Tradução: ADITAL
- "Na Bolívia, ainda somos milhares sem terra";
- Apostamos na soberania alimentar;
- Que os migrantes econômicos regressem!"
"De cada cem pessoas em meu país, a metade não tem terras. Nosso
movimento não fecha portas, mas as abre a todas/os que querem
participar. Lutamos pela terra e pelo território para todos", enfatiza
Asunta Salvatierra Domínguez, jovem líder do Movimento Sem Terra (MST)
da Bolívia. Salvatierra realiza uma gira de quatro semanas pela Suíça,
convidada por E-Changer (Intercambiar), organização de cooperação
solidária que apoio a essa organização contraparte desde 2005.
Com apenas 30 anos, Salvatierra coordena as Mulheres do MST-Bolívia
nos Departamentos de Cochabamba, Chuquisaca e Potosí. É membro da
direção desse movimento do qual participa há 10 anos. "Desde os 15 anos
comecei a militar pela causa da terra e pela defesa do território. No
início não foi fácil; me discriminaram; porém, agora, já sou respeitada e
meus companheiros confiam em mim", explica com certo orgulho.
Entrevista exclusiva:
P: De Cochabamba a Friburgo, da Bolívia a Suíça. Uma longa viagem e
duas realidades muito diferentes?
R: Sim. Há seis meses começamos a preparar essa viagem com a voluntária
Matilde Defferrard que nos apoia na atualidade. Me sinto muito feliz
por estar aqui. Seria impossível para mim como mulher indígena chegar
como turista e conhecer este continente tão distante e diverso.
P: Quais são suas primeiras impressões?
R: Descubro outro mundo. Tudo é tão diferente. Muita ordem. O único que
me deixa triste é não entender o idioma. Agora compreendo muito bem o
difícil que deve ser para as voluntárias da Suíça chegar para trabalhar
conosco, que falamos, sobretudo, o quéchua. Para elas também nossa
realidade é outro mundo. Uma grande mudança cultural. Eu mesma agora
experimento isso. É uma reflexão que transmitirei a meus companheiros ao
regressar a Bolívia.
Indígenas e Camponesas
P: Você menciona o idioma quéchua. Você se considera mais indígena ou
mais camponesa?
R: Minha origem é indígena. Porém, também sou camponesa. Nossa vida é a
agricultura e somos as duas coisas. Aqui na Suíça escutei o termo
"campesinato". Na Bolívia o usávamos antes. Agora, na Nova Constituição
Política do Estado, que foi aprovada durante o governo de Evo Morales,
se fala de "indígenas e camponeses" como uma unidade. Inclusive, também
de camponeses originários ou povos originários. Um termo mais amplo;
porém que indica um conceito único.
P: Você acaba de introduzir o tema da conjuntura política
boliviana... Como o MST vê a situação atual? Como se situam em relação
ao governo?
R: A família sem terra ficou muito feliz quando ganhou um presidente
indígena. Era uma esperança muito grande. E, realmente, houve muitos
avanços: a recuperação dos recursos naturais; dos hidrocarbonetos; bônus
para a terceira idade; apoio às crianças estudantes; apoio às mulheres e
às grávidas, com direito à assistência médica gratuita etc.
Tudo isso consiste em avanços gerais. Porém, nos faltam melhorias na
entrega de terras e na defesa do território. O governo redistribuiu
poucas terras. Nós recebemos um assentamento de 7.000 hectares para 100
famílias, em Beni; porém, é uma região atingida por inundações. Agora,
não podemos trabalhar porque as terras estão sob meio metro de água; nos
campos não podemos cultivar com a água até a cintura. Sentimos que é
necessário agilizar a entrega de parcelas. Somos milhares sem terra na
Bolívia e continuamos esperando e exigindo....
Soberania Alimentar
P: E como vocês acham que o governo deveria gestionar esse assunto?
R: Deve fazer uma nova reforma agrária, de verdade, que favoreça a
todas/os que necessitamos da terra. Segundo nossa tradição e costumes,
deveria ser uma distribuição comunitária. Todos comemos juntos e
trabalhamos juntos. Essa modalidade coletiva nos permitiria proteger
melhor a mãe terra. Sem sementes transgênicas, nem adubos químicos, nem
venenos, promovendo realmente a segurança e a soberania alimentar,
P: O que significam para vocês essas duas palavras?
R: Algo que até agora não conseguimos alcançar. Temos terras pequenas
que não produzem o suficiente nem para nossa própria alimentação
equilibrada e nem para ter um excedente que nos permita enviar nossos
filhos à escola. Queremos começar a pensar neles, em seu futuro, e,
inclusive, na qualidade de vida de nossos netos.
P: Você fala sempre da terra e do território...
R: Claro! A terra é o que cultivamos, até onde chega o arado. O
território é mais amplo: os recursos naturais; os vegetais e os animais;
o meio ambiente correspondente. Em quéchua, temos três palavras para
representar esses conceitos...
Novos desafios para as mulheres
P: É difícil chegar a ser dirigente social sendo mulher?
R: No início, não foi fácil. Não me consideravam; me subestimavam.
Porém, logo fui ganhando um espaço. Éramos duas mulheres que exigíamos a
participação ativa.
Agora, existe reconhecimento. E outras vão chegando a postos de
responsabilidade. O que nos ajudou foi a nova realidade política
boliviana, com o atual governo. Hás mulheres que são ministras,
parlamentares, dirigentes...
P: Para as mulheres, é normal participar no movimento?
R: Não, por isso estava muito contente quando, no último encontro
departamental das sem terra 63 mulheres fomos representar a milhares de
companheiras. A mulher boliviana tem muito trabalho. E não é fácil que
possa dedicar os fins de semana ou as noites para eventos e reuniões.
Continua havendo muito machismo. Por isso, brigamos também no seio das
famílias para conseguir igualdade no casal. Por exemplo, são poucos os
homens que ajudam nas tarefas domésticas. Porém, estou convencida de que
em alguns anos a grande maioria vai participar.
P: O MST/Mulheres recebeu a cooperação e o trabalho de voluntárias da
Suíça...
R: Começou com um apoio material das Mulheres Católicas Suíças para as
hortas coletivas. Em seguida, recebemos a Veronique Blech, a primeira
voluntária de E-Chenger. Ela atuou de maneira valiosa na capacitação. Me
obrigou a exercitar o espanhol que quase eu não falava. Aprendemos a
usar o computador; apesar de que no início eu pensava que isso era coisa
somente para os especialistas. Agora, posso entrar na internet; mandar
e-mails; formular e redigir projetos.
Há mais de um ano contamos com o apoio de outra voluntária suíça, a
socióloga Matilde Defferrard, com quem organizamos e preparamos essa
viagem á Suíça. É um importante reforço institucional e para nossa
formação. Cuidamos as nossas voluntárias como se cuida das flores e esse
intercâmbio humano continua sendo uma grande aprendizagem e colaboração
mútua. Recentemente, SOLIFONDS aprovou um projeto para o Assentamento
"Tierra Nueva", que estávamos construindo. Também recebemos ajuda da
Cáritas de Milão.
O apoio do governo boliviano à família sem terra tem sido mínimo e por
isso a solidariedade de fora ainda tem um papel preponderante.
Nesses últimos anos, recebemos uma solidariedade transparente. E tem
sido essencial para nos capacitar e formar a outras mulheres em temas
essenciais para nós, como o da terra e do território. Tem sido essencial
para nosso crescimento e avanço tanto como mulheres quanto como
movimento.
P: Uma reflexão final?
R: Depois desses primeiros dias de minha visita à Europa, vejo dois
temas. Eu pensava que o tema da terra era importante somente para nós,
as/os bolivianos, ou latinoamericanos. Porém, visitando uma granja de
produção biológica em Genebra, percebi que é uma questão muito
importante também na Suíça. Com a diferença de que nós temos muitas
reservas naturais e por isso exigimos uma redistribuição, uma reforma
agrária verdadeira.
Outra experiência que me comoveu: Em Zurique pude falar, inclusive em
quéchua, com compatriotas imigrantes, pelas ondas comunitárias da Rádio
Lora. Não imaginava que isso seria possível. Fiquei muito feliz. Até
2005, o objetivo de milhares de bolivianas/os era emigrar, buscando um
mundo novo na Espanha e em outros países. Como MST queremos dizer-lhes:
basta de emigração! Seria maravilhoso que os que emigraram por motivos
econômicos regressem. E que possamos recuperar nossas terras para
trabalhar nelas todas/os juntas/os.
*Sergio Ferrari, colaboração E-CHANGER com o apoio de swissinfo
Link:
www.e-changer.ch
Gira suíça de Asunta Salvatierra:
- A viagem de Asunta Salvatierra na Suíça incorpora uma dezena de
atividades públicas.
- Foi iniciada em Zurique, no dia 14 de abril e finalizará em Friburgo,
no dia 8 de maio, com um encontro na Alta Escola Pedagógica, com a
participação de um representante do governo local.
- Inclui outros encontros e debates em Genebra, Bellinzona, Monthey,
Lousane e Delemont. E várias salas de aula do ensino médio e
pré-universitário, em Friburgo.
- A campanha é organizada por E-Changer e financiada por umas quinze
ONGs e associações suíças.
- Entre elas, Solifonds, Uniterre, Marcha Mundial de Mulheres Suíça,
Aliança Sul, Interagire/Misión de Belén Immensee, pela Federação de
Cooperação do Cantão de Vaud, pelo Espacio Mujeres (Friburgo), pela Rede
Latinomericana etc., bem como por meios independentes de imprensa.
(Sergio Ferrari).