreas como comércio, serviços, construção civil, hotelaria, indústria e empreendedorismo. As novas vagas devem ser disponibilizadas até o final do ano.

sábado, 10 de setembro de 2011

O outro 11 de setembro: 40 mil vítimas, US$ 27 milhões nas contas secretas de Pinochet



A matemática macabra envolvendo o 11 de setembro e os Estados Unidos manifesta-se mais uma vez quando voltamos a 1973, quando Washington apoiou ativamente o golpe militar que derrubou e assassinou o presidente do Chile, Salvador Allende. Em agosto deste ano, o governo chileno anunciou uma nova estatística de vítimas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990): entre vítimas de tortura, desaparecidos e mortos, 40 mil pessoas, 14 vezes mais do que o número de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001. Relembrando as palavras do presidente Obama e seu peculiar conceito de justiça, os chilenos estariam autorizados a caçar e matar os responsáveis pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças.
Assim como no Iraque, nem tudo foi morte, dor e sofrimento na ditadura chilena. Com a chancela da Casa Branca e a inspiração do economista Milton Friedman e seus Chicago Boy’s, Pinochet garantiu gordos lucros para seus aliados e para si mesmo também. Investigadores internacionais revelaram, em 2004, que Pinochet movimentava, desde 1994, contas secretas em bancos do exterior no valor de até US$ 27 milhões. Segundo um relatório de uma comissão do Senado dos EUA, divulgado em 2005, Pinochet manteve elos profundos com organismos financeiros norte-americanos, como o Riggs Bank, uma instituição de Washington, além de outras oito que operavam nos EUA e em outros países. Segundo o mesmo relatório, o Riggs Bank e o Citigroup mantiveram laços com o ditador chileno durante duas décadas pelo menos. Pinochet, amigos e familiares mantiveram pelo menos US$ 9 milhões em contas secretas nestes bancos.
Em 2006, o general Manuel Contreras, que chefiou a Dina, polícia secreta chilena, durante a ditadura, acusou Pinochet e o filho deste, Marco Antonio, de envolvimento na produção clandestina de armas químicas e biológicas e no tráfico de cocaína. Segundo Contreras, boa parte da fortuna de Pinochet veio daí.
Liberdade, Justiça, Segurança: essas foram algumas das principais palavras que justificaram essas políticas. O modelo imposto por Pinochet no Chile era apontado como modelo para a América Latina. Os Estados Unidos seguem se apresentando como guardiões da liberdade e da democracia. E pessoas seguem sendo mortas diariamente no Iraque e no Afeganistão para saciar uma sede que há muito tempo deixou de ser de vingança.

sábado, 3 de setembro de 2011

A grande oportunidade perdida

  Mário Maestri no CORREIO DA CIDADANIA   


Em fins de 1959, o candidato paulista conservador Jânio Quadros venceu as eleições presidenciais, com 48% dos sufrágios, apoiado na imagem demagógica de batalhador contra a corrupção e a ineficiência administrativa. Seu apoliticismo moralizador expressava-se na "vassoura" que varreria a corrupção, como símbolo, e na consigna da campanha "Jânio vem aí", que nada dizia.

O projeto político de Jânio Quadros era liberal: controle ortodoxo da inflação, abertura ao capital mundial, repressão ao sindicalismo. Para se aproximar do eleitor nacionalista e popular, não defendeu a internacionalização da Petrobrás e propôs política externa independente.

O marechal Lott, candidato da aliança PDS-PTB, nacionalista e progressista, sem charme e experiência política, foi facilmente derrotado. Porém, o eleitorado que consagrou Jânio, designou a trabalhista João Goulart, vice na chapa de Lott, para vice-presidente, como permitia a legislação.

Jânio Quadros empossou ministério conservador apoiado na UDN e empreendeu a estabilização ortodoxa exigido pelo FMI – forte desvalorização da moeda; abertura ao capital estrangeiro; redução dos subsídios da gasolina, pão etc.; congelamento de salários e crédito. O FMI suspendeu o bloqueio em que mantivera o final do governo JK para que pagasse a dívida com o capital internacional.

Jânio Quadros reduziu as promessas de modernização administrativa e combate à corrupção a infinidade de instruções anódinas, através dos "bilhetes" presidenciais, e a inquéritos midiatizados, de poucos resultados, contra o PDS e PTB derrotados e João Goulart, seu substituto constitucional. Também para contrabalançar o conservadorismo interno, propôs política externa equilibrada entre os USA, Europa e o Bloco Soviético. Visitara a Cuba revolucionária e o Egito nacionalista e propunha reatar relações com a URSS e a China.

Ninguém me quer!

Jânio Quadros viu seu apoio esvaziar-se entre os empresários nacionais, sem créditos; entre os trabalhadores e a população, pelo arrocho salarial e inflação; entre os militares, pela política terceiro-mundista; entre o PDS e PDT, pela faxina unilateral; na sua base de apoio, UDN, por seu voluntarismo. Em julho, Carlos Lacerda, da UDN, iniciou campanha anti-janista, atacando a condecoração de Che Guevara. Em 24 de agosto, denunciou pela rádio convite do ministro da Justiça de Jânio para que participasse de golpe, de corte gaullista

No dia seguinte, 25 de agosto, aniversário do suicídio de Vargas, pela manhã, Jânio Quadros entregou carta de renúncia aos ministros militares, denunciando “forças ocultas” que exigiriam poderes extraordinários. Esperava retornar à presidência, com poderes excepcionais, apoiado nas forças armadas, no bojo de explosão de indignação popular, ao igual à que varrera o país quando da morte de Getúlio Vargas. O destinatário da renúncia era o ministro da Guerra, Odílio Denys, anti-trabalhista e pró-estadunidense. Jânio Quadros confiava que vetaria a posse de Jango, em viagem oficial à China comunista.

Nos oito meses de governo, Jânio Quadros fora personagem imprevisível, inábil, depressivo, dado a bebedeiras. Sua orientação terceiro-mundista e a recente abertura ao desenvolvimentismo levaram a que os generais e a UDN desconfiassem das suas intenções e capacidades pessoais.

Os militares não chamaram o presidente de volta a Brasília. Entregaram a carta de renúncia ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, junto ao veto militar à posse do vice-presidente. Às 15 horas do dia 25 de agosto, a declaração de renúncia foi lida diante de alguns poucos e perplexos congressistas e, a seguir, Mazzilli assumiu a chefia formal da República, e os três ministros militares apossaram-se do poder. Era o golpe em marcha, com arremedo de respeito à constitucionalidade.

Jânio Quadros viajou para São Paulo, seu reduto eleitoral, onde pode dimensionar sua abismal inabilidade e falta de apoio social sólido. Fora rejeitado pelos generais e pela população, que não deu um passo em sua direção. Retornaria mais tarde à vida política paulista, sem poder justificar sua ação, sem desvelar o projeto golpista. Sintetizaria a renúncia em frase célebre pela impertinência política e gramatical: "Fi-lo porque qui-lo".

A resposta inesperada

Com o veto ao vice-presidente João Goulart, os altos chefes militares procuraram abrir caminho para governo conservador, autoritário e mais confiável, sem Jânio Quadros, promovendo a liquidação definitiva do populismo nacional-desenvolvimentista. A tentativa golpista – apoiada pelo imperialismo e pelas classes proprietárias, sob a direção da grande burguesia industrial – foi vergada devido à mobilização popular e militar do Rio Grande do Sul, que se espraiou para o Brasil, ensejada pela oposição do jovem governador do Rio Grande do Sul.

Imediatamente após o pronunciamento militar, desde estúdio improvisado nos porões do palácio Piratini, Leonel Brizola organizou rede radiofônica – Cadeia da Legalidade –, que cobriu, primeiro, o Sul e, a seguir, parte do Brasil, conclamando a população à resistência armada em defesa da Constituição, se preciso fosse. Tropas da Brigada Militar entrincheiraram-se nas cercanias do palácio Piratini e metralhadoras anti-aéreas foram colocadas nos terraços dos edifícios que cercavam a casa do governo, à espera do ataque do Exército e da Aeronáutica.

No contexto da crescente mobilização popular, a ordem do comando da Aeronáutica de que caças bombardeassem o palácio Piratini foi impedida devido ao controle da Base Aérea de Canoas por sargentos e oficiais constitucionalistas, nacionalistas e de esquerda. O ataque do palácio Piratini por tanques M-3 da II Companhia Mecanizada da Serraria não prosperou devido à decisão da Brigada Militar de resistir ao ataque e à oposição de boa parte da sub-oficialidade daquela arma. Quebrando a disciplina golpista, sob a direção sobretudo de sub-oficiais nacionalistas, parte da tropa das forças armadas colocava-se ao lado da Constituição, da população e dos trabalhadores.

Armas para o povo

Nos dias seguintes, em Porto Alegre, mais de trinta mil populares arrolaram-se como voluntários para os combates e revólveres foram distribuídos à população. A adesão ao constitucionalismo dos generais Pery Bevilaqua, comandante da III Divisão de Infantaria, de Santa Maria, e Oromar Osório, da I Divisão de Cavalaria, de Santiago, determinou o pronunciamento do vacilante comandante do III Exército, no dia 28 de agosto, em favor da Constituição. Tropas da Brigada e do Exército organizaram a defesa das fronteiras do Rio Grande, enquanto a agitação constitucionalista de Leonel Brizola espalhava-se pelo Brasil, fazendo o golpismo militar e civil retroceder, cada vez mais frágil e confuso. Coluna militar partiu do Rio Grande, em caminhões e trens, e entrou em Santa Catarina, em direção ao Paraná.

Em 3 de setembro, o vice-presidente João Goulart desembarcou em Porto Alegre, chegado de Montevidéu, de volta ao Brasil, de onde seguiu para o Rio de Janeiro, para assumir, em 7 de setembro, a presidencial vacante, com os poderes restringidos devido à instauração do parlamentarismo pelo Congresso Nacional, que se colocara, em forma majoritária, ao lado do golpismo.

Brizola opôs-se inutilmente à solução parlamentarista aceita por João Goulart, que significava recuo diante das forças golpistas acurraladas pela crescente mobilização popular e fratura das forças armadas. O governador sulino propunha respeito à Constituição e, portanto, novas eleições, após a destituição dos ministros militares e dissolução do Congresso comprometido com o golpismo. Esperava confiante uma vitória popular maciça nas urnas.

A aceitação da solução parlamentarista por Goulart interrompeu o confronto político e social, quando o golpismo retrocedia. Em 1961, há cinqüenta anos, a leniência de João Goulart e dos segmentos sociais que representava desmobilizaram a população e abriram caminho à vitória do golpe de 1964.

No poder durante vinte anos, em nome sobretudo do grande capital industrial, os militares imporiam à população perda de conquistas históricas e reformatação das instituições do país que mantém suas seqüelas fundamentais até hoje.

Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.
E-mail: maestri(0)via-rs.net