sábado, 1 de fevereiro de 2014

Não nos esqueçamos da Taxa Tobin!






Um tema recorrente no debate sobre mudanças estratégicas em nosso País refere-se à necessidade de uma reforma tributária. Assim como a reforma política ou a reforma previdenciária, trata-se apenas de um mote para promoção de alterações em algum sistema jurídico-institucional existente. Podem ser encontradas diferentes alternativas e modelos para atender a todos os gostos. O “xis” da questão reside no verdadeiro sentido da transformação que se pretende operar, uma vez que não existe neutralidade na adoção de determinado tipo de política pública. Haverá sempre algum tipo de interesse por trás das diferentes propostas colocadas sobre a mesa, sempre que assuntos desse tipo venham à baila.

No caso da reforma tributária, o quadro de conflitos existentes é bastante explícito.
 
Os representantes do capital normalmente se escondem por trás dessa reivindicação genérica para pleitear a redução de impostos. E ponto final. Sob o discurso da carga tributária excessiva ou da cantilena do elevado custo Brasil, os representantes do empresariado pretendem diminuir o volume de tributos incidentes sobre suas atividades. Pouco importa se tal “reforma” vai implicar uma carência de receitas do Estado para dar conta das despesas envolvidas com a manutenção das políticas públicas tão sabidamente emergenciais e necessárias.
 
Afinal, o que importa mesmo é a busca tresloucada pela rentabilidade do empreendimento privado.

Sistema tributário regressivo e a necessidade de mudança

Outro enfoque bem distinto para dar conta da questão tributária implica em reavaliar a natureza do nosso sistema de impostos. E qualquer análise minimamente isenta vai confirmar que se trata de um modelo bastante regressivo.
 
Isso significa que ele foi concebido de forma a penalizar os setores de renda mais baixa da população. São várias as razões para a sobrevivência de tal quadro. Ainda não foi implementada a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), tal como previsto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal. A sistemática de alíquotas do Imposto de Renda suaviza os segmentos de renda muito elevada. Os impostos sobre consumo de bens e serviços não são capazes de diferenciar o comprador de acordo com sua remuneração. Assim, o milionário paga o mesmo tributo incidente sobre o litro de leite ou sobre o kwh da conta de eletricidade do que um assalariado que ganha um salário mínimo.

Portanto, quando se fala em reforma tributária, a estratégia dos trabalhadores e demais setores populares deve ser a de implementação de um modelo progressivo, de maneira a que passem a contribuir com mais impostos as camadas sociais que sejam mais bem aquinhoadas na repartição do bolo do patrimônio e da renda. Paga mais tributo quem possui mais riqueza ou quem recebe mais dinheiro.
 
Simples assim, uma mera questão de equidade e de restabelecimento de padrões mínimos de justiça social. E as possibilidades de utilização de instrumentos de tributação com esse fim são bastante amplas, podendo ser também de incidência internacional.

Taxa Tobin: inovação tributária global

Um exemplo bem característico dessa modalidade é a chamada Taxa Tobin. Trata-se de uma proposta que foi apresentada pelo economista norte-americano James Tobin (prêmio Nobel de economia em 1981), ainda na década de 1970. Há quase meio século atrás, ele propôs a criação de um imposto a ser aplicado sobre as operações envolvendo transações financeiras internacionais. Apesar de sua formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de impor algum grau de regulação na desordem perversa dos negócios internacionais. Ocorre que a idéia sofreu ataques pesados por mais de trinta anos, em particular pelas forças ligadas ao sistema financeiro, em especial a partir do momento em ela se transformou em bandeira dos movimentos progressistas pelo mundo afora. A criação de uma taxa sobre as transações financeiras internacionais cumpriria com duas funções. Por um lado, o papel de regular esse tipo de operação, até hoje fora de qualquer tipo de supervisão ou controle. De outro lado, a possibilidade de constituir um fundo internacional, a partir do recolhimento da taxa, com objetivo de redução das desigualdades sociais e econômicas existentes entre as nações.

Ainda que o autor da proposta tenha tentado voltar atrás em sua proposição inicial, ela adquiriu vida própria e se converteu em uma das bases da constituição de movimentos e organizações que pleiteiam uma nova ordem econômica mundial. É o caso da ATTAC, sigla da “Associação para a Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos”, criada na França em 1998. Em pouco tempo a iniciativa ganhou escala internacional, aproveitando a toada do movimento altermundista e das articulações do Fórum Social Mundial. Durante a época de hegemonia absoluta do pensamento neoliberal, havia muito pouco ou quase nenhum espaço para esse tipo de proposição nos foros institucionais oficiais. Afinal, a criação de um tributo sobre qualquer tipo de transação econômica era vista como uma ingerência indevida no reino intocável das livres forças de mercado. Heresia pura!

Tanto mais se a intervenção que se imaginava viesse para o espaço do financismo e das relações econômicas internacionais. Vale lembrar que um dos pressupostos essenciais do Consenso de Washington era a livre circulação de capitais entre os países, sem nenhuma interferência nas entradas e saídas dos fluxos financeiros. A instituição de uma taxa impositiva nessa seara era vista como algo inconcebível.
 
No entanto, nada como um dia após o outro - e uma crise financeira internacional no meio - para colocar alguns dogmas do liberalismo em questionamento. Após a catástrofe provocada pela quebradeira generalizada dos bancos norte-americanos em 2008, o próprio “establishment” da economia mundial começou a flexibilizar seus graus de ortodoxia. Nada que cheirasse a alguma transformação mais profunda, de natureza político-ideológica. Apenas uma acomodação racional e oportunista, com o intuito de chamar o Estado de volta à cena e ajudar o capital a reduzir as suas perdas. “Business as usual”. A velha estória de promover a apropriação privada de lucros e a socialização de prejuízos.

A crise internacional e oportunidade de mudança

Assim, dentre as diversas propostas de inspiração keynesiana que passaram a frequentar a agenda dos organismos multilaterais desde então, voltou a ser mencionada a taxação das transações financeiras internacionais. O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a própria União Européia (UE) resolveram incorporar o debate a respeito do assunto. Afinal, algumas projeções levavam a resultados bem interessantes, do ponto de vista das finanças internacionais. Um exercício com a alíquota irrisória de 0,01%, por exemplo, a incidir sobre alguns tipos de operações financeiras no mercado globalizado levariam a uma arrecadação superior a US$ 400 bilhões anuais. Uma quantia razoável para se iniciar um programa global contra a fome e a miséria, por exemplo. Ou seja, uma taxa praticamente invisível propiciaria a arrecadação de somas e fundos expressivos. Nesse caso, fica evidente que o discurso de que a ação do Estado sempre distorce a dinâmica do mercado não se sustenta. Uma alíquota como essa passa praticamente desapercebida pelos preços transacionados, mas resulta em volume de recursos nada desprezível, em razão da escala das operações.

Os momentos mais adequados para a introdução desse tipo de inovação são, em geral, aqueles marcados por algum tipo de crise. No entanto, é fundamental assegurar que os recursos sejam destinados a mecanismos de redução das desigualdades entre os países no mundo e não simplesmente a socorrer os caixas das instituições financeiras em dificuldades. Aliás, caso o governo brasileiro esteja mesmo interessado em manter seu protagonismo na esfera da diplomacia internacional, nada mais interessante do que patrocinar esse tipo de sugestão. Os países do Terceiro Mundo só terão a agradecer a iniciativas como essa, bem como a maioria da população do planeta.

Se o espaço de aceitação da Taxa Tobin continuar se ampliando, como indicam as pressões recentes de países europeus e da própria China, faz-se necessário avançar também na definição do arcabouço institucional. No plano das uniões econômicas ou da soberania de cada país, é mais fácil criar e gerir um tributo dessa característica. Porém, inexiste até o momento, um espaço internacional com legitimidade diplomática e capacidade tributária global. O caminho passa pela construção de um amplo consenso transcontinental em torno da medida e a constituição de um fundo mundial comunitário a partir da coleta dos recursos oriundos das transações tributadas.

Esta seria uma importante demonstração - concreta e objetiva - de que um outro mundo é mesmo possível.

- Jaciara Itaim é economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.
 
23/01/2014


http://www.alainet.org/active/70741

Grande Latuff, O Guerreiro do Cartum


"Cada charge é um soco", diz cartunista brasileiro em lista de antissemitas

Por Clarice Sá - iG São Paulo 

Latuff já foi considerado 3º maior antissemita do mundo por conta do ativismo pró-palestina. Esta semana, uma de suas charges virou símbolo de protesto em Santa Maria

Com ele “o papo é reto”. Sem rodeios. Nos traços do polêmico cartunista brasileiro Carlos Latuff, Barack Obama ganha os contornos do “Grande Ditador” eternizado por Charles Chaplin, Dilma Rousseff queima o próprio passado, um representante do Ministério Público cala um manifestante de Santa Maria, e um policial mata com um tiro um Cristo negro crucificado. O impacto das imagens já lhe rendeu três idas a delegacias do Rio de Janeiro para prestar esclarecimentos e, ao longo de 2013, o título de terceiro maior antissemita do mundo na classificação do Centro Simon Wiesenthal, instituição judaica de direitos humanos.
“Cada charge costuma ser um soco no estômago e se for assim para as pessoas perceberem as coisas, que seja”, dispara o ilustrador. “Minha charge cumpre um papel editorial, mas cumpre um papel principalmente de servir de instrumento para o movimento social.” Como resultado, desenhos de Latuff são empunhados em manifestações por todo o mundo. Egito, Bahrein, Grécia, Indonésia, França, Itália e Índia são alguns dos países por onde seus traços ganharam as ruas. 
Latuff criou com três familiares de vpitimas desenho usado nos protestos que marcaram um ano da tragédia da boate Kiss, em Santa Maria (RS). Foto: Arquivo pessoal/Latuff
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No Brasil, os desenhos ocuparam cartazes nos protestos de junho com forte crítica ao prefeito Eduardo Paes, ao governador Sérgio Cabral e à atuação da polícia. A repressão às manifestações de professores em greve, aos rolezinhos e a crise no sistema penitenciário do Maranhão também despertaram a crítica de Latuff. À governadora do Maranhão, Roseana Sarney, sua charge confere o título de Nossa Senhora das Cabeças Cortadas, em alusão à decapitação que virou prática entre criminosos do complexo penitenciário de Pedrinhas.
Em Santa Maria, seu traço estampou faixas e camisetas de familiares e amigos dos 242 jovens mortos há um ano no incêndio na boate Kiss. Com a ajuda de três participantes do movimento Do Luto à Luta, ele criou a imagem que questiona o Ministério Público, o Corpo de Bombeiros e a Câmara de Vereadores. No desenho, as autoridades impedem o grito de protesto de um manifestante. “Tem que dizer quem está por trás dessa tragédia. Não aconteceu do nada. Foi um resultado de má fiscalização, corrupção, etc”, diz Latuff, que se envolveu de forma solidária no movimento, com trabalho sem custos.
Reprodução/Twitter
Protesto em Nova Délhi a favor de palestinos. À esquerda, manifestante com charge de Latuff
Ele também não cobra por nenhuma das charges produzidas em defesa da causa palestina, na qual se engajou após a primeira visita à região, em 1998. Um sinal de paz sobre as cores palestinas criado em 2002, inclusive, foi a charge que começou a trazer destaque internacional. 
A posição pró-Palestina fez com que, ao longo de 2013, figurasse como terceiro na lista dos maiores antissemitas do planeta. Ele está fora da nova versão do ranking, divulgada no fim do ano passado, que conta agora com o músico Roger Waters. “(A lista) é uma tentativa de confundir na cabeça das pessoas a luta contra o apartheid israelense com o ódio aos judeus. Essa tentativa de misturar as duas coisas tem sido uma estratégia de longa data, empregada por organizações do lobby pró-Israel, de tentar associar críticas ao Estado de Israel com o ódio aos judeus. Como se Israel pudesse representar o povo judeu. E eu sempre digo, não existe estado que represente o povo.”
O envolvimento de Latuff com o ativismo politico começou em 1997, quando passou a se comunicar com representantes do movimento zapatista pela internet. “Ali eu percebi que a arte poderia ser um instrumento de luta e não somente um meio para ilustrar artigos e materiais. Percebi que fazer charge é mais do que decorar paredes. É fazer a diferença através do traço.”
Arquivo pessoal/Latuff
Atuação da polícia é alvo constante dos desenhos de Latuff
Entre suas referências está o cartunista palestino Naji Al Ali, assassinado em Londres em 1987. Joe Sacco, autor de “Notas Sobre Gaza” e John Hartfield, criador de fotomontagens contra os nazistas, completam a lista. Latuff diz que sente falta de outras vozes progressistas que adotem um tom crítico de forma contundente. “Hoje em dia, ninguém quer botar a cara para bater, ninguém quer se expor.", afirma.
"Quem é que hoje tem coragem de se expor? Ou melhor, tem espaço para fazer isso? É essa direita, é Lobão, é esse cara que trabalhava no CQC, o Danilo Gentili. É esse pessoal a favor do senso comum, do preconceito, do conservadorismo, do reacionarismo”, diz Latuff. “Falta essa mesma disposição de artistas, de comunicadores que tenham uma posição mais à esquerda, mais progressista, que queiram fazer graça não do fraco e sim do forte. Porque fazer graça da parte mais fraca é covardia.”
Novas investidas de Latuff devem ocupar espaço nos nos próximos meses, por conta da proximidade da Copa do Mundo e dos protestos que prometem ganhar corpo em todo o País. “Acho que vão haver violações sérias dos direitos humanos. Já estão acontecendo”, diz o cartunista, em relação à manifestação que terminou com um jovem baleado por policiais militares em São Paulo. “Em junho, a bala era de borracha, agora a bala é de chumbo. Se bem que eu sempre digo, na favela sempre foi de chumbo.”
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