Tanto
o aquecimento global quanto as perturbações da natureza e a injustiça
social mundial são tidas como externalidades, vale dizer, realidades
não intencionadas e que por isso não entram na contabilidade geral dos
estados e das empresas. Finalmente o que conta mesmo é o lucro e um PIB
positivo. Mas estas externalidades se tornaram tão ameaçadoras que
estão desestabilizando o sistema-Terra, mostrando a falência do modelo
econômico neoliberal e expondo em grave risco o futuro da espécie
humana. O artigo é de Leonardo Boff.
Leonardo Boff
Em
Copenhague nas discussões sobre as taxas de redução dos gases
produtores de mudanças climáticas, duas visões de mundo se confrontam:
a da maioria dos que estão fora da Assembléia, vindo de todas as partes
do mundo e a dos poucos que estão dentro dela, representando os 192
estados. Estas visões diferentes são prenhes de conseqüências,
significando, no seu termo, a garantia ou a destruição de um futuro
comum.
Os que estão dentro, fundamentalmente, reafirmam o
sistema atual de produção e de consumo mesmo sabendo que implica
sacrificação da natureza e criação de desigualdades sociais. Crêem que
com algumas regulações e controles a máquina pode continuar produzindo
crescimento material e ganhos como ocorria antes da crise.
Mas
importa denunciar que exatamente este sistema se constitui no principal
causador do aquecimento global emitindo 40 bilhões de toneladas anuais
de gases poluentes. Tanto o aquecimento global quanto as perturbações
da natureza e a injustiça social mundial são tidas como externalidades,
vale dizer, realidades não intencionadas e que por isso não entram na
contabilidade geral dos estados e das empresas. Finalmente o que conta
mesmo é o lucro e um PIB positivo.
Ocorre que estas
externalidades se tornaram tão ameaçadoras que estão desestabilizando o
sistema-Terra, mostrando a falência do modelo econômico neoliberal e
expondo em grave risco o futuro da espécie humana.
Não passa
pela cabeça dos representantes dos povos que a alternativa é a troca de
modo de produção que implica uma relação de sinergia com a natureza.
Reduzir apenas as emissões de carbono mas mantendo a mesma vontade de
pilhagem dos recursos é como se colocássemos um pé no pescoço de alguém
e lhe dissésemos: quero sua liberdade mas à condição de continuar com o
meu pé em seu pescoço.
Precisamos impugnar a filosofia
subjacente a esta cosmovisão. Ela desconhece os limites da Terra,
afirma que o ser humano é essencialmente egoista e que por isso não
pode ser mudado e que pode dispor da natureza como quiser, que a
competição é natural e que pela seleção natural os fracos são engolidos
pelos mais fortes e que o mercado é o regulador de toda a vida
econômica e social.
Em contraposição reafirmamos que o ser
humano é essencialmente cooperativo porque é um ser social. Mas faz-se
egoísta quando rompe com sua própria essência. Dando centralidade ao
egoísmo, como o faz o sistema do capital, torna impossível uma
sociedade de rosto humano. Um fato recente o mostra: em 50 anos os
pobres receberam de ajuda dois trilhões de dólares enquanto os bancos
em um ano receberam 18 trilhões. Não é a competição que constitui a
dinâmica central do universo e da vida mas a cooperação de todos com
todos. Depois que se descobriram os genes, as bactérias e os vírus,
como principais fatores da evolução, não se pode mais sustentar a
seleção natural como se fazia antes. Esta serviu de base para o
darwinismo social. O mercado entregue à sua lógica interna, opõe todos
contra todos e assim dilacera o tecido social. Postulamos uma sociedade
com mercado mas não de mercado.
A outra visão dos
representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra
e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma
nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão
salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos.
Essa
cooperação não é uma virtude qualquer. É aquela que outrora nos
permitiu deixar para trás o mundo animal e inaugurar o mundo humano.
Somos essencialmente seres cooperativos e solidários sem o que nos
entredevoramos. Por isso a economia deve dar lugar à ecologia. Ou
fazemos esta virada ou Gaia poderá continuar sem nós.
A forma
mais imediata de nos salvar é voltar à ética do cuidado, buscando o
trabalho sem exploração, a produção sem contaminação, a competência sem
arrogância e a solidariedade a partir dos mais fracos. Este é o grande
salto que se impõe neste momento. A partir dele Terra e Humanidade
podem entrar num acordo que salvará a ambos
Leonardo Boff é teólogo e escritor.