segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Uma Revolução Orgânica

  Para ganhar mercado, é preciso derrubar mitos como o do preço mais alto

Por Luiz Augusto Gollo

A engenheira agrônoma Lúcia Helena Almeida, da Associação de Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro (Abio) – uma das instituições certificadoras de produtos orgânicos mais antigas do país e com atuação em vários estados –, afirma que que não existe tradição de organização entre os agricultores fluminenses e que, por isso eles acabam nas mãos de intermediários, o que encarece a produção.

“Mas nem sempre o intermediário é o vilão; muitas vezes é o parceiro que embala e transporta o produto, e até criando sua embalagem – o que o produtor não faz”, ressalva.

Parcela crescente da produção orgânica chega às prateleiras de supermercados graças a um esforço empresarial de sucesso, mas também se presta à manutenção do mito “produto orgânico é caro”. Praticamente todas as pessoas ouvidas pela reportagem da Agência Brasil disseram que é um mito que interessa ao comércio convencional para aumentar o preço de uma mercadoria que não custa necessariamente mais para ele.

“Os produtos orgânicos enfrentam também um problema sério de logística, da saída do produtor até a chegada ao mercado. Como não têm aditivos, agrotóxicos, conservantes e, no caso dos animais, hormônios, não têm nem aquela aparência artificial, nem a resistência, também artificial”, explica o porta-voz da Feira da Glória, Renato Martelleto.

A realidade da produção orgânica do estado do Rio de Janeiro é frágil como a de outros mercados, com exceção de centros mais organizados, como o Paraná. Ainda assim, incentivados pelas instâncias governamentais e instituições privadas, produtores orgânicos buscam uma relação econômica mais adulta e madura. Afinal, segundo estimativas da Fundação Agricultura e Ecologia da Alemanha, o mercado brasileiro movimenta em torno de US$ 200 milhões por ano com orgânicos, também responsáveis pelo ingresso de US$ 30 milhões anuais em exportações.

A expansão desse mercado despertou a atenção das autoridades federais há mais de uma década, e desde então tem havido esforços para o desenvolvimento mais acelerado do setor. Historicamente, a produção de orgânicos no Brasil está concentrada em pequenas propriedades no cinturão verde dos centros de consumo, muitas, de uns tempos para cá, rotuladas como de agricultura familiar, o que facilita o acesso a linhas de créditos e benefícios próprios.

Verduras, legumes, carnes e demais orgânicos produzidos em tais propriedade são comercializados em feiras nas imediações, a preços competitivos com os dos produtos convencionais disponíveis no comércio formal da região, sobretudo hortaliças rapidamente perecíveis. Essa realidade é determinante para a derrubada do mito sustentado tacitamente pelo comércio convencional.

“Não somos um nicho de mercado e, por isso, vamos lutar pela universalização do consumo de orgânicos”, afirma o chefe da Coordenação de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias. Ele faz questão de desfazer o caráter artesanal que a maior parte do público consumidor atribui aos orgânicos: “Agricultura orgânica é muito mais tecnológica do que a convencional.”

Para o leigo, que pode achar estranha ou curiosa a afirmação, o agrônomo lembra que a agricultura convencional emprega agrotóxicos, conservantes, estabilizantes e outras substâncias químicas de baixo custo relativo, enquanto a orgânica requer busca incessante de tecnologias naturais alternativas para livrar seus produtos das pragas, doenças e outros prejuízos.

Segundo Hélder Carvalho, representante de vinhos, azeites e vinagres orgânicos em feiras cariocas, para prevenir e combater insetos que atacam as plantações,os agricultores recorrem a gansos e galinhas d'angola, que se alimentam deles. Ele ressalta que as galinhas d'angola “comem [os insetos] mas não ciscam e, por isso, não desenterram as sementes e plantas das covas”.

“Outros cuidados bem característicos do cultivo de orgânicos são os saquinhos de papel envolvendo as frutas ainda no pé”, acrescenta, citando goiabas e figos como frutas protegidas de pássaros e morcegos. “Isso pode encarecer os produtos, em comparação com os convencionais, mas não chega a ser uma diferença alarmante. Quem procura qualidade e sabor natural, prefere o produto orgânico. Até o café orgânico tem outro gosto.”

Na questão do paladar, uma das maiores defensoras dos produtos orgânicos é Maria Beatriz Dal Ponte, gerente do Centro de Gastronomia do Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial (Senac) do Rio de Janeiro. Formada em letras e pós-graduada em administração, ela começou a se interessar pelos orgânicos há nove anos, tendo criado os três filhos com a produção da chácara familiar, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.

“As pessoas se equivocam na leitura da realidade. É preciso respeitar o ciclo da natureza. A produção e o consumo de orgânicos são o resgate de uma prática antiga da história da humanidade. E hoje os orgânicos são usados pelos chefs no mundo inteiro, o que mostra a tendência de ver a questão como de saúde, e não como coisa de alguma seita”, enfatiza Beatriz. Ela destaca ainda o mito da difícil aceitação, com a autoridade de quem abriu uma escola de gastronomia no Sul com a chancela do Instituto de Culinária Italiana para Estrangeiros.

Psicóloga e educadora, Míriam Langenbach, pratica desde 2001, no Rio de Janeiro e em algumas cidades vizinhas, o associativismo para a compra de produtos orgânicos. Na rede ecológica dirigida em colegiado por cerca de 30 pessoas, há 200 consumidores inscritos para receber em seu bairro produtos encomendados semanal ou quinzenalmente, dependendo do tamanho do grupo.

“É uma maneira prática e fácil de manter a alimentação sem precisar pesquisar e procurar aqui e ali. Nós fazemos as compras e entregamos em espaços públicos nos bairros, em dia e hora combinados. Pode ser por semana, ou por quinzena. Atendemos de Santa Teresa [bairro da capital fluminense] a Seropédica e Niterói [municípios do estado do Rio] ”, disse Míriam, que mantém na rede um nível básico de profissionalismo para encomendas, entregas e administração financeira. “Na base do voluntariado só, não dá.”

Em outra vertente, Fábio Seixas Guimarães também defende a produção orgânica e mais ainda: o aproveitamento integral dos alimentos. Na organização não governamental (ONG) Comendo de Tudo... um Pouco, ele propõe receitas que incluem cascas de ovos e de banana, talos de couve, folhas de couve-flor e de brócolis e outras habitualmente desprezadas pela culinária convencional.

“É preciso fazer a junção do orgânico com o aproveitamento integral. Afinal, não podemos defender o uso culinário da casca de banana cultivada com agrotóxico, não é mesmo?”, pergunta Fábio, cuja ONG distribui kits sobre aproveitamento integral em escolas, associações, clubes e outros lugares do Rio.


O império estremece.....

SUCRE – Outra estocada no dólar

Hedelberto López Blanch
Grão a grão, multiplicam-se os sinais da irreversível decadência do centro do império.

Hedelberto López, num curto texto, fala-nos de como o início do percurso de uma nova moeda a criar pelos países da ALBA se soma às decisões que constroem a derrocada do dólar como moeda-padrão internacional





Hedelberto López Blanch* - www.odiario.info


Os Chefes de Estado e de Governo participantes na VII Cimeira da Aliança Bolivariana para os povos da Nossa América (ALBA) tomaram a decisão de implementar o Sistema Único de Compensação Regional (SUCRE) para o intercâmbio comercial entre os seus países, que entrará em vigor no princípio de 2010.

A futura integração monetária que contará com reservas no Banco da ALBA permitirá a protecção contra as crises económicas dos nove Estados membros, e transformam os seus países em territórios sem dependências das agressivas políticas implementadas por organismos financeiros como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), além de os afastar da hegemonia do dólar.

Pertencem à ALBA a Venezuela e Cuba (fundadores), a Bolívia, a Nicarágua,a Dominica, as Honduras, o Equador, S. Vicente e as Granadinas, Antigua e Barbudas, mas esta nova iniciativa está aberta a outros Estados membros da América Latina e do Caribe.

Os retoques finais para a entrada em vigor do SUCRE foram tomados numa reunião ainda em Novembro., quando os seus membros analisaram e puseram em marcha as suas quatro estruturas: o Conselho Monetário Regional, uma Unidade Monetária Comum que funcionará como moeda virtual com a perspectiva de se converter em moeda física; uma Câmara Central de Compensação e um Fundo de Reserva e Compensação Regional.

O SUCRE regulará as compras e vendas entre os Estados, e prevê-se para um futuro próximo que circule como moeda real, tal como fez o euro.Na reunião de Novembro definiu-se, entre outros aspectos, até onve vai a sua aplicação em todo o comércio entre as nações e a quanto equivale o SUCRE na moeda de cada país.

O sistema de pagamentos será principalmente aplicado através do Tratado de Comércio entre os Povos (TCP) que os países aprovaram na Aliança, e o apoio a essa unidade será através dos depósitos em dinheiro e nas suas moedas que os países farão no Banco da ALBA.

A utilização do SUCRE nas grandes transacções dos seus membros, limitará a utilização do dólar nas operações, o que permitirá promover ainda mais o comércio na região e gerará um crescimento económico importante nos países da ALBA.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos converteu-se em potência global e com o acordos assinados em Bretton Woods, em 1944, conseguiu que o dólar se estabelecesse como divisa de reserva na orbe, com o valor garantido pelas suas grandes acumulações de ouro.

Apesar disso, na década de 1970, Washington conseguiu um acordo com a OPEP para que as vendas de petróleo fossem em dólares, e nessa altura desligou o valor do dólar das suas reservas de ouro. Dessa forma, começou a imprimir moeda e inundou o mundo com os seus papéis, sem que estes tenha um valor real com as riquezas do país emissor.

«Ao suspender a conversão, o dólar passou a ser uma divisa que podia ser impressa põe decisão do governo estadunidense, sem o apoio de um valor constante», afirmou numa recente reflexão o líder cubano Fidel Castro.

Esta foi a principal motivação para que os credores estrangeiros procurem alternativas à dívida estadunidense que compraram e na qual têm as suas reservas.

Nessa corrida para se desfazerem dos dólares sem que este se desvalorize abruptamente antes que se tenham desfeito deles, têm estado envolvidos vários países.

Em 2003, a Síria começou a trocar as suas reservas por euros; o Banco Central dos Emiratos Árabes Unidos converteu em euros 10% das suas reservas em solares; A Venezuela seguiu o mesmo caminho e procurou moedas mais seguras como euros e yuans chineses; a Suécia diminuiu as suas reservas em dólares em mais de 20% e elevou para 50% as acumuladas em euros; o Banco Central da Rússia já tem a maior parte das suas reservas em euros.

O Irão abriu em 2005 uma bolsa de venda de petróleo em euros na ilha de Kish, no Golfo Pérsico, que foi um dos primeiros golpes no dólar, o que provocou um aumento do ódio dos Estados Unidos para com aquela nação.

Nesse mesmo sentido, a China e o Brasil subscreveram um acordo para utilizar o real e o yuan nas suas transacções, que este ano atingiram o montante de 40.000 milhões de dólares.

A China e a Argentina fizeram o mesmo em trocas que atingem os 20.000 milhões de dólares. Pequim assinou acordos idênticos com a Coreia do Sul, a Malásia, a Bielo-Rússia e a Indonésia.

A Organização de Cooperação de Xangai (OVS) – China, Rússia, Uzbequistão, Kyrgistão, Tajiquistão, Kazaquistão está a pressionar os seus países-membros a fazerem o comércio nas suas moedas nacionais ou com uma futura divisa supranacional e prescindirem do dólar.

Enquanto o poderoso grupo de economias emergentes conhecido como BRIC ( Brasil, Rússia, Índia e China) declararam num encontro recente que se torna «muito necessário ter um sistema internacional de divisas estável e diversificado».

Os paíse da ASEAN (Brunei, Birmânia, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietname) poderão no futuro realizar acordos em yuansem vez de dólares, segundo um programa piloto ensaiado primeiro por Pequim primeiramente com Hong-Kong e Indonésia.

A hegemonia do dólar, como dono e senhor das transacções comerciais internacionais está a perder importância e dentro de pouco tempo deixará de ser a principal moeda de reserva mundial. Nesta inegável realidade, o SUCRE também pôs o seu grãozinho de areia na engrenagem.

* Jornalista cubano especializado em assuntos internacionais.

Este texto foi originalmente publicado em:
www.alternativabolivariana.org