É tempo de o mundo aceitar um Irã nuclear
por Anoush Maleki, PressTV, Teerã
Créditos: Viomundo
O presidente George W. Bush, apoiado por conhecido grupo de
neoconservadores e pela gangue de Tel Aviv, fez o que pôde para
formular sua política externa de guerras, de modo a seu sucessor ser
obrigado a gerir um terceiro conflito militar no Oriente Médio.
O Irã está na agenda da Casa Branca há muitos anos; hoje, o pretexto
mais potente em uso é o programa nuclear iraniano, conduzido
rigorosamente conforme as normas e sob vigilância dos especialistas da
ONU.
Sob a alegação de que o governo anticapitalista de Teerã trabalharia
para obter bombas atômicas para destruir Israel, o governo Bush cooptou
apoios internacionais para impor sanções econômicas contra o Irã. O
Conselho de Segurança da ONU adotou a via de três rounds de
resoluções-sanções e proibiu o Irã de enriquecer urânio mesmo que
exclusivamente para fins pacíficos.
O Irã, que é signatário do Tratado de Não-proliferação Nuclear [ing.
Nuclear Non-Proliferation Treaty (NPT)], tem legítimo direito de
enriquecer urânio para gerar combustível para suas usinas nucleares
atualmente em construção. A Agência Internacional de Energia Atômica
[ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)] — único corpo que tem
autoridade para intervir em programas nucleares em todo o planeta – já
confirmou essa evidência.
Pois o presidente Bush parecia não ter qualquer dúvida de que,
incluindo Teerã no seu famigerado "eixo do mal", o mundo o seguiria sem
discutir e passaria a ver os iranianos como perfeitos demônios,
decididos a construir bombas atômicas e iniciar uma guerra atômica.
De fato, o que interessava era soar os tambores de guerra contra o
Irã. O inesperado revés econômico que os EUA sofreram, contudo,
interrompeu a longa sequência de tentativas.
Hoje, até os mais neoconservadores já sabem que um ataque militar ao
Irã, para destruir sua infraestrutura nuclear só conseguirá, no máximo,
atrasar o desenvolvimento do programa. À parte a retaliação massiva que
o exército do Irã e os Guardas da Revolução Islâmica [ing. Islamic
Revolution Guards Corps (IRGC)] já anunciaram no caso de ataque ao Irã,
o preço do petróleo subiria às alturas, "para mais de $200 o barril, em
questão de horas" – o que demoliria os esforços para tentar recuperar a
economia dos EUA, como escreveu o presidente do Conselho de Relações
Exteriores, Richard N. Haass, em coluna intitulada "A Different Regime
Change in Iran" [Uma diferente troca de regime no Irã], no Financial Times (13/10/2009).
A verdade é que o preço desse curso de ação é alto demais.
O presidene Obama, enquanto isso, suavizou a retórica desde que
assumiu e adotou linguagem mais amena, oferecendo um raio de esperança
para a diplomacia com Teerã – os dois Estados não mantêm relações
diplomáticas desde a invasão da embaixada dos EUA em Teerã, em 1980.
Ironicamente, a questão nuclear aproximou mais os dois governos. O
Irã está fazendo o que lhe cabe fazer. Está cooperando com a IAEA e
considera a possibilidade de comprar urânio enriquecido para seu reator
de um provável consórcio a ser constituído por França, Rússia e EUA.
No domingo, o Irã autorizou a inspeção pelos especialistas da ONU,
que foram autorizados a visitar uma usina de enriquecimento a sudoeste
de Teerã, de cuja existência a Agência foi informada em setembro, cerca
de um ano e meio antes de a usina entrar em operação.
Mesmo assim, enquanto os EUA continuarem a divulgar e reforçar
suspeitas de que o Irã estaria trabalhando para construir armas
atômicas, nada autoriza a ter qualquer esperança de que Washington
venha a trabalhar para reconstruir melhores relações. De fato, é
chegada a hora de o governo dos EUA começar a agir de modo a merecer
mais confiança.
Mais cedo ou mais tarde, a Casa Branca terá de render-se à evidência
de que Teerã não desistirá de seu programa nuclear. O governo e os
iranianos em geral crêem firmemente que têm o inalienável direito de
prosseguir e dar andamento ao seu programa nuclear para objetivos
pacíficos.
A natureza da política exterior iraniana, apesar dos seus valores
anticapitalistas, é pacífica. O país jamais atacou qualquer nação e há
décadas não ameaça, sequer, fazê-lo. Seus líderes e o povo consideram
pecado o uso de armas de destruição em massa – já declarado contrário
aos princípios do Islã.
Assim sendo, a ideia de que o Irã decida um dia construir e
armazenar armas de destruição em massa, usá-las contra outro país, ou
entregá-las a terroristas é completo delírio.
O Irã – governo e cidadãos – buscam construir um relacionamento com
a comunidade internacional baseado em respeito mútuo, com vistas a
alcançar objetivos mútuos.
"Vim [ao Cairo] em busca de um recomeço entre os EUA e os muçulmanos
de todo o mundo; recomeço baseado em respeito mútuo, com vistas a
alcançar objetivos mútuos. Recomeço baseado na certeza de que os EUA e
o Islã não são excludentes e não têm de competir. Em vez disso,
sobrepõem-se e partilham princípios comuns – princípios de justiça e
progresso; de tolerância e dignidade para todos os seres humanos" –
disse o presidente Obama no Cairo, dia 4/6/2009, falando ao mundo
muçulmano.
Sabe-se que esses objetivos não serão alcançados do dia para a
noite. Resta esperar apenas que o presidente dos EUA tenha sido sincero.
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.presstv.com/detail.aspx?id=109619§ionid=3510303
http://www.presstv.com/detail.aspx?id=109619§ionid=3510303
Tradução: Caia Fittipaldi