quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

genocidio de Gaza...

Gaza: "Uma enorme derrota para Israel"

por Jean Bricmont
Entrevistado por Leila Lallali [*]

Qual é sua opinião sobre a situação atual na Faixa de Gaza?

Penso que é importante constatar que, além dos horrores cometidos e dos sofrimentos suportados, trata-se de uma enorme derrota para Israel. Não podemos avaliar quem ganha ou quem perde se não levarmos em conta as relações de força aí envolvidas. É quando Moscou ou Leningrado resistem aos alemães que estes perdem, bem antes de Stalingrado. Ora, no caso de Gaza, as relações de força são ainda mais desequilibradas do que no Líbano em 2006, e, entretanto, Israel não ganha, então sua derrota é ainda maior. Com efeito, é preciso compreender o que seria para Israel ganhar (o que se passou mais ou menos em 1967): soldados que se rendem ou fogem, dirigentes do Hamas presos e levados a Israel para serem julgados como "terroristas". Ora, nada disso se passa em Gaza. Ademais, é preciso ter em conta o efeito ideológico ligado à monstruosidade dos crimes, à revolta que eles inspiram, não somente no mundo árabe, mas em todo o "terceiro mundo", e também, em parte, na Europa. É preciso reconhecer o valor da emissora de televisão Al Jazeerah, e também da Internet, que permitiram que as pessoas realmente se informassem.

O senhor pensa que a agressão israelense a Gaza foi causada pelos foguetes do Hamas, ou existem outros objetivos?

Israel não me mantém informado de seus planos secretos, e, enquanto cientista, não gosto de especular muito. Então, não sei nada sobre isso. Há talvez objetivos eleitorais. O que é evidente é que os tiros de foguete, situados em um contexto global, não podem justificar a agressão. É evidente que teria sido necessário abandonar o bloqueio e negociar com o Hamas. Também evidente, e inquietante, é o fato de que nós mal podemos ver que objetivo os israelenses perseguem e podem racionalmente esperar atingir. Qualquer observador objetivo se dá conta de que este ataque não pode senão reforçar o Hamas, assim como a hostilidade com relação a Israel. Há qualquer coisa de profundamente irracional nesta atitude israelense, e, de certo modo, é isso o que há de mais inquietante.

Israel desafia o mundo e a Organização das Nações Unidas não é capaz de impedir que isso ocorra; como fazer face a este Estado?

Primeiramente, é preciso compreender que a impotência das Nações Unidas deve-se inteiramente ao bloqueio dos Estados Unidos. A Assembléia Geral e mesmo o Conselho de Segurança podem ter boas posições (mas é preciso lembrar que há o direito de veto). Logicamente, visto a força militar de Israel, não é evidente que se pudesse agir neste plano. Entretanto, podemos utilizar a arma . As sanções dependem de estados e é pouco provável que a Europa e os Estados Unidos as adotem. Por outro lado, podemos admirar a atitude da Bolívia e da Venezuela que, embora situadas longe do conflito, adotam posições de princípio notáveis, e das quais poderíamos esperar que inspirem estados que são geográfica e culturalmente mais próximos da Palestina.

O boicote é uma arma cidadã, que se desenvolve muito fortemente na Grã-Bretanha. Ela foi utilizada com sucesso contra a África do Sul e eu não vejo por que, por fim, ela não poderia ser eficaz contra Israel.

Como se situa a Europa quanto ao que se passa na Faixa de Gaza?

De que Europa falamos? A senhora sabe, assim como eu, que a Europa não está unida (não mais que a Liga Árabe aliás) e que os governos não refletem suas opiniões públicas. Ademais, é preciso dar-se conta de que o problema central reside nos Estados Unidos, particularmente no Congresso e no Senado. A Europa tem muita dificuldade em tomar uma posição independente dos Estados Unidos e, mesmo se ela o fizesse, isso não mudaria grande coisa enquanto os Estados Unidos apoiam cegamente Israel. O que não quer dizer que a Europa não devesse fazer nada – se ela se distanciasse dos Estados Unidos quanto a esta questão, isso reforçaria aqueles que, nos Estados Unidos, pensam que o apoio a Israel custa caro demais para algo que não lhe diz respeito tanto assim.

Qual é o interesse da Europa em sustentar a agressão israelense a Gaza?

Quem lhe disse que ela age por interesse? Penso que, se refletirmos bem, ela não tem interesse algum a longo prazo em sustentar Israel (e em se alienar de tantas pessoas no mundo). Mas quem, entre os homens ou mulheres políticos europeus, ou homens ou mulheres de negócios, vai fazer esta análise? E quem, a supor que ele ou ela o faça, vai ousar dizê-lo? Não se pode compreender nada do que se passa na Europa e nos Estados Unidos enquanto não se leva em conta o fator do medo – medo das organizações sionistas, de suas campanhas de difamação e intimidação. É por isso que eu penso que as organizações de solidariedade deveriam antes de tudo combater este sentimento de medo, sustentando todos aqueles que dão passos, mesmo pequenos e mesmo imperfeitos, na boa direção, isto é, de mais independência com relação a Israel.

O senhor pensa que Barack Obama vai mudar a política americana, ou ele vai seguir os rastros de Bush?

Novamente, não gosto de fazer previsões – nós veremos; mas todos os sinais que Obama deu durante sua campanha mostram um apoio sem falha a Israel. Mesmo se nós supomos que era uma tática (pois ele sabia que não seria eleito se fosse abertamente contrário às organizações sionistas), é preciso não esquecer que um presidente não é um ditador e que ele deverá levar em conta essas mesmas relações de força às quais se submeteu completamente durante sua campanha. Além disso, o Congresso e o Senado acabam de votar uma resolução totalmente pró-israelense sobre o conflito em curso; se Obama tinha a menor intenção de mudar alguma coisa, ele está avisado de que tem duas câmaras contra si.

Como o senhor vê o futuro das relações internacionais sob a administração Obama?

Haverá sem dúvida mais "diplomacia", mas, como observa Chomsky, Condoleeza Rice falava também de diplomacia. Sobretudo a primeira administração Bush foi todo o tempo partidária da guerra, mesmo se sozinha contra o resto do mundo. Posteriormente, o discurso mudou, e mudará ainda mais com Obama. Mas, no fundo, o que realmente ocorrerá? Meu temor é de que o entusiasmo, em parte legítimo, provocado pela eleição de um negro faça calar os críticos da política americana ou, pior, que as vozes críticas sejam acusadas de racismo. O problema é que Obama terá muito mais "legitimidade" que Bush, ao menos se tomarmos este no fim de seu governo. Ora, o que limita a nocividade dos Estados Unidos não são as intenções de seus dirigentes, mas sobretudo a oposição popular à sua política, o que será muito mais difícil com Obama do que com Bush.

Para o povo palestino, a única esperança é de que a crise econômica leve a uma tomada de consciência, nos Estados Unidos, de que muitas coisas não vão bem em sua política e, na verdade, lhes causam danos; e uma das mais importantes destas é o apoio cego a Israel.

[*] Jornalista, argelina.

O original encontra-se em Ech-chourouk, edição de 21/janeiro/2009.
Créditos: www.resistir.info
A versão em francês encontra-se em http://www.legrandsoir.info/spip.php?article7934
Tradução: Fernanda Correia de Oliveira


Agencia Carta Maior


Balanço do Fórum e do outro mundo possível

Os que acreditam que o fim do Fórum Social Mundial é o intercâmbio de experiências devem estar contentes. Para os que chegaram a Belém angustiados com a necessidade de respostas urgentes aos grandes problemas que o mundo enfrenta, ficou a frustração, o sentimento de que a forma atual do FSM está esgotada, que se o FSM não quer se diluir na intranscendência, tem que mudar de forma e passar a direção para os movimentos sociais. A análise é de Emir Sader.

Um balanço do FSM de Belém não deve ser feito em função de si mesmo. Ele não nasceu como um fim em si mesmo, mas como um instrumento de luta para a construção do “outro mundo possível”. Nesse sentido, qual o balanço que pode ser feito do FSM de Belém, do ponto de vista da construção desse “outro mundo”, que não é outro senão o de superação do neoliberalismo, de um mundo pósneoliberal?

Duas fotos são significativas dos dilemas do FSM: uma, a dos 5 presidentes que compareceram ao FSM – Evo, Rafael Correa, Hugo Chavez, Lugo e Lula -, de mãos dadas no alto; a outra, a fria e burocrática de representantes de ONGs brasileiras em entrevista anunciando o FSM. Na primeira, governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.

Na outra, ONGs, entidades cuja natureza é fortemente questionada, pelo seu caráter ambíguo de “não-governamentais”, pelo caráter nem sempre transparente dos seus financiamentos, das suas “parcerias”, dos mecanismos de ingresso e de escolha dos seus dirigentes – a ponto que, em países como a Bolivia e a Venezuela, entre outros, as ONGs se agrupam majoritamente na oposição de direita aos governos. Sua própria atuação no espaço que definem como “sociedade civil” só aumenta essas ambigüidades. Entidades que tiveram um papel importante no inicio do FSM, mas que monopolizaram sua direção, constituindo-se, de forma totalmente não democrática, como maioria no Secretariado original, deixando os movimentos sociais, amplamente representativos, como a CUT e o MST, em minoria.

A partir do momento em que a luta antineoliberal passou de sua fase defensiva à de disputa de hegemonia e construção de alternativas de governo, o FSM passou enfrentar o desafio de se manter ainda sob a direção de ONGs ou passar finalmente ao protagonismo dos movimentos sociais. No FSM de Belém tivemos a primeira alternativa, no momento daquela fria e burocrática entrevista coletiva das ONGs. E tivemos, como contrapartida, sua formidável cara real, com os povos indígenas e o Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, com os sindicatos e o Mundo do Trabalho, com os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens – com estes confirmando que são a grande maioria dos protagonistas do FSM.

O FSM transcorreu entre os dois, entre a riqueza, a diversidade e a liberdade dos seus espaços de debate, e as marcas das ONGS, refletidas na atomização absoluta dos temas, na inexistência de prioridades – terra, água, energia, regulação do capital financeiro, guerra e paz, papel do Estado, democratização da mídia, por exemplo. À questão: o que o FSM tem a dizer e a propor de alternativas diante da crise econômica global e diante dos epicentros de guerra – Palestina, Iraque, Afeganistão, Colômbia -, que propostas de construção de um modelo superados do neoliberalismo e de alternativas políticas e de paz para os conflitos, a resposta é um grande silêncio. Houve várias mesas sobre a crise, nem sequer articuladas entre si. As atividades, “autogestionadas”, significam que os que detêm recursos – ONGs normalmente entre eles – conseguem programar suas atividades, enquanto os movimentos sociais se vêem tolhidos de fazer na dimensão que poderiam fazê-lo, para projetar-se definitivamente como os protagonistas fundamentais do FSM.

Para os que acreditam que o fim do FSM é o intercâmbio de experiências, devem estar contentes. Para os que chegaram angustiados com a necessidade de respostas urgentes aos grandes problemas que o mundo enfrenta, a frustração, o sentimento de que a forma atual do FSM está esgotada, que se o FSM não quer se diluir na intranscendência, tem que mudar de forma e passar a direção para os movimentos sociais.

Surpreendente a quantidade e a diversidade de origem dos participantes, notáveis as participações dos movimentos indígenas e dos jovens, em particular, momento mais importante do FSM a presença dos presidentes – cujas políticas deveriam ter sido objeto de exposição e debate com os movimentos sociais de maneira muito mais ampla e profunda. Triste que todo esse caudal não fosse ouvido, nem sequer por internet, a respeito do próprio FSM, das duas formas de funcionamento, da sua continuidade – outro sintoma do envelhecimento das conduções burocráticas dadas ao FSM. No dia seguinte ao final do FSM, reuniu-se o Conselho Internacional, de maneira fria e desconectada do que foi efetivamente o FSM, em que cada um – seja desconhecida ONG ou importante movimento social – tinha direito a dois minutos para intervir.

O “Outro mundo possível” vai bem, obrigado. Enfrenta enormes desafios diante dos efeitos da crise, gestada no centro do capitalismo e para a qual se defendem bastante melhor os que participam dos processos de integração regional do que os que assinaram Tratados de Livre Comercio. Enfrentam a hegemonia do capital financeiro, a reorganização da direita na região, tendo no monopólio da mídia privada sua direção política e ideológica. Mas avança e deve-se se estender, sempre na América Latina, para El Salvado, com a provável vitória de Mauricio Funes, candidato favorito, da Frente Farabundo Marti à presidência, em 15 de março próximo.

Já não se pode dizer o mesmo do FSM, que parece girar em falso, não se colocar à altura da construção das alternativas com que se enfrentam governos latinoamericanos e da luta de outras forças para passar da resistência à disputa hegemônica. Para isso as ONGs e seus representantes tem, definitivamente, que passar a um papel menos protagônico no FSM, deixando que os movimentos sociais dêem e tônica. Que nunca mais existam conferências como aquela de Belém, que nunca mais ONGs se pronunciem em nome do FSM, que os movimentos sociais – trata-se do Forum Social Mundial – assumam a direção formal e real do FSM, para que a luta antineoliberal trilhe os caminhos da luta efetiva por “outro mundo possivel” – de que a América Latina é o berço privilegiado.



Fotos: Eduardo Seidl