sábado, 24 de março de 2007

Leitura à distância

Gabriel Perissé

O título é redundante. Toda leitura é à distância. Distante no tempo, no espaço; distante do autor. O leitor distante de tudo e todos, navegando em linhas, entrelinhas, rastejando entre vírgulas, escalando parágrafos.
Educação à distância foi, é, sempre será a leitura. Leitura no papiro, na tela do computador, diante da TV, teleitura, leitura ouvinte de quem ensina à distância, leitura que vê longe.
O leitor está distante porque está próximo da Grécia antiga, da França medieval, da Ásia incompreensível, da África sangrenta; está próximo de tudo aquilo que é viver fora de si, entre povos extintos, sob céus estrelados cuja configuração nunca mais se repetirá, a não ser na releitura.
A distância do texto traduzido. A distância do livro censurado, queimado, contrabandeado, copiado sob o peso do medo. A distância da obra cujo autor sofreu para pensar e criar, e esse sofrimento se perdeu para sempre; mas, para sempre, ficou inscrito na escrita. A distância que aproxima o leitor de tudo o que ele não é, não sabe… e por vezes não anseia.
Ler é distanciar-se dos problemas reais, da conta de luz a pagar, da tragédia presente, e reaproximar-se de tudo isso pela via da consciência, da lucidez, da clarividência. Ler é ir longe, em direção ao que não se toca, para penetrar fundo naquilo que nos tocou viver.
O leitor cai no abismo da leitura, não há como localizá-lo, foi tragado pelos pesadelos de Kafka, pelos sonhos de Lewis Carrol, pelos devaneios de Cervantes, pelas visões de Dante. Onde está você, leitor distante? Em que distância você se perdeu e se encontrou?
A única disciplina é a leitura, o único professor é o livro, o único diploma é a vontade de reler.
Leitura, porta entreaberta para todas as distâncias. O leitor absorto, alheio, distraído, atento ao que ninguém percebe acontecer em sua imaginação, em sua mente hipnotizada.

O livro é o controle remoto com que trocamos os canais. Vamos de uma época a outra, de uma cultura a outra, de um coração a outro, de um drama a outro, num piscar de olhos, olhos arregalados.

A leitura nos afasta do aqui-agora, leva-nos para o além, o além-fronteira, o além-mar, o além-mundo. E é indo para tão longe daqui que o leitor caminha por dentro do livro, para fora do livro. Para dentro da vida.

* Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor
Colaboração de Marco Antonio Vargas de Lima

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