quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Estética do fragmento – Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas, de José Saramago



Portugal - Diário Liberdade - [Rodrigo Moura*] O romance publicado postumamente Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas (2014) de José Saramago foi encontrado incompleto no computador do escritor português, entretanto veio a público o que seria o início deste romance que aborda a temática da guerra e da indústria de armas.

O personagem arthur paz semedo apresenta-se um pacato funcionário de uma empresa de fabricação de armas, a belona s.a, e num ímpeto de curiosidade e mistério, ele decide investigar a produção de armas durante os anos trinta, sobretudo no que tange à Guerra Civil espanhola em que Franco usava da censura, tortura e repressão para governar. O fragmento do romance nos mostra, assim como em Todos os Nomes, outro romance de Saramago, um personagem curioso que sai a procura de respostas. Nessa procura, pode-se dizer que o personagem sai em busca de compreender-se, posto que entender a Historia é compreender a si mesmo.

O fragmento do romance nos mostra um Saramago um pouco mais combativo, mas ao mesmo tempo, sentimos toda aquela leveza de um Saramago que encontramos em A jangada de Pedra, Todos os Nomes, Ensaio sobre a cegueira.

Sempre com uma certa ironia, o autor foca na curiosidade em se desvendar algo. Poder-se-ia dizer que muitas obras de Saramago estão repletas de elementos misteriosos. A figura de arthur paz semedo mostra uma tranquilidade, um personagem quase que inexistente, posto que suas atitudes aparecem mais que o próprio personagem, talvez, por este motivo, o autor português tenha optado por colocar o nome do personagem em minúscula. O romance desenvolve-se dentro do ambiente de trabalho de arthur que consegue autorização para investigar a venda de armas pela empresa nos anos 1930, logo durante a Guerra Civil Espanhola.

Em princípio, todas as ideias são bem-vindas, sobretudo se forem sensatas, e até sua, Um estudo, senhor administrador, Que espécie de estudo, Analisar o nosso antigo sistema contabilístico, por exemplo, dos anos trinta... (SARAMAGO, 2014. p.27)

Entre pequenas mentiras e omissões o personagem vai ganhando espaço no romance e o ar de mistério fica cada vez mais intenso. Dever-se-ia inferir que este livro aborda de forma magistral a questão do mistério e da busca por respostas. E essa tal procura por passa por um autoconhecimento, logo buscando entender os anos trinta, o personagem conseguiria entender a si mesmo. O livro termina com arthur trabalhando em seu ambicioso projeto, deixando para nós, leitores, uma certa vontade de se descobrir, uma certa vontade de ler mais.

Saramago mais uma vez nos brinda com a esperança, com a utopia, típicas da estética saramaguiana. Pode-se encontrar algum tipo de dificuldade para se fazer um estudo mais detalhado sobre este fragmento, entretanto se faz muito importante não deixar que esta magnífica obra não seja estudada de maneira mais profunda.

O pessoal vai gostar, senhor engenheiro, o tratamento de administrador-delegado impunha uma distancia que na realidade não existia, eu que o diga, Suponho que o seu caso foi um pouco especial, veio aqui com uma ideia, Que não iria servir para nada. Serviu para fazer surgir uma ideia melhor, não lhe parece bastante, perguntou o engenheiro. Para lhe falar francamente, tudo me parece demasiado, eu aqui sentado, eu a procurar documentos no arquivo, eu a falar com o administrador-delegado da empresa, eu um simples chefe de faturação menor, sem ofício nem beneficio. Ofício tem, não se queixe, Nada que outra pessoa não pudesse fazer. (SARAMAGO, 2014, p. 57)

*Rodrigo Barreto da Silva Moura – Mestrando em Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Pesquisa as obras de Saramago e Ferrin, autor galego. Tem diversos trabalhos publicados e apresentados no Brasil e no exterior.