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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Golpe na Venezuela


Venezuela é vítima de uma nova tática intervencionista da direita


Vermelho entrevistou o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Ricardo Alemão Abreu, para entender a conjuntura política da Venezuela. Segundo ele, há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina e o que está acontecendo no país é a aplicação desta tática de desestabilização, uma vez que a oposição não tem força política suficiente para enfrentar os governos de esquerda de forma democrática. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho


Manifestação a favor do governo de Nicolás Maduro em Caracas. Foto: Alba.

Como avalia o momento pelo qual a Venezuela está passando atualmente?
Há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina, que diz defender a democracia e a liberdade, mas que na verdade sempre foi antidemocrática e autoritária. A direita vem se apropriando dos discursos da esquerda, para implantar a dúvida de quem são os reais democratas e quem são os ditadores.

A Venezuela é um caso mais flagrante disso atualmente, mas essa mesma tática está sendo usada na Argentina e no Brasil. Trata-se da tentativa de criar um ambiente de desestabilização com o desabastecimento, que gera uma guerra econômica e o caos que força uma crise cambial. Por sua vez, isso provoca uma violência política que dá a sensação de que o governo não tem controle da situação e de que é culpado pela situação caótica.

Como os opositores conseguem o apoio popular utilizando essa tática?
Na Venezuela há uma parcela da população que ora vota no chavismo, ora vota contra. Esse grupo não cai no discurso fácil de que o presidente Nicolás Maduro é culpado por tudo, mas pode não votar novamente nele por conta da situação do país. Com isso, os opositores reforçam sua porcentagem de eleitores (cerca de um terço dos votantes) e disputam outra franja de apoio popular. Por meio da desestabilização do governo, o golpe de Estado se torna mais palpável para esses grupos de ultradireita, que utilizam quaisquer artifícios para manipular informações.

A manipulação e a desestabilização de governo rumo a um golpe de Estado são uma resposta à força da integração latino-americana?
Claro. À medida que temos a democracia e liberdade para o povo na América Latina, surgem ainda mais alternativas, mais à esquerda, progressistas e até revolucionárias, que sempre foram sufocadas ou por golpes militares, ou por invasão dos Estados Unidos, ou por apoio às ditaduras. O golpe militar de 1964 no Brasil é um exemplo, assim como o golpe que derrubou Salvador Allende no Chile, na década de 1970.

Tivemos, a partir do final dos anos 1990, um avanço no processo de democratização latino-americano e, consequentemente, a vitória de governos mais progressistas e até de forças revolucionárias que passaram a democratizar ainda mais esses países – a Venezuela teve 15 eleições no período de 10 anos. Por tanto, o processo é contrário ao que dizem dos governos de esquerda: que são ditaduras.

O governo de Cristina Kirchner democratizou os meios de comunicação na Argentina, o mesmo aconteceu no Uruguai e no Equador. Quer dizer, quanto mais os governos de esquerda avançam em reformas democráticas, os grupos de direita opositores ficam sem alternativa e buscam uma saída fascista.

Por isso o presidente Nicolás Maduro considera que a conjuntura na Venezuela é uma consequência da ação de grupos fascistas?
A oposição está mudando de tática e de líder na Venezuela. Veja bem, Henrique Capriles não dá mais conta de fazer oposição ao governo em eleições. Já perdeu para o Hugo Chávez e, posteriormente, para Nicolás Maduro. Nas eleições municipais de dezembro passado, eles achavam que teriam ao menos um empate técnico com o partido governista, mas as medidas que Maduro tomou contra a guerra econômica foram muito eficientes e, com isso, o mandatário teve a confirmação do apoio popular.

Então precisa ser alguém mais radical, como é o caso de Leopoldo López. Tanto que, anteriormente, ele e Capriles faziam parte da mesma coligação contra o chavismo e agora estão divididos. Ou seja, pelas vias democráticas a oposição não tem mais espaço. A cena golpista fica impaciente com os governos que vão se reelegendo e que dão continuidade e aprofundamento aos programas progressistas. A partir disto, a direita passa a fortalecer uma alternativa neofascista, de golpe de Estado, de ditadura e de violência.

Para ter uma ideia, em 2002, López liderou a agressão armada à embaixada de Cuba e hoje prega um discurso pacífico. Ele, na época, já organizava esses grupos neofascistas de ultradireita. O opositor continua sendo o mesmo, mas agora utiliza essa “fachada” de defensor da paz, da democracia e de José Martí. Isso é tudo jogo de cena.

E assim Leopoldo López ganha o apoio popular...
Sim, mas essa campanha denominada “A Saída” que ele comanda é ditatorial e acusa o governo que construiu um Estado com base na democracia popular, que é o conteúdo real da Revolução Bolivariana, de ser uma ditadura.

Podemos afirmar que há uma tentativa de golpe de Estado na Venezuela, tal e qual o presidente Nicolás Maduro vem denunciando?
Sim, há uma tentativa de golpe, mais complexa, mais sofisticada e que utiliza o discurso da democracia e da liberdade, mas com o conteúdo de um golpe fascista. Essa inversão de sinais e essa apropriação dos termos de esquerda promove uma confusão ao desconstruir a imagem da real democracia. Há uma falsificação que tenta enganar o povo para a saída golpista.

Qual o papel dos Estados Unidos no que está acontecendo na Venezuela?
Os Estados Unidos e as direitas locais não suportariam mais 10 anos de governos progressistas e anti-imperialistas na América Latina. Como disse anteriormente, existe hoje um novo padrão de intervenção política do imperialismo, que prepara a guerra midiática, a guerra econômica, o terror psicológico e a falsificação.

Gene Sharp, um escritor que possui ligações com a CIA, escreveu um livro no qual ele levanta 198 estratégias de desestabilização de governo. Tudo o que está sendo feito na Venezuela está nesse “manual”. Isso foi aplicado no Irã em 1953 e no Chile em 1970.

O opositor Leopoldo López tem muita ligação com os EUA. O próprio fato de o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ter se pronunciado contra a prisão de López pode ser uma demonstração da ligação entre eles.

Qual é a nossa tarefa para prevenir essa “infiltração” fascista?
Nós precisamos defender a democracia e os governos eleitos de forma legítima e denunciar essa tentativa de “fascistização” da América Latina. É importante agir agora para desmoralizar essa tática e essa estratégia da direita para implantar o golpe de Estado a qualquer custo.

Na Venezuela é importante aproveitar que a oposição não está totalmente unida nisso e desmascarar esse tipo de discurso fascista para evitar que a onda golpista cresça. Não acredito que possa haver um golpe na Venezuela manhã, mas pode ser criada uma situação favorável a isso. Temos que nos preparar para uma nova fase de contraofensiva.

Qual o papel da mídia na propagação desse discurso “falsificado”?
As redes sociais repercutem o que a grande mídia diz. Manipulam imagens e divulgam sempre aquilo que é lhes é favorável. A multiplicação de um discurso que parece a favor do povo, mas que tem por trás grupos de extrema direita merece atenção especial.

Há algum perigo para a integração latino-americana?
Os três países fundamentais para a integração latino-americana são a Venezuela, o Brasil e a Argentina. Para quebrar a integração hoje, é preciso quebrar esses três países. Isso abalaria o todo o processo de avanço consolidado com o Mercosul, Unasul, Celac, Alba e outros.

Por isso, hoje, a direita intensifica sua campanha nesses três países. O plano era derrotar o Polo Patriótico, em dezembro passado, na Venezuela – o que não aconteceu – para criar uma alternativa para o próximo referendo revogatório daqui a dois anos. Também querem derrotar a presidenta Dilma Rousseff nas presidenciais deste ano e a o partido de Cristina Kirchner na Argentina, em 2015.

É possível, portanto, encontrar semelhanças nos acontecimentos recentes nesses países no último ano. Há uma guerra midiática, uma guerra política e econômica que acontece em intensidades diferentes contra esses três governos. Os opositores apostam que o caos e que um governo cada vez mais desprestigiado perca o apoio popular.

Como isso pode repercutir no Brasil?
No Brasil não será diferente, eles vão tentar ganhar uma parte do povo que vota na presidenta Dilma Rousseff utilizando o falso argumento de que a governante é incapaz, que a economia está um caos, que a política social está esgotada.

Aqui no Brasil, o discurso da direita em 1964 era “democracia e liberdade” com a chamada “revolução democrática”. Contudo, o governo deposto de Jango era, até então, o mais avançado e o que tinha mais compromisso com a luta dos trabalhadores, com a democratização e com a soberania nacional. 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

PROTESTO NO RIO CONTRA REDE GLOBO REFORÇA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA


PROTESTO NO RIO CONTRA REDE GLOBO REFORÇA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA

Cerca de mil pessoas participaram na quarta-feira (3) de um protesto contra a Rede Globo no Rio de Janeiro. Não faltaram xingamentos e manifestações, além do resgate da história nada democrática da maior rede de televisão do Brasil.
 Veja a íntegra do artigo do blogueiro Miguel do Rosário sobre o protesto:
Pela democratização da Mídia: a mãe de todas as batalhas
 Foi uma manifestação pacífica, mas com muito sangue nas veias! Não quebramos nada, mas xingamos. Ah, como xingamos!
 Imagine mil pessoas na porta da Globo mandando o Merval e Jabor pra aquele lugar. Imagine mil pessoas ouvindo discursos sobre o mensalão que a Globo levou dos Estados Unidos para apoiar o golpe de 64. Imagina mil pessoas exigindo que o Ministério Público investigue a sonegação bilionária da Vênus Platinada.
 O microfone era aberto. Qualquer um que se inscrevia, podia falar, caracterizando o caráter genuinamente democrático da manifestação. Diferente de algumas recentes onde só diretores de Ongs tem voz. As pessoas que trabalham, aqui no Rio, com o tema da democratização da mídia estavam em estado de êxtase, porque conseguimos juntar um público mais diversificado e mais jovem.
 Importante: foi uma manifestação com foco. Uma coisa é reunir 20 mil pessoas numa manifestação esquizofrênica, com um grupo pedindo a volta da ditadura, outro pedindo o anarquismo, outro espancando militantes partidários, outro pedindo socialismo, outro pedindo "bolsa Louis Vitton". Não. Éramos mil pessoas com um foco: protestar contra a Globo, contra o monopólio da mídia.
Um estudante de economia da UFRJ, muito jovem, disse uma coisa bonita: "não estamos aqui para protestar contra a política, mas contra o poderio econômico que sequestra a política. Não estamos aqui para protestar contra a corrupção, mas contra os corruptores".

 O refrão mais cantado foi o mesmo que esteve presente nas grandes manifestações, mas que a grande mídia, naturalmente, escondeu:
 "A verdade é dura! A Globo apoiou a ditadura!"
 Fizemos uma verdadeira assembleia popular. Claudia de Abreu, coordenadora da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale-Rio), um dos movimentos sociais que lideram os debates sobre democratização da mídia no estado do Rio, fez belíssimos discursos, sempre pontuando que não estávamos ali para uma catarse emocional, mas preparando ações concretas para acabar com o monopólio da grande mídia.
 Eu mesmo fiz alguns discursos, explicando a denúncia contra a Globo feita no Cafezinho, sempre enfatizando que a ficha criminal da Globo vai muito além dessas estripulias em paraísos fiscais. A Globo cometeu crimes históricos contra o Brasil. Lutou contra a criação da Petrobrás. Fez parte do golpe que levou ao suicídio de Vargas. Consolidou-se financeiramente, com dinheiro estrangeiro de um lado, e de golpistas internos, de outro, sobre o cadáver da nossa democracia. Essas coisas tem de ser ensinadas no colégio, para que nossas crianças, adolescentes e jovens parem de sofrer lavagem cerebral dos platinados.
 Quantos milhões de brasileiros não deixaram de se alimentar por que a Globo patrocinou e sustentou um golpe de Estado que interrompeu o processo de modernização democrática que apenas se iniciava com João Goulart?
 Quantos milhões de brasileiros foram humilhados pela miséria, pela fome, pela falta de escolas, hospitais e emprego, para que a família Marinho se tornasse uma das mais ricas do mundo!
 O ministro Paulo Bernardo também foi alvo dos manifestantes. Todos muito indignados com a gestão reacionária, entreguista e covarde do Ministério das Comunicações. Sua recente entrevista à Veja, tentando dar uma facada nas costas dos movimentos que defendem a democratização da mídia, foi a gota d'água.
 A incompetência da ministra Helena Chagas que não propõe à presidenta a abertura de uma mísera conta de twitter, deixando a direita midiática pautar a agenda política nacional, também foi muito questionada pelos manifestantes.
 Ficamos orgulhosos também com a participação dos jovens ativistas da mídia ninja, um dos movimentos mais atuantes nas grandes manifestações populares que tomaram conta do país nas últimas semanas. A manifestação foi toda exibida ao vivo. Tivemos mais de 10 mil pessoas assistindo via mídia ninja, mais uns dez mil pela Pos-TV. Ou seja, vinte mil pessoas acompanharam ao vivo a nossa manifestação!
 O momento alto do evento foi quando centenas de pessoas levaram uma fita listrada e "lacraram" a Rede Globo, numa alusão ao que a Polícia Federal costuma fazer com as pequenas rádios comunitárias acusadas de alguma mísera irregularidade burocrática. A Globo pode dever bilhões, pode fraudar, e ninguém faz nada. A gente fez, simbolicamente. Lacramos a TV Globo.
 A quantidade de policiais era impressionante. Havia mais PM na porta da Rede Globo do que protegendo a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro naquela manifestação que terminou em depredação da Alerj. Mais do que em frente à sede do governo. A gente conversou com o major, explicamos o programa da nossa manifestação e nos comprometemos a não deixar nenhum "infiltrado" cometer atos de violência.
 Mas fizemos questão de pontuar, ao microfone, que o pior vandalismo no Brasil vem das Organizações Globo. Um vandalismo informativo, moral e político. Alguns garotos irresponsáveis quebraram alguns vidros da Alerj. Depredaram uma ou duas cadeiras. A Globo, ao apoiar o golpe de 64, ajudou a destruir os alicerces de todas as assembleias legislativas do país, inclusive da principal, em Brasília.
 Houve muitas cantorias. Uma das mais fortes, mais emocionantes, foi "Amanhã vem mais! Amanhã vem mais! Amanhã vem mais!", que deve ter feito os platinados tremerem com a possibilidade de trazermos dezenas ou mesmo centenas de milhares de pessoas para protestar à sua porta, e à porta de todas as suas filiadas Brasil à fora.
 Foram distribuídas quase quinhentos exemplares da revista Retrato do Brasil, do jornalista Raimundo Pereira, que denuncia, com fartura de documentos, a farsa do mensalão, outro golpe patrocinado pela Globo. Vale lembrar que a Globo, aliada a forças obscuras, tem procurado manipular o sentido dos protestos para pressionar o Supremo Tribunal Federal a agir ao arrepio da Constituição. A Globo, além de sonegadora, é adepta de linchamentos - de seus adversários, é claro.
 Saímos todos extremamente satisfeitos com o resultado da manifestação. Encerramos a noite num bar das redondezas, falando de política e mídia. O deputado Protógenes Queiroz deu as caras e se dispôs a criar uma CPI da Globo, ao que respondemos que daríamos nosso apoio, mas que, dessa vez, tinha que ser pra valer. Não adianta só colher assinaturas. Tem de ser efetivamente criada e conduzida com coragem, não por nenhum "Odarelo".
 Mais importante que tudo, porém, é que produzimos um ato político que por si só pode ajudar a conscientizar as pessoas de que a concentração da mídia, do jeito que existe no Brasil, representa um perigo à nossa estabilidade democrática. Porque a nossa mídia é golpista, reacionária e anti-trabalhista, de um lado; e detém um poder financeiro monstruoso, de outro. A concentração apavorante da mídia brasileira em mãos de meia dúzia de herdeiros da ditadura é uma anomalia que os amantes da democracia devem combater com todas as suas forças.
 A presidenta Dilma tem de entender que, se não combater a mídia golpista, não vai conseguir fazer o Brasil avançar. A mídia já está patrocinando greves patronais de caminhoneiros, possivelmente está em conluio com alguns industriais para sabotar a economia, tenta manipular o sentido das manifestações, tudo para trazer a direita de volta ao poder em 2014.
 O plebiscito proposto pela presidenta, por exemplo, pode vir a se tornar um tiro no pé sem uma nova e mais ousada estratégia de comunicação, e sem um contraponto decente à Globo. A Vênus Platinada, que é a líder do principal partido conservador, quer enterrar o plebiscito, para desmoralizar o governo. Ou então levá-lo adiante, mas dominar o debate, fazendo aprovar seus itens mais nocivos ao povo, como o voto distrital.
 Como uma amiga, presente à manifestação, me disse, enquanto observava orgulhosamente as pessoas protestando na porta da Globo: essa é mãe de todas as batalhas!
Fonte: Blog de Miguel do Rosário

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Grande Latuff, O Guerreiro do Cartum


"Cada charge é um soco", diz cartunista brasileiro em lista de antissemitas

Por Clarice Sá - iG São Paulo 

Latuff já foi considerado 3º maior antissemita do mundo por conta do ativismo pró-palestina. Esta semana, uma de suas charges virou símbolo de protesto em Santa Maria

Com ele “o papo é reto”. Sem rodeios. Nos traços do polêmico cartunista brasileiro Carlos Latuff, Barack Obama ganha os contornos do “Grande Ditador” eternizado por Charles Chaplin, Dilma Rousseff queima o próprio passado, um representante do Ministério Público cala um manifestante de Santa Maria, e um policial mata com um tiro um Cristo negro crucificado. O impacto das imagens já lhe rendeu três idas a delegacias do Rio de Janeiro para prestar esclarecimentos e, ao longo de 2013, o título de terceiro maior antissemita do mundo na classificação do Centro Simon Wiesenthal, instituição judaica de direitos humanos.
“Cada charge costuma ser um soco no estômago e se for assim para as pessoas perceberem as coisas, que seja”, dispara o ilustrador. “Minha charge cumpre um papel editorial, mas cumpre um papel principalmente de servir de instrumento para o movimento social.” Como resultado, desenhos de Latuff são empunhados em manifestações por todo o mundo. Egito, Bahrein, Grécia, Indonésia, França, Itália e Índia são alguns dos países por onde seus traços ganharam as ruas. 
Latuff criou com três familiares de vpitimas desenho usado nos protestos que marcaram um ano da tragédia da boate Kiss, em Santa Maria (RS). Foto: Arquivo pessoal/Latuff
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No Brasil, os desenhos ocuparam cartazes nos protestos de junho com forte crítica ao prefeito Eduardo Paes, ao governador Sérgio Cabral e à atuação da polícia. A repressão às manifestações de professores em greve, aos rolezinhos e a crise no sistema penitenciário do Maranhão também despertaram a crítica de Latuff. À governadora do Maranhão, Roseana Sarney, sua charge confere o título de Nossa Senhora das Cabeças Cortadas, em alusão à decapitação que virou prática entre criminosos do complexo penitenciário de Pedrinhas.
Em Santa Maria, seu traço estampou faixas e camisetas de familiares e amigos dos 242 jovens mortos há um ano no incêndio na boate Kiss. Com a ajuda de três participantes do movimento Do Luto à Luta, ele criou a imagem que questiona o Ministério Público, o Corpo de Bombeiros e a Câmara de Vereadores. No desenho, as autoridades impedem o grito de protesto de um manifestante. “Tem que dizer quem está por trás dessa tragédia. Não aconteceu do nada. Foi um resultado de má fiscalização, corrupção, etc”, diz Latuff, que se envolveu de forma solidária no movimento, com trabalho sem custos.
Reprodução/Twitter
Protesto em Nova Délhi a favor de palestinos. À esquerda, manifestante com charge de Latuff
Ele também não cobra por nenhuma das charges produzidas em defesa da causa palestina, na qual se engajou após a primeira visita à região, em 1998. Um sinal de paz sobre as cores palestinas criado em 2002, inclusive, foi a charge que começou a trazer destaque internacional. 
A posição pró-Palestina fez com que, ao longo de 2013, figurasse como terceiro na lista dos maiores antissemitas do planeta. Ele está fora da nova versão do ranking, divulgada no fim do ano passado, que conta agora com o músico Roger Waters. “(A lista) é uma tentativa de confundir na cabeça das pessoas a luta contra o apartheid israelense com o ódio aos judeus. Essa tentativa de misturar as duas coisas tem sido uma estratégia de longa data, empregada por organizações do lobby pró-Israel, de tentar associar críticas ao Estado de Israel com o ódio aos judeus. Como se Israel pudesse representar o povo judeu. E eu sempre digo, não existe estado que represente o povo.”
O envolvimento de Latuff com o ativismo politico começou em 1997, quando passou a se comunicar com representantes do movimento zapatista pela internet. “Ali eu percebi que a arte poderia ser um instrumento de luta e não somente um meio para ilustrar artigos e materiais. Percebi que fazer charge é mais do que decorar paredes. É fazer a diferença através do traço.”
Arquivo pessoal/Latuff
Atuação da polícia é alvo constante dos desenhos de Latuff
Entre suas referências está o cartunista palestino Naji Al Ali, assassinado em Londres em 1987. Joe Sacco, autor de “Notas Sobre Gaza” e John Hartfield, criador de fotomontagens contra os nazistas, completam a lista. Latuff diz que sente falta de outras vozes progressistas que adotem um tom crítico de forma contundente. “Hoje em dia, ninguém quer botar a cara para bater, ninguém quer se expor.", afirma.
"Quem é que hoje tem coragem de se expor? Ou melhor, tem espaço para fazer isso? É essa direita, é Lobão, é esse cara que trabalhava no CQC, o Danilo Gentili. É esse pessoal a favor do senso comum, do preconceito, do conservadorismo, do reacionarismo”, diz Latuff. “Falta essa mesma disposição de artistas, de comunicadores que tenham uma posição mais à esquerda, mais progressista, que queiram fazer graça não do fraco e sim do forte. Porque fazer graça da parte mais fraca é covardia.”
Novas investidas de Latuff devem ocupar espaço nos nos próximos meses, por conta da proximidade da Copa do Mundo e dos protestos que prometem ganhar corpo em todo o País. “Acho que vão haver violações sérias dos direitos humanos. Já estão acontecendo”, diz o cartunista, em relação à manifestação que terminou com um jovem baleado por policiais militares em São Paulo. “Em junho, a bala era de borracha, agora a bala é de chumbo. Se bem que eu sempre digo, na favela sempre foi de chumbo.”
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    domingo, 26 de janeiro de 2014

    Toussaint Louverture, herói da Revolução Haitiana

    Toussaint Louverture, herói da Revolução Haitiana

    Havana (Prensa Latina) O nome de Toussaint Louverture (1743-1803), líder dos escravos haitianos e descendente de um rei africano, aterrorizava os fazendeiros e autoridades coloniais de Cuba, muitos anos depois de sua morte. 
    Às autoridades de Havana e de Madri, que reteve este arquipélago depois de perder as principais posses americanas, lhes preocupava mais a influência das insurreições dos escravos haitianos, que os perigos de guerra com o Reino Unido ou a França, segundo o historiador cubano José Luciano Franco.
    A grande revolução dos escravos haitianos começou em agosto de 1791 e, como pólvora ardente, se estendeu numa cruenta guerra civil, de 12 anos, com a intervenção de potências estrangeiras.
    Em plena noite e pelo chamado dos tambores ancestrais, estourou o levantamento dos escravos do norte, à margem das disputas de outros grupos sociais depois da eclosão da Revolução Francesa, em 1789.
    À frente estava Dutty Boukman, que morreu no mês de novembro defendendo as posições rebeldes, e ainda que sua cabeça tenha sido levada como troféu e exibida em uma jaula, no Cabo, a luta não pôde ser contida.
    Meio milhão de escravos, submetidos ao poder dos colonos brancos, negaram-se a continuar nessa condição.
    Contra sua ânsia de liberdade chocavam os interesses da população branca - 40 mil-, estratificada em dois grupos (os grandes e os pequenos) e dos mulatos e negros libertos -de 24 mil a 28 mil-, classe intermediária com importantes riquezas mas discriminados no político e social.
    Segundo um historiador francês, 1.200 plantações de café e 200 engenhos, numerosos edifícios e moradias dos fazendeiros arderam em chamas.
    Os brancos de todas as tendências deixaram de combater ao se conhecer a execução do rei Luis XVI -21 de janeiro de 1793- e o estado de guerra entre França e Reino Unido.

    Os colonos brancos entregam aos britânicos as principais cidades ou fugiram para Cuba às centenas.

    INGERÊNCIA DO REINO UNIDO E ESPANHA

    Os proprietários franceses assinaram a 3 de setembro de 1793 um tratado com o chefe das forças de ocupação britânicas, general Adam Williamson; muitos deles se uniram a estes invasores, junto a oficiais realistas e antigos servidores públicos coloniais.
    Santiago de Cuba converteu-se em refúgio dos escravistas franceses, procedentes da colônia Saint-Domingue (Haiti, seu nome de origem), acompanhados de seus escravos.
    Inicialmente, o capitão geral de Cuba, Luis de las Casas, e o governador de Santiago de Cuba, o brigadeiro Juan Bautista Vaillant, prestaram ajuda às autoridades coloniais francesas de Haiti para neutralizar o movimento insurrecional. Facilitaram-lhes gado, víveres e material de guerra.
    Depois, em cumprimento com as instruções reais, o governador espanhol de Santo Domingo, brigadeiro Joaquín García, tomou uma importante iniciativa para assegurar a seu país praças no Haiti e entrou em relações com os chefes dos escravos haitianos rebeldes.
    Ofereceu-lhes em nome do rei de Espanha socorros em armas e apetrechos de guerra, liberdade, prerrogativas como a seus súditos e terras em Santo Domingo, bem como lhes entregar os territórios de Saint-Domingue que já ocupavam.
    Os chefes Jean Francois e George Biassou aceitaram e passaram ao partido espanhol com seus homens e também Toussaint Louverture, que operava então com um pequeno exército de 600 homens.
    A partir de agosto de 1792, forças militares espanholas e tropas auxiliares ao comando de Francois, Biassou e Toussaint Louverture estabeleceram-se conjuntamente nesses territórios.
    Cuba participou, cada vez mais, nos acontecimentos que tinham lugar na ilha vizinha, ao fazer aliança Espanha com Reino Unido durante a Guerra da Convenção (1793-1795) -dos Pirineus ou do Rosellón- contra a França revolucionária e, a partir de 1796, novamente com Paris.
    Pelos chamados Pactos de Família, Espanha foi aliada da França contra o Reino Unido durante grande parte do século XVIII; a mudança de aliança ocorre quando o rei francês Luis XVI morre na guilhotina, primo-irmão da então rainha consorte de Espanha, María Luisa de Parma, esposa de Carlos IV.
    Esta guerra teve graves consequências para a Coroa Espanhola pois os exércitos franceses ocuparam, nas campanhas de 1794 e 1795, a Catalunha, o País Basco e Navarra, até Miranda de Ebro (província de Burgos).
    Pela Paz de Basileia (1795), Madri cedeu a Paris o território de Santo Domingo (atual República Dominicana) para recuperar os territórios peninsulares ocupados.
    Depois disto, a Coroa hispânica assinou, a 18 de agosto de 1796, o Tratado de San Ildefonso com a República francesa, que estabeleceu a ajuda militar se alguma das partes entrava em guerra com o Reino Unido; outro acordo, em outubro de 1800, converteu a Espanha em aliada dos planos belicistas de Napoleão Bonaparte.

    LIBERTADOR DE ESCRAVOS

    O destacado estudioso do tema José Luciano Franco assinala o fato que esta rebelião produziu homens como Toussaint Louverture, que podem ser comparados com os melhores revolucionários de outros países da América.
    Nascido escravo, a 20 de maio de 1743, próximo do Cabo Francês, alguns autores dizem que era bisneto de um rei africano.
    Há fontes que situam Francois Dominique (Toussaint Louverture) entre os promotores da insurreição, enquanto outras afirmam que se somou mais tarde, depois de enviar seus antigos amos para o exterior.
    Diz-se que foi secretário de Biassou, a cujas forças entrou como médico devido a seu conhecimento da medicina tradicional africana, transmitido de um ancestral que fora capturado em África pelos traficantes negreiros.
    Criannça doente, trabalhou de cocheiro do amo; adquiriu educação autodidata mediante a leitura; iniciado por seu padrinho Pedro Bautista, aprendeu francês, algo de latim e geometria; com o tempo adquiriu também grande fortaleza física.
    Despontou como o militar e político mais importante; seguido pelas massas escravas, derrotou os invasores britânicos e espanhóis, depois de aceitar primeiro brigar sob a bandeira destes últimos; ambos tiveram que lhe render honras.
    Defendeu a República Francesa quando aboliu a escravatura e, mais tarde, as tropas de Napoleão não conseguiram o vencer, pelo que simularam um pacto que culminou com a traição, prisão e morte do caudilho em uma prisão da França, de fome e frio, a 7 de abril de 1803.
    Foi brigadeiro do exército espanhol; general do exército francês, general em chefe dos exércitos da Ilha e governador do Haiti.
    Toussaint Louverture levou também a liberdade aos escravos da parte espanhola de Santo Domingo (hoje República Dominicana).
    A antiga metrópole restabeleceu a escravatura, em 1802, mas a luta prosseguiu até a derrota total dos franceses e a proclamação em 1804 da independência de Haiti, a primeira república negra do mundo.
    A República Haitiana, nascida 210 anos atrás, teve notável influência nas sublevações de escravos e luta abolicionistas no século XIX, daí os temores dos praticantes da plantação escravista em Cuba, que substituíram o Haiti como o engenho do mundo.
    Foi significativa a ajuda haitiana a Simón Bolívar para libertar definitivamente a Venezuela e criar a Grande Colômbia, passo prévio da derrota de Espanha na América do Sul e a independência de vários povos irmãos.

    quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

    A atualidade de uma marxista rebelde


    A atualidade de uma marxista rebelde


    130319-Rosa
    Como Rosa Luxemburgo, morta há 95 anos, ajuda a reinventar, em tempos de crise do capitalismo, o pensamento de Marx 
    Entrevista de Isabel Loureiro | Imagem: Rolando Astarita
    (Publicado originalmente em 19/3/13. Atualizado em 15/1/14)
    Há cinco anos, surgiu e cresce, em paralelo a uma crise do capitalismo duradoura e de final imprevisível, um movimento intelectual surpreendente: a reabilitação das ideias de Karl Marx. O filósofo alemão, que muitos desprezaram após a queda do Muro de Berlim, está de volta. Seus livros são republicados em todo o mundo, com tiragens e repercussão expressivas. Não raro, sua importância e contemporaneidade são reconhecidas até mesmo por publicações conservadoras e por consultores ilustres das grandes finanças globais.
    Num 15 de janeiro como hoje, era assassinada, em Berlim, uma pensadora e militante que se apaixonou pelo marxismo muito jovem, viveu intensamente sob sua influência e contribuiu para enriquecê-lo – mas foi esquecida, no século 20, tanto pelo socialismo soviético quanto pelas correntes hegemônicas entre a esquerda. Estamos falando de Rosa Luxemburgo.
    Talvez esta polonesa judia, que se tornou líder da Revolução Alemã de 1918 (1 2 3) seja importante hoje exatamente pelos motivos que a fizeram maldita no passado. É o que pensa a filósofa Isabel Loureiro, principal estudiosa da obra de Rosa no Brasil, autora de diversos livros sobre a líder da Revolução Alemã de 1918 e organizadora de uma vasta coletânea sobre sua obra, em três volumes (1 2 3), 
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    A primeira particularidade de Rosa, avalia Isabel, é ponto de vista extremamente sofisticado sobre Revolução, Reformas e Poder. Rosa enxergava a importância (e a beleza…) das revoluções — as mudanças inesperadas, os grandes movimentos da História em que as maiorias desafiam o automatismo enfadonho das relações sociais e viram a mesa. Mas via estes momentos como a abertura de um longo processo de mudanças, não como mera oportunidade para instalar novos grupos no poder de Estado.
    Disso derivava seu grande empenho em construir formas avançadas de democracia. Para transformar a vida, pensava ela, as sociedades precisavam enxergá-la; deviam superar a alienação, a repetição quase inconsciente de relações consolidadas ao longo do tempo. Esta lenta conquista de autonomia exige, é claro, abertura ao debate, à crítica e à polêmica. Por isso, Rosa, embora aliada a Lênin na luta contra o amortecimento e burocratização do marxismo, no início do século 20, divergiu abertamente das tendências centralizadoras do revolucionário russo. Em consequência, “foi posta no índex dos partidos comunistas”, diz Isabel Loureiro.
    Mas esta combinação de rebeldia contra o capitalismo e desejo de valorizar a autonomia não fará de Rosa uma autora a ser estudada com atenção especial em nossos dias? Sua obra não será, de certa forma, um convite a rever a obra de Marx e reinventar seus sentidos? Isabel pensa que sim. Na entrevista abaixo, ela, que dedicou um dos três volumes da coletânea de Rosa à correspondência trocada com amigos e amantes, frisa: “Pelas cartas, podemos acompanhar seu doloroso processo de amadurecimento, conflitos amorosos, desejo de ser feliz, suas reclamações de como a vida política era desumana, seu grande amor à natureza e suas reflexões sobre arte”.(A.M.)
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    Isabel Loureiro: “Rosa tem uma concepção aberta do marxismo. Para ela, Marx não era uma Bíblia com verdades prontas e imutáveis, mas manancial que permite levar adiante trabalho de compreensão do mundo contemporâneo”
    Pouco mais de um ano depois de lançar uma coletânea de três volumes sobre a obra de Rosa Luxemburgo, você organizou, em 2013, um seminário de três meses sobre o tema. Em que Rosa e sua visão particular do marxismo podem ajudar os novos movimentos que questionam o capitalismo no século 21?
    Essa foi precisamente a pergunta que me fiz quando comecei a preparar o seminário. Por que, quase cem anos depois de seu assassinato, voltar a discutir as ideias de uma revolucionária marxista clássica, formada na cultura humanista europeia do século 19, cujo mundo desmoronou com a Primeira Guerra Mundial? A resposta não é evidente. Por que sua interpretação de Marx ainda hoje é atual? Para começar, Rosa tem uma concepção aberta do marxismo. No seu entender a teoria de Marx não era uma Bíblia com verdades prontas e imutáveis que os fieis tinham que seguir sem questionar, mas um manancial inesgotável que permite levar adiante o trabalho de compreensão do mundo contemporâneo.
    Por isso mesmo, ela nunca hesitou em criticar as vacas sagradas do marxismo europeu, como Bernstein e Kautsky, e nem sequer o próprio Marx. Essa independência intelectual é, para os marxistas – que infelizmente têm uma tendência ao dogmatismo e à ossificação – uma indicação de que precisam continuar pesquisando e criando conceitos que permitam dar conta da nova fase da acumulação do capital e da nova situação em que se encontram as forças sociais. Além disso, Rosa acrescenta à teoria de Marx algo original, propriamente seu: a ideia de que as transformações sociais são fruto da ação autônoma das massas populares que, na luta quotidiana pela ampliação de direitos e, sobretudo, na luta revolucionária pela transformação radical da sociedade capitalista, ou seja, no seu processo de existência real, forjam sua consciência político-social. Em resumo, e simplificando muito, se queremos mudar o que está aí, devemos agir aqui e agora, porque a nossa ação é o que pode interromper o curso da história em direção ao abismo.
    Alguns aspectos centrais que você enxerga no pensamento de Rosa têm muito a ver com a nova cultura política de autonomia e horizontalidade. Por que você a identifica com a crítica ao vanguardismo, à burocratização e ao centralismo?
    Esses pontos que você menciona resumem bem o que opôs Rosa Luxemburgo à social-democracia e ao bolchevismo e continuam sendo de grande atualidade na cultura da esquerda. Durante o século 20, Rosa foi posta no índex dos partidos comunistas devido à sua crítica a Lênin e aos bolcheviques. Foi usada como ícone revolucionário pelos comunistas da antiga Alemanha Oriental (RDA), mas suas ideias democráticas e libertárias foram deixadas na sombra ou censuradas. O stalinismo acusou-a de espontaneísta, de não dar importância à organização política.
    É preciso deixar claro que Rosa não é contra a organização (afinal ela sempre militou num partido político), e sim contra uma concepção de partido como vanguarda de revolucionários profissionais, hierarquicamente separada das massas, e que leva de fora a consciência às massas informes. Essa crítica era endereçada tanto à social-democracia, quanto ao bolchevismo. Para Rosa, que é herdeira do Iluminismo, o verdadeiro líder político é aquele que esclarece, que destrói a cegueira da massa, que transforma a massa em liderança, que acaba com a separação entre dirigentes e dirigidos, que contribui para formar aquilo que ela considera o mais importante pré-requisito de uma humanidade emancipada: a autonomia intelectual, o pensamento crítico das massas trabalhadoras. E, por sua vez, a autonomia intelectual requer a existência de liberdades democráticas: direito de reunião, associação, imprensa livre, etc. Daí a crítica que Rosa faz aos bolcheviques por terem eliminado o espaço público, que ela vê como o único antídoto contra a burocratização do partido e dos sovietes.
    No seminário, uma sessão foi dedicada à “dialética entre reforma e revolução”. Algumas das características mais marcantes da nova cultura é o desejo de produzir mudanças, ainda que parciais; a recusa a reduzir a política a eleições, ou mesmo a apostar na revolução como um momento mágico e transcendente, em que toda a sociedade se transforma. O que Rosa poderia dizer sobre isso?
    Esse é mais um ponto em que Rosa continua sendo atual. Ela queria uma humanidade em que houvesse liberdade e justiça social; para isso, era necessário passar do capitalismo ao socialismo. Porém, essa transição só seria possível com a mais ampla participação dos de baixo nos assuntos que lhes dizem respeito, o que significava um longo processo de amadurecimento, de correção de rota, etc. Daí a necessidade do debate público. A revolução não consistia na troca de homens no poder, era muito mais que isso, era todo um processo econômico, social, cultural e, claro, político – isto é, de tomada do poder pelos trabalhadores, que levaria muito tempo para se efetivar. Resumindo: no pensamento de Rosa Luxemburgo a ideia de tomada do poder – revolução como quebra rápida das relações de poder existentes – não se separa da ideia de mudança estrutural da sociedade, o que implica mudança de valores, ou seja, uma revolução no longo prazo. Para ela, as duas coisas precisam ocorrer conjuntamente.
    Vivemos num mundo em que estão abertas janelas tanto para enormes transformações como para riscos de desumanização inéditos. Estão aí os drones, a tentativa de controlar a internet e vigiar os cidadãos por meio dela, os sinais de xenofobia, os grupos nazistas em certos países europeus. “Socialismo ou barbárie”, uma consigna de Rosa, tem a ver com este futuro tão aberto?
    Quando Rosa diz que a humanidade está perante o dilema “socialismo ou barbárie”, o que ela tem diante dos olhos é o horror da Primeira Guerra Mundial que, para aquela geração, foi um cruel divisor de águas. Pela primeira vez, as pessoas se deram conta de que os avanços tecnológicos podiam ser mortíferos, de que a modernização capitalista destruiria todos os obstáculos que aparecessem no caminho de seu avanço infernal. E a esquerda radical alemã, de que Rosa era uma das lideranças, via no socialismo a única alternativa capaz de barrar essa descida aos infernos.
    Mas, ao mesmo tempo, ela também se dava conta de que, com a guerra e o chauvinismo, que haviam engolido as massas trabalhadoras europeias, a luta em prol do socialismo tinha se tornado infinitamente mais difícil. Acho que podemos fazer um paralelo com o que se passa hoje. Depois da queda do comunismo burocrático, parecia que agora sim o terreno estava finalmente livre para que as ideias socialistas democráticas vingassem. Mas o que vemos é que, precisamente num momento em que o capitalismo está em crise e sofre um golpe poderoso, no momento em que constantes e gigantescas manifestações da população europeia mostram claramente que o capitalismo chegou ao fim da linha, o que acontece em termos de mudança no rumo de uma sociedade mais justa, mais igualitária? Absolutamente nada!
    Os governantes continuam fazendo os ajustes pedidos pelo capital financeiro e as populações vivem num permanente estado de sítio econômico, sem saber o que o dia de amanhã lhes reserva. Precisamos nos perguntar por que, precisamente num momento em que caiu a máscara ideológica do neoliberalismo, a esquerda não consegue aparecer como alternativa. É necessário rever a história da esquerda institucional europeia para entender porque isso acontece. E aqui, mais uma vez, Rosa Luxemburgo tem o que dizer com sua crítica à adesão da social-democracia alemã ao estado de coisas vigente.
    A democracia institucional está esvaziada e em crise, mas os novos movimentos reivindicam formas cada vez mais democráticas de decisão — inclusive em seu próprio interior. De que forma o debate sobre o partido, que opôs Rosa Luxemburgo a Lênin, no início do século XX, pode informar este anseio por democracia?
    É preciso que fique claro que Rosa Luxemburgo é contra a abolição da democracia “burguesa” tal como ocorreu no mundo soviético. O que ela quer é complementar a liberdade política com a igualdade social. Isso significa que o pluralismo partidário, a imprensa livre, a liberdade de associação, etc. devem ser preservados. Rosa era uma marxista clássica, como eu disse, que tinha uma visão muito crítica dos regimes autoritários do seu tempo, como o czarismo e o império alemão.
    Ao mesmo tempo, também se deve enfatizar que ela, diferentemente de seu companheiro de partido Eduard Bernstein, não tem ilusões quanto à democracia burguesa parlamentar. Ela não acredita na transição ao socialismo pela via eleitoral. Durante a revolução alemã de 1918, Rosa ficou entusiasmada com os conselhos de operários e soldados que surgiram no início do movimento, vendo neles uma forma de ampliar a participação dos de baixo. Mas não foi muito longe nestas reflexões, pois foi assassinada pouco tempo depois.
    É muito comum que a esquerda libertária recorra ao exemplo dos conselhos como panacéia que supostamente resolveria os problemas da democracia representativa. É sem dúvida uma forma democrática que deve ser preservada, sobretudo no âmbito local. Mas penso que devemos pensar, como Rosa indicou sem aprofundar em seu texto de crítica aos bolcheviques escrito na prisão em 1918, que o ideal é combinar mecanismos de democracia representativa com mecanismos de democracia direta.
    Hugo Chávez, símbolo do “socialismo do século 21″ para parte da esquerda, baseou sua ação num Estado forte e num comando centralizado. Em contrapartida, os zapatistas difundem a ideia de  ”mudar o mundo sem tomar o poder”, cunhada por John Holloway. O que o pensamento de Rosa  sugeriria, sobre esta polêmica?
    Rosa defende a tomada do poder de Estado pelos trabalhadores. Nesse sentido, ela se oporia à fórmula de Holloway. No entanto, ao defender a necessidade da transformação radical dos valores burgueses-capitalistas na transição ao socialismo ela percebe que a revolução é um processo muito mais complicado, lento e doloroso que a simples tomada do poder de Estado. Ao mesmo tempo, ela não recusa a tomada do poder, vendo aí um meio de acelerar as mudanças necessárias. Porém, acima de tudo, para Rosa Luxemburgo, o novo grupo que chega ao poder tem a obrigação de preservar e/ou construir mecanismos de participação, de formação política, de criação de autonomia da massa popular e não eliminar os mecanismos democráticos existentes, como se fossem apenas expressão da dominação burguesa.
    Crescem em todo o mundo, e em particular no Brasil, os movimentos que criticam a crença cega no “desenvolvimento”. A tradição marxista mais difundida também é desenvolvimentista. Materialista, acredita que o “desenvolvimento das forças produtivas” é anterior aos avanços da consciência. Rosa tem algo a dizer sobre isso?
    Rosa é filha do seu tempo, e também filha do marxismo do seu tempo. Isso quer dizer que, por um lado, ela é defensora do desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, da modernização capitalista. Mas, por outro – e isso é interessante e atual sobretudo para nós da América Latina –, ela também enfatiza o aspecto sombrio dessa modernização capitalista, com todo o seu conhecido séquito de horrores: destruição violenta de modos de vida primitivos pelo capitalismo europeu, a fim de submetê-los aos mecanismos do mercado; guerra do ópio na China; enriquecimento da metrópole às custas do endividamento da periferia; acumulação de capital mediante compras de armas pelo Estado, o que favorece guerras de todos os tipos, etc. Essa postura avessa ao eurocentrismo e à ideia de que o progresso da civilização justifica os sofrimentos dos povos periféricos dá-nos elementos para repensar no que consiste verdadeiramente o progresso e se o capitalismo é mesmo o horizonte inelutável da humanidade.
    De que forma permanece atual a noção de imperialismo, que era cara a Rosa Luxemburgo? Como este conceito sobrevive num mundo marcado pelo declínio dos EUA e Europa, pela ascensão dos BRICS e, ao mesmo tempo, pela difusão, nestes países, dos modos de vida típicos do capitalismo?
    Para Rosa, o imperialismo não é, como para Lênin, uma “etapa superior do capitalismo” e sim uma característica do capitalismo desde as origens. Desde o início, o capitalismo precisou de mercados externos (por exemplo, ao transformar as economias primitivas em economias de mercado) para se reproduzir. A violência e o saque das camadas sociais não-capitalistas, que Marx restringia ao período da chamada “acumulação primitiva”, Rosa Luxemburgo considera uma característica do capitalismo até sua plena maturidade.
    Hoje assistimos à mercantilização de tudo que ainda não foi transformado em mercadoria: serviços públicos, saúde, educação, cultura, conhecimento, direitos autorais, recursos ambientais, etc. É precisamente aqui que David Harvey, ao analisar o novo imperialismo, procede a uma interessante atualização da teoria de Rosa Luxemburgo, forjando o conceito de “acumulação por expropriação”. As feministas alemãs, também inspiradas em Rosa, incluem nesse âmbito o trabalho doméstico feminino. Logo, como podemos ver, apesar da ascensão dos BRICS, e apesar de algumas alterações na divisão do mundo entre centro e periferia, a verdade é que o imperialismo, ainda que novo, vai bem, obrigado.
    Um dos três volumes da coletânea organizada por você trata da vida privada de Rosa, recupera cartas pessoais, discute sua condição de mulher. Por que este destaque, pouco comum na literatura marxista?
    Antes de mais nada, é preciso observar que tivemos a sorte de suas cartas terem sido preservadas praticamente intactas graças à devoção dos amigos. Essa correspondência é um documento precioso sobre o socialismo alemão e internacional da época. Mas a minha escolha recaiu sobre as cartas aos amantes e amigos, pois queria mostrar, pelo exemplo de uma revolucionária, que mesmo a militância política requer qualidades que muitas vezes são desprezadas como pequeno-burguesas, ou sei lá o que.
    O exemplo de Rosa se opõe à imagem falsificada do militante como um ser puritano que dedica 24 horas do dia à causa revolucionária. Pelas cartas, podemos acompanhar seu doloroso processo de amadurecimento, conflitos amorosos, desejo de ser feliz, suas reclamações de como a vida política era desumana, seu grande amor à natureza, reflexões sobre arte.
    Ela vai se libertando aos poucos de um relacionamento amoroso que não a satisfazia e se afirmando como uma intelectual dona do seu nariz, que intervém no espaço público, que não teme enfrentar as vacas sagradas da social-democracia alemã, com uma vida privada bastante livre para os valores da época. É uma personagem muito rica do ponto de vista emocional, uma ótima escritora, uma pessoa com um amplo espectro de interesses: fala de pintura, literatura, botânica, geologia, e, sobretudo nas cartas da prisão, descreve o pouco de natureza que pode enxergar da janela da cela ou do pátio da prisão com grande sensibilidade e riqueza de detalhes. As cartas aos amigos eram seu jeito de fugir do cárcere. As cartas da prisão, publicadas pela primeira vez logo depois do seu assassinato e republicadas inúmeras vezes, levaram gerações de militantes a se interessarem por Rosa Luxemburgo. Quem sabe acontece o mesmo com a nossa coletânea, publicada em 2011 pela Editora UNESP?