As implicações geopolíticas e econômicas
de uma intervenção militar do bloco EUA-OTAN contra a Líbia são de grande
alcance.
A Líbia
está entre as maiores economias petrolíferas do mundo, com aproximadamente
3,5% das reservas globais de petróleo, mais que o dobro das dos EUA.
A
"Operação Líbia" faz parte de uma agenda militar mais vasta no
Oriente Médio e na Ásia Central, a qual consiste em ganhar controle e
propriedade corporativa sobre mais de 60% da reservas mundiais de petróleo e
gás natural, incluindo as rotas de oleodutos e gasodutos.
"Países
muçulmanos, incluindo a Arábia Saudita, Iraque, Irão, Kuwait, Emirados Árabes
Unidos, Qatar, Iêmen, Líbia, Egito, Nigéria, Argélia, Cazaquistão,
Azerbaijão, Malásia, Indonésia, Brunei, possuem de 66,2 a 75,9 por cento do
total das reservas de petróleo, conforme a fonte e a metodologia da
estimativa" (ver Michel Chossudovsky, The "Demonization" of
Muslims and the Battle for Oil, Global Research, 04/01/2007).
Com
46,5 bilhões de barris de reservas provadas (10 vezes as do Egito), a Líbia é
a maior economia petrolífera do continente africano, seguida por Nigéria e
Argélia (Oil and Gas Journal). Em contraste, as reservas provadas dos EUA são
da ordem dos 20,6 bilhões de barris (dezembro de 2008), segundo a Energy
Information Administration - U.S. Crude Oil, Natural Gas, and Natural Gas
Liquids Reserves.
Nota
As
estimativas mais recentes situam as reservas de petróleo da Líbia nos 60
bilhões de barris. As suas reservas de gás em 1.5 trilhão de metros cúbicos.
A sua produção tem estado entre 1,3 e 1,7 milhão de barris/dia e a produção
de gás de 2,6 bilhões de pés cúbicos por dia, segundo números da National Oil
Corporation (NOC).
A BP
Statistical Energy Survey de 2008 (em alternativa) colocava as reservas
provadas da Líbia nos 41.464 bilhões de barris no fim de 2007, os quais
representam 3,34% das reservas provadas do mundo (Mbendi Oil and Gas in
Libya - Overview).
O
petróleo é o "troféu" das guerras conduzidas pelos EUA-OTAN
Uma
invasão da Líbia sob um pretexto humanitário serviria os mesmos interesses
corporativos da invasão de 2003 e subsequente ocupação do Iraque. O objetivo
subjacente é tomar posse das reservas de petróleo da Líbia, desestabilizar a
National Oil Corporation (NOC) e finalmente privatizar a indústria
petrolífera do país, nomeadamente transferir o controle e propriedade da
riqueza petrolífera Líbia para mãos estrangeiras.
A
National Oil Corporation (NOC) está classificada entre as 25 maiores
companhias de petróleo do mundo (The Energy Intelligence ranks NOC
25 among the world's Top 100 companies – www.Libyaonline.com).
A
planejada invasão da Líbia, a qual já está em curso, é parte da "Batalha
pelo petróleo" mais vasta. Aproximadamente 80% das reservas de petróleo
da Líbia estão localizadas na bacia do Golfo de Sirte da Líbia Oriental (ver
mapa abaixo).
A Líbia
é uma economia valiosa. "A guerra é bom para os negócios". O
petróleo é o troféu das guerras efetuadas pelos EUA-OTAN.
A Wall
Street, os gigantes anglo-americanos do petróleo e os produtores de armas dos
EUA e União Européia seriam os beneficiários tácitos de uma campanha militar
dos EUA-OTAN contra a Líbia, pois seu petróleo é uma mina de ouro para eles.
Embora
o valor de mercado do petróleo bruto esteja atualmente pouco acima dos 100
dólares por barril, o custo do petróleo líbio é extremamente baixo, tão baixo
como US$1,00 por barril (segundo estimativas). Como comentou um perito do
mercado algo criticamente: "A US$110 no mercado mundial, a simples
matemática da a Líbia uma margem de lucro de US$109" ( Libya Oil , Libya Oil One
Country's $109 Profit on $110 Oil, EnergyandCapital.com March 12, 2008).
Interesses
petrolíferos estrangeiros na Líbia
Dentre
as companhias petrolíferas estrangeiras que operavam antes da insurreição na
Líbia incluem-se a Total da França, a ENI da Itália, a China National
Petroleum Corp (CNPC), British Petroleum, o consórcio espanhol REPSOL,
ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess, Conoco Phillips.
Muito
significativamente, a China desempenha um papel central na indústria
petrolífera líbia. A China National Petroleum Corp (CNPC) tinha, até o seu
repatriamento, uma força de trabalho de 30 mil chineses na Líbia. A British
Petroleum (BP), em contraste, tinha uma força de trabalho de 40, a qual foi
repatriada.
Onze
por cento (11%) das exportações de petróleo líbias são canalizadas para a
China. Se bem que não haja números sobre a dimensão e importância da produção
e atividades de exploração da CNPC, há indicações que são apreciáveis.
Mais
geralmente, a presença da China na África do Norte é considerada por
Washington como uma intrusão. De um ponto de vista geopolítico, a China é uma
intrusa. A campanha militar dirigida contra a Líbia pretende excluir a China
da África do Norte.
O papel
da Itália também tem importância. A ENI, o consórcio italiano, extrai 244 mil
barris de gás e petróleo por dia, os quais representam quase 25% do total das
exportações da Líbia (Sky News: Foreign oil firms halt
Libyan operation , 23/02/2011).
Dentre
as companhias estadunidenses na Líbia, a Chevron e a Occidental Petroleum
(Oxy) decidiram há cerca de seis meses (outubro de 2010) não renovar as suas
licenças de exploração de petróleo e gás na Líbia (Why are Chevron and Oxy leaving Libya?: Voice of Russia ,
06/10/2010). Em contraste, em novembro de 2010 a companhia
alemã R.W. DIA E assinou um acordo de grande alcance com a NOC da Líbia, que
envolve a exploração e partilha de produção (AfricaNews - Libya: German
oil firm signs prospecting deal - The AfricaNews).
As
apostas financeiras bem como "os despojos de guerra" são
extremamente elevados. A operação militar pretende desmantelar instituições
financeiras da Líbia e também confiscar bilhões de dólares de ativos
financeiros líbios depositados em bancos ocidentais.
Deve
ser enfatizado que as capacidades militares da Líbia, incluindo o seu sistema
de defesa aérea, são fracas.
Redesenhar
o mapa da África
A Líbia
tem as maiores reservas de petróleo da África. O objetivo da interferência
dos EUA-OTAN é estratégico: consiste no roubo sem rodeios, em roubar a
riqueza petrolífera do país sob o disfarce de uma intervenção humanitária.
Esta
operação militar pretende estabelecer a hegemonia dos EUA na África do Norte,
uma região historicamente dominada pela França e em menor extensão pela
Itália e Espanha.
Em
relação à Tunísia, Marrocos e Argélia, o desígnio de Washington é enfraquecer
os laços políticos destes países com a França e pressionar pela instalação de
novos regimes políticos que tenham um estreito relacionamento com os EUA.
Este enfraquecimento da França, como aspecto do desígnio imperial dos EUA,
faz parte de um processo histórico que remonta às guerras na Indochina.
A
intervenção dos EUA-OTAN que conduza à futura formação de um regime fantoche
dos EUA pretende também excluir a China da região e por para fora a chinesa
National Petroleum Corp (CNPC). Os gigantes anglo-americanos, incluindo a
British Petroleum que em 2007 assinou um contrato de exploração com o governo
Kadafi, estão entre os potenciais "beneficiários" da proposta operação
militar EUA-OTAN.
Mais na
generalidade, o que está em causa é o redesenho do mapa da África, um
processo de redivisão neocolonial, o descarte das demarcações da Conferência
de Berlim de 1884, a conquista da África pelos Estados Unidos em aliança com
a Grã-Bretanha, numa operação conduzida pelos EUA-OTAN.
Líbia:
Portão saariano estratégico para a África Central
A Líbia
tem fronteiras com vários países que estão na esfera de influência da França,
incluindo a Argélia, Tunísia, Níger e Chade.
O Chade
é potencialmente uma economia rica em petróleo. A ExxonMobil e a Chevron têm
interesses no Chade do Sul, incluindo um projeto de oleoduto. O Chade do Sul
é um portão de entrada para a região do Darfur, no Sudão, a qual também é
estratégica em vista da sua riqueza petrolífera.
A China
tem interesses petrolíferos tanto no Chade como no Sudão. A China National
Petroleum Corp (CNPC) assinou em 2007 um acordo de grande alcance com o
governo do Chade.
O Níger
é estratégico para os Estados Unidos devido às suas vastas reservas de
urânio. No presente, a França domina a indústria de urânio no Níger através
do conglomerado nuclear francês Areva, anteriormente conhecido como Cogema. A
China também tem interesse na indústria de urânio do Níger.
Mais
geralmente, a fronteira sul da Líbia é estratégica para os Estados Unidos na
busca pela extensão da sua esfera de influência na África francófona, um
vasto território que se estende desde a África do Norte até a África Central
e Ocidental. Historicamente, esta região fazia parte dos impérios coloniais
da França e da Bélgica, cujas fronteiras foram estabelecidas na Conferência
de Berlim de 1884.
Os EUA
desempenharam um papel passivo na Conferência de Berlim de 1884. Esta nova
redivisão no século XXI do continente africano, baseada no controle sobre o
petróleo, gás natural e minerais estratégicos (cobalto, urânio, cromo,
manganês e platina) apoia amplamente os interesses corporativos
anglo-americanos.
A
interferência dos EUA na África do Norte redefine a geopolítica de toda uma
região. Mina a China e ensombra a influência da União Europeia.
Esta
nova redivisão da África não enfraquece apenas o papel das antigas potências
coloniais (incluindo a França e a Itália) na África do Norte. Ela também faz
parte de um processo mais vasto de deslocamento e enfraquecimento da França
(e da Bélgica) sobre uma grande parte do continente africano.
Regimes
fantoches dos EUA foram instalados em vários países africanos que
historicamente estavam na esfera de influência da França (e Bélgica),
incluindo a República do Congo e o Ruanda. Vários países na África Ocidental
dentro da esfera da França (incluindo a Costa do Marfim) estão destinados a
tornarem-se estados proxy dos EUA.
A União
Europeia está fortemente dependente do fluxo de petróleo líbio. Oitenta e
cinco por cento do seu petróleo é vendido para países europeus. No caso de
uma guerra com a Líbia, a oferta de petróleo à Europa Ocidental poderia ser
interrompida, afetando grandemente a Itália, França e Alemanha, as quais
estão fortemente dependentes do petróleo líbio. As implicações destas
interrupções são de extremo alcance. Elas também têm relação direta sobre o
relacionamento entre os EUA e a União Europeia.
Observações
conclusivas
A mídia
de referência, através da desinformação maciça, é cúmplice na justificação de
uma agenda militar, que se executada teria conseqüências devastadoras não
apenas para o povo líbio: os impactos sociais e econômicos seriam sentidos em
escala mundial.
Há
atualmente três diferentes teatros de guerra na região do Oriente Médio e
Ásia Central: Palestina, Afeganistão, Iraque. No caso de um ataque à Líbia, o
quarto teatro de guerra seria aberto na África do Norte, com o risco de
escalada militar.
A
opinião pública deve tomar conhecimento da agenda oculta por trás deste
empreendimento alegadamente humanitário, apregoado por chefes de Estado e
chefes de governos de países da OTAN como uma "Guerra Justa". A
teoria da Guerra Justa, tanto nas suas versões clássica como contemporânea,
defende a guerra como uma "operação humanitária". Ela apela à
intervenção militar sobre bases éticas e morais contra "Estados
vilões" e "terroristas islâmicos". A teoria da Guerra Justa
demoniza o regime Kadafi na sua fase de preparação.
Os
chefes de Estado e de governo dos países da OTAN são arquitetos da guerra e
destruição no Iraque e no Afeganistão. Numa lógica absolutamente enviesada,
eles são apregoados como as vozes da razão, como os representantes da
"comunidade internacional".
As
realidades são invertidas. Uma intervenção humanitária é lançada por
criminosos de guerra em altos cargos, os quais são os guardiões da teoria da
Guerra Justa.
Abu
Ghraib, Guantánamo, baixas civis no Paquistão resultantes de ataques dos EUA
com aviões sem piloto a cidades e aldeias, ordenados pelo presidente Obama,
não estão nas primeiras páginas dos noticiários nem tampouco as duas milhões
de mortes civis no Iraque. Não existe isso de "Guerra Justa".
A
história do imperialismo dos EUA deveria ser entendida. O Relatório 200 do Project
of the New American Century (PNAC) intitulado "Rebuilding Americas'
Defenses" apela à implementação de uma longa guerra, uma
guerra de conquista. Um dos principais componentes desta agenda militar é: "Combater
e vencer decisivamente em múltiplos teatros de guerra simultâneos".
A
operação Líbia faz parte desse processo. É um outro cenário na lógica do
Pentágono de "teatros de guerra simultâneos".
O
documento PNAC reflete fielmente a evolução da doutrina militar dos EUA desde
2001. Os planos dos EUA para se envolver simultaneamente em vários teatros de
guerra em diferentes regiões do mundo.
Embora
a proteção da América, nomeadamente a "Segurança Nacional" dos EUA,
seja mantida como objetivo, o relatório do PNAC explica claramente porque
estes teatros de guerra múltiplos são requeridos. A justificativa humanitária
não é mencionada.
Qual é
o objetivo do roteiro militar da América?
A Líbia
é alvejada porque é um dentre os vários países que permanecem fora da esfera
de influência da América, por não se acomodar às exigências dos EUA. A Líbia
é um país que foi selecionado como parte de um "roteiro" militar
que consiste de "múltiplos teatros de guerra simultâneos". Nas
palavras do antigo comandante-chefe da OTAN, general Wesley Clark:
"No
Pentágono em novembro de 2001, um dos oficiais superiores do staff teve tempo
para uma conversa. ‘Sim, ainda estamos a caminho de ir contra o Iraque’,
disse ele. Mas havia mais. Isso estava sendo discutido como parte de um plano
de campanha de cinco anos, disse ele, e havia um total de sete países,
começando com o Iraque e seguindo por Síria, Líbano, Líbia, Irã, Somália e
Sudão (Wesley Clark, Winning Modern Wars, p. 130).
Parte III: "War is
Good for Business": The Libya Insurrection has Triggered a Surge in Oil
Prices. Speculators
Applaud... (a publicar)
O
original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=23605
Este
artigo foi retirado de http://resistir.info/.
Michel
Chossudowsky é membro do Centro de Pesquisas sobre a Globalização e autor de
‘A globalização da pobreza’.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 21 de março de 2011
A "operação Líbia" e a batalha pelo petróleo: redesenhar o mapa da África
Brasil, Líbia e a parafernália midiota
Leonardo Severo: via blog do Miro
Em visita ao Brasil, o presidente Barack Obama – o que ia enquadrar os bancos, fechar Guatánamo e retirar as tropas do Iraque e do Afeganistão – anuncia covarde e solenemente a continuidade da política de terrorismo de Estado dos EUA e manda atacar a Líbia.
Claro, como se apressou a esclarecer o mentirapresentador Wiliam Waack e a Rede Globo de Televisão, tudo sem qualquer risco para os seres humanos. Para os verdadeiros, obviamente, não para aquela gente que vive no deserto cheio de petróleo.O ataque seria “higiênico”, feito por mísseis “inteligentes” e vôos não tripulados contra alvos estritamente militares, tudo bem calculado. Assim, comemoram as agências desinformativas internacionais, em meio a imagens holliwoodianas dos tomahawk – nome dado às machadinhas pelas tribos indígenas Algonquin e Iroquois que habitavam o leste da América do Norte até serem dizimadas a mando dos governos dos cowboys.
Lançados de “moderníssimos” porta-aviões, os novos tomahawk são remetidos em missão humanitária pelos que se crêem xerifes do mundo. Um sucesso tão grande que já ultrapassa 100% de êxito, conforme as agências que já tinham as fotos prontas antes de acertarem os alvos. Aliás, há sempre um fotógrafo das agências dos países agressores (EUA, França e Inglaterra), para mostrar um tanque de soldados leais a Kadafi em chamas. Uma cobertura impressionante, pois é certamente tão perfeita quanto isenta.
Como no Iraque? Quantos ainda lembram do menino sem braços – e sem família – considerado um pequeno “efeito colateral” dos bombardeios “cirúrgicos” sob Bagdá recebendo ajuda desinteressada nos EUA? No órfão de pais e país, foram colocadas próteses ultra modernas, membros de última geração, o primor da tecnologia, ao dispor para ajudar os necessitados.
É desta mesma forma que o “regime do coronel Kadafi” está sendo castigado em Trípoli, dizem, Nem uma palavra – ou imagem - sobre os bairros residenciais atingidos ou das centenas de civis vitimados na ação que teoricamente serviria para libertá-los. Que importa? Foi detido o avanço das tropas “bárbaras”, “sanguinárias” e “mercenárias” que estavam a ponto de chegar a Bengazi.
A auto-proclamada capital dos “rebeldes”, a soldo dos que buscam secionar o país para o “ocidente” tomar de assalto suas imensas riquezas, foi finalmente colocada não muito sã, mas a salvo. Custe o que custar, é preciso parasitar esta incalculável energia para livrar o mundo da crise que abala os EUA e que se alastra impiedosa pela Europa, alavancando o desemprego, rebaixando salários e desaparecendo com direitos.
Os países da auto-intitulada “coalizão”, na verdade os neo-nazistas, como apontou o líder líbio, “querem fazer o tempo voltar atrás e tomar o petróleo que pertence e deve estar sob controle do povo”. “Gostaria que eles lembrassem da aventura em que estão se envolvendo. Esqueceram de como foram atingidos na Argélia, no Vietnã e querem ouvir novamente o clamor da batalha? O deserto da Argélia até hoje abriga os milhares de cadáveres dos aventureiros”, sentenciou Kadafi.
Mas afinal, que equação nacionalista é essa do governo líbio - que assim como o governo boliviano do “índio” Evo Morales fez com o gás -, põe 90% dos recursos arrecadados com o ouro negro nas mãos e bocas do país, reservando “apenas” 10% para as transnacionais? É preciso dar uma lição aos que ousam cometer tamanha blasfêmia contra o “deus mercado” e ensinam matemáticas altivas - cientificamente problemáticas ao neoliberalismo -, que se desdobram no caso líbio no maior IDH da região, em saúde e educação públicas. Imaginem se a moda pega num Oriente tão justo e democrático, tão cheio de bases ianques e regimes títeres? A lição do Iraque com os seus mais de um milhão de mortos já não é o suficiente? Esses árabes...
Recordo de um encontro internacional de comunicadores em Caracas em que o jornalista e professor belga Michel Colon descrevia como se faz uma campanha de demonização. E citou os passos da agressão midiática contra o Iraque, esmiuçando os passos da manipulação. Lembro de duas cenas. A primeira, de um pássaro coberto de petróleo, bico, olhos, asas, patas, tudo. O animalzinho se debatendo, todo tingido daquela gosma preta, morrendo intoxicado, agonizante, sem forças nem para levantar o pescoço.
Em sincronia com o foco no olhar que se despedia da vida, a propaganda elevava os tristes acordes da música e os faziam alcançar o fúnebre. Então, Michel parou a exibição do vídeo. Ele já havia sido passado à exaustão na Europa e sei mais lá onde como peça publicitária pró-invasão. Pediu a todos que colocassem os neurônios para funcionar e para que fosse feita uma análise, individual e coletiva, mais pormenorizada sobre a “informação” recebida. A verdade é que nunca houve tal ave na região do Golfo. A imagem havia sido captada após mais um destes desastres ambientais provocados por companhias petrolíferas dos EUA. No Alaska.
Logo depois, um vídeo que causou um impacto ainda maior. Uma jovem enfermeira descrevia a uma platéia de centenas de pessoas, como as tropas de Saddam Hussein agiram quando entraram no Kuwait. “Invadiram as incubadoras e jogaram os bebês no chão”, dizia, relatando entre soluços, que recordava do som seco das botas iraquianas pisoteando os bebês recém-nascidos, uma selvageria indescritível.
Da mesma forma, imagem e música confluíam para inebriar a atmosfera, capturando o plenário mergulhado em sangue e transe, inundando de lágrimas a assistência e evocando a Humanidade a reagir contra tamanha perversidade. Pausa. Michel Colon chama à razão, lembra que foi descoberta a farsa. A jovem não era enfermeira, nem mocinha. Era a filha do embaixador do Kuwait, de um governo bastante conhecido pela forma com que tratava “humanitariamente” a sua oposição.
Seriam tais “depoimentos” pró-invasão e zonas de exclusão aérea, escandalosamente repetidos à exaustão, uma mera projeção dos seus próprios crimes, cometidos pelas tropas ianques e seus cúmplices por todos os continentes, no Vietnã, em Abu Ghraib ou na Palestina ocupada? Afinal, o nascimento do estado fantoche dos EUA no Oriente Médio não se deu mergulhado em sangue árabe? Como a data está próxima, vamos nos ater a 9 de abril de 1948, em Deir Yassin, vila palestina próxima à Jerusalém.
Ali, as tropas de Israel estupraram de crianças a idosas, e abriram o ventre das mulheres grávidas com facas de açougueiro. Os requintes macabros são “do mais cruel barbarismo”. Estes sim, fartamente comprovados e documentados pela Cruz Vermelha Internacional. Diante dos duzentos e cinqüenta e quatro homens, mulheres e crianças massacrados em Deir Yassin, o Grande Rabino de Jerusalém amaldiçoou a todos os judeus sionistas que tinham tomado parte na carnificina.
Encarando a convocação de Bush Júnior e enfrentando a intensa campanha dos meios de comunicação pela agressão ao Iraque, “para proteger a segurança mundial das armas de destruição em massa”, o presidente Lula afirmou: “Nossa guerra é contra a fome”. Demarcando campo com a covardia, o oportunismo e a pusilanimidade, Lula lembrou que, caso algum ministro seu ousasse repetir os vergonhosos tempos de FHC e do amestrado Celso Lafer - que só entrou nos EUA após retirar os sapatos –, imediatamente deixaria o posto. Afinal, não serviria mais aos interesses do Brasil e do povo brasileiro. O vídeo pode ser facilmente acessado pelo youtube, mostra o sorriso de Celso Amorim, o aplauso da plateia, e lava a alma...
Nesta visita de Obama, segundo constam nos jornais – passadas 24 horas ainda sem desmentido por parte dos envolvidos-, não foram um, mas quatro ministros submetidos ao vexame, incluindo Guido Mantega, naturalmente. O fato é que as nossas autoridades deixaram ser revistadas pela segurança de Obama quando chegavam para participar da Cúpula Empresarial Brasil-Estados Unidos. Isso dentro do nosso próprio país. Sem aparelhos de tradução – aí também já é demais, devem ter pensado – deixaram o local, duplamente humilhados.
Será este o tipo e o nível de “interlocução” que deve buscar um governo de uma nação soberana, que tanto havia avançado no último período em termos de integração latino-americana, com os países africanos e com os próprios árabes? Mais cedo ou mais tarde a verdade aflora, bem como os desdobramentos das equivocadas opções adotadas, como o corte de recursos do Orçamento, a alta dos juros e a suspensão de concursos públicos.
A parafernália midiota, que sempre pressiona por recuos no campo da soberania e da auto-estima e dá sustentação a todo e qualquer retrocesso, tem sua pauta externa umbilicalmente ligada aos interesses dos Estados Unidos, das indústrias bélica e petrolífera. Isso torna mais do que necessária, inadiável, a democratização da comunicação.
A construção de instrumentos contra-hegemônicos, como a Telesul, ao dar voz e imagem ao considerado “outro lado’, isto é, o da grande maioria dos países e povos, começa a fazer água no barco da ideologia neocolonial da submissão e da mediocridade.
Diante da ingenuidade com que muitos ainda encaram a complexidade da batalha em curso, vale lembrar Lênin, numa obra já mais do que centenária, “Imperialismo, fase superior do capitalismo”: “Os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros: e repartem-no segundo o capital, segundo a força...”
* Leonardo Serero é jornalista da Hora do Povo e membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé.
O que realmente está em pauta
Parte da esquerda se opõe ao governo Lula e, agora, ao governo
Dilma, por achar que eles deveriam realizar o crescimento sem contar com
o capitalismo
Que
a direita se movimente, seja através de elogios na imprensa, seja
através de movimentos partidários visando conquistar a hegemonia do
governo por dentro, é natural e previsível. Mas que setores da esquerda
façam leituras atravessadas das discussões sobre os rumos do país, tirem
conclusões apressadas sobre uma possível guinada conservadora do
governo Dilma e continuem apostando na divisão interna do PT é mais uma
vez lamentável.
Em primeiro lugar, não passa de ilusão de classe
supor que parte considerável da burguesia combateu o governo Lula apenas
por seu arraigado preconceito de classe, e não por causa do modelo
econômico. Só os politicamente cegos não tomaram conhecimento das
batalhas permanentes para realizar uma redistribuição de renda que
contemplasse os miseráveis e os pobres. E para que fossem recolocados na
pauta do país o planejamento e o crescimento econômico.
Parte da
esquerda se opõe ao governo Lula e, agora, ao governo Dilma, por achar
que eles deveriam realizar o crescimento sem contar com o capitalismo.
Em outras palavras, que deveriam liquidar o capitalismo. Só não dizem
como e com que forças. Talvez pensem que isso possa ser feito por
decreto, num país em que sequer se fez uma revolução que transformasse
todo o Estado numa máquina a serviço dos trabalhadores e do povo. A
pauta para isso é um pouco mais complexa.
Mas essa parte da
esquerda, além disso, supõe que o governo pode comandar a política a seu
bel prazer, e que a política pode comandar a economia do mesmo modo.
Realiza a operação teórica de retirar do cenário econômico e social as
forças reais que atuam ideológica e politicamente sobre ele, e conclui
que tudo é uma questão de coragem e decisão política. Para ela, um
governo de esquerda, mesmo que eleito sob as regras impostas pela
burguesia, tudo poderia. Bastaria o compromisso de servir ao povo e a
correspondente decisão política. Para que perder tempo com correlação de
forças e com supostas leis econômicas naturais?
O problema é que
neste caso, assim como no da superação do capitalismo, a correlação de
forças, assim como as leis econômicas naturais, existem, ambas evoluindo
em intrincadas relações de causa e efeito. Numa situação econômica
internacional muito favorável, o governo Lula conseguiu superar os
entraves da política monetária de juros altos e câmbio flutuante,
impostos pelo sistema financeiro, ao dar alguns passos fundamentais para
mudar a correlação de forças políticas e a própria política econômica.
Colocou em pauta um forte programa de redistribuição de renda, um rol
de ações de recuperação da capacidade de planejamento e de elaboração de
projetos, e um programa de aceleração do crescimento econômico.
Nenhum
desses passos foi dado de um dia para o outro, nem poderia. A máquina
estatal brasileira havia sido desorganizada pelos governos neoliberais,
os órgãos de planejamento e de projetos estavam sucateados, assim como
boa parte da indústria brasileira, e mantinham-se abertos os ralos pelos
quais fluía boa parte dos recursos públicos para mãos privadas. Para
complicar, parcelas do PT acharam que poderiam utilizar-se impunemente
dos mesmos métodos de privatização dos recursos públicos, praticados
pela burguesia, gerando a crise de 2005.
De qualquer modo, apesar
dos companheiros que abandonaram o governo Lula e o PT, por acharem que
eles afundariam por haver sucumbido ao conservadorismo e à corrupção,
tais dificuldades foram superadas em grande parte. A reeleição de Lula
foi uma demonstração de que a maior parte da população já se dera conta
de que havia uma diferença real entre seu governo e os governos
neoliberais anteriores.
Há certo consenso de que o segundo
mandato Lula foi substancialmente diferente do primeiro. Mas isso
ocorreu, em parte, porque no primeiro mandato haviam sido superados
alguns dos gargalos que impediam uma aplicação consistente das políticas
de redistribuição de renda e crescimento econômico. E, também em parte,
porque as condições internacionais continuavam favoráveis para a
implementação daquelas políticas, apesar do monetarismo neoliberal. O
resultado foi um aumento considerável do poder de compra das camadas
populares, embora haja um certo exagero na suposição de emergência de
uma nova classe média.
De qualquer modo, essa elevação do poder
de compra no mercado interno criaria um inevitável crescimento da
demanda de uma série considerável de produtos e serviços, em especial
alimentos, outros bens de consumo corrente, transportes etc. As leis
naturais da economia se apresentariam de um modo ou de outro, trazendo à
tona os desequilíbrios entre oferta e demanda, pressionando a inflação,
exigindo ajustes e impondo-se à política.
Para piorar, essa
situação se intensificou num contexto internacional diferente. A crise
internacional do capitalismo se mantém e mudaram as condições que antes,
apesar do monetarismo neoliberal encastelado no Banco Central,
favoreciam as políticas sociais e de desenvolvimento no Brasil. Num
contexto como esse, seria ilusão supor que o sistema financeiro ficaria
impassível diante da oportunidade de retomar a política de juros altos,
como única maneira de combate à inflação. Em especial, porque as medidas
para elevar a produção de alimentos e de outros bens e serviços de alta
demanda não dão resultados em curto prazo.
Temos, assim, a
economia se impondo à política numa situação de forte disputa entre o
neoliberalismo ainda não enterrado e o compromisso de longo prazo com um
desenvolvimento associado à redistribuição de renda e à erradicação da
miséria. Tornou-se inevitável dar vários nós de aperto, como me referi
em comentários anteriores. O que não era inevitável, nem necessário, era
permitir a elevação da taxa de juros, em especial porque a inflação não
está disseminada por todos os setores da economia.
No entanto,
essa também não é uma decisão que o governo Dilma possa adotar de chofre
e a seu bel prazer. Tal decisão demanda um debate na sociedade e entre
as forças políticas, criando uma correlação de forças favorável para
impor ao Banco Central e ao sistema financeiro uma política que
corresponda à nova realidade do país. O papel da esquerda e de todo o PT
é o de intensificar tal debate e acumular as forças sociais e políticas
necessárias para apoiar o governo Dilma no rumo dessa decisão, do mesmo
modo que fez durante o governo Lula. Ilações ou interpretações
diferentes a respeito de meus textos, nada tem de programático, nem
pragmático. De qualquer modo, se a parte da esquerda que ainda acredita
que os governos Lula e Dilma são de pragmatismo assistencialista,
despolitizadores, desmobilizadores e submissos ao sistema financeiro
privado, pretende participar de um debate sem preconceitos sobre as
conquistas do povo brasileiro durante os oito anos de governo Lula e
sobre os desafios que estão realmente em pauta para o governo Dilma,
assim como sobre os rumos possíveis para o socialismo no Brasil,
acredito que eles sejam bem-vindos. De minha parte, mesmo não passando
de um simples comentarista, lhes darei toda a atenção que militantes
históricos merecem.
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