sábado, 29 de agosto de 2009

Como a Europa mata os migrantes

Créditos: Blogdovelhocomunista

Tradução de Thiago A.Maciel


Aproximadamente 80 eritreus saíram da costa da Líbia em direção à Europa por volta do dia 29 de julho. Vinte e um dias depois, a Marinha Militar Italiana, previamente avisada pela maltesa, encontrou o barco pneumático no qual viajavam apenas cinco tripulantes: os outros 75 morreram desidratados no caminho e seus companheiros de viagem jogaram seus corpos ao mar. Os cinco sobreviventes, entre eles uma mulher e dois menores de idade "reduzidos a esqueleto", relataram que haviam cruzado com 10 barcos pesqueiros durante as três semanas, mas apenas um deles parou para dar água e depois desapareceu.

Ao publicar a noticia, começou o clássico ping-pong diplomático entre os governos italiano, maltês e europeu. Precedentes não faltam: lembremos os casos Cap Anamur, ou Pinar. Malta "lavou as mãos" dizendo que uma patrulha que operava sob mandado de Frontex (Agencia Européia de Fronteiras) socorreu um barco pneumático em que os passageiros estavam em boas condições físicas (1) e rechaçaram ir a Malta, insistindo em seguir seu rumo a noroeste para alcançar seu destino. O ministro de Assuntos Exteriores italiano, Franco Frattini, acusou a União Européia de "falar muito e fazer pouco", pois ainda não decidiu como se deve atuar quando um grupo de imigrantes chega à Europa. Dennis Abbott, um dos porta-vozes da UE, declarou que "a Comissão Européia e os países da UE fazem o que está em suas mãos", para responder à emergência de embarcações clandestinas e que em outubro se tomarão novas medidas a respeito.

O professor Fúlvio Vasallo Paleologo, um dos máximos experts sobre o assunto, explica que desde o caso de Cap Anamur (2003) até o fim do caso dos sete pescadores tunicinos, acusados de favorecer a imigração clandestina (2007), foram sendo reduzidas as intervenções de salvamento por parte de navios mercantes por medo da conseqüência negativa para seus negócios.

Contudo, devido aos acordos operativos desde a primavera (um entre a Itália, Malta e Líbia; outro entre Malta e Líbia) a situação piorou. Por um lado, se reconhece a Malta, país com poucos meios militares, a coordenação da zona SAR (Salvamento e Resgate) mais extensa do Mediterrâneo central. Como conseqüência disso, as unidades militares italianas (mais numerosas que as maltesas) operam sob a coordenação das autoridades maltesas. Por outro lado, os acordos ítalo-líbios (alguns oficiais e outros secretos) estão tendo como fruto operações de patrulhamento conjunto com alguns jet-skis ítalo-líbios que serviriam para "devolver" os emigrantes às costas libanesas. Ao recair a coordenação dessas intervenções em mãos libanesas, as funções reais das unidades aeronavais de Frontex são cada vez mais evanescentes.

O que em realidade está ocorrendo, segundo Vasallo Paleologo, é que os autores do Regulamento Frontex, assim como quem tem idealizado e escrito esses acordos internacionais bilaterais, "tem utilizado a omissão de socorro, conseqüência direta ou indireta de uma divisão de competências tão bem armado, como uma autêntica 'pena de morte' para os emigrantes que se arriscam a atravessar o canal da Sicilia para fugir da Líbia e alcançar Malta ou Sicilia, quando não Lampedusa, blindadíssima para salvar a imagem turística da ilha, mas sobretudo os 'êxitos históricos' do governo italiano na 'guerra a imigração ilegal'".

"Como é possível que na Era da tecnologia um barco tão grande escape dos olhos de águia que patrulham todos os ângulos do planeta?", se pergunta um parente de uma vítima. Na comunidade eritréia da Líbia dizem que os organizadores intermediários das viagens receberam uma ligação de um telefone via satélite dia 29 de julho, na tarde em que os passageiros diziam ver a costa de Malta. Como é possível, então, que ninguém os tenha visto? A resposta não se encontrará na conferência "Tecnologia biométrica para os controles fronteiriços", que será realizada em Varsóvia nos dias 1° e 2 de outubro, onde a Frontex convida a indústria a participar e exibir seus produtos.

A resposta é conhecida perfeitamente pelos eritreus da Líbia: "Não foi um acidente. Foi um homicídio."


NOTA:

(1) Na foto, a sobrevivente Titti Tazrar, de 27 anos. Nesse artigo se encontra sua história. Durou um ano, quatro meses e vinte um dias para chegar na Itália. Titti decide, um dia, que não quer seguir no exército eritreu. Passa por sua casa e empreende a viagem com 10 euros que lhe deram sua mãe e seus irmãos. Chega ao Sudão, onde trabalha como assistente. Informa-se que necessita pagar 900 euros para chegar à Líbia, e da Líbia à Itália. Trabalha durante um ano para economizar. Finalmente embarca. A viagem será terrível: presenciará a morte de seus 73 companheiros. A morte de suas duas amigas, Ester e Luam, grávidas, vai lhe afetar terrivelmente. Vê passar barcos. Um barco de pescadores se aproxima e, ao verem sete cadáveres a bordo, se afastam deixando pão e duas garrafas de água. Finalmente chega o resgate. Ela é internada no hospital. Vive.

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