O fato de, este ano, o Dia
Internacional da Mulher cair em plena terça-feira de Carnaval deve sim
provocar reflexões que articulem as duas datas. Se por um lado, a festa
celebra a alegria, por outro, ela não pode ser justificativa ou
atenuante para situações de humilhação, coerção ou exploração das
mulheres.
Alessandra Terribili *
O Carnaval é das festas mais tradicionais e aguardadas no Brasil. Em
cada estado, as pessoas festejam a seu modo, e a alegria unifica tudo
numa coisa só. Essa é a imagem bela que temos do Carnaval: bailes,
blocos de rua, festas populares, muita gente feliz que, por 4 dias,
consegue esquecer seus problemas e se irmana com desconhecidos e
desconhecidas que estão sob a mesma condição.
O problema é que, como tudo, o Carnaval não é só beleza não. Todo
ano, relatos de excessos cometidos por foliões Brasil afora deixam de
orelha em pé qualquer pessoa que tenha algum apreço pelos direitos
humanos. Entre tanta prática de barbárie, uma apresenta-se bastante
comum: o desprezo pelas mulheres, seus direitos e sua autonomia.
Quem
nunca ficou sabendo de uma história carnavalesca que envolveu violência
sexual? Pra nem ir tão longe: quantas vezes você soube que, no meio da
festa, passaram a mão em fulana ou beltrana? Quantas vezes você viu
mulheres serem agarradas à força nessas situações? Pior: quantas vezes
você ouviu, diante disso tudo, que “não se leve a mal, hoje é Carnaval”?
A
celebração vira justificativa para uma porção de absurdos que, algumas
vezes, nem são tolerados fora do contexto de Carnaval, mas sob ele são
aceitos como se fossem práticas sociais recorrentes e até premiadas.
Há
mulheres que deixam de freqüentar alguns espaços por causa do assédio
fora de qualquer limite. Ficam constrangidas diante da imposição de um
beijo, de um abraço, de uma mão em seu peito ou em sua bunda. Essas
mulheres são mais numerosas do que se imagina.
Isso sem contar
que o turismo sexual corre solto nessa época, ainda mais que em outras.
Afinal, a propaganda que se faz do Brasil lá fora parece dizer que é a
terra das mulheres gostosas e do sexo fácil e descompromissado. Milhares
de mulheres sambando peladas, closes ginecológicos nas coberturas de
TVs, fotos pornográficas em qualquer site de internet. Isso pra nem
falar de como são retratadas as mulatas, pois o Carnaval é mais um
momento em que o preconceito e a opressão das mulheres negras se
reafirmam com muito mais força.
“Não seja exagerada ou
moralista” é algo que certamente ouvirei (ou lerei) por conta desta
opinião. Evidente que o Carnaval não é só a parte da falta de limites e
da agressão de mulheres, seja pela mercantilização do seu corpo, pela
vulgarização da sua imagem ou pela coerção física mesmo. Mas é
conveniente tratar deste assunto agora, este ano, mais do que nunca,
porque 8 de março de 2011 – Dia Internacional da Mulher – será
terça-feira de Carnaval.
“Ô sua mal amada, que tem inveja das
mulheres que podem ficar nuas na frente de todo mundo porque são belas”;
ou “Deixa de ser histérica, que a maioria das mulheres nem se sente
ofendida por nada disso que você está falando”. Mas é que este blog tem
um público de esquerda, consciente da vida real, das desigualdades, da
opressão, que sabe que as coisas não acontecem por acaso.
A luta
das mulheres no Brasil e no mundo é histórica, conquistou muita coisa,
transformou o mundo todo. Mas ainda falta muito. Nem precisamos nos
alongar pra justificar essa afirmação, basta olhar os conhecidos dados
acerca da violência contra mulheres, desigualdade salarial, atribuições
domésticas, etc.
Bandeiras caras ao feminismo, como aquela
contra a exploração do corpo das mulheres, contra a mercantilização, em
defesa do livre exercício da sexualidade e contra todo tipo de violência
são altamente contrariadas durante o Carnaval, em salões, blocos e TVs
do país inteiro. Não pode ser um momento de exceção: a humilhação,
coação e opressão das mulheres devem ser combatidas todos os dias do
ano.
E pra quem fica indignada ou indignado diante da completa
banalização que se faz do corpo feminino nessa época, que é exposto como
se fosse uma lata de sardinha no supermercado, ou um frango assado
girando em volta de si mesmo numa padaria, não se sinta ultrapassado ou
moralista. Anacrônica é essa forma de ver as mulheres. E uma indignação
coletiva e em voz alta pode ajudar a alterar as coisas como estão –
porque, como disse Paulo Freire, o mundo não é, o mundo está sendo.
Neste
8 de março, além de guerrear contra a indústria de cosméticos e seus
afins, que não se conforma enquanto não tornar nosso dia de luta em mais
um dia de comércio, temos esse forte adversário pela frente: a
naturalização da opressão e a ideia de “período de exceção”. Mas nós,
feministas, que tantas batalhas já vencemos, não tememos essa não. E
viva o dia internacional da mulher!
* Alessandra Terribili, jornalista, é integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.
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