sábado, 29 de agosto de 2009

Governo da Venezuela explode com midia de esgoto...

Hugo Chávez e os meios de comunicação privados

por Salim Lamrani*

A Comissão Nacional de Telecomunicações da Venezuela começou a recuperar as freqüências hertzianas ilegalmente ocupadas pelos meios de comunicação de algumas grandes famílias para os redistribuir. Imediatamente os oligarcas denunciaram uma “violação da liberdade de expressão” e receberam o apoio dos seus homólogos ocidentais através dos meios de comunicação que eles detêm e, claro, da Repórteres Sem Fronteiras, fiel cão de guarda da subjugação da informação aos interesses de Washington.

Guillermo Zuloaga Núñez, presidente da Globovisión, participou ativamente no golpe de .Estado militar abortado de 2002. Acaba de dar o seu apoio aos golpistas hondurenhos. e apelou a que se siga o seu exemplo na Venezuela.

No dia 2 de Agosto de 2009, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicou um comunicado denunciando o encerramento de «trinta e quatro meios audiovisuais sacrificados por capricho governamental» na Venezuela. A organização parisiense «protesta com vigor contra o encerramento massivo de meios audiovisuais privados» e interroga-se: «É ainda permitido emitir publicamente a mais pequena crítica em relação ao governo bolivariano? Este encerramento massivo de meios reputados da oposição, perigoso para o futuro do debate democrático, só obedece à vontade governamental de calar as vozes discordantes, e só agravará as divisões no seio da sociedade venezuelana» [1].

A RSF refere-se à decisão tomada pela Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) no dia 1 de Agosto de retirar a frequência a trinta e quatro estações de rádio e televisão [2]. Segundo a RSF, a decisão seria exclusivamente motivada pelo facto de estes meios de comunicação se terem mostrado críticos para com o governo de Hugo Chávez. Numa palavra, tratar-se-ia de um acto político para abafar a imprensa de oposição. Esta versão foi retomada pela grande maioria dos meios de comunicação ocidentais [3].

Ora, a realidade é outra e foi cuidadosamente ocultada pela RSF e pelas multinacionais da informação com o objectivo de enganar a opinião pública e de transmutar o governo mais democrático da América Latina (Hugo Chávez submeteu-se a quinze processos eleitorais desde que acedeu ao poder em 1998 e saiu vitorioso em catorze, em escrutínios saudados pelo conjunto da comunidade internacional pela sua transparência) num regime que atenta gravemente contra a liberdade de expressão.

De fato, a decisão da Conatel teria sido tomada em qualquer país do mundo numa situação semelhante. Várias rádios ignoraram deliberadamente uma intimação da Comissão destinada a averiguar o estado da concessão e a atualizar a sua situação. Depois de uma investigação, a Conatel descobriu numerosas irregularidades, tais como a existência de concessionários falecidos cuja licença era utilizada por uma terceira pessoa, a não renovação dos trâmites administrativos obrigatórios, ou muito simplesmente a ausência de autorização para emitir. Ora, a lei venezuelana, semelhante às do resto do mundo, estipula que os meios de comunicação que não renovem a sua concessão no prazo legal ou emitam sem autorização, perderão a sua freqüência, e esta voltará ao âmbito público. Assim, trinta e quatro estações que emitiam de forma ilegal perderam a sua concessão (4).
Na realidade, a decisão da Conatel, longe de limitar a liberdade de expressão, pôs fim a uma situação ilegal e abriu uma política de democratização do espectro radioelétrico venezuelano com a finalidade de colocá-lo ao serviço da coletividade. De fato, na Venezuela, 80% das rádios e televisões pertencem ao domínio privado, enquanto que apenas 9% delas são do domínio público, sendo o resto dedicado aos sectores associativo e comunitário. Para além disso, o conjunto dos meios privados venezuelanos está concentrado nas mãos de 32 famílias (5).

Assim, uma medida tomada pela Conatel para pôr fim a uma situação ilegal foi completamente manipulada pela RSF e pelos meios de comunicação ocidentais.

A RSF escolheu o seu lado defendendo acirradamente a oposição venezuelana, responsável por um golpe de Estado contra Chávez em Abril de 2002, golpe ao qual a organização parisiense deu imediatamente aval. A RSF defende particularmente o canal golpista Globovisión, que considera como o símbolo da liberdade de expressão na Venezuela (6). Não obstante, não assinala que para além da sua participação ativa no golpe de 2002, a Globovisión apoiou a sabotagem petrolífera desse ano, lançou um apelo aos contribuintes para que não pagassem os seus impostos e apelou à insurreição e ao assassinato do Presidente Chávez (7).

Ultimamente, a Globovisión deu o seu apoio à junta golpista das Honduras que derrubou o Presidente democraticamente eleito José Manuel Zelaya, unanimemente condenada pela comunidade internacional (8). O proprietário do canal, Guillermo Zuloaga Núñez, reconheceu o governo ilegal de Micheletti, lançando ao mesmo tempo um apelo ao golpe de Estado na Venezuela: «O governo auto-proclamado de Micheletti respeita a Constituição, e nós gostaríamos verdadeiramente que aqui na Venezuela se respeitasse a Constituição como se está respeitando em Honduras» (9).

A RSF não defende a liberdade de expressão na Venezuela. Prefere pôr-se do lado dos inimigos da democracia.

(1) Repórteres Sem Fronteiras, « Trente-quatre médias audiovisuels sacrifiés par caprice gouvernemental », 02/08/2009 (consultado a 03/08/2009).

(2) Sítio oficial da Conatel.

(3) Agencia Bolivariana de Noticias, “Productores independientes respaldan suspensión de emisoras radiales ilegales”, MP3, 04/08/2009.

(4) Fabiola Sánchez, « Radios desafían a Chávez operando por Internet », The Associated Press, 03/08/2009.

(5) Thierry Deronne, « A batalha popular para democratizar o “latifúndio” das ondas », Vive-fr.org, 02/08/2009; Agencia Bolivariana de Noticias, « Medida de Conatel no afectará libertad de expresión e información en Venezuela », 04/08/2009.

(6) Repórteres Sem Fronteiras, « Le gouvernement accélère sa croisade contre les médias privés en voulant modifier les lois et les règles », 21/07/2009.

(7) Salim Lamrani, « Reporters sans frontières contre la démocratie vénézuélienne », Réseau Voltaire, 02/07/2009.

(8) « Résolution de l’Assemblée générale de l’ONU sur la situation au Honduras » e « Résolution de l’Organisation des États américains (OEA) relative à la suspension du Honduras », 30/06 e 04/07/2009.

(9) Agência Bolivariana de Noticias , « Globovisión apoya marcha a favor de gobierno golpista en Honduras », 22/07/2009.


O marketing do escândalo

Por Washington Araújo, no observatorio da imprensa

A lição de Confúcio não prescreve. Ainda mais nos dias atuais. Ele escreveu: "Se puderes resgatar as penas de dez travesseiros abertos no alto de uma colina em uma noite de tempestade, poderá resgatar a honra de uma pessoa caluniada".

Inúmeros são os casos em que a imprensa tem se arrogado o papel da Justiça. Assumir funções típicas da Justiça é recorrente na atividade jornalística. Há certa compreensão de que jornal é fórum, repórter é magistrado, editor é ministro de tribunal superior. E quando este é o quadro resta-nos apenas ver o desvirtuamento da informação fidedigna em atos de autoridade prepotente.

Em 1993 escrevia Joaquim Falcão em artigo publicado na imprensa carioca e que permanece tão atual quando à época de sua publicação: "Não raramente hoje, alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar, processam sem ouvir, colocam réu sem defesa na prisão da opinião pública; enfim, condenam sem julgar". E quando isto ocorre vemos justiçamento e não justiça. É imensa a distância separando um conceito do outro.

Verdade contrabandeada

Estas percepções surgem quando cotejo a cobertura das quatro revistas semanais de informação e as capas dos principais jornais diários nestes últimos três meses. Existem tiros demais, vítimas demais. E também verdade de menos, isenção de menos, muito menos. Isso me faz lembrar afirmação do jornalista inglês Paul Johnson quando em meados dos anos de 1990 em um artigo afirmava que "a mídia é uma arma carregada quando dirigida com intenção hostil contra um indivíduo". E há muita intenção hostil no noticiário, daí que estamos sempre há bem poucos metros do pelotão de fuzilamento instituído pela mídia.

Cláudio Abramo personificava sua própria máxima ao dizer que o jornalismo era "o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter". É que não havia distância entre intenção e gesto no caso do autor da frase. Ele sabia muito bem a regra do jogo (sem trocadilho com o famoso livro).

É bem desagradável o sentimento que temos quando vemos campanha lançada por jornal defendendo ou acusando esta ou aquela ideologia, este ou aquele pensamento político, filosófico, religioso. Parece faltar inteligência ou a quem criou a campanha ou ao distinto público-alvo da mesma. E faltou coragem de dizer com todas as letras quem está por trás da tal campanha.

Para ser coerente com a definição de Abramo somente aceitando que estamos diante de qualquer coisa, mas não de jornalismo. Quando revista semanal se transforma em porta-voz de partido político algo de muito errado está acontecendo. Da mesma forma quando rede de televisão se notabiliza na defesa intransigente de ponto de vista eminentemente religioso, logo somos alcançados pelo mau odor exalado pelo preconceito e o fanatismo.

E só não há erro se o veículo de comunicação atua com transparência deixando o público saber a serviço de que agremiação se encontra. É aqui que mora o perigo: não temos tradição de nossos jornais e revistas cerrarem fileiras com esta ou aquela corrente política. É sempre por debaixo do pano que a verdade é contrabandeada – e a credibilidade do veículo de comunicação começa a decair quando seu público reconhece por si mesmo que há um marketing por trás dessa ou daquela capa, dessa ou daquela cobertura.

Passagem do tempo

É o marketing do escândalo. As vítimas serão sempre aquelas que se atrevem a discordar da opinião, da crença defendida pelo canal de televisão, jornal, revista, emissora de rádio, portal na internet. O procedimento padrão aplicado é minimizar ao máximo o contraditório, garantia mínima que é para o Estado democrático, deixar passar ao longo da cobertura qualquer pluralidade de pensamento, qualquer fato novo investigado que tenha força suficiente para frustrar o resultado desejado. Procedimento que maximiza as opiniões que fortalecem a linha editorial pretendida, que lhe concede repercussão indevida como forma de atender a interesses outros que não aqueles defendidos pelos que praticam o bom jornalismo.

A lógica do marketing do escândalo inclui, sim, a possibilidade de retificação do erro cometido, do excesso havido, mas sempre o fará de maneira frágil, envergonhada, vulnerável e inteiramente desproporcional ao impacto ou conseqüências do mal protagonizado.

Penso haver tão-somente um antídoto a essa forma enviesada do fazer jornalismo no Brasil. E seria um choque de ética nas relações dos jornalistas com suas matérias, com suas fontes, com os fatos, com a idéia do contraditório, com a já esquecida prática de, antes da publicação, ter buscado, honestamente, ouvir o outro lado. Quando penso em ética não penso em consciência amordaçada. E nem penso em notícias em constante descompasso com a passagem do tempo. Penso, apenas, no direito que todos temos de ter acesso a notícia com maior qualidade, mais apurada, texto correto e preciso. Será pedir muito?

Reino inferior

Séculos atrás Luis de Camões escreveu esses belos versos:

"Mudam-se os tempos,/ Mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o ser é feito de mudança/ Assumindo sempre novas qualidades."

Bem conhecida a frase da escritora estadunidense Lilian Hellman (1905-1984): "As pessoas mudam, mas esquecem de comunicá-lo". O mesmo acontece com os meios de comunicação. Nascem com uma proposta editorial clara e aos poucos, ao longo do caminho, vão se desfazendo daquele espírito impulsor que lhe dava substância. Esquecem, também, de comunicar a mudança aos leitores, ouvintes, telespectadores.

Nada contra a mudança, afinal já faz parte da filosofia dos caminhões: "A única coisa que não muda é a mudança". O problema com os meios de comunicação é que eles mudam e nada fazem para assumir as conseqüências da mudança. Faz-nos recordar aquela famosa atriz que, em busca do tempo perdido, decide fazer plástica no rosto. Uma vez feita, esta lhe altera os traços fisionômicos, reduz significativamente os sulcos que o arado do tempo fez, mas, a atriz, mesmo diante da contraprova ante o espelho, ainda assim não se dá por vencida e volta a jurar, uma e mil vezes, que jamais passou perto de um bisturi. Dá para acreditar?

A prisão da opinião pública – com sua atual superlotação – tem como alicerce os escombros de uma ética jornalística profundamente abalada. Este entulho é representado pelo desabrido jogo político conspurcando o livre trânsito da informação e o desenfreado balcão de negócios em que esta mesma informação é moeda corrente.

A opinião pública, quando trancafiada nos cárceres do mau jornalismo, fere de morte um direito humano básico, fundamental. Refiro-me ao direito que trata da liberdade de pensamento, de opinião, de crença. E se esse direito é subtraído ao patrimônio de humanidade que carregamos assim como o corpo carrega sua sombra, então renunciamos à nossa humanidade e passamos a integrar um reino inferior, qual mineral, qual vegetal, qual animal irracional.

Como a Europa mata os migrantes

Créditos: Blogdovelhocomunista

Tradução de Thiago A.Maciel


Aproximadamente 80 eritreus saíram da costa da Líbia em direção à Europa por volta do dia 29 de julho. Vinte e um dias depois, a Marinha Militar Italiana, previamente avisada pela maltesa, encontrou o barco pneumático no qual viajavam apenas cinco tripulantes: os outros 75 morreram desidratados no caminho e seus companheiros de viagem jogaram seus corpos ao mar. Os cinco sobreviventes, entre eles uma mulher e dois menores de idade "reduzidos a esqueleto", relataram que haviam cruzado com 10 barcos pesqueiros durante as três semanas, mas apenas um deles parou para dar água e depois desapareceu.

Ao publicar a noticia, começou o clássico ping-pong diplomático entre os governos italiano, maltês e europeu. Precedentes não faltam: lembremos os casos Cap Anamur, ou Pinar. Malta "lavou as mãos" dizendo que uma patrulha que operava sob mandado de Frontex (Agencia Européia de Fronteiras) socorreu um barco pneumático em que os passageiros estavam em boas condições físicas (1) e rechaçaram ir a Malta, insistindo em seguir seu rumo a noroeste para alcançar seu destino. O ministro de Assuntos Exteriores italiano, Franco Frattini, acusou a União Européia de "falar muito e fazer pouco", pois ainda não decidiu como se deve atuar quando um grupo de imigrantes chega à Europa. Dennis Abbott, um dos porta-vozes da UE, declarou que "a Comissão Européia e os países da UE fazem o que está em suas mãos", para responder à emergência de embarcações clandestinas e que em outubro se tomarão novas medidas a respeito.

O professor Fúlvio Vasallo Paleologo, um dos máximos experts sobre o assunto, explica que desde o caso de Cap Anamur (2003) até o fim do caso dos sete pescadores tunicinos, acusados de favorecer a imigração clandestina (2007), foram sendo reduzidas as intervenções de salvamento por parte de navios mercantes por medo da conseqüência negativa para seus negócios.

Contudo, devido aos acordos operativos desde a primavera (um entre a Itália, Malta e Líbia; outro entre Malta e Líbia) a situação piorou. Por um lado, se reconhece a Malta, país com poucos meios militares, a coordenação da zona SAR (Salvamento e Resgate) mais extensa do Mediterrâneo central. Como conseqüência disso, as unidades militares italianas (mais numerosas que as maltesas) operam sob a coordenação das autoridades maltesas. Por outro lado, os acordos ítalo-líbios (alguns oficiais e outros secretos) estão tendo como fruto operações de patrulhamento conjunto com alguns jet-skis ítalo-líbios que serviriam para "devolver" os emigrantes às costas libanesas. Ao recair a coordenação dessas intervenções em mãos libanesas, as funções reais das unidades aeronavais de Frontex são cada vez mais evanescentes.

O que em realidade está ocorrendo, segundo Vasallo Paleologo, é que os autores do Regulamento Frontex, assim como quem tem idealizado e escrito esses acordos internacionais bilaterais, "tem utilizado a omissão de socorro, conseqüência direta ou indireta de uma divisão de competências tão bem armado, como uma autêntica 'pena de morte' para os emigrantes que se arriscam a atravessar o canal da Sicilia para fugir da Líbia e alcançar Malta ou Sicilia, quando não Lampedusa, blindadíssima para salvar a imagem turística da ilha, mas sobretudo os 'êxitos históricos' do governo italiano na 'guerra a imigração ilegal'".

"Como é possível que na Era da tecnologia um barco tão grande escape dos olhos de águia que patrulham todos os ângulos do planeta?", se pergunta um parente de uma vítima. Na comunidade eritréia da Líbia dizem que os organizadores intermediários das viagens receberam uma ligação de um telefone via satélite dia 29 de julho, na tarde em que os passageiros diziam ver a costa de Malta. Como é possível, então, que ninguém os tenha visto? A resposta não se encontrará na conferência "Tecnologia biométrica para os controles fronteiriços", que será realizada em Varsóvia nos dias 1° e 2 de outubro, onde a Frontex convida a indústria a participar e exibir seus produtos.

A resposta é conhecida perfeitamente pelos eritreus da Líbia: "Não foi um acidente. Foi um homicídio."


NOTA:

(1) Na foto, a sobrevivente Titti Tazrar, de 27 anos. Nesse artigo se encontra sua história. Durou um ano, quatro meses e vinte um dias para chegar na Itália. Titti decide, um dia, que não quer seguir no exército eritreu. Passa por sua casa e empreende a viagem com 10 euros que lhe deram sua mãe e seus irmãos. Chega ao Sudão, onde trabalha como assistente. Informa-se que necessita pagar 900 euros para chegar à Líbia, e da Líbia à Itália. Trabalha durante um ano para economizar. Finalmente embarca. A viagem será terrível: presenciará a morte de seus 73 companheiros. A morte de suas duas amigas, Ester e Luam, grávidas, vai lhe afetar terrivelmente. Vê passar barcos. Um barco de pescadores se aproxima e, ao verem sete cadáveres a bordo, se afastam deixando pão e duas garrafas de água. Finalmente chega o resgate. Ela é internada no hospital. Vive.