Leonardo Sakamoto
Desde o início da operação “Pilar Defensivo”, teriam sido mais
de 90 palestinos mortos e 700 feridos na faixa de Gaza. Segundo a
administração do território, 70% dos feridos e metade dos mortos eram
civis. Pelo menos três civis israelenses tombaram no mesmo período,
vítimas de mais de 80 foguetes que atingiram seu território dentre
centenas lançados a partir de Gaza.
Por enquanto, dá 30 para 1, mas a tendência é aumentar. Número de
mortes não deveriam ser comparadas, pois a dor não é algo mensurável.
Mas isso serve para ranquear nossa ignorância e estupidez. Se fosse uma
ação violenta da polícia carioca junto a favelas, mesmo as classes mais
abastadas – muitas vezes lenientes com a morte dos mais pobres – já
teria chamado a situação de chacina ou massacre. Nesse caso, relutamos
em falar em banho de sangue. O próprio recém-eleito Barack Obama saiu em
defesa de seu aliado no Oriente Médio: “nenhum país do mundo toleraria
una chuva de mísseis sobre seus cidadãos”. Refere-se a Israel, mas
poderia se aplicar à Palestina se os Estados Unidos a reconhecem como
país.
Podemos chamar de guerra quando um dos lados é tão superior
militarmente ao outro, fato que se traduz na contagem de corpos, como no
caso dos ataques israelenses? Considerar normal uma taxa de 50% de
“danos colaterais”, ou seja, de morte de civis em confronto? Por que não
montamos um placar eletrônico de vez? Ou, melhor ainda, que tal uma
tela de LCD gigante, diante da sede das ONU em Nova Iorque, mostrando –
em tempo real – quantos anos o Exército israelense está roubando do
futuro dos palestinos, tornando real a promessa de seu ministro do
Interior, Eli Yishai, de que o país pretende “mandar Gaza de volta à
Idade Média”?
Concordo quando dizem que não há crise humanitária em Gaza, aquela
pequena faixa de terra entre Israel e o Egito ocupada por palestinos.
Crise humanitária existia antes do bloqueio decretado por Israel devido à
eleição do Hamas e ao lançamento de foguetes contra seu território anos
atrás. Hoje, o que há é algo próximo ao que ficou conhecido como campo
de concentração.
Em 2010, uma pequena frota de barcos com ativistas tentava amenizar,
levando produtos de primeira necessidade, quando foi atacada pelas
forças armadas israelenses, resultando em, ao menos, dez mortos e mais
de 30 feridos. Ah, é claro, os barcos também levavam armas de destruição
em massa, como estilingues e bastões, com os quais os pobres soldados,
armados de simples metralhadoras, foram atacados ao abordá-los. As
forças israelenses quase não resistiram às terríveis rajadas de bolas de
gude, mais letais que as terríveis pedras lançadas manualmente por
palestinos nos protestos em terra.
Presenciamos um massacre unilateral e não uma guerra – dezenas de
civis, inclusive mulheres e crianças, morreram desde o início da última
operação miliar contra Gaza. E tendo em vista a intensidade e a forma
desse cerceamento, o que estamos presenciando soa mais como (mais uma
etapa de) genocídio do que crise. Guerra é inadequado, terrorismo de
Estado seria melhor.
Se de um lado, estúpidos extremistas palestinos não aceitam a
existência de Israel, do outro estúpidos extremistas israelenses
reivindicam Gaza e Cisjordânia como parte de seu território histórico.
Para estes, árabes em geral são bem aceitos no seu território, desde que
sirvam para mão de obra barata. A diferença entre esses dois grupos é
que Israel tem poder de fogo para levar esse intento adiante, enquanto o
outro lado não.
O certo é que o islamismo radical vai ficando mais forte do que
antes. E o Hamas não é o verdadeiro problema nessa equação, há outros
grupos mais radicais que não obedecem a sua autoridade. Mesmo que a
maioria dos seus líderes morram, surgirão outros, lembrando que as
condições de vida em Gaza são uma tragédia, com crianças revoltadas
diante de tanta violência social e física, prontas para serem cooptadas
por grupos fundamentalistas.
Os dois lados devem parar, mas é estúpido dizer que há um conflito
com partes iguais e responsabilidades iguais. Israel acha que vai
conseguir controlar os ataques contra seu território com mais porrada?
Aliás, será que o governo considera que não foi ele mesmo quem,
historicamente, criou essa situação? Portanto, caos queira seguir a
política que adotou até agora, não é à Idade Média que Israel terá que
mandar Gaza para se sentir segura e sim extirpar um povo do mapa. O
tempo passa, os papeis se invertem.
Quais as chances de jovens que vêem seus pais, irmãs, namoradas serem mortos hoje não tentarem vingar suas mortes amanhã?
Nenhuma.
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