terça-feira, 24 de abril de 2007

Conceitos dinâmicos de propriedade

José Rodrigues


Dos flanelinhas que defendem seus "pontos" nas vias públicas, ao Império Romano, ou dos traficantes, que exploram "bocas" com exclusividade, aos domínios da Microsoft, permeia a propriedade. Os fisiocratas do Século XVIII, com Quesnay e Turgot, afirmavam que toda a riqueza provinha da natureza, enquanto para Adam Smith (1723-1790), da escola liberal, a riqueza resulta do trabalho.

A Revolução Francesa, deflagrada um ano antes da morte do iluminista Adam Smith, viria revolucionar tanto a propriedade quanto o trabalho, transformando-se em inspiração para outras revoluções e, mais tarde, de várias constituições de países.
A tese espírita da propriedade foi anunciada menos de um século depois, de caráter absolutamente universal e talvez por isso venha a manter-se com atualidade, sem tempo para ser esgotada. Sua leitura em O Livro dos Espíritos, mesmo assim, parece ter um fulcro do tempo em que foi exposta, ou seja, a propriedade como algo material, no conceito econômico, infungível. Ocorre que tempos posteriores conheceriam novos entendimentos sobre bens, com mudanças de curta duração.

No tempo mais recente, os conceitos de propriedade intelectual e sua derivação virtual, ganham importância nas defesas de seus autores. O valor do saber, do conhecimento, surge vantajoso na competição, enquanto as questões ambientais, sequer sonhadas pelos Espíritos dos meados do Século XIX, avolumam-se, com repercussões econômicas indiscutíveis. De fato, qualquer tese que queira ser moderna não pode prescindir de duas componentes: a melhor repartição da riqueza e a sustentabilidade do ambiente.
Por sequência, uma fórmula química, uma partitura, um trabalho de pesquisa, em qualquer campo, são propriedades pessoais ou empresariais, que podem ser disponibilizados a gosto de seus autores, de graça ou a troco de dinheiro.

Mais à frente, o fenômeno Bill Gates, dono da Microsoft, criou valores, com base no campo virtual, que assustam aos proprietários de bens físicos. Essa empresa tem um valor de mercado( US$ 60 bilhões) equivalente a oito vezes seu balanço contábil. Valores de portais na net, alguns recentemente criados por jovens quem não usam paletó ou gravata, assumem grandezas extraordinárias, tudo pelo seu potencial de comunicação, paradoxalmente, sobre algo mutável no essencial, "que não existe", diria, o mundo virtual.

O desafio de legitimar essa "propriedade" é o mesmo aplicado a bens físicos, usuais ao tempo de Kardec (1804-1869). Mas, de certo modo, aquela propriedade só existe se for constantemente mutável, resultado da corrida do saber e da tecnologia. Daí, a rápida obsolescência dos aplicativos e programas de informática, bem como dos respectivos equipamentos. Digamos que nós, consumidores, é quem legitimamos a propriedade em torno do mundo virtual.

As questões ambientais, que tendem a crescer, surgem como novo aditivo em termos de propriedade e sua legitimação. Os Espíritos cravaram que legítima é a propriedade adquirida sem prejuízo para os outros. O ingrediente da sustentabilidade (as ações produtivas devem garantir o bem-estar de gerações futuras) é uma exigência econômica de vulto, tanto que nações como os Estados Unidos se recusam a assinar o Protocolo de Kyoto, regulador de emissões de gás carbônico para a atmosfera. Vale dizer que uma ação econômica que não respeite o ambiente, segundo os padrões agora exigidos, colidirá com a tese dos Espíritos.

Sobre a renda, há uma discussão interessante. O homem tem buscado não só a sobrevivência confortável, como a acumulação de bens, o aumento da riqueza. Para tanto, ele (nós) despendemos esforços, até acima do razoável. Enquanto outra motivação não se impõe, convém conhecer-se o pensamento de Adam Smith a respeito. Em síntese, o economista escocês disse que cada indivíduo procura seu próprio ganho, mas é como se fosse levado por "uma mão invisível" para produzir um resultado que não fazia parte de sua intenção. "Perseguindo seus próprios interesses, frequentemente promove os da sociedade, com mais eficiência do que se realmente tivesse a intenção de fazê-lo".

A tese smithiana é verdadeira, mas à luz da solidariedade, é melancólica. Aí está "primeiro eu" e para os outros, "a sobra". Essa busca, que ainda reflete "o espírito animal" do homem, deve ser um foco de mudanças.

Allan Kardec perguntou se o desejo de possuir é natural. "Sim, mas quando o homem só deseja para si e para sua satisfação pessoal, é egoismo. Há homens insaciáveis...", disseram os Espíritos. É nessas bases, no entanto, que o mundo se apóia em maior medida e as experiências históricas que tentaram apressar a repartição das riquezas, via decreto ou fusil, tiveram que mudar de meios. No contra-ponto está a "mão invisível" de Smith, de natureza expontânea, que ficaria bem melhor com a visão da imortalidade, antecedida da certeza de que levamos para outros planos apenas os valores da experiência e do conhecimento.

José Rodrigues, jornalista e economista, integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos.
Fonte: PENSE- Pensamento Social Espírita

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