quarta-feira, 4 de julho de 2007

O desafio da unidade da esquerda na Itália

Parte importante da nova esquerda se construiu ao redor do movimento altermundista; divergências quanto a leituras da conjuntura internacional dificultam alianças


Luis Hernandez Navarro

A constituição da Esquerda Européia na Itália, com a participação de uma parte da sociedade civil antineoliberal e não apenas do Partido da Refundação Comunista (PRC), supõe um desafio importante: construir uma coalisão política capaz de influir na política real, com experiências que em sua origem são distintas, em um momento político extraordinariamente complexo.

Don Tonino Dell'Ollio, da associação Libera, comprometida na luta contra a máfia, afirmou com clareza na assembléia constitutiva, parafraseando o papa João XXIII: "não me interessa saber se nos confrontamos no passado, e sim se poderemos ser capazes de empreender um caminho juntos". E completou: "não me interessa apenas estabelecer pontos de contato em nossas história, interessa-me proteger o futuro".

Essa unidade se choca, no entanto, com um obstáculo: a possibilidade de formar um novo partido de esquerda sobre a base de uma hipotética unidade entre o PRC, os comunistas italianos (PCI), os Verdes e a Esquerda Democrática. Caso isso se concretize, o jogo político se modificaria substancialmente.

Fausto Bertinnotti, presidente da Câmara dos Deputados e dirigente histórico do PRC, parece estar interessado em explorar esse caminho. Oliviero Filiberto, secretário do PCI, mostra-se entusiasmado com a idéia. No entanto, Titti di Salvo, da Esquerda Democrática, é muito mais cética. Sua existência como grupo com uma identidade própria é muito recente e uma parte de seus integrantes prefere se aliar com os socialistas.

Porém, para o resto das organizações, a relação com os socialistas (que na realidade são social-liberais) é mais complexa: coincidem com eles na defesa dos direitos sociais, mas têm diferenças fundamentais em questões internacionais e de relação com os organismos financeiros multilaterais.

Não se trata de uma questão secundária. Uma parte muito importante desta nova esquerda se construiu ao redor do movimento altermundista. Assim acredita Vittorio Agnolletto. Médico destacado na luta contra a Aids, porta-voz do Fórum Social durante as jornadas de protesto contra o G8 em julho e deputado europeu eleito como parte das listas do PRC, ele considera que este movimento tem a luta contra o neoliberalismo seu paradigma principal. Nele se expressa - assegura - a radicalidade que vem das jornadas de Gênova.

A situação se complica ainda mais porque as forças que formariam o novo partido são parte da coalisão de centro-esquerda que governa o país, cujo futuro poderia estar incerto se seus integrantes não chegarem a um acordo em torno da questão social. Além disso, eles têm recebido fortes críticas dos seus campos à esquerda - por exemplo, dos centros sociais do Nordeste -, que questionam a participação italiana na expedição militar no Afeganistão.

Europa na mira

Nas últimas semanas se produziu um forte debate entre a militância do PRC. O jornal do partido, o Liberazione, publicou reportagens sobre Cuba e Venezuela, amplamente críticas a suas revoluções e lideranças. A reação foi explosiva entre os que vêem nesses processos referências fundamentais para a sociedade que se quer construir. Os escritos puseram à ordem do dia o socialismo pelo qual se luta e o papel da Europa nisso.

Ramon Mantovani, atual deputado do PRC, conhece bem o México. Esteve lá em várias ocasiões, tanto para encontrar-se com os zapatistas como em missões parlamentares. "A América Latina sempre está presente no imaginário e no debate da esquerda italiana", comenta.

No entanto, critica o esquema de relação baseado tanto no etnocentrismo europeu de supor que a experiência do velho continente é superior à latino-americana, como o de considerar que o que se faz no novo mundo é superior ou mais avançado que o europeu e, portanto, é necessário subordinar-se a isso. Em seu lugar, propõe, deve-se estabelecer novas formas de cooperação que permitam enfrentar de maneira conjunta o neoliberalismo e a guerra.

Segundo ele, a Europa é a dimensão mínima da política como expressão do conflito de classe. O Estado de bem-estar europeu, afirma, nascido da derrota do fascismo e das conquistas do movimento operário, supõe um modelo civilizatório que é preciso defender, transformando-o, contra os embates do neoliberalismo. Nele estão as bases para um modelo econômico e social alternativo, de democracia profunda e real. Mas, para que isso seja possível, deve-se questionar a primazia do mercado, a competitividade e o crescimento. Simultaneamente deve-se construir a primazia do interesse público e a participação pública, entendendo o público não apenas como o estatal.

A referência européia na construção de outra sociedade e outra política foi uma constante na constrituição do capítulo da Esquerda Européia na Itália. Fausto Bertinnotti explicou com clareza. Existe, disse, uma necessidade histórica cada vez mais evidente: a da criação de uma sociedade alternativa. Os movimentos são conscientes disso e o expressam com o slogan "Outro mundo é possível".

A Europa "está convocada a jogar um papel protagônico neste esforço, mas não a Europa atual, e sim outra. Uma Europa que faça da democracia a base de seu papel no mundo e com seu modelo econômico e social", afirmou. A Europa é, na sua opinião, um espaço privilegiado para a integração de cada vez mais países do leste e do oeste, assim como do norte e do sul. Mas não qualquer Europa e, sem dúvida, não a Europa do capital, dos bancos e dos mercados.

O velho continente, assegura, é "a expressão mínima necessária para o renascimento da política das classes subalternas". E a conquista da paz e a transformação da sociedade capitalista serão chaves, serão os terrenos para fazê-lo. (La Jornada)

Fonte:BrasilDeFato

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